DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – RELATÓRIO
1. No dia 27-12-2019, A..., sociedade constituída segundo as leis da Suécia, número de identificação fiscal SE ..., NIPC n.º ..., com sede em ..., ..., ..., Estocolmo, (doravante, abreviadamente designada Requerente), tendo apresentado impugnação judicial do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada dos actos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do exercício de 2011, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, e das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção actual (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a anulação dos actos tributários de retenção na fonte e o reembolso da quantia de € 49.708,33, suportada em excesso a título de IRC retido na fonte no exercício de 2011, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.
2. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:
a) Contratou com a B..., S.A., NIF..., de quem é detentora de 100% do capital, o pagamento de um fee (license fees/support fees) referente à cedência do direito de utilização da marca, serviços de assistência técnica, pesquisa, desenvolvimento, entre outros, remuneração esta, calculada com base numa percentagem de 35% do EBITDA (resultados antes de juros e impostos), sendo de natureza variável, cujo quantitativo é apurado no final do ano.
b) Estes rendimentos são enquadrados como royalties, à taxa de 10%, uma vez que tinha na sua posse o certificado de residência fiscal e o formulário 21-RFI para o ano de 2011, nos termos do no artigo 4.º, n.º 3, alínea c) n.º 1 do Código do IRC e no artigo 12.º do Acordo para evitar a Dupla Tributação (ADT) celebrado entre Portugal e a Suécia,
c) A B..., S.A., em conformidade com as disposições legais aplicáveis, na qualidade de substituta tributária, procede à liquidação do IRC devido, através de retenção na fonte, aplicando uma taxa de 10%, aplicável nos termos da CDT no valor de € 337.408,37, tendo apresentado guias de retenção na fonte.
d) Emite, por regra à B... S.A, no início de cada ano civil uma factura no valor previsível dos fees que espera vir a facturar no período de Janeiro a Novembro. Posteriormente, no final de cada ano, se o valor cobrado até novembro exceder o valor dos fees efectivamente devidos pela B..., S.A., a Requerente emite uma nota de crédito a favor da mesma.
e) No decurso ano de 2011 a B... S.A. pagou-lhe royalties no valor total de € 3.374.083,33, os quais foram objecto de retenção na fonte de IRC à taxa de 10%, no valor total de € 337.408,37.
f) Face ao decréscimo de actividade, o valor dos fees ficou abaixo da estimativa inicial, que motivou a emissão da nota de crédito AR10:2274 no valor de € 497.083,33, o que originou a entrega de um valor em excesso de IRC, a título de retenção na fonte, no montante de € 49.708,33.
g) Entre Janeiro e Dezembro de 2011, o montante total inicialmente facturado a título de license fee ascendeu a € 3.374.083,33, tendo retido na fonte € 337.408,37 e o montante total efectivamente pago e devido a título de license fee ascendeu a € 497.083,33, tendo retido na fonte € 49.708,33.
h) Uma parte dos rendimentos acima referidos foi objecto de anulação, o que motivou a emissão de uma nota de crédito no montante total de € 497.083,33 a favor da B... S.A. .
i) Como suportou IRC por retenção na fonte no valor total de € 337.408,37 tem direito à restituição da diferença no montante de € 49.708,33.
3. No dia 30-12-2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 12-02-2020, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 13-03-2020.
7. No dia 02-07-2020, a AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação, protestando juntar o Processo Administrativo (PA).
8. Em síntese, alega a AT que subsistem dúvidas, tendo em conta a prova apresentada:
a) A factura AR10:1992 de 25/01/2011 não identifica o contrato.
b) A nota de crédito AR10:2274 que a Requerente alega ter reduzido o valor dos fees cobrados em 2011, bem como a redução/anulação dos rendimentos sujeitos a imposto em Portugal, não faz menção às facturas, não evidenciando, assim, o valor corrigido.
c) Não foi feita prova de como foi efetuado o cálculo do montante efectivo de fees a receber pela Requerente, tendo em conta as cláusulas VII e Anexo B do contrato junto aos autos.
d) Não foi apresentada qualquer documentação contabilística que permita aferir da realização da operação e da sua influência nos resultados da B..., S.A., NIF..., pelo que não está assim documentalmente comprovado que as mencionadas quantias digam respeito pagamentos de royalties.
9. Em 09-07-2020, a Requerente veio aos autos confirmar o seu interesse no depoimento da testemunha arrolada, porquanto o seu testemunho seria determinante para esclarecer o Tribunal Arbitral sobre o enquadramento dos contratos celebrados entre a Requerente e a B... S.A. e dos pagamentos daí decorrentes, nomeadamente, o modo de processamento, forma de cálculo e apuramento da remuneração da Requerente e quais os movimentos financeiros e suporte documental subjacente.
10. Em 10-07-2020, a AT veio aos autos confirmar que, tendo solicitado o PA ao Serviço de Finanças de Lisboa -..., o mesmo se encontra fisicamente apenso ao Processo de Impugnação Judicial n.º .../13... BELRS, e não dispondo os juristas designados pela AT de despacho de designação no referido processo de impugnação judicial, não seria possível juntar a reclamação graciosa n.º ...2013..., tacitamente indeferida.
11. Em 24-09-2020, teve lugar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo sido inquirida a testemunha C..., Director Financeiro.
12. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
13. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1. A Requerente é uma sociedade de direito sueco, não residente, para efeitos fiscais, em Portugal que detém a 100% a sociedade de direito português, B..., S.A. (doravante “B... S.A.”).
2. A Requerente e a B... S.A., fazem parte de um grupo multinacional (o Grupo D...) especializado na prestação de serviços de segurança.
3. A Requerente é legítima proprietária das marcas e logotipos da D... .
4. A Requerente e a B... S.A. celebraram um contrato de concessão de marca e assistência técnica, bem como um contrato de prestação de serviços de suporte, no âmbito dos quais a segunda paga à primeira uma remuneração (license fees / support fees) referente à cedência dos direitos de utilização da marca, serviços de assistência técnica, pesquisa, desenvolvimento, entre outros (doravante apenas “contrato”).
5. Tratando-se de rendimentos referentes à cedência de direitos de propriedade industrial, os mesmos são passíveis de ser qualificados como royalties à luz da legislação interna e do Acordo para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e a Suécia (ADT) – cfr. artigo 4.º, n.º 3, alínea c), do Código do IRC e artigo 12 do ADT.
6. De acordo com o ponto VII do contrato celebrado entre as partes, denominado “License Fee” (Taxa de Licenciamento), a B..., S.A. (“licenciado”) pagará à Requerente (“licenciador”) uma taxa de licenciamento variável relativamente à utilização (i) da marca, (ii) do logotipo da D... e (iii) de todos os activos incorpóreos conexos.
7. A denominada taxa de licenciamento é variável e fixada em 35% da margem de lucro do licenciado, se existir lucro – a remuneração da Requerente é, assim, calculada com base numa percentagem de 35% do lucro incremental da B..., S.A. (i.e., calculado sobre a margem do EBITDA) e com base numa percentagem dos custos comuns suportados, ou seja, uma remuneração variável cujo quantitativo final é apurado no final de cada ano económico – cfr. cláusulas III e VII do contrato e conforme também confirmado pelo depoimento da testemunha nos autos.
8. Tendo em conta a natureza variável da remuneração acordada, a Requerente emite à B... S.A. em Janeiro de cada ano civil uma factura no valor previsível / expectável de fees que espera vir a facturar no período de Janeiro a Novembro.
9. Posteriormente, em Dezembro de cada ano, a Requerente emite um novo documento cujo objetivo é apurar o quantitativo final dos fees a cobrar à B... S.A., o que pode originar acertos nas facturas mensais emitidas ao longo do ano.
10. Não obstante a existência de uma única factura para cobrança do fee anual – a factura previsional emitida em Janeiro de cada ano – a B... S.A. efetua os pagamentos dos royalties à Requerente numa base mensal, correspondendo cada mês a 1/11 do valor total da factura respeitante ao período de Janeiro e Novembro.
11. Caso existam acertos a efectuar no mês de Dezembro, originando montantes a pagar à Requerente, os mesmos são efectuados no decurso do referido mês.
12. Os movimentos financeiros entre as duas entidades no âmbito dos contratos acima referidos são efectuados através do sistema de gestão centralizada de tesouraria (“cash pooling”), aplicável às relações comerciais entre as sociedades do Grupo D... a nível mundial.
13. Sobre os rendimentos pagos à Requerente, a B... S.A. efectua a correspondente retenção na fonte de IRC, à taxa de 10% prevista no ADT celebrado entre Portugal e a Suécia.
14. No ano de 2011, a Requerente emitiu as seguintes facturas à B... S.A., para cobrança dos fees contratuais:
a) Factura AR10:1992, de 25-01-2011, relativa ao período de Janeiro a Novembro de 2011 no valor de € 3.453.083,33 – que refere “Fees for the period January-November 2011”; e
b) Factura AR10:2136, de 30-06-2011, referente ao acerto do valor dos fees a cobrar à B... S.A., com base nos valores finais de 2010 – € 79.000,00 – que refere “credit invoice – recalculation of group fees based on the final 2010 results”.
15. O total dos fees facturados pela Requerente em 2011 ascendeu a € 3.374.083,33 (correspondente ao valor cobrado na factura AR10:1992 deduzido do acerto efectuado pela factura AR10:2136).
16. Sobre os valores acima referidos, a Requerente suportou IRC por retenção na fonte, efectuada pela B... S.A. no momento da colocação à disposição do rendimento, conforme a seguir discriminado:
17. Face ao decréscimo de actividade verificado ao longo de 2011, o valor dos fees anuais ficou abaixo da estimativa inicial, o que motivou a emissão em Dezembro de 2011 de uma nota de crédito a favor da B... S.A. no valor de € 497.083,33 (cfr. documento n.º 6 da p.i.).
18. O descritivo da nota de crédito refere expressamente a existência de uma diferença entre os Business License Fees efectivamente pagos até à data e os Business License Fees efectivamente devidos para o ano de 2011.
19. Perante a emissão da nota de crédito no valor de € 497.083,33, o IRC retido na fonte sobre a referida quantia – € 49.708,33 (10%) –, não se mostra devido.
20. A 26-12-2012, a Requerente apresentou junto da Direcção de Finanças de Lisboa uma reclamação graciosa, na qual solicitou a restituição do imposto suportado em excesso por retenção na fonte no decurso do ano de 2011.
21. Em virtude da formação da presunção de indeferimento tácito da reclamação, a Requerente apresentou impugnação judicial no dia 27-05-2013, dentro do prazo de 30 dias previsto para o efeito nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 132.º do CPPT, tendo no passado dia 27-12-2019, requerido a constituição de tribunal arbitral para apreciação do presente litígio, ao abrigo do regime especial instituído pelo Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem outros factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
Conforme resulta da factualidade exposta, a questão controvertida prende-se, em exclusivo, com o direito da Requerente à devolução do IRC retido na fonte em excesso no decurso do ano de 2011, face à redução do quantitativo de royalties efectivamente recebido em Portugal no referido período de tributação, e se a Requerente logrou demonstrar os factos subjacentes para se chegar a tal conclusão.
Nos termos do artigo 137.º do Código do IRC, “1 - Os sujeitos passivos de IRC, os seus representantes e as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto podem reclamar ou impugnar a respetiva liquidação, efetuada pelos serviços da administração fiscal, com os fundamentos e nos termos estabelecidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.
2 - A faculdade referida no número anterior é igualmente conferida relativamente à autoliquidação, à retenção na fonte e aos pagamentos por conta, nos termos e prazos previstos nos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
3 - A reclamação, pelo titular dos rendimentos ou seu representante, da retenção na fonte de importâncias total ou parcialmente indevidas só tem lugar quando essa retenção tenha carácter definitivo e deve ser apresentada no prazo de dois anos a contar do termo do prazo de entrega, pelo substituto, do imposto retido a fonte ou da data do pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos, se posterior. (...)”.
Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 132.º do CPPT, “1 - A retenção na fonte é suscetível de impugnação por parte do substituto em caso de erro na entrega de imposto superior ao retido.
2 - O imposto entregue a mais será descontado nas entregas seguintes da mesma natureza a efetuar no ano do pagamento indevido.
3 - Caso não seja possível a correção referida no número anterior, o substituto que quiser impugnar reclamará graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de dois anos a contar do termo do prazo nele referido.
4 - O disposto no número anterior aplica-se à impugnação pelo substituído da retenção que lhe tiver sido efetuada, salvo quando a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final.”.
Ora, à luz das disposições legais acima referidas, é legalmente admissível a apresentação de reclamação e, consequentemente de impugnação, por parte do substituído tributário das retenções na fonte de IRC que lhe tenham sido efetuadas, desde que tais retenções não tenham a natureza de pagamento por conta, tal como se verifica no caso em apreço, dado que a Requerente é um sujeito passivo não residente e sem estabelecimento estável em Portugal.
Dos factos acima expostos e da prova produzida nos presentes autos, parece claro que se podem extrair as seguintes conclusões:
i. A B... S.A. pagou até novembro de 2011 royalties à Requerente no valor total de € 3.374.083,33, os quais foram objeto de retenção na fonte de IRC à taxa de 10%, no valor total de € 337.408,33;
ii. Uma parte dos rendimentos acima referidos foi objecto de anulação em Dezembro de 2011, o que motivou a emissão de uma nota de crédito no montante de € 497.083,33 a favor da B... S.A.;
iii. Assim, o valor final efectivo de royalties auferido pela Requerente em Portugal ascendeu a € 2.877.000,00;
iv. A Requerente suportou IRC por retenção na fonte no montante de € 337.408,33.
Por outro lado, da análise das facturas juntas ao processo é possível fazer uma ligação clara com o contrato de concessão de marca e com os pagamentos aí previstos, uma vez que no referido descritivo constam especificamente as seguintes menções: “License Fee”; “Business Model License Fee” ou “Service Fee” – trata-se de facto documentalmente provado e atestado com segurança por parte da testemunha apresentada nos autos.
Vejamos,
Na Factura AR10:1992, de 25.01.2011, relativa ao período de Janeiro a Novembro de 2011, no valor de € 3.453.083,33, é possível verificar que a Requerente facturou à B... S.A., “License Fee” no total de € 3.232.166,66, valor este que nos termos da mesma factura, corresponde ao período de Janeiro a Novembro de 2011.
Resulta ainda da mesma factura que foi facturado “Support Fee” no valor de € 122.833,33 (Services), € 39.416,67 (Mobile) e € 58.666,67 (New Market).
O descritivo desta factura corresponde aos fees cobrados nos termos do contrato e está em conformidade com a terminologia utilizada no ponto VII do contrato de concessão de marca que na versão em língua inglesa refere expressamente a expressão “Licensee shall pay do Liscensor a variable license fee in respect of using the A... Business Model and all related intangilbles under this Agreement”.
Por outro lado, o descritivo da factura AR10:2136, de 30.06.2011 – relativa ao recálculo do valor dos fees a cobrar à B... S.A. com base nos valores finais de 2010, no valor total de € 79.000,00 – refere expressamente “Credit Invoice - Recalculation of group fees based on the final 2010 results”, o que, tal como afirmado e expressamente confirmado pelo depoimento da testemunha arrolada, respeita ao acerto final dos fees pagos em 2010 pela B..., S.A., uma vez realizado o acerto final deste ano.
Com efeito, as facturas respeitam efectivamente a pagamentos efectuados em cumprimento do contrato de concessão de marca.
Note-se que a testemunha arrolada dos autos confirmou o alegado pela Requerente, sustentando que o cálculo do montante efectivo de fees tem em consideração a forma de cálculo prevista no contrato, tendo por base os resultados obtidos pela B... S.A. nesse dado exercício.
Assim, considerando que o valor final dos royalties auferidos pela Requerente em território português ascendeu a € 2.877.000,00 e que estão verificados os requisitos para aplicação da taxa reduzida prevista no ADT com a Suécia, conforme prova efectuada nos presentes autos (e não contestado em nenhum momento pela Requerida), é evidente que a Requerente só teria de entregar, nos cofres do Estado, IRC no montante de € 287.700,00, correspondente à aplicação da taxa reduzida de 10% prevista no ADT entre Portugal e a Suécia.
Face à prova documental junta – nomeadamente, (i) o contrato de concessão de marca e assistência técnica e contrato de prestação de serviços de suporte celebrados entre a Requerente e a B... S.A., (ii) as facturas e nota de crédito respeitantes a 2011 e o (iii) depoimento esclarecedor e conhecedor dos factos por parte testemunha arrolada –cai por terra a argumentação invocada pela AT, sendo inequívoco que a Requerente fez prova do direito que se arroga, em concreto, da redução do valor dos royalties recebidos no decurso de 2011, o que motivará a anulação parcial dos actos de retenção na fonte em apreço, e, consequentemente, a procedência do presente pedido.
Tudo resumido, podemos concluir que a Requerente suportou IRC em montante superior ao valor dos rendimentos auferidos em território português no ano de 2011 e pagos pela B... S.A., o que não poderá subsistir, sob pena de violação do princípio da legalidade e da capacidade contributiva, o que motivará a procedência dos presentes autos.
Sobre esta matéria, importa recordar que nos termos da alínea b) do n.º 10 do artigo 8º do Código do IRC, o facto gerador considera-se verificado – no caso de rendimentos sujeitos a retenção na fonte definitiva – na data em que ocorra a obrigação de efetuar aquela.
Sendo que, tratando-se de rendimentos provenientes da cessão temporária de rendimentos da propriedade intelectual e industrial, os rendimentos ficam sujeitos a tributação aquando do apuramento do seu quantitativo, conforme preceituado no parágrafo 3 do n.º 3 do artigo 7º do Código do IRS.
Ora por apuramento do quantitativo deverá considerar-se a operação aritmética de determinação da quantia certa e exigível em dívida, o que sucede, em regra, por via da emissão da factura, ou no momento contratualmente definido, caso o quantitativo a pagar esteja pré-determinado, bem como as datas de pagamento.
No caso em apreço, sendo os royalties de quantificação incerta – i.e. dependendo de variáveis que as partes não conseguem pré-determinar no início de cada ano fiscal – parece claro que o apuramento definitivo do quantitativo ocorre com a emissão das facturas e/ou notas de crédito em Dezembro de cada ano, pois, apenas nesse momento fica contratualmente definido o valor final em dívida, conforme expressamente confirmado pelo depoimento da testemunha arrolada.
Contudo, por uma questão operacional e de tesouraria, as partes decidiram mensualizar os pagamentos efectuados ao abrigo do contrato, antecipando os pagamentos, os quais assumem a natureza de um pagamento antecipado da quantia devida a final – tratando-se este de um método comum e recorrente neste tipo de contratos.
Sendo que, apesar do quantitativo final dos royalties devidos à Requerente apenas se determinar em Dezembro de cada ano, entende a Requerente que as retenções na fonte devem ser efectuadas na data em que a B... S.A. realiza os pagamentos parcelares, pois para além de tal obrigação ter cobertura contratual, a mesma é a que a melhor protege as partes de um ponto de vista fiscal, uma vez que evita quaisquer discussões sobre a data em que nasce a obrigação tributária.
Dito de outra forma: apesar de a letra da lei admitir que a retenção só seria devida em Dezembro de cada ano com o apuramento final dos royalties devidos, sendo os fluxos financeiros realizados numa base mensal de acordo com a estimativa de rendimentos a cobrar, as partes entenderam que a retenção na fonte do IRC deveria ocorrer sobre cada pagamento, um procedimento que se mostra, aliás, mais favorável para os cofres do Estado Português, pois refere antecipadamente o imposto em cada mês do ano, ao invés de só o receber em Dezembro com o apuramento do quantitativo final dos rendimentos.
Com efeito, tal como expressamente confirmado pelo depoimento da testemunha arrolada, trata-se de um procedimento que tem vindo a ser adotado pela Requerente desde há muitos anos – i.e., emissão de um documento previsional, seguido da emissão de um documento de ajuste no próprio ano e, por fim, de um documento final, cuja emissão só é possível no ano seguinte, por razões contabilísticas e após fecho do exercício (sendo as respetivas retenções na fonte objeto de correcção nesse mesmo ano de emissão, com os rendimentos do mesmo período).
Nesta medida, e considerando o princípio da legalidade, decorre com meridiana clareza de tudo o exposto nos presentes autos que as retenções na fonte efectivamente suportadas pela Requerente sobre os royalties auferidos em 2011 excedem o montante de imposto efectivamente devido pela Requerente no referido período, o que determinará a anulação parcial dos atos de retenção na fonte ora sindicados, o reembolso parcial do imposto retido em excesso e a procedência do presente pedido.
E importa referir que a Requerente apresentou toda a documentação de suporte relativamente ao cálculo e apuramento dos rendimentos (contratos, facturas e notas de crédito), bem como os comprovativos do imposto entregue nos cofres do Estado por retenção na fonte, sendo evidente que cumpriu o seu ónus de prova, inexistindo qualquer outro documento de suporte das operações que pudesse ter sido junto.
Recorde-se mais uma vez que, como referido acima, em virtude da emissão de uma nota de crédito em Dezembro de 2011, foram anulados parte dos fees auferidos pela Requerente de Janeiro a Novembro no mesmo ano, no valor de € 497.083,33, e sobre os quais a entidade devedora e substituto tributário (a B... S.A.) já tinha efectuado e entregue junto dos cofres do Estado Português, a respectiva retenção na fonte de IRC à taxa reduzida de 10%, no valor total de € 337.408,33.
Deste modo, ascendendo o valor total dos rendimentos a € 2.877.000,00 e o IRC devido em Portugal a € 287.700,00 e tendo a Requerente suportado IRC por retenção na fonte no valor total de € 337.408,33, é evidente o direito à restituição da diferença no montante de € 49.708,33.
Mais, no passado dia 19 de Novembro de 2019, a Requerente foi notificada da decisão proferida no referido processo n.º 226/2019-T, nos termos da qual o Tribunal julgou procedente o pedido arbitral e anulou os actos de retenção na fonte efectuados em excesso em 2016, tendo considerado que “(...) a Requerente fez prova dos factos constitutivos do seu direito a receber o IRC retido na fonte em excesso, uma vez que trouxe aos autos elementos que permitiram concluir que (i) as retenções na fonte foram realizadas e efetivamente entregues ao Estado nos montantes melhor descritos na matéria de facto dada como provada na presente decisão arbitral; (ii) o rendimento pago à Requerente foi corrigido no final do ano de 2016 através da emissão da nota de crédito AR10:5218 de 24 de novembro de 2016, e (iii) os documentos de suporte aos pagamentos (as faturas) e o documento de acerto (nota de crédito) foram emitidos nos termos legais, permitindo o descritivo daqueles documentos estabelecer uma relação entre tais documentos e o contrato de concessão de marca (que ficou provado que serviu de base a tais pagamentos)”.
A relevância deste processo na apreciação do pedido arbitral em apreço é evidente pois embora no mesmo se tenha apreciado a legalidade dos actos de retenção na fonte de IRC relativos ao ano de 2016, está em causa a mesma factualidade e questão de direito, uma vez que têm aplicação as mesmas normas jurídicas e fundamentação.
Resumindo, face à prova produzida ao longo do presente processo:
i. É possível estabelecer uma relação directa entre as facturas emitidas (AR10:1992 e AR10:2136) e o contrato de concessão de marca e assistência técnica e concluir que as mesmas dizem respeito a pagamentos realizados em cumprimento daquele.
ii. O descritivo da nota de crédito emitida no final do ano de 2011 permite efectuar a relação directa entre a mesma e o contrato de concessão de marca e assistência técnica e, por conseguinte, entre a nota de crédito e as facturas identificadas acima.
iii. Note-se que o descritivo da nota de crédito emitida refere expressamente a existência de uma diferença entre os License Fees efectivamente pagos até à data e os License Fees efectivamente devidos, considerando a nota de crédito o valor de € 497.083,33 a favor da B..., S.A., uma vez que o valor dos fees anuais ficou abaixo da estimativa inicial.
iv. O que permite a este Tribunal Arbitral concluir que a nota de crédito apresentada corresponde ao documento através do qual foi efectuado o acerto de contas dos license fees relativos a 2011, pagos pela B..., S.A. à Requerente.
v. Note-se que a testemunha arrolada deixou bem claro no seu depoimento que no final do ano é feito um primeiro acerto dos Business License Fees estimados e pagos à Requerente ao longo do ano, sendo o acerto final efectuado no ano seguinte, após o encerramento de contas de todas as sociedades do Grupo D... .
Concluindo: a Requerente fez prova dos factos constitutivos do seu direito a receber o IRC retido na fonte em excesso, uma vez que trouxe aos autos elementos que permitem concluir que:
i. As retenções na fonte foram realizadas e efetcivamente entregues ao Estado nos montantes descritos na matéria de facto acima referida;
ii. O rendimento pago à Requerente foi corrigido no final do ano de 2011 através da emissão da nota de crédito em dezembro de 2011, e
iii. Os documentos de suporte aos pagamentos (as facturas) e o documento de acerto (nota de crédito) foram emitidos nos termos legais, permitindo o descritivo daqueles documentos estabelecer uma relação entre tais documentos e o contrato de concessão de marca (que ficou provado ser o documento de base a tais pagamentos).
Face a tudo o acima exposto e à prova produzida nos presentes autos, conclui-se pela procedência do presente pedido arbitral com as devidas consequências legais.
A Requerente formula pedido de juros indemnizatórios.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IRC e juros compensatórios, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, pois a ilegalidade daqueles actos, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à AT.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre as quantias que pagou indevidamente, à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Declarar ilegais e anular os actos tributários de retenção na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre royalties no ano de 2011;
c) Condenar a AT a devolver à Requerente as quantias que pagou referentes aos actos tributários impugnados acrescidas de juros indemnizatórios desde as datas em que ocorreram os pagamentos até ao efectivo reembolso.
D. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 49.708,33, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 27 de Novembro de 2020
O Árbitro
(Hélder Faustino)