Acordam em Tribunal Arbitral
Sumário:
Os benefícios fiscais apurados no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE) não são dedutíveis à coleta resultante das tributações autónomas.
I – Relatório (consultar versão completa no PDF)
1. A..., SA, sociedade comercial com o número único de matrícula e de pessoa coletiva..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Sintra, na qualidade de sociedade dominante de um grupo de empresas tributado pelo Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º e segs. do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa deduzido contra os actos de autoliquidação de IRC, referentes ao exercícios de 2013 e 2014, na parte em que não admite a dedução à coleta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma dos benefícios fiscais apurados no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente é uma sociedade comercial que desenvolve a sua atividade no âmbito do setor farmacêutico, designadamente, na indústria e comércio de produtos e especialidades farmacêuticas, medicamentos, produtos químicos, dietéticos, de higiene, dermocosméticos e alimentar e que se encontrava sujeita, em 2013 e 2014, ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades, na condição de sociedade dominante.
Por referência ao período de tributação de 2013, a Requerente apresentou a declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC e uma declaração de substituição na qual foi considerado um montante de € 332.367,68, a título de tributações autónomas.
Nesse exercício, a REQUERENTE requereu créditos de SIFIDE II no valor total de € 2.249.069,81, que foram indicados na declaração de substituição apresentada após o pedido, dos quais € 2.243.526,56 foram aprovados, conforme a declaração emitida pela Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais à I&D Empresarial.
Não obstante a existência dos créditos fiscais, por impossibilidade técnica no preenchimento da Declaração de IRC, não foi permitido à REQUERENTE deduzir os montantes de crédito de SIFIDE II que detinha em 2013 à coleta de IRC relativa às tributações autónomas.
Por referência ao período de tributação de 2014, a Requerente apresentou a declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC e uma declaração de substituição, na qual foi considerado um montante de € 352.183,59, a título de tributações autónomas.
Nesse exercício, detinha créditos de SIFIDE II no valor total de € 2.710.595,97, conforme a declaração emitida pela Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais à I&D Empresarial.
Não obstante a existência dos créditos fiscais, por impossibilidade técnica no preenchimento da Declaração de IRC, não foi permitido à REQUERENTE deduzir os montantes de crédito de SIFIDE II que detinha em 2013 à coleta de IRC relativa às tributações autónomas.
A Lei do Orçamento do Estado para 2011 (Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro) aprovou o regime do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial II (SIFIDE II), que veio substituir o SIFIDE, com o objetivo de continuar a aumentar a competitividade das empresas, apoiando os seus esforços em Investigação e de Desenvolvimento, que, por efeito da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, passou a vigorar até ao ano de 2020.
Segundo dispõe o artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2010, o beneficio/crédito concedido no âmbito do SIFIDE II pode ser deduzido pelos «sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território».
Ainda nos termos do artigo 90.º do Código de IRC, o benefício fiscal é deduzido ao montante apurado na liquidação de IRC.
Por outro lado, não prevendo o Código do IRC qualquer procedimento específico para liquidação das tributações autónomas, estas terão de ser apuradas e liquidadas nos termos desse artigo 90.º
A exclusão da dedutibilidade do benefício fiscal à coleta de IRC produzido pelas tributações autónomas foi introduzida, pela primeira vez, pela Lei do Orçamento de Estado de 2016, através do aditamento do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, sendo que a natureza interpretativa dessa disposição foi declarada inconstitucional por violação do princípio da não retroatividade dos impostos.
Conclui pela ilegalidade dos atos de auto-liquidação por não ter sido permitido a dedução do benefício fiscal de SIFIDE II à coleta resultante das tributações autónomas autoliquidadas por referência aos exercícios de 2013 e 2014.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, limita-se a referir que o acórdão de 8 de julho de 2020 (Processo n.º 10/20), proferido pelo pleno da secção de contencioso tributário do STA, em recurso para uniformização de jurisprudência, veio fixar o entendimento de que não são admitidas deduções à coleta produzida por tributações autónomas de créditos apurados e gerados a título de benefício fiscal, vindo a concluir, em aplicação dessa orientação jurisprudencial, pela improcedência do pedido arbitral.
2. No seguimento do processo, por despacho de 2 de Outubro de 2020, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações escritas por não haver quaisquer novos elementos sobre que as partes se devam pronunciar.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 28 de Agosto de 2020.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas exceções.
Cabe apreciar e decidir.
II -Fundamentação
4. A matéria de facto relevante para a decisão da causa é a seguinte:
a) Em 2013 e 2014, o Grupo B... encontrava-se sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades e era composto pelas seguintes sociedades:
b) Em 30 de maio de 2014, na qualidade de sociedade dominante do Grupo B..., a Requerente apresentou a Declaração Modelo 22 de IRC do Grupo, relativamente ao exercício de 2013, que deu origem à Demonstração de Liquidação de IRC, com um reembolso de € 1.946.665,63;
c) Após a apresentação de um pedido de SIFIDE, nesse ano, procedeu à entrega de uma Declaração Modelo 22 de substituição na qual inscreveu o valor de € 2.249.069,81 a título de benefício fiscal, e apurou o montante de tributações autónomas de € 332.367,66;
d) Em 25 de maio de 2015, na qualidade de sociedade dominante do Grupo B..., a Requerente apresentou a Declaração Modelo 22 de IRC, relativamente a 2014, e posteriormente uma declaração de substituição, que originou o pagamento de imposto no montante de € 137.424,42 e o apuramento do montante de tributações autónomas de € 352.183,59;
e) A Requerente dispunha de um saldo de créditos fiscais apurados no âmbito do SIFIDE, no montante de € 2.243.526,56, em 2013, e de € 2.710.595,57, em 2014;
f) Nos atos de autoliquidação, a Requerente não pôde deduzir os montantes de créditos fiscais que detinha à coleta resultante da tributação autónoma nos períodos de tributação de 2013 e 2014;
g) A Requerente apresentou, em 25 de maio de 2018, um pedido de revisão oficiosa em vista a ver reconhecido o direito de dedução à tributação autónoma apurada em 2013 e 2014 dos créditos fiscais disponíveis a título de SIFIDE;
h) Por ofício de 13 de dezembro de 2019, a Requerente foi notificada para exercer o direito de audição relativamente ao projeto de decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, não tendo exercido esse direito;
i) O pedido de revisão oficiosa foi objeto de indeferimento, por despacho de 27 de janeiro de 2020, do Diretor de Serviços de IRC, praticado ao abrigo de subdelegação de competência
j) A decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa baseou-se na não dedutibilidade de quaisquer montantes à coleta produzida pelas tributações autónomas em face da natureza específica das tributações autónomas e os seus objetivos de evitar práticas de evasão e fraude fiscal.
Factos não provados.
Não há factos não provados que tenham relevo para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e factos não questionados pelas partes.
Matéria de direito
Dedução do benefício fiscal à coleta da tributação autónoma
5. A questão a decidir é a de saber se há lugar em sede de IRC à dedução à coleta produzida pelas taxas de tributação autónoma dos benefícios fiscais apurados no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE II).
Esta questão tem sido já decidida pela jurisprudência arbitral de forma divergente.
No sentido da admissibilidade da dedução, argumenta-se que a coleta proporcionada pela tributação autónoma constitui coleta de IRC e a dedução dos benefícios fiscais é efetuada em relação ao montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC, levando a concluir que o processamento da liquidação do imposto, tal como resulta do falado artigo 90.º, se aplica a todas as situações previstas no Código, incluindo no tocante às tributações autónomas. Partindo desta ideia central, conclui-se que a autonomia deste tipo de tributação se restringe às taxas aplicáveis e à respetiva matéria coletável, não havendo suporte legal, face ao disposto no artigo 90.º, para distinguir entre a coleta proveniente da tributação autónoma e a que resulta dos rendimentos sujeitos a IRC.
Em sentido oposto, pronunciaram-se, entre outros, os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 19/2016-T, 575/2016-T, 628/2016-T, 641/2017-T, 7/2018-T, 402/2018-T, 492/2018-T, 591/2018-T, 580/2018-T, 655/2018-T e 349/2019, partindo essencialmente da ideia de que, face a específica natureza das taxas de tributação autónoma como normas anti-abuso, não se justifica que à matéria coletável resultante da aplicação dessas taxas sejam dedutíveis os benefícios fiscais.
E é este último entendimento que foi reiterado pelo STA, no acórdão de 8 de Julho de 2020 (Processo n.º 010/20), em recurso para uniformização de jurisprudência, em que formularam as seguintes conclusões:
I – As tributações autónomas, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal material e estruturalmente distinta deste.
II – Para não frustrar os objectivos tributários prosseguidos com a tributação através de tributações autónomas não são admitidas deduções à respectiva colecta que não estejam expressamente previstas na lei, designadamente, está excluída a possibilidade de dedução dos montantes apurados a título do benefício fiscal SIFIDE II, aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010.
III – Esta interpretação normativo-legal dos preceitos tributários do CIRC e do Regime legal do SIFIDE II não foi alterada com a introdução do n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC por efeito da aprovação da Lei n.º 7-A/2016, uma vez que já resultava, implicitamente, da redação anterior daquele preceito legal.
E não pode deixar de seguir-se esta jurisprudência fixada em recurso por oposição de julgados entre decisões arbitrais.
Como tem sido assinalado, a introdução do mecanismo de tributação autónoma é justificada, por outro lado, por se reportar a despesas cujo regime fiscal é difícil de discernir por se encontrarem numa “zona de interseção da esfera privada e da esfera empresarial” e tem em vista prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição oculta de lucros ou atribuam rendimentos que poderão não ser tributados na esfera dos respetivos beneficiários, tendo também o objetivo de combater a fraude e a evasão fiscais (SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, pág. 407).
Para além disso, a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas). E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal.
Naquelas situações especiais elencadas na lei, o legislador optou, por isso, por sujeitar os gastos a uma tributação autónoma como forma alternativa e mais eficaz à não dedutibilidade da despesa para efeitos de determinação do lucro tributável, tanto mais que quando a empresa venha a sofrer um prejuízo fiscal, não haverá lugar ao pagamento de imposto, frustrando-se o objetivo que se pretende atingir que é o de desincentivar a própria realização desse tipo de despesas.
Neste contexto, analisando a questão da tributação autónoma à luz do princípio da tributação das empresas segundo o rendimento real e do princípio da capacidade contributiva, o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 197/2016, subscreveu o seguinte entendimento.
“(…) o IRC e a tributação autónoma são impostos distintos, com diferente base de incidência e sujeição a taxas específicas. O IRC incide sobre os rendimentos obtidos e os lucros diretamente imputáveis ao exercício de uma certa atividade económica, por referência ao período anual, e tributa, por conseguinte, o englobamento de todos os rendimentos obtidos no período tributação. Pelo contrário, na tributação autónoma em IRC – segundo a própria jurisprudência constitucional -, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, caracterizando-se como um facto tributário instantâneo que surge isolado no tempo e gera uma obrigação de pagamento com caráter avulso. Por isso se entende que estamos perante um imposto de obrigação única, por contraposição aos impostos periódicos, cujo facto gerador se produz de modo sucessivo ao longo do tempo, gerando a obrigação de pagamento de imposto com caráter regular.
Como é de concluir, a tributação autónoma, embora prevista no CIRC e liquidada conjuntamente com o IRC para efeitos de cobrança, nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros imputáveis ao exercício económico da empresa, uma vez que incidem sobre certas despesas que constituem factos tributários autónomos que o legislador, por razões de política fiscal, quis tributar separadamente mediante a sujeição a uma taxa predeterminada que não tem qualquer relação com o volume de negócios da empresa”.
Em idêntico sentido, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 310/2012 chamou a atenção para a natureza materialmente distinta da tributação autónoma em relação ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, ainda que essa imposição fiscal se encontre formalmente inserida no Código de IRC.
Entende-se, nos termos acabados de expor, que a base de incidência da tributação autónoma se não traduz num rendimento líquido, mas num custo dedutível transformado excecionalmente em objeto de tributação, correspondendo a uma sanção legal que se destina a reduzir a vantagem fiscal que poderia resultar de despesas injustificadas ou excessivas. E, neste enquadramento, seria inteiramente contrário à unidade do sistema jurídico que os benefícios fiscais a atribuir aos contribuintes em sede de IRC venham a ser deduzidos à coleta resultante da aplicação de taxas de tributação autónoma.
As taxas de tributação autónoma tem a natureza de normas anti-abuso e destinam-se a desencorajar certas situações especiais que visem obter uma diminuição da carga fiscal mediante a dedução de custos que se presume não serem determinados por uma causa empresarial. Além disso, o sistema normativo do imposto tem uma natureza dualista na medida em que integra, de um lado, a matéria coletável baseada no lucro tributável, e, de outro lado, a matéria coletável resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma incidente sobre certo tipo de despesas.
Ainda que a liquidação do imposto seja efetuada de forma agregada, com base nessas duas diferentes componentes, não faz sentido que as deduções gerais a efetuar relativamente ao montante apurado de imposto incidam sobre a coleta devida pela aplicação das taxas de tributação autónoma. De facto, as deduções à coleta constituem uma das formas de dar corpo ao princípio da capacidade da contributiva que tem como um dos seus corolários a tributação segundo o rendimento real. Tratando-se de impostos sobre o rendimento, as deduções objectivas a contemplar são as correspondentes às despesas que possam razoavelmente considerar-se necessárias à angariação do rendimento e que se adequem à natureza de cada categoria de rendimentos, havendo de entender-se, no caso das atividades empresariais, os gastos ou perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC (SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 299).
Certo é que a lei admite ainda deduções ao lucro tributável e, entre elas, as relativas a benefícios fiscais (artigo 90.º, n.º 2, alínea c)). Não tem cabimento, no entanto, que essas deduções possam ocorrer em relação à coleta da tributação autónoma.
Cabe recordar que a tributação autónoma incide sobre certas despesas tipificadas na lei fiscal que tenham sido efetuadas pela empresa, e apenas sobre essas despesas, e não visa a tributação dos rendimentos empresariais que tenham sido auferidos no respetivo exercício económico. E o objetivo do legislador - como se referiu – é o de desincentivar a realização de despesas que possam repercutir-se negativamente na receita fiscal e reduzir artificiosamente a própria capacidade contributiva da empresa.
Admitir que os créditos fiscais resultantes de situações de incentivo ou benefício fiscal pudessem neutralizar o efeito sancionatório da tributação autónoma seria desvirtuar o próprio conceito de benefício fiscal e os princípios da capacidade contributiva e da justa repartição da carga fiscal.
Pela sua própria natureza, os benefícios fiscais são medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem, correspondendo a situações em que o legislador fiscal desagrava, por razões técnicas ou de política fiscal, certas manifestações de riqueza que pretende afastar da tributação normal (artigo 2.º, n.º 1, do EBF). O benefício fiscal é considerado, por outro lado, como uma despesa fiscal na medida em que incide sobre uma situação sujeita a tributação e equivale, em termos quantitativos, a uma receita fiscal não arrecadada.
Não faz qualquer sentido, neste condicionalismo, que as deduções à coleta do imposto que resultem de benefícios fiscais incidam não apenas sobre o lucro tributável mas sobre despesas que o legislador pretendeu tributar por razões de transparência fiscal. O que conduziria a permitir que o benefício fiscal fosse utilizado para frustrar o objectivo que se pretende atingir com a tributação autónoma que é justamente o de desincentivar a própria realização desse tipo de despesas.
6. A Requerente alude ainda à natureza inovadora da norma do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, na redação introduzida pelo artigo 134.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, com a consequente inaplicabilidade à situação dos autos por violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal.
A referida norma veio estabelecer que “a liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”. E o subsequente artigo 135.º da mesma Lei confere à citada disposição do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC natureza interpretativa.
A invocação da apontada disposição poderia suscitar a questão de saber se a norma, no condicionalismo do caso, poderia ser qualificada como interpretativa e se o efeito retroativo dessa qualificação poderia pôr em causa o princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal.
No entanto, o tribunal – tal como considerou o STA no referido acórdão para uniformização de jurisprudência -, para chegar à solução do caso, limitou-se a interpretar as disposição do artigo 90.º, n.º 2, alínea c), do CIRC segundo as regras gerais da hermenêutica jurídica, abstendo-se de aplicar a disposição do falado artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, pelo que, não tendo sido utilizada essa disposição como ratio decidendi, não é invocável a violação de qualquer parâmetro de constitucionalidade que se reporte ao pretenso carácter interpretativo da lei, seja por referência ao princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal ou a qualquer dos demais princípios constitucionais invocados (cfr., entre muitos, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 319/94 e 524/98).
Por tudo, o pedido arbitral mostra-se ser improcedente, ficando necessariamente prejudicado o conhecimento do pedido referente à condenação em juros indemnizatórios.
III - Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar improcedente o pedido arbitral de declaração de ilegalidade da liquidação de IRC, relativa aos exercícios de 2013 e 2014, e manter a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa deduzido contra esses atos de liquidação;
b) Julgar prejudicado o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
Valor do Processo
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 662.701,29, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em
€ 9.792,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, que fica a cargo da Requerente.
Notifique.
Lisboa, 25 de novembro de 2020
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
Rui Correia de Pinho
O Árbitro vogal
André Festas da Silva