Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 136/2020-T
Data da decisão: 2021-02-01  IRS  
Valor do pedido: € 288.265,91
Tema: IRS – Indemnização por cessação do vínculo laboral; Vícios do procedimento.
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SUMÁRIO:

I. Não se verifica a violação do princípio do inquisitório se a AT recolheu os elementos probatórios necessários ao enquadramento factual da situação jurídica do sujeito passivo, realizando as diligências necessárias à obtenção da descoberta da verdade material; II. Não se verifica a violação do princípio da participação se foi facultada ao sujeito passivo a possibilidade de exercer o direito de audição sobre o projecto de relatório de inspecção, momento no qual este poderia juntar ao procedimento os elementos de facto que considerasse pertinentes, efectuando igualmente as considerações de direito que entendesse serem relevantes para o correcto enquadramento da sua situação jurídico-tributária;

III. Não se verifica a existência de vícios procedimentais pelo facto de os SIT terem optado pela realização de um procedimento de inspecção interno que em nada afectou a realização dos actos necessários à descoberta da verdade material;

 

DECISÃO ARBITRAL

Acordam os Árbitros Alexandra Coelho Martins (Árbitro Presidente), Paulo Lourenço e Carla Castelo Trindade, designados no Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

I. RELATÓRIO

1. A..., titular do número de identificação fiscal ... (adiante designado por “Requerente Marido”), e B..., titular do número de identificação fiscal ..., ambos com residência fiscal na ..., ..., ..., ..., ...-... Alcabideche, (daqui em diante designados conjuntamente por “Requerentes”), vêm requerer a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante designado apenas por “RJAT”), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto tributário consubstanciado na demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2019..., de 18 de Outubro de 2019, na demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2019... e na demonstração de acerto de contas n.º 2019..., ambas de 23 de Outubro de 2019, bem como à condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”) no pagamento dos juros indemnizatórios legalmente devidos.

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 2 de Março de 2020 pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

3. Os Requerentes não procederam à designação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 6 de Julho de 2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.

4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 5 de Agosto de 2020.

 

5. Os Requerentes vieram sustentar a procedência do seu pedido, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:

A acção inspectiva de que foram alvo visou concretizar na esfera jurídica destes supostas irregularidades em sede de IRS, detectadas no âmbito de uma inspecção ao C..., S.A. (“C...”), relativamente ao pagamento de uma indemnização fruto da rescisão do contrato de trabalho do Requerente Marido. Sucede que na acção inspectiva efectuada ao C..., na qual os serviços de inspecção tributária (“SIT”) verificaram as supostas irregularidades, o Requerente Marido não foi em caso algum chamado a pronunciar-se, violando assim no seu entender o princípio da participação constante dos artigos 59.º e 60.º, ambos da Lei Geral Tributária (“LGT”). Por outro lado, os serviços de inspecção tributária bastaram-se com a informação constante do currículo do Requerente Marido e com parte da informação disponibilizada pelo C..., designadamente com informação contida num documento excel que nunca foi disponibilizado para efeitos de exercício de contraditório. Pelo contrário, e em face da informação disponibilizada pelos Requerentes em sede de direito de audição, deveriam os SIT ter esclarecido junto do C... a veracidade dos factos que fundamentaram as correcções realizadas, isto é, as concretas funções exercidas pelo Requerente Marido entre 2003 e 2009, bem como a actividade por este anteriormente desenvolvida no Banco D.... Desta forma, ao não resultarem cabalmente do relatório de inspecção tributária (“RIT”) todos os elementos de prova necessários à correcção pretendida, não poderá considerar-se que os SIT realizaram todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade material, não cumprindo com o princípio do inquisitório a que estavam vinculados nos termos do artigo 58.º, da LGT. Tais insuficiências do procedimento teriam levado a um incorrecto apuramento dos factos e, consequentemente, a uma errónea aplicação do direito que inquinou de ilegalidade os actos tributários emitidos pela AT.

Sustentam ainda os Requerentes que, por outro lado, o acto de liquidação adicional de IRS também seria ilegal na medida em que o procedimento de inspecção que lhe esteve subjacente violou o artigo 34.º, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”), bem como o artigo 58.º, da LGT, uma vez que os SIT deveriam ter iniciado um procedimento de inspecção externa com vista à efectiva descoberta da verdade material e não apenas um procedimento de inspecção interna de âmbito parcial que não se mostrava adequado à possibilidade de aceder e investigar oficiosamente, através da realização de actos externos, aos elementos e documentos de suporte da actividade do Requerente Marido que fossem necessários ao enquadramento da sua situação jurídicotributária. Nestes termos, a falta de solicitação de documentos adicionais pelos SIT, em desconformidade com a natureza interna das acções inspectivas prosseguidas, e dos princípios da proporcionalidade, do inquisitório, da verdade material, do ónus da prova, da cooperação e da participação, constituem ilegalidades de natureza procedimental que inquinam a respectiva acção inspectiva e, consequentemente, o acto de liquidação adicional de IRS que nela se consubstanciou.

Por último, tendo em conta que estava em causa uma ausência de retenção na fonte a título de pagamento por conta, sustentam os Requerentes que a estes apenas caberia o pagamento do imposto que fosse eventualmente devido, cabendo ao C... o pagamento dos juros compensatórios devidos entre o termo do prazo de entrega do imposto e a entrega da declaração de rendimentos Modelo 3, conforme dispõe o artigo 28.º, n.º 2, da LGT. Sustentam a terminar que o acto de liquidação de juros compensatórios seria também ilegal por falta de fundamentação legalmente exigida e pela ausência de culpa dos Requerentes, sendo certo que a AT sempre teria calculado o montante de juros devidos de forma errónea, já que seria aplicável a limitação constante do n.º 7, do artigo 35.º, da LGT, uma vez que os juros apenas seriam devidos até aos 90 dias posteriores à conclusão da acção de fiscalização em que tomaram conhecimento do imposto em falta que, no caso em juízo, correspondia à acção de inspecção efectuada ao C... . Desta forma, na eventualidade de se considerar que aos Requerentes era devido o pagamento de juros compensatórios, estes teriam de ser calculados entre 1 de Junho de 2016 e o ano de 2017, pelo que aquele acto tributário sempre seria parcialmente anulável.

6. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta em 28 de Setembro de 2020, que foi devidamente notificada à Requerente, tendo ainda juntado ao processo o respectivo procedimento administrativo.

No âmbito da sua resposta, veio a Requerida defender-se por impugnação, tendo concluído pela improcedência da presente acção e consequente absolvição do pedido quanto ao peticionado pela Requerente com base, sumariamente, nos seguintes argumentos:

Não se verificou qualquer violação dos princípios do inquisitório e da participação, tal como invocado pelos Requerentes, na medida em que estes confundem os procedimentos inspectivos realizados. Em concreto, confundem os Requerentes o procedimento inspectivo efectuado ao C... pela Unidade dos Grandes Contribuintes, sob a ordem de serviço n.º 2017..., no qual se constataram eventuais irregularidades no pagamento de indemnização ao Requerente Marido em razão da cessação do vínculo contratual, e o procedimento inspectivo efectuado na esfera deste último, sob a ordem de serviço n.º 2019..., no âmbito do qual se visou aferir se existiram efectivamente, ou não, irregularidades no pagamento daquela indemnização e, em caso afirmativo, em que é que tais irregularidades se concretizaram. Por conseguinte, ao não ter resultado do procedimento inspectivo efectuado na esfera do C... a emissão de qualquer acto tributário correctivo ou outras implicações para os Requerentes, e ao não serem estes destinatários daquele procedimento, não poderiam os mesmos ser ouvidos quanto ao seu resultado, sob pena de os serviços incorrerem na quebra do dever de sigilo a que estão vinculados.

No que respeita à incorrecta prossecução dos procedimentos de inspecção, também não seriam procedentes os argumentos avançados pelos Requerentes, uma vez que se insere na competência da AT, e não daqueles, nos termos do artigo 13.º, do RCPITA, a escolha do lugar do procedimento de inspecção e dos actos a adoptar que se revelem necessários à descoberta da verdade material, que não são condicionados em virtude da natureza interna ou externa da mesma. Ao contrário do afirmado pelos Requerentes, a AT não praticou actos externos no âmbito do procedimento de inspecção, já que a solicitação ao C..., mediante ofício, de elementos comprovativos do apuramento da remuneração dos últimos 12 meses, não consubstancia a prática de actos externos, pois que estes correspondem àqueles que sejam efectuados em instalações ou dependências do sujeito passivo ou demais obrigados tributários. E quanto aos Requerentes, o facto de não exercerem qualquer actividade comercial, demonstra também que o procedimento inspectivo não carecia da realização de actos externos ou de qualquer verificação no local que justificasse a adopção de um procedimento de inspecção externo. Assim sendo, os SIT ter-se-iam socorrido das informações passíveis de serem conhecidas, designadamente o currículo do Requerente Marido bem como as informações que haviam sido compiladas noutros procedimentos, incluindo o realizado ao C..., tendo os Requerentes sido notificados, para efeitos de exercício do direito de audição, das conclusões de base factual e legal e dos elementos documentais em que se baseavam as correcções propostas, não tendo aqueles sustentado a sua discordância em elementos substantivos devidamente documentados.

Em suma, no entender da Requerida os argumentos invocados pelos Requerentes não se poderiam considerar procedentes tendo-se verificado, pelo contrário, que os SIT identificaram as fontes documentais que sustentavam os factos apurados, procedendo ao respectivo enquadramento jurídico-tributário aplicável à matéria controvertida, pelo que a decisão do procedimento que sustentou a emissão do acto de liquidação adicional de IRS se encontrava devidamente fundamentada de facto e de direito, respeitando assim os princípios de Direito que enformam a actuação da administração.

No que respeita aos juros compensatórios, verificou-se que a sua liquidação se deu aquando da emissão do acto de liquidação adicional de IRS, de tal forma que aquela não teve por base factos que fossem desconhecidos pelos Requerentes. Ao invés, o facto tributário consubstanciado no pagamento de um montante indemnizatório em razão da revogação contratual, que motivou as correcções propostas pelos SIT, era do pleno conhecimento dos Requerentes. Por último, e tendo em conta que o procedimento inspectivo realizado na esfera do C... não se confunde com o procedimento realizado na esfera dos Requerentes, seria igualmente improcedente o argumento de que os juros compensatórios deveriam ter como data de término da sua contagem aquele primeiro procedimento de inspecção.

Em suma, o Requerente Marido apenas teria exercido funções de trabalhador em 4 dos 22 anos em que exerceu funções no C... e no Banco D... por ele incorporado, pelo que os SIT efectuaram um correcto enquadramento tributário da indemnização por cessação contratual para efeitos da aplicação do artigo 2.º, n.º 4, alíneas a) e b), do CIRS.

7. Por despacho proferido em 20 de Outubro de 2020, foram as partes notificadas do agendamento da realização da reunião prevista no artigo 18.º, do RJAT, para o dia 10 de Dezembro de 2020. A reunião foi realizada na data prevista, tendo sido inquiridas as testemunhas arroladas pelos Requerentes.

No próprio dia da realização daquela reunião, e no seu seguimento, veio a Requerida, mediante requerimento, solicitar a junção aos autos pelos Requerentes, dos Relatórios e Contas de 1993 a 2015 tendo em conta que aqueles documentos indicavam os órgãos sociais que exerciam funções em cada instituição no respectivo ano.

8. Em 21 de Dezembro de 2020, mediante requerimento, vieram os Requerentes juntar aos autos os relatórios e contas do C... de 2005 a 2008, tendo juntado os links dos relatórios e contas de 2009 a 2015, referindo ainda que os relatórios e contas de 2000 a 2004 apenas estavam disponíveis em formato físico. Já no que respeita aos relatórios e contas de 1993 a 2000 do Banco D..., os Requerentes não procederam à sua junção ao processo, tendo apenas junto aos autos a certidão permanente daquele banco, bem como um e-mail em que o Requerente Marido havia solicitado aqueles documentos e em que atestava que teria tido a confirmação por parte do C... de que os mesmos não estavam disponíveis.

9. Em 22 de Dezembro de 2020, mediante requerimento, vieram os Requerentes solicitar a junção aos autos de e-mail trocado entre o Requerente Marido e o C... no qual a representante desta último instituição referiu que “decorridos mais de 20 anos já não existem tais documentos em arquivo, tanto mais que o Banco C... só adquiriu uma participação dominante sobre o Grupo E... em 2000”.

Finalmente, em 13 de Janeiro de 2021, mediante requerimento, vieram os Requerentes apresentar alegações escritas, tendo ainda solicitado a junção aos autos de recibos de pagamento emitidos pelo Banco D... ao Requerente Marido nos anos de 1993 e 1994, bem como a junção da certidão permanente daquele banco.

 

II. SANEAMENTO

10. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º, e 5.º, todos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

 

III. DO MÉRITO

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1.   Factos provados

 

11. Analisada a prova produzida no âmbito do presente Processo Arbitral, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

a)            Entre Novembro 1990 e Agosto de 1993 o Requerente Marido exerceu funções de trabalhador no Banco F...;

b)           Entre Agosto de 1993 e Maio de 1995 o Requerente Marido exerceu funções no Banco D... enquanto membro da comissão executiva daquele banco, tendo sido nomeado vogal do Conselho de Administração, em 8 de Maio de 1995, por cooptação, para o triénio 1993/1995;

c)            Em 2000, em virtude da integração por fusão do Banco D... com o C..., S.A., o Requerente Marido assume o cargo de Director Geral que exerce até 2008, ano em que foi nomeado administrador do C...;

d)           Entre Fevereiro de 2003 e Setembro de 2009 o Requerente Marido exerceu o cargo de administrador do G..., S.A., que integrava o grupo C... e que tinha sede e direcção efectiva na Polónia;

e)           Entre 2008 e 2015 o Requerente Marido exerceu o cargo de administrador do C..., tendo revogado o seu contrato de trabalho naquele último ano, mediante o pagamento por parte do ... de uma indemnização pecuniária de € 759.601,88, de uma compensação pela assunção da obrigação de não concorrência no valor de € 283.584,70 e do pagamento em espécie sob a forma de unidades de participação do Fundo de Pensões do C... no valor de € 105.217,00, tendo sido considerados para o cômputo da indemnização 25 anos de antiguidade;

f)            Os SIT da Direcção de Finanças de Lisboa realizaram uma acção de inspecção interna de âmbito parcial, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2019..., referente ao período de tributação de 2015 do Requerente Marido, cujas correcções foram despoletadas pelas eventuais irregularidades detectadas no âmbito da acção de inspecção realizada ao C... pela Unidade dos Grandes Contribuintes, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2017...;

g)            O Requerente Marido exerceu por escrito o seu direito de audição em relação ao projecto de relatório que lhe havia sido validamente notificado no âmbito do procedimento inspectivo de que era destinatário;

h)           Os Requerentes foram posteriormente notificados do acto de liquidação adicional de IRS, da demonstração de liquidação de juros compensatórios e da demonstração de acerto de contas já prontamente identificadas nos autos.

 

III.1.2.   Factos não provados

12. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

III.1.3.   Fundamentação da fixação da matéria de facto

13. Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Não se deram como provadas nem não provadas as alegações efectuadas pelas partes e apresentadas como factos, consubstanciadas em afirmações meramente conclusivas e, nessa medida, insusceptíveis de prova, cuja veracidade terá de ser apreciada em face da concreta matéria de facto consolidada.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre da aplicação conjugada dos artigos 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Atendendo às posições assumidas pelas partes, ao disposto no artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, à prova documental e ao PA juntos aos autos, bem como à prova testemunhal produzida no âmbito da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, no âmbito do qual as testemunhas inquiridas procuraram certificar as funções exercidas pelo Requerente Marido no Banco D... e no C..., consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

III.2.1.   Delimitação das questões a decidir

14. No que respeita à ordem do conhecimento dos vícios dos actos que a Requerente pretende ver sindicados, determina o artigo 124.º, n.º 1, do CPPT, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT, que o tribunal apreciará em primeiro lugar os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade dos actos impugnados e, posteriormente, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação. Não tendo sido invocados vícios conducentes à nulidade dos actos impugnados, a apreciação dos vícios é feita pela ordem indicada pela Requerente, desde que se estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público, conforme dispõe o artigo o 124.º, n.º 2, alínea b), do CPPT. Desta forma, apreciar-se-á em primeiro lugar a alegada violação dos princípios do inquisitório e da participação, em segundo lugar apreciar-se-á a ilegalidade da liquidação adicional invocada pelos Requerentes por incorrecta prossecução dos procedimentos de inspecção e, por fim, apreciar-se-á a alegada ilegalidade da liquidação de juros compensatórios.

 

III.2.2.   Violação dos princípios do inquisitório e da participação

15. A este respeito cumpre em primeira linha aferir se os SIT violaram o princípio do inquisitório, consagrado no artigo 58.º, da LGT, pelo facto de não terem realizado todas as diligências que se afiguravam necessárias à descoberta da verdade material, em concreto, pelo facto de se terem “bastand[o] com parte da informação por aquela entidade [C...] disponibilizada” sendo que “(…) face à informação disponibilizada pelo Requerente em sede de direito de audição, deveriam os SIT ter esclarecido junto do C... a veracidade de tais factos: funções exercidas entre 2003 e 2009, bem como a atividade desenvolvida ainda no anteriormente designado Banco D...”.

Dispõe o artigo 58.º, da LGT, a respeito do princípio do inquisitório, que “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”, sendo este princípio concretizado no artigo 6.º, do RCPITA, que estabelece o princípio da verdade material no que em concreto respeita às acções de inspecção promovidas pelos SIT, de tal forma que “O procedimento de inspecção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objectivo”.

A respeito da articulação destes princípios, que visam um fim comum, referiu-se no acórdão do TCA Sul de 7 de Maio de 2013, proferido no âmbito do processo n.º 06418/13 que “O procedimento tributário de inspecção visa, como não podia deixar de ser, como sucede em qualquer procedimento administrativo, a descoberta da verdade material. (…) Este princípio [da verdade material], consagrado no artº.6, do R.C.P.I.T., impõe que a Administração Tributária, no âmbito do procedimento de inspecção, procure recolher os elementos probatórios que possibilitem mais tarde fundamentar o acto tributário que venha a ser praticado. Trata-se de investigar e apurar o correcto cumprimento das obrigações fiscais pelos sujeitos passivos e, com base nessa investigação, recolher elementos que permitam apurar a eventual existência de irregularidades. Concluindo, o princípio da verdade material fixa aquele que deve ser o objectivo do procedimento inspectivo - a descoberta da verdade material. Este princípio é uma concretização do examinado princípio do inquisitório (enunciado no artº.58, da L.G.T., como princípio geral do procedimento tributário), sendo postulado pela natureza pública e indisponível da relação jurídico-tributária, assim abrangendo, por isso, os seus elementos de facto”.

Não obstante, tal como se referiu no acórdão do TCA Norte de 27 de Outubro de 2016, proferido no âmbito do processo n.º 00957/09.6BEVIS, “O dever de a administração tributária descobrir, por si própria, a verdade factual no âmbito do procedimento tributário, não se sobrepõe ao ónus da prova dos factos que cabem aos contribuintes, nem exclui ou limita o dever de colaboração dos contribuintes para com a administração tributária, dentro do espírito da boa-fé, conforme resulta do artigo 59° da LGT”.

Feito este enquadramento, verifica-se que os SIT, no âmbito do procedimento de inspecção que efectuaram à esfera do Requerente Marido, realizaram as diligências necessárias tendo em vista a descoberta da verdade material, procurando assim reunir os elementos probatórios necessários à aferição das funções efectivamente desenvolvidas pelo Requerente Marido no Banco D... e no C... . Os SIT basearam as correcções propostas nas informações recolhidas no âmbito do procedimento de inspecção que teve por base a esfera do C..., bem como no curriculum vitae do Requerente Marido e na informação prestado pelo C... em resposta a ofício dirigido pelos SIT que visou a remissão por aquela entidade dos documentos comprovativos e fórmula de cálculo utilizados no apuramento do valor da remuneração média dos últimos 12 meses. Assim, não se poderá considerar, tal como afirmam os Requerentes, que os SIT não efectuaram as diligências necessárias junto do C... para apurar a realidade dos factos em questão e que se teriam bastado com a consulta de um ficheiro em excel para a determinação daquela remuneração média. Isto, apesar de serem os próprios Requerentes que afirmam, de forma contraditória, que os SIT se teriam “basta[do] com parte da informação por aquela entidade [C...] disponibilizada”. Para além daqueles elementos probatórios, constatou-se que os SIT tiveram igualmente em consideração as folhas de remuneração e respectivos recibos de pagamento remetidos pelo C..., tendo concluído que o montante de € 283.584,70 pago a título de obrigação de não concorrência não integrava o cálculo da remuneração média dos últimos 12 meses pelo facto de consubstanciar um incremento patrimonial nos termos do artigo 9, n.º 1, alínea c), do CIRS, correcção essa que não foi contestada pelos Requerentes. Concluíram igualmente os SIT com base naqueles elementos probatórios que as unidades de participação do fundo de pensões do C... também não poderiam integrar aquela remuneração média mensal, por não integrarem o conceito de remunerações regulares com carácter de retribuição constante dos artigos 258.º a 260.º do Código do Trabalho e pelo facto de traduzirem um conjunto de activos que apenas proporcionam o pagamento futuro dos respectivos benefícios. Efectivamente, verifica-se quanto a este último ponto que o montante pago a título de unidades do fundo de participação não poderá ser considerado no cômputo da remuneração média mensal pelo facto de não estarem em causa direitos adquiridos para efeitos do artigo 2.º, n.º 3, alínea b), ponto 3), e do artigo 2.º, n.º 9, do CIRS e, consequentemente, remunerações regulares com carácter de retribuição.

Por seu turno, o Requerente Marido não se encontrava desonerado do cumprimento, dentro dos limites impostos pela boa-fé, do dever de colaboração dos contribuintes para com a AT de tal modo que poderia (e deveria, ainda que sem cominação de qualquer preclusão), no âmbito do direito de audição que optou por exercer em relação ao projecto de relatório, ter invocado e juntado ao procedimento todos os elementos de prova de que dispunha e que permitiam contrariar as correcções propostas pelos SIT, fundamentando por essa via as pretensões por si invocadas no exercício daquele direito. De resto, da análise da resposta ao direito de audição constante do relatório de inspecção tributária, e ao contrário do sufragado pelos Requerentes, verificou-se que os SIT se pronunciaram quantos aos elementos por aqueles invocados tendo referido a respeito da determinação dos anos em que o Requerente Marido exerceu funções de administrador e/ou de trabalhador que “No que respeita ao número de anos que o sujeito passivo exerceu funções de Administrador, e conforme referido anteriormente, o período decorrido entre 1990 e 1993 ao serviço do Banco F..., foi anterior à data de entrada do sujeito passivo no Banco D..., pelo que não foi considerado para efeitos de antiguidade conforme já referido. Relativamente ao facto invocado pelo sujeito passivo, de que entre 01-08-1993 e 07-05-1995 foi Membro da Comissão Executiva do Banco D... sendo apenas nomeado como Vogal do Conselho de Administração a 08-05-1995, pelos documentos juntos pelo sujeito passivo verificamos que a designação por cooptação ocorreu efetivamente para o triénio de 1993/1995, tendo ocorrido a ratificação apenas em 08-05-1995. Pelo exposto, também no triénio de 1993/1995 o sujeito passivo exerceu funções de Administrador, não o tendo feito apenas entre os anos de 2000 a 2003 (4 anos)”.

Aqui chegados cumpre desde já referir que os SIT procederam às diligências necessárias à descoberta da verdade material em cumprimento do princípio do inquisitório a que estavam vinculados, verificando-se que os elementos probatórios por estes reunidos permitiam certificar as conclusões a que chegaram no que em concreto respeita ao enquadramento dos factos e à respectiva subsunção normativa que deles é efectuada.

Quanto às funções exercidas entre Novembro 1990 e Agosto de 1993, não é controverso que o Requerente Marido apenas tenha exercido funções de trabalhador no Banco F... . Ainda que os Requerentes afirmem que não pretendem ver sindicados os anos de antiguidade utilizados pelos SIT para efeitos de cálculo do quantum de indemnização sujeito a tributação nos termos do artigo 2.º, n.º 4, alínea b), do CIRS, isto é, que não pretendem discutir a consideração pelos SIT de 22 anos de antiguidade ao invés dos 25 anos considerados pelo C... e pelos Requerentes, a verdade é que estes referem, com base nas funções exercidas no Banco F... durante aquele período que “estes anos deverão ser tidos em consideração para efeitos da determinação do montante excluído de tributação como Categoria A de IRS”.

Ora, a não consideração do exercício de tais funções deveu-se ao facto de aquele banco não estar por qualquer forma relacionado com a entidade devedora da indemnização nos termos conjugados do n.º 4, alínea b) e n.º 10, do artigo 2.º, do CIRS, tendo o STA uniformizado jurisprudência, no acórdão de 8 de Maio de 2019, proferido no âmbito do processo n.º 0407/18.7BALSB, no sentido de que apenas serão relevantes para efeitos de antiguidade as funções exercidas na entidade devedora da indemnização, pelo que seria irrelevante o disposto no Acordo Colectivo Trabalho que considerava aqueles anos para efeitos de determinação da antiguidade, com consequências directas no que respeita ao cálculo do montante de indemnização abrangido pelas normas que determinam a sua incidência fiscal. Dito de outro modo, assiste razão à AT na consideração de 22 anos de antiguidade para efeitos do cálculo daquela indemnização, apenas sendo fiscalmente relevantes as funções exercidas pelo Requerente Marido no Banco D... e no C... .

                Por outro lado, os elementos probatórios reunidos pelos SIT, em concreto, os elementos disponibilizados pelo C..., o curriculum vitae do Requerente Marido e a certidão do registo comercial do Banco D... na qual consta a nomeação daquele enquanto vogal do conselho de administração para o triénio de 1993/1995, bem como as alegações e elementos entregues pelo Requerente Marido em sede de exercício do direito de audição, permitiam identificar e distinguir as concretas funções exercidas pelo Requerente Marido no Banco D..., não se vislumbrando que fossem necessárias outras diligências para a assunção pelos SIT de que o Requerente Marido teria exercido funções enquanto administrador no período que decorreu entre 1993 e 1995, bem como entre 1996 e 2000 – período em relação ao qual o exercício de funções de administração não é contestado. O mesmo se diga em relações às restantes funções exercidas após a fusão do Banco D... com o C..., designadamente quanto à consideração pelos SIT, com base nos elementos probatórios por estes reunidos, e que também não são contestados pelos Requerentes, do exercício de funções enquanto trabalhador pelo Requerente Marido no período compreendido entre os anos de 2000 e 2003.

No que respeita ao período de 2003 a 2009, não é contestado o facto de o Requerente Marido ter sido administrador do G..., S.A., cuja sede e direcção efectiva se situava na Polónia. Apesar de aquele banco ser uma entidade jurídica distinta do C... Portugal, o mesmo era detido por este último, fazendo parte do grupo C... . Neste sentido, e da análise efectuada ao pedido de pronúncia arbitral, às alegações escritas dos Requerentes, ao relatório de inspecção tributária e à resposta da AT no presente processo, verifica-se que a divergência entre os Requerentes e a AT a este respeito não está no enquadramento da matéria de facto e nas diligências necessárias para a determinação das funções por aquele exercidas no G..., S.A.. Pelo contrário, a divergência quanto a este concreto ponto cinge-se ao enquadramento de direito a conferir ao desempenho daquelas funções e à manutenção do desempenho de funções no C... em Portugal naquele mesmo período de tempo.

A resposta à relevância conferida ao exercício daqueles funções terá de ser aferida em função da norma de extensão constante do artigo 2.º, n.º 10, do CIRS, que dispõe que “Considera-se entidade patronal toda a que pague ou coloque à disposição remunerações que, nos termos deste artigo, constituam rendimentos de trabalho dependente, sendo a ela equiparada qualquer outra entidade que com ela esteja em relação de grupo, domínio ou simples participação, independentemente da respectiva localização geográfica”. Quer isto dizer que, de acordo com a extensão operada por aquela norma, as funções de trabalhador dependente exercidas em sociedades sedeadas ou com direcção efectiva no estrangeiro serão consideradas para efeitos de aplicação da fórmula de incidência constante do artigo 2.º , n.º 4, alínea b), do CIRS, com impacto directo no cálculo da remuneração média dos últimos 12 meses (na eventualidade de as funções terem sido exercidas nessa entidade no momento anterior à cessação do vínculo laboral), e com impacto directo na redução do montante sujeito a tributação por via do aumento do número de anos de antiguidade. Por seu turno, por via da aplicação daquela norma de extensão do conceito subjectivo de entidade patronal, as funções de administração que sejam desenvolvidas naquelas entidades serão integralmente consideradas para efeitos de tributação das indemnizações por cessação de funções, nos termos do artigo 2.º, n.º 4, alínea a), do CIRS.

Dito isto, a qualificação jurídica dos factos efectuada pelos SIT – factos esses que não eram controvertidos, não contestando o Requerente Marido o exercício de funções de administrador no G..., S.A., na Polónia – permitiam, sem necessidade de realização de diligências adicionais tendo em vista a descoberta da verdade material, o enquadramento das funções exercidas naqueles anos enquanto funções de administração.

Por fim, não é controverso nos autos que em 2008 o Requerente Marido passou igualmente a fazer parte do conselho de administração do C... em Portugal, funções que exerceu até à cessação do vínculo que mantinha com aquela entidade em 2015, pelo os elementos que os SIT dispunham a este respeito não implicaram, no entender dos Requerentes, um erróneo enquadramento da matéria de facto.

Em face do exposto, considera-se improcedente a violação do princípio do inquisitório alegada pelos Requerentes, porquanto se constatou que os SIT recolheram efectivamente elementos probatórios que permitiam determinar e justificar as irregularidades detectadas, bem como as consequentes correcções propostas, não tendo os Requerentes demonstrado a inércia dos SIT ou a insuficiente fundamentação das correcções com base nos elementos probatórios carreados aos autos, que tivessem de algum modo implicado a insuficiência das diligências efectuadas tendo em vista a descoberta da verdade material e que resultaram na consideração de 22 anos de antiguidade, 18 dos quais referentes ao exercício de funções de administração.

16. No que concerne ao princípio da participação consagrado nos artigos 59.º e 60.º, ambos da LGT, alegaram os Requerentes que “(…) os SIT não solicitaram qualquer intervenção do Requerente Marido quando estavam, efetivamente, a avaliar a correção do entendimento fiscal adotado pelo C... aquando do pagamento da indemnização acordada, bastando-se com parte da informação por aquela entidade disponibilizada”, sendo certo que “(…) o esclarecimento das dúvidas suscitadas no direito de audição exercido pelo Requerente Marido poderia ter sido prestado logo durante a inspeção ao C... e, bem assim, ter aquela entidade tido oportunidade de esclarecer potenciais dúvidas da inspeção tributária”, o que implicaria a violação do princípio da participação e, consequentemente, a anulação da liquidação adicional de IRS impugnada nos presentes autos.

Quanto a este ponto, cumpre realçar que o procedimento de inspecção a que os Requerentes reportam a violação do referido princípio respeita ao procedimento realizado pela Unidade dos Grandes Contribuintes, sob a ordem de serviço n.º 2017..., à esfera individual do C..., no âmbito do qual se constataram eventuais irregularidades no pagamento da indemnização ao Requerente Marido em razão da cessação contratual acordada com aquela entidade. Ora, ainda que a acção inspectiva interna, de âmbito parcial, realizada pelos SIT da Direcção de Finanças de Lisboa, sob a ordem de serviço n.º 2019..., à esfera do Requerente Marido, tenha sido originada pelas eventuais irregularidades no pagamento daquela indemnização pelo C..., a verdade é que os Requerentes não eram destinatários da acção inspectiva realizada à esfera daquela entidade, não tendo resultado do referido procedimento a emissão de qualquer acto tributário correctivo ou quaisquer outras implicações para os Requerentes, de tal forma que não faria sentido que aqueles fossem ouvidos no decurso do mesmo, não existindo sequer qualquer imposição legal para o efeito. Tanto assim é que apenas no decurso do procedimento inspectivo efectuado à esfera do Requerente Marido foi efectivamente aferida a existência das eventuais irregularidades anteriormente detectadas, tendo os SIT procedido à recolha dos elementos probatórios necessários para o efeito e que ainda não se encontravam na sua posse, tendo em vista a concreta determinação daquelas irregularidades e a consequente definição das correcções a operar. No âmbito deste procedimento, a AT procedeu à válida notificação do projecto de relatório de inspecção tributária, possibilitando o exercício do contraditório por via do direito de audição que, conforme já referido, foi exercido pelos Requerentes.

Em face do exposto, considera-se improcedente o alegado vício de violação do princípio da participação, na medida em que a AT não inviabilizou a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhe digam respeito nos termos do artigo 60.º, da LGT, tendo, pelo contrário, permitido o exercício do contraditório por via do direito de audição no momento legalmente estabelecido, isto é, no âmbito do procedimento realizado à esfera jurídica do Requerente Marido e em relação ao projecto de relatório de inspecção tributária do qual constavam as concretas e exactas correcções propostas que, de resto, ainda não estavam sequer determinadas no âmbito do procedimento realizado na esfera do C... e em relação ao qual os Requerentes sustentam a violação do princípio da participação.

 

III.2.3.   Da ilegalidade da liquidação adicional por incorrecta prossecução dos procedimentos de inspecção

17. Entenderam também os Requerentes que os SIT se teriam refugiado na natureza interna da acção de inspecção de forma a “(…) dar aos Requerentes uma aparência de direito de audição, obter um ficheiro em Excel junto do C... e tributar adicionalmente aqueles com base na prática de tais procedimentos”, sendo que se “(…) a AT [tivesse] iniciado um procedimento inspetivo de natureza externa, como impõe a lei, beneficiaria da possibilidade de confronto dos factos alegados pelo Requerente Marido no seu exercício de direito de audição com os esclarecimentos que o C... poderia apresentar em sede de contraditório”. Desta forma, concluíram aqueles que a “natureza interna das ações inspetivas realizadas pelos SIT não é consentânea com os elementos e documentos pretendidos analisar pelos mesmos”, já que estes serviços tiveram de praticar actos externos, nomeadamente ao solicitar ao C...“valores para apuramento da remuneração média dos últimos 12 meses”, pelo que “(…) os SIT aniquilaram e autossabotaram ilegalmente qualquer possibilidade de oficiosamente aceder e investigar os elementos e documentos de suporte da atividade do Requerente Marido que entendesse necessários e, por conseguinte, de percecionar a sua concreta situação tributária”.

Cumpre a este propósito começar por referir que compete aos SIT, no âmbito da discricionariedade de que dispõem tendo em vista os fins do procedimento constantes do artigo 12.º, do RCPITA, a determinação do lugar do procedimento de inspecção bem como do seu âmbito e extensão, nos termos dos artigos 13.º e 14.º, daquele código, respectivamente. O âmbito interno ou externo do procedimento não condiciona, nem limita, a vinculação dos SIT à descoberta da verdade material nos termos do artigo 6.º, do RCPITA, já que aqueles continuam vinculados à realização de todos os actos indispensáveis para o efeito tendo em vista o cumprimento do princípio do inquisitório, que constitui um princípio que conforma todo o procedimento tributário nos termos do artigo 58.º, da LGT. Assim sendo, e tal como referiu a AT na sua resposta, “o facto de o requerente não exercer qualquer atividade comercial, demonstra também que tal procedimento não carecia de atos inspetivos externos ou de qualquer verificação no local, tão próprio das ações inspetivas externas”. Neste sentido, verificou-se que a acção inspectiva de âmbito interno em nada prejudicou a posição do Requerente Marido, uma vez que já “haviam sido compiladas noutros procedimentos, incluindo o inspetivo realizado pela UGC, pela informação que a entidade bancária carreou para os autos, nomeadamente quando notificada para esclarecer o cálculo do montante que foi disponibilizado ao requerente e os diversos elementos que estiveram na sua formulação, bem como dos documentos comprovativos, em pleno cumprimento do principio do inquisitório e no quadro do principio da colaboração”. Conforme se compreende, o lugar do procedimento não impediu os SIT de, mediante ofício, requererem ao C... informações tendo em vista o correcto apuramento dos factos e, dessa forma, procederem ao correcto enquadramento da situação jurídico-tributária do Requerente Marido, tendo este último mantido a possibilidade de exercer o direito de audição e de carrear para os autos os elementos probatórios que considerasse essenciais tendo em visto o apuramento da verdade material.

Em face do exposto, consideram-se igualmente improcedentes os alegados vícios procedimentais que, segundo os Requerentes, inquinariam de ilegalidade os actos de liquidação contestados.

 

III.2.4.   Juros compensatórios

18. Peticionaram ainda os Requerentes a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de juros compensatórios em virtude do facto de estar em causa uma situação de retenção na fonte por conta do imposto devido a final que, nos termos do artigo 28.º, n.º 2, da LGT, faria recair sobre o C... a responsabilidade pelo pagamento dos juros compensatórios que fossem eventualmente devidos pelo retardamento no pagamento do imposto. Isto sem prejuízo de não ser devido pelos Requerentes o pagamento de juros compensatórios, dado que estes se teriam limitado a reproduzir na sua declaração de rendimentos Modelo 3 a quantia que lhes havia sido comunicada pelo C..., de tal forma que a imposição do seu pagamento consubstanciaria uma imposição por um alegado erro de uma entidade terceira. Assim, estes juros seriam devidos em virtude de uma divergência entre a AT e o C... e não entre a AT e os Requerentes, já que estes nunca teriam sido chamados para se pronunciarem sobre o tratamento fiscal dado pelo Banco à indemnização paga ao Requerente Marido. Tudo isto seria agravado pelo facto de não resultar do relatório final de inspecção, nem de qualquer acto posterior, a necessária fundamentação para que pudessem ser assacadas quaisquer responsabilidades aos Requerentes no retardamento do imposto, sendo certo que tal responsabilidade consiste num pressuposto legal para que se considerem devidos juros compensatórios. E mesmo que assim não se entendesse, aqueles juros sempre deveriam estar limitados nos termos do artigo 35.º, n.º 7, da LGT, de tal modo que deveriam os mesmo ser calculados entre 1 de Junho de 2016 e o ano de 2017, que coincide com a data em que foi realizada a acção inspectiva ao C... sob a ordem de serviço n.º OI2017... e na qual os SIT teriam tomado conhecimento do montante de imposto em falta.

Por seu turno, entendeu a AT que não estava em causa uma qualquer divergência com o C... na medida em que as correcções promovidas se referiam à situação tributária dos Requerentes e não de uma terceira entidade, para além de que a entidade retentora, enquanto substituta tributária, havia procedido à entrega nos cofres do Estado da retenção na fonte efectuada nos termos do artigo 28.º, da LGT. Isto sem esquecer o facto de que a liquidação adicional de IRS teve por base meras correcções aritméticas decorrentes de um diverso enquadramento dos factos às normas jurídico-tributárias aplicáveis, não tendo tido por base factos que não fossem do pleno conhecimento dos Requerentes.

Cabendo decidir, cumpre a começar referir que os juros compensatórios são devidos, nos termos do artigo 35.º, da LGT, nos casos em que for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária, por facto imputável ao sujeito passivo. No que em concreto respeita à responsabilidade nos casos de substituição tributária dispõe o artigo 28.º, n.º 2, da LGT, que a responsabilidade originária pelo montante de imposto não retido, nos casos de retenção na fonte por conta do imposto devido a final, recai sobre os substituídos, respondendo apenas os substitutos subsidiariamente por aquelas dívidas mediante reversão do processo de execução fiscal nos termos do artigo 23.º, da LGT. No entanto, dispõe aquele primeiro artigo que os substitutos respondem directa e imediatamente sobre o montante de juros compensatórios que se afigurem devidos “desde o termo do prazo de entrega até ao termo do prazo para apresentação da declaração pelo responsável originário ou até à data da entrega do imposto retido, se anterior”. Neste sentido, verifica-se que a responsabilidade dos substitutos tributários pelo pagamento de juros compensatórios se encontra balizada, no limite, até ao termo do prazo para apresentação da declaração pelo responsável originário, isto é, até ao termo do prazo de que os substitutos tributários dispõem para apresentarem a sua declaração de rendimentos. Assim sendo, ao C..., enquanto substituto, apenas seria devido o pagamento de juros compensatórios dentro daqueles limites, tendo referido a AT na sua resposta ao pedido de pronúncia arbitral apresentado pelos Requerentes que aquela entidade teria procedido à retenção e entrega do montante de imposto devido nos termos do artigo 28.º, da LGT.

Em face do exposto, constata-se que os juros compensatórios liquidados aos Requerentes se devem às correcções aritméticas efectuadas à sua situação tributária que, de resto, foi por este definida no âmbito da declaração de rendimentos Modelo 3 que apresentaram por referência ao período de tributação de 2015. Assim sendo, não procede o argumento por estes invocado de que se teriam limitado a reproduzir o enquadramento fiscal que havia sido definido pelo C... e que nunca teriam sido chamados a pronunciar-se sobre o tratamento fiscal dado pelo Banco à indemnização paga ao Requerente Marido, já que os factos subjacentes às correcções operadas pelos SIT eram do conhecimento dos Requerentes, tendo sido estes os responsáveis pelo respectivo enquadramento na sua declaração de rendimentos.

Sobre a alegada falta de fundamentação, a demonstração de liquidação de juros contém, para além da referência ao quadro legal aplicável – “Juros Compensatórios Retardamento da Liquidação (art.ºs 91º do CIRS e 35º da LGT)” – , a menção expressa ao período de tributação de que derivam, o valor base, o período de cálculo e a taxa, bem como a identificação dos documentos de liquidação respectivos e o valor dos juros assim apurados. Informação que, embora sucinta, se reputa suficiente e compreensível para um destinatário médio, em linha com o que vem sendo o entendimento do STA. Acresce que derivando da falta de entrega de prestação tributária, é razoável inferir da ilicitude da conduta um juízo sobre a censurabilidade da mesma, que os Requerentes poderiam ter afastado, não o tendo, porém, feito.

Conforme acórdão do Pleno do STA, de 22 de Janeiro de 2014, no processo n.º 01490/13, a doutrina e a jurisprudência sufragam “a tese de que quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito se deve fazer decorrer dessa conduta – por ilação lógica – a existência de culpa (não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que, em regra, se liga ao carácter ilícito-típico do facto praticado) e que, por essa via, se deve partir do pressuposto de que existe culpa sempre que a actuação do contribuinte integra a hipótese de qualquer infracção tributária”. É certo que essa culpa será excluída se se demonstrar que o contribuinte actuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais, o que não foi o caso. Deste modo improcede o vício de fundamentação por aqueles suscitado.

Por tudo, considera-se que estavam preenchidos os pressupostos para a liquidação de juros compensatórios nos termos do artigo 35.º, da LGT, dado que se verificou um atraso ou retardamento da liquidação de imposto que se afigurava devido por comportamento culposo imputável ao sujeito passivo, ainda que a título de negligência, já que este não se encontrava desonerado de proceder ao correcto enquadramento jurídico-tributário da indemnização auferida pela cessação das funções exercidas no C... .

 

III.2.5.   Juros indemnizatórios

19. Alegaram por fim os Requerentes que para além do reembolso das quantias que tinham sido voluntária e indevidamente pagas, seria ainda devido o pagamento de juros indemnizatórios.

A este respeito dispõe-se no artigo 43.º, n.º 1, da LGT que “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Ora, tendo-se determinado, nos presentes autos, que não ocorreu qualquer erro imputável aos serviços, não se encontram reunidos os requisitos de que depende a aplicabilidade daquele regime, pelo que também improcede o peticionado pela Requerente a este respeito.

 

IV.DECISÃO

Termos em que se decide:

a) Julgar totalmente improcedentes os pedidos formulados pelos Requerentes;

b) Condenar os Requerentes nas custas do processo, no valor de € 5.202,00.

 

V.VALOR DO PROCESSO

Atendendo ao disposto no artigo 32.º, do CPTA e no artigo 97.º-A, do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 288.265,91.

 

VI.CUSTAS

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 5.202,00 a cargo dos Requerentes, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 1 de Fevereiro de 2021

 

Os Árbitros

 

Alexandra Coelho Martins

Paulo Lourenço

Carla Castelo Trindade

(Relatora)