Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 310/2020-T
Data da decisão: 2020-10-23  IRS  
Valor do pedido: € 221.316,32
Tema: IRS – Não residente; Residente em Estado Membro da União Europeia; Mais-valias.
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DECISÃO ARBITRAL

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Nuno Pombo e Dra. Cristina Aragão Seia (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 11-09-2020, acordam no seguinte:

             

                1. Relatório

 

– A..., residente em Rua ..., ..., Espanha, titular do número de contribuinte português...,

– B..., residente em ..., n.º..., ..., Espanha, titular do número de contribuinte português...,

– C... residente em Rua ..., ..., ..., ..., Espanha, titular do número de contribuinte português ... e

– D..., residente em ..., ..., ..., ..., Espanha, titular do número de contribuinte português ...,

 (doravante designados apenas por “Requerentes”), vieram, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade das liquidações de IRS relativas ao ano de 2018 com os n.ºs 2020... (com o valor de € 55.331,24, referente ao Requerente A...), 2020... (com o valor de € 55.328,36, referente à Requerente B...), 2020... (com o valor de € 55.328,36, referente ao Requerente C...) e 2020... (com o valor de € 55.328,36, referente à Requerente D...).

 É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 26-06-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 12-08-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 11-09-2020.

A AT apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e que, em caso de dúvida, deve ser suspensa a instância e efectuado reenvio prejudicial para o TJUE.

Por despacho de 12-10-2020, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, podendo o Requerente responder à questão da suspensão da instância para efeito de reenvio para o TJUE.

O Requerente pronunciou-se sobre a questão referida, defendendo que não se justifica a suspensão da instância.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A)           No dia 26-02-2002, transitou em julgada a sentença de inventário proferida pelo Tribunal Judicial de Setúbal, que atesta que os Requerentes herdaram um prédio urbano, sito na Rua ... n.º..., freguesia ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º..., da freguesia ..., inscrito na matriz predial sob o artigo..., da freguesia de ..., à data com o valor patrimonial de 15.516.508$00 (quinze milhões quinhentos e dezasseis mil quinhentos e oito escudos), correspondentes a € 77.396,02 (setenta e sete mil, trezentos e noventa e seis euros e dois cêntimos) (documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

B)           O bem em questão fazia parte da relação de bens, que integrava a herança aberta por óbito de E..., falecido em 24-09-1996, concretamente, descrito pela verba n.º 3, da referida relação de bens (Documento n.º 13);

C)           Cada um dos Requerentes herdou 1/4 (um quarto) do referido prédio, no valor de € 19.349, 02, conforme consta dos pontos VII, VIII, IX e X do processo de Inventário n.º .../99, (Documento n.º 13);

D)           No dia 19-01-2018, os Requerentes alienaram, na sua totalidade, o referido imóvel que detinham em compropriedade (Documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

E)            Os Requerentes procederam à entrega das Declarações de IRS, do ano de 2018, como Residentes, as quais originaram as liquidações com os números 2019..., 2019..., 2019... e 2019... (documentos n.ºs 5, 6, 7 e 8, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

F)            A AT obteve conhecimento, através da apresentação do contrato promessa do imóvel em questão, que a residência efetiva de todos se localizava em Espanha;

G)           Os Requerentes entregaram as Declarações de IRS de substituição, na qualidade de não residentes e tendo obtido um rendimento em Portugal, procedendo à entrega da Declaração de Rendimentos de IRS do ano de 2018, por forma a declarar as mais-valias resultantes da venda do referido imóvel (Documentos n.ºs 19, 20, 21 e 22 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

H)           Da entrega das Declarações de IRS de substituição do ano de 2018 resultaram as seguintes liquidações:

– Liquidação número 2020..., no valor de € 55.331,24 (referente ao Requerente A...) (Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– Liquidação número 2020..., no valor de € 55.328,36 (referente à Requerente B...) (Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– Liquidação número 2020..., no valor de € 55.328,36 (referente ao Requerente C... (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– Liquidação número 2020..., no valor de € 55.328,36 (referente à Requerente D... (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

I)             Nos termos de cada uma das liquidações emitidas, o rendimento global resultante da mais-valia realizada pelos Requerentes, ascendeu a € 196.137,82;

J)            A Administração Tributária considerou a totalidade da mais-valia apurada, no montante de € 196.137,82, para efeitos de determinação do rendimento coletável de cada um dos Requerentes;

K)           A Administração Tributária apurou imposto aplicando à matéria tributável da totalidade das mais-valias a taxa especial de 28%;

L)            As liquidações com os números 2020..., 2020..., 2020..., 2020... (Documentos n.º 1, n.º 2, n.º 3 e n.º 4) originaram as demonstrações de acerto de contas n.ºs 2020..., 2020..., 2020... e 2020... (documentos n.ºs 9, 10, 11 e 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

M)          Foram também emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira liquidações de juros compensatórios, nos montantes de € 412,65 (liquidação n.º 2020...) para um Requerente, e € 409,77 para três dos Requerentes (liquidações n.ºs 2020..., 2020... e 2020...), que constam dos documentos n.ºs 9, 10, 11 e 12);

N)           Em 30-08-2019, a Requerente B... pagou a quantia de € 37.999,19, referente à quantia que lhe foi liquidada (documento n.º 23 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

O)           Em 26-02-2020, a Requerente B... pagou a quantia de € 17.329,17, referente à quantia que lhe foi liquidada (documento n.º 24 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

P)           Em 30-08-2019, o Requerente C... pagou a quantia de € 37.999,19, referente à quantia que lhe foi liquidada (documento n.º 25 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

Q)           Em 26-02-2020, o Requerente C... pagou a quantia de € 17.329,17, referente à quantia que lhe foi liquidada (documento n.º 26 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

R)           Em 22-06-2020, o Requerente A... tinha a sua situação fiscal regularizada (documento n.º 27 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

S)            Em 22-06-2020, a Requerente D... tinha a sua situação fiscal regularizada (documento n.º 28 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

T)            Em 24-08-2020, a Subdirectora Geral da Área do Rendimento revogou parcialmente as liquidações impugnadas, na «parte correspondente às datas de aquisição do imóvel, mantendo-se o procedimento de liquidação», nos termos do artigo 13.º, n.º 1, do RJAT;

U)           Em 22-06-2020, os Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não se provou quando é que os Requerentes A... e D... pagaram as quantias que lhes foram liquidadas. Os documentos n.ºs 27 e 28 apenas comprovam que em 22-06-2020 tinham as suas situações tributárias regularizadas.

A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pelo Requerente e na aplicação informática do CAAD.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Posições das Partes

 

Os artigos 10.º, 43.º e 72.º do CIRC, nas redacções vigentes em 2018, estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 10.º

Mais-valias

1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

(...)

 

Artigo 43.º

Mais-valias

1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor.

 

(...)

Artigo 72.º

Taxas especiais

1 - São tributados à taxa autónoma de 28 %:

a) As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado;

 

(...)

 

9 - Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português. (Redação da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro)

10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

(...)

 

Os Requerentes eram residentes em Espanha e não formularam a opção prevista nos n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º, pelo que as mais-valias que obtiveram provenientes da venda de um imóvel foram tributadas, em 2018, à taxa de 28% sobre a totalidade do seu valor, em conformidade com o preceituado nos artigos 43.º, n.º 1, e 72.º, n.º 1, do CIRS.

Os Requerentes defendem, em suma, que o regime que resulta destas normas, ao limitar aos residentes em Portugal a redução a 50% do saldo das mais-valias relevantes para tributação, prevista no artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, na redacção vigente em 2018, viola o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), por se reconduzir a tratamento discriminatório (menos favorável) para os não residentes e ser, em consequência, restritivo da liberdade de circulação de capitais entre Estados-Membros, pelo que deve ser-lhes aplicado o regime previsto para os residentes.

Quanto à referida opção consagrada nos citados n.ºs 8 e 9 (   ) do artigo 72.º do CIRS, os Requerentes defendem que a possibilidade de opção não afasta em si a discriminação entre residentes no território português e residentes noutro Estado membro da União Europeia, patente no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS.

A Administração Tributária defende, em suma, que a incompatibilidade com o Direito da União é afastada pela possibilidade de opção prevista nos referidos n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º e, em caso de dúvida, deve ser efetuado reenvio prejudicial para o TJUE.

Para além disso, os Requerentes colocam ainda a questão de dever ser considerado para determinação da matéria tributável o valor do imóvel à data da morte do autor da herança, aplicando-se os coeficientes de desvalorização da moeda.

Como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira e se comprova pela aplicação informática do CAAD, esta pretensão já foi atendida, por despacho de 24-08-2020, da Subdirectora Geral da Área do Rendimento, nos termos do artigo 13.º, n.º 1, do RJAT.

 

3.2. Questão da compatibilidade com o Direito da União do regime de tributação previsto nos artigos 43.º e 72.º do CIRS para os não residentes

 

O artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS estabelece que «constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis».

Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º do CIRS, na redacção anterior à Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro, «o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes» e «o saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor».

 Este regime está previsto apenas para as transmissões efectuadas por residentes.

Para os não residentes, prevê-se no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS que são tributadas à taxa autónoma de 28% as «mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado».

No entanto, nos n.ºs 9 e 10 deste artigo 72.º (na redacção da Lei n.º 2-E/2014, de 31 de Dezembro) estabelece-se que «os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português» e que, «para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes».

Destas normas decorre que existem três regimes essenciais de tributação das mais-valias em sede de IRS:

– para os residentes em território português, vigora o regime previsto no artigo 43.º, em que as mais-valias realizadas são consideradas apenas em 50% do seu valor;

– para os residentes num Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, prevê-se a tributação autónoma nos termos do artigo 72.º, n.º 1, mas com possibilidade de optarem pela aplicação do regime dos residentes em território português, sendo considerados, para efeitos de determinação da taxa, todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes;

– para os não residentes em território português e num Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, prevê-se apenas a aplicação da referida tributação autónoma, sem possibilidade de opção por qualquer outro regime.

 

Os Requerentes não residiam em território português, mas residiam em território de um Estado-Membro da União Europeia, pelo que o regime aplicável que resulta daquelas normas é o do artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, com possibilidade de opção pela aplicação do regime dos residentes em território português, sendo considerados, para efeitos de determinação da taxa, todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

Os Requerentes defendem que a aplicação de tal regime é incompatível com o Direito da União Europeia, designadamente com o no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE (Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), que estabelece que “no âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”, por não ser aplicável a excepção prevista no artigo 64.º, n.º 1, nem existir justificação ao abrigo do disposto no artigo 65.º, n.ºs 1 e 3 do TFUE.

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que

– a incompatibilidade do regime de tributação de não residentes com o Direito da União Europeia que se previa nas redacções do CIRS anteriores à Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro foi declarada pelo acórdão do TJUE de 11-10-2007, proferido no processo C-443/06, caso Hollmann;

– mas, esse regime foi alterado com o aditamento dos n.ºs 7 e 8 ao artigo 72.º (a que correspondem os n.ºs 9 e 10, na redacção da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro);

– não há ainda jurisprudência do TJUE sobre a compatibilidade do novo regime com o Direito da União;

– pelo que deve ser efectuado reenvio prejudicial.

 

No artigo 63.º, n.º 1, do TFUE (anterior artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, “TCE”) estabelece que «no âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros».

 No referido acórdão do TJUE de 11-10-2007, processo C-443/06, proferido no caso Hollmann, foi decidido, a propósito do regime que estava previsto nos artigos 43.º, n.ºs 1 e 2, e 72.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, que o Direito da União «se opõe a uma legislação nacional (...) que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel».

A Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão ao dizer que, na sequência desse acórdão, foram efectuadas as alterações de 2007 ao artigo 72.º do CIRS, introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que permitiram aos residentes num Estado-Membro da União e no Espaço Económico Europeu optarem pelo englobamento, o que implica a colocação da questão da compatibilidade do novo regime com o Direito da União, em termos diferentes dos que se colocavam no caso Hollmann.

Como diz a Administração Tributária, não há ainda jurisprudência do TJUE sobre a compatibilidade do novo regime introduzido pela Lei n.º 67-A/2007com o artigo 63.º do TFUE.

Porém, há já jurisprudência do TJUE sobre situações manifestamente semelhantes, no sentido de que a incompatibilidade de legislação discriminatória com o artigo 63.º do TFUE (anterior artigo 56.º) não é eliminada pela previsão de um regime opcional não discriminatório.

Na verdade, o TJUE já havia decidido no acórdão de 12-12-2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, processo C-446/04, n.º 162, que «um regime nacional que limite as liberdades de circulação é incompatível com o direito comunitário mesmo que a sua aplicação seja facultativa».

Esta jurisprudência foi reafirmada pelo TJUE no acórdão de 18-03-2010, Gielen, C-440/08, n.º 53, em que se refere:

53 Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite a liberdade de estabelecimento é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, acórdão de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colect., p. I-11753, n.º 162).

 

Ainda com mais clareza, no acórdão de 28-02-2013, proferido no processo Beker, C-168/11, o TJUE explicitou o seguinte:

 

62. Mesmo admitindo que tal sistema seja compatível com o direito da União, resulta contudo da jurisprudência que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode permanecer incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, acórdão de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 162, e de 18 de março de 2010, Gielen, C-440/08, Colet., p. I-2323, n.º 53). A este respeito, a existência de uma opção que permitiria eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem assim por efeito sanar, por si só, o carácter ilegal de um sistema, como o previsto pela regulamentação controvertida, que compreende um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso em que, como no caso em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União é aquele que é automaticamente aplicado na inexistência de escolha efetuada pelo contribuinte. (negrito nosso)

 

Este último acórdão, com manifesta aplicação ao caso em apreço, não deixa qualquer margem para dúvidas para que o entendimento do TJUE é no sentido de que, sendo discriminatório o regime que resulta dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 2, e 72.º, n.º 1, do CIRS, a existência de uma opção não tem por efeito sanar, por si só, o carácter ilegal daquele regime e, por maioria de razão, em situação em que o regime incompatível com o direito da União é aquele que é automaticamente aplicado na inexistência de escolha efetuada pelo contribuinte.

Esta jurisprudência é reafirmada no Despacho do Tribunal de Justiça de 06-09-2018, processo C-184/18, caso Patrício Teixeira, em que se entende não existir qualquer diferença objectiva das situações dos residentes e não residentes que justifique a desigualdade de tratamento fiscal em sede de tributação de mais-valias, pelo que se trata de situações comparáveis e que, o que respeita à existência de justificações baseadas em razões imperiosas de interesse geral, não foi demonstrada a existência de um nexo directo entre o tratamento favorável resultante da tributação das mais valias imobiliárias com base numa matéria tributável reduzida a metade e as taxas de tributação progressiva aplicáveis ao conjunto dos rendimentos, que possa justificar a restrição pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal.

Assim, neste Despacho, o TJUE decidiu aí que «uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais‑valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado‑Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais‑valias realizadas por um residente naquele Estado‑Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, TFUE».

                As decisões do TJUE proferidas em reenvio prejudicial têm carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quanto à «interpretação dos Tratados», o que é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º) (   ).

O reenvio prejudicial que é sugerido pela Administração Tributária está previsto no artigo 19.º, n.º 3, alínea b) e no artigo 267.º do TFUE, e é, em princípio, obrigatório quando uma questão sobre a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno.

No entanto, quando a lei da União seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81.

 Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de DUE suscitada (doutrina do acto claro) (idem, n.º 14).

«Compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça» (acórdãos do TJUE de 10 de julho de 2018, processo C-25/17, e de 02-10-2018, processo C-207/16).     

No caso em apreço, afigura-se que a jurisprudência do TJUE é perfeitamente clara sobre as questões de interpretação do Direito da União que se colocam, pelo que não é necessário proceder a reenvio prejudicial.

                Aplicando aquela jurisprudência ao caso dos autos, constata-se que a aplicação da taxa de 28% prevista no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS a 100% das mais-valias implica necessariamente a incidência de uma carga fiscal mais elevada para os não residentes, pois equivale a uma tributação à taxa de 56% sobre 50% das mais-valias, tributação esta que nunca é atingida com a aplicação das taxas gerais previstas no artigo 68.º para a tributação de residentes (taxa máxima de 48%), mesmo considerando o acréscimo máximo de 5% previsto no artigo 68.º-A a título de taxa adicional de solidariedade.

                Pelo exposto, tem de se concluir que o artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, na medida em que limita a residentes a tributação em IRS considerando apenas 50% do valor das mais-valias, é incompatível com o Direito da União, mesmo com a opção permitida a não residentes nos n.ºs 9 e 10 (actuais n.ºs 14 e 15) do artigo 72.º do mesmo Código.

                Assim, em face da supremacia deste sobre o Direito Nacional que resulta do n.º 4 do artigo 8.º da CRP, o artigo 43.º, n.º 2, deve ser aplicado sem aquela limitação a residentes.

                Consequentemente, as liquidações impugnadas, ao não aplicarem aos Requerentes a redução do valor das mais-valias que se prevê no artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, enfermam de vício de violação de lei.

                Este vício afecta também as liquidações de juros compensatórios, que têm as respectivas liquidações de IRS como pressuposto, pelo que também se justifica a sua anulação.

 

                3.3. Questão da anulação total ou parcial

 

                Enfermando as liquidações de vício de violação de lei, justifica-se a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

                Os Requerentes pedem a anulação sem qualquer restrição e a Administração Tributária não defende a anulação deva ser apenas parcial.

                No entanto, a questão é de solução duvidosa, como revela a jurisprudência contraditória do Supremo Tribunal Administrativo, sobre situações substancialmente idênticas à que se coloca no presente processo.

                Na verdade, se é certo que, mais recentemente, nos acórdãos de 30-04-2013, processo n.º 01374/12, e de 18-11-2015, processo n.º 0699/15, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu a anulação parcial, também o é que nos anteriores acórdãos de 22-03-2011, processo n.º 01031/10 e de 10-10-2012, processo n.º 0533/12 decidiu que a anulação tinha de ser total.

Como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo, «o critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial». «Não é possível proceder-se à anulação parcial do acto se ela implicar uma nova liquidação, em consequência de a liquidação impugnada se basear em fundamento jurídico errado». (   )

No referido acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 0699/15, entendeu-se que o aí Recorrente não tinha razão ao defender que «ao ordenar que a Administração Tributária procedesse à emissão de liquidação reduzida a 50% do valor que liquidara, o tribunal recorrido está a invadir a área de actuação da competência da Administração Tributária, mormente no que toca à decisão de proceder, ou não, à liquidação de tributos», porque «ao anular parcialmente a liquidação nos termos que definiu, o tribunal a quo deixou incólume a parte da liquidação que respeita à tributação de 50% das mais-valias, que, por conseguinte, produz todos os seus efeitos de per si. O que quer dizer que a Administração Tributária não tem que tomar qualquer nova decisão quanto a liquidar, ou não, o tributo, mas terá, naturalmente, de proceder ao acerto de contas a que alude a parte final da vertente decisória da sentença».

Este entendimento, que tem vantagens práticas evidentes, poderá ser aplicado, sem problemas a nível da garantia dos direitos de defesa do Requerente, numa situação em que se possa considerar assente que a liquidação inicial não enferma de qualquer outro vício, para além do vício de violação de lei declarado pelo Tribunal e em que não seja questionada a quantificação da mais-valia.

Porém, no caso em apreço, afigura-se que não poderá, simplesmente, anular-se em 50% a liquidação.

                Embora a liquidação não tenha fundamentação de direito, conclui-se que a matéria tributável das mais-valias foi determinada com base no n.º 1 do artigo 43.º (totalidade do saldo das mais-valias) e não com base no n.º 2 (50% do saldo das mais-valias).

                Considerando que a solução legal, compatível com o Direito da União, é aplicar o n.º 2, toda a liquidação que, em vez de aplicar o n.º 2, aplicou o n.º 1, é ilegal, por vício de violação de lei, na medida que aplicou uma norma que não devia aplicar em vez daquela que devia ser aplicada.

                Por isso, em rigor, está-se perante uma ilegalidade que afecta todo o acto. O que há, é outra norma que, se fosse aplicada, mas não foi, permitiria à AT efectuar uma liquidação legal. (   )

                Numa situação deste tipo, em contencioso de mera anulação, como é a arbitragem tributária, em que os poderes dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD se restringem à declaração de ilegalidade de actos (artigo 2.º, n.º 1 do RJAT), o Tribunal deve declarar a ilegalidade (ilegal aplicação do n.º 1 do artigo 43.º) que afecta todo o acto, pois nenhuma parte dele teve por base o n.º 2. Num contencioso deste tipo, não cabe ao Tribunal liquidar o imposto que deveria ser liquidado se fosse aplicada a norma legal em vez da ilegal, sendo essa tarefa que cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira, em execução de julgado, como, de resto, decorre do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT.

Por outro lado, no caso em apreço é também questionada a quantificação da matéria tributável e, embora a Administração Tributária tenha junto ao processo cópia de uma decisão de revogação parcial, o certo é que não juntou ao processo quaisquer liquidações de substituição.

Pelo exposto, não tendo este Tribunal Arbitral poderes para quantificar os efeitos da ilegalidade que aqui se declara, impõe-se a anulação total da liquidação, sem prejuízo de a Autoridade Tributária e Aduaneira, em execução do presente acórdão, poder eventualmente emitir novas liquidações que não enfermem da ilegalidade declarada no presente acórdão.

 

                4. Restituição de quantia paga indevidamente e juros indemnizatórios

 

                Os Requerentes pedem a restituição das quantias indevidamente pagas, com juros indemnizatórios.

                Os Requerentes B... e C... pagaram, as quantias liquidadas (cada um pagou € 37.999,19, em 30-08-2019, e pagou € 17.329,17, em 26-02-2020).

                Em 22-06-2020, os Requerentes A... e D... tinham as situações tributárias regularizadas, mas não se provou quando efectuaram pagamentos das quantias liquidadas.

                De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

                Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

                O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação    ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na  redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na  redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

                Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

                Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

                Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

                Na sequência da anulação da liquidação, cada um dos Requerentes tem direito a ser reembolsados das quantias que pagou indevidamente.

                No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

                No caso em apreço, conclui-se que há erro nas liquidações imputáveis aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foi esta que as elaborou por sua iniciativa.

                Os juros indemnizatórios devem ser contados, relativamente a cada pagamento, desde a data em que foi efectuado, até ao integral reembolso ao respectivo Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

                5. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

B)           Anular as liquidações de IRS relativas ao ano de 2018 com os n.ºs 2020..., 2020..., 2020... e 2020... e as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020..., 2020..., 2020... e 2020...;

C)           Julgar procedentes os pedidos de reembolso das quantias pagas e condenar a Administração Tributária a pagar a cada um dos Requerentes a quantia que pagou: € 55.331,24 ao Requerente A...; € 55.328,36 a cada um dos outros Requerentes B..., C... e D...;

D)           Julgar procedentes os pedidos de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los a cada um dos Requerentes, nos termos referidos no ponto 4 do presente acórdão.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € 221.316,32.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

               

Lisboa, 23-10-2020

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Nuno Pombo)

(Cristina Aragão Seia)