Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 130/2020-T
Data da decisão: 2021-01-22  ISV  
Valor do pedido: € 3.685,69
Tema: ISV – Admissão de veículo usado – Imposto incidente sobre a componente ambiental.
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Sumário:

1.            Tendo sido desconsiderada a redução na vertente relativa à componente ambiental do ISV, o acto de liquidação em causa encontra-se ferido de ilegalidade, por violação do disposto no artigo 110.º do TFUE – razão pela qual o referido acto deve ser parcialmente anulado, na medida dessa desconsideração.

2.            Sendo a liquidação impugnada ilegal e provando-se que o Requerente efectuou, por tal razão, o pagamento de importância manifestamente indevida, assiste a este o direito aos juros indemnizatórios peticionados.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

1. A..., PORTADOR DO NIF ..., residente na Rua ..., ..., ..., ...-... Aveiro (doravante, “REQUERENTE”), veio, ao abrigo do disposto no art. 99.º do CPPT, requerer, em 28/2/2020, a constituição de Tribunal Arbitral e submeter pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade do acto de liquidação do Imposto sobre Veículos (“ISV”) – respeitante à introdução no consumo do veículo usado identificado na DAV n.º 2020/... (vd. Doc. 2 junto aos autos) – praticado a 7/2/2020, pela AT, com a data limite de pagamento de 21/2/2020 (vd. Doc. 1 junto aos autos). Solicita o Requerente “a rectificação da liquidação do ISV, de forma a aplicar-se a redução prevista no art. 11.º do CISV à componente ambiental” e, ainda, que “a AT se[ja] condenada a restituir ao Impugnante a quantia de €3.685,69, cobrada em excesso, acrescida dos juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor à data do pagamento, desde a data do pagamento do imposto até à efectiva restituição.”   

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

2.1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o presente signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

2.2. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

2.3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 5/8/2020.

 

3. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, o Requerente, alega, em síntese, o seguinte:

 

a)            «O Imposto sobre Veículos, criado em 2007 através da Lei 22-A/2007, tem por incidência, entre outros factos tributários, a admissão de veículos tributáveis, por oposição aos veículos que pelas suas características são isentos, em território nacional provenientes de outro Estado-membro da União Europeia. Incidência que se aplica aos veículos novos e usados, sendo que nos presentes autos está em apreciação a admissão de um veículo usado.

b)           O cálculo do ISV incide sobre a cilindrada do veículo e a sua emissão de CO2, ou seja, a componente cilindrada e a componente ambiental.

c)            De acordo com a redacção inicial do art. 11.º do CISV, no caso da admissão de veículos usados, aplicava-se no cálculo do imposto uma percentagem de redução conforme o número de anos do veículo. Redução essa equiparável à desvalorização comercial média dos veículos usados comercializados no mercado nacional. Essa desvalorização era crescente, tendo o seu início após o primeiro ano de uso e o seu termo no final do quinto ano de uso. Sendo que, após o quinto ano, a percentagem de redução se mantinha inalterada.

 

d)           Ou seja, considerou o legislador nacional, à data da criação do ISV, que os veículos usados admitidos em Portugal, provenientes de outros Estados-membros, apenas se desvalorizavam, relativamente aos veículos novos, após um ano de uso e que a partir do quinto ano não sofriam mais nenhuma desvalorização.

 

e)           Desde a entrada em vigor d[o] art. 11.º [do CISV] e da tabela anexa, que os importadores de automóveis usados admitidos em Portugal originários de outro Estado-membro, reclamaram junto das entidades competentes o facto desta tabela de reduções discriminar negativamente os veículos admitidos, leia-se importados, em Portugal, relativamente aos veículos usados transaccionados em Portugal. [...]. [...] considerar-se que um veículo proveniente de um Estado-membro só sofria uma desvalorização ao fim de um ano de uso, não respeitava a realidade do mercado automóvel e penalizava injustificadamente os veículos usados importados. O mesmo se diga relativamente aos veículos com mais de cinco anos de uso [...].

 

f)            Acresce ainda que na redacção inicial do art. 11.º, esta redução apenas se aplicava à componente cilindrada dos veículos e não à componente ambiental (CO2), provocando, também por este motivo, um critério desigual no cálculo do ISV relativamente a veículos usados matriculados em Portugal e aos veículos admitidos em Portugal, matriculados noutros Estados-membros.

 

g)            O ora requerente considera que a liquidação do ISV que aqui se discute está ferida de um vício de ilegalidade no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental do imposto de matrícula aplicável aos veículos usados importados de outros Estados-Membros para fins de depreciação, na medida em que não foi tida em conta para o respectivo cálculo.

 

h)           Perante esta opção do legislador, os importadores desses veículos, à data representados pela Associação Portuguesa de Importação de Veículos, reagiram junto de várias instâncias públicas, designadamente a Provedoria de Justiça e a Comissão Europeia. No sentido de serem eliminados os tratamentos desiguais e discriminatórios dados aos veículos admitidos em Portugal, relativamente aos veículos usados matriculados e comercializados em Portugal. E que determinava que um veículo usado proveniente de outro Estado-membro, pagasse mais ISV, relativamente aos veículos idênticos matriculados em Portugal. O que se traduzia numa violação clara do disposto no art. 110.º do TFUE [...]. 

 

i)             Fruto destas reclamações, a Comissão Europeia instaurou o processo por infracção 2009/2296 contra a República Portuguesa, com base no facto de não ser tida em conta a depreciação dos veículos para efeitos de cálculo da componente ambiental do ISV. Processo que foi encerrado após uma pertinente alteração ao Código do ISV, introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31-12, que aprovou o Orçamento do Estado para 2011.

 

j)             [...] com esta alteração legislativa, ficou resolvida uma parte da ilegalidade, não ficando, contudo, sanada a ilegalidade que dizia respeito à desvalorização dos veículos até ao final do 1.º ano de uso e após os 5 anos de uso. Face à manutenção desta divergência entre os cálculos de ISV entre os veículos usados matriculados em Portugal e os veículos usados provenientes de outros Estados-membros, e consequente tratamento desigual destes últimos, a Comissão Europeia instaurou um novo processo que revestiu a natureza de acção por incumprimento contra a República Portuguesa, que correu termos com o n.º C-200/15.

 

k)            Na sequência des[se] acórdão que declarou o incumprimento pela República Portuguesa do art. 110.º do TFUE, o legislador nacional introduziu uma nova alteração ao CISV, através da Lei 42/2006 de 27 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2017). Alteração concretizada através de uma nova redacção do art. 11.º do CISV e da tabela D que integra esse mesmo artigo.

 

l)             Analisada essa tabela, conclui-se que o Estado Português respeitou o decidido pelo Tribunal Europeu naquele referido acórdão, ao alargar as percentagens de redução ao primeiro ano de uso do veículo, prolongando-a até aos 10 e mais anos de uso. Todavia, a par desta alteração, foi introduzida uma outra, bem mais gravosa para o cálculo do ISV. Com efeito, o legislador, com a nova redacção dada ao art. 11.º, voltou a limitar a aplicação das percentagens de redução apenas à componente cilindrada, excluindo-a da componente ambiental (emissão de CO2).

 

m)          Ou seja, com esta alteração, o legislador retrocedeu ao ano de 2010 e voltou a pôr em vigor uma norma jurídica que tinha sido já objecto de um processo instaurado pela Comissão Europeia e que esteve na base da alteração legislativa operada com a Lei 55-A/2010 de 31 de Dezembro. Limitando a tabela de redução para cálculo do ISV à componente cilindrada e excluindo-a da componente ambiental (emissão de CO2).

 

n)           A norma actualmente em vigor, e que esteve na base da liquidação de imposto pago pelo Impugnante, viola frontalmente o art. 110.º do TFUE [...]. Viola a citada norma do tratado pois permite que a Administração Fiscal cobre um imposto sobre veículos importados, com base num valor superior ao valor real do veículo. Onerando-os com uma tributação fiscal superior à que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. Onerando esses veículos com um ISV mais elevado, tornando-os mais caros, relativamente a veículos equivalentes matriculados em Portugal.

 

o)           A AT, quando procedeu à liquidação do ISV sob a presente impugnação, não levou em consideração o número de anos de uso do veículo na sua componente ambiental, tendo apenas considerado essa redução na componente cilindrada. Tendo-o feito com o recurso a uma norma jurídica que viola o direito europeu – art. 110.º do TFUE – que, como tal, está ferida de ilegalidade.

 

p)           [...] se subsistirem dúvidas sobre a interpretação e aplicação do disposto no art. 110.º do TFUE, deve este Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial desta questão ao Tribunal de Justiça para a interpretação da mesma à luz do Tratado.

 

q)           Verificados os cálculos do ISV, temos que relativamente à componente cilindrada, o ISV foi liquidado pelo valor de €14.548,02 - €5.092,12 (redução de 35% pelo número de anos de uso). Enquanto que, na componente ambiental, foi liquidado por €10.530,55, sem qualquer redução. Quando deveria ter sido também aplicada a esta componente a redução de 35%, no valor de €3.685,69, baixando dessa forma o respectivo ISV para o valor de €16.301,66.

 

r)            Conforme já alegado, a liquidação do ISV deve ser corrigida, reduzindo-se o valor do ISV a pagar para o valor de €16.301,66 (19.987,35 - 3.685,69). Devendo ser restituído ao Impugnante o montante de €3.685,69 pago a mais. Acrescido dos juros indemnizatórios devidos nos termos do art. 43.º da LGT.»

 

3.1. O Requerente termina pedindo que «a presente impugnação seja julgada provada e procedente, ordenando-se a rectificação da liquidação do ISV, de forma a aplicar-se a redução prevista no art. 11.º do CISV à componente ambiental» e, ainda, que a AT seja «condenada a restituir ao Impugnante a quantia de €3.685,69, cobrada em excesso, acrescida dos juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor à data do pagamento, desde a data do pagamento do imposto até à efectiva restituição.»

4. A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “REQUERIDA” ou “AT”) apresentou resposta, invocando, em síntese, o seguinte:

 

a)            «[E]stando em causa, nos presentes autos, a admissão de veículo usado, oriundo de outro Estado-membro, no caso, a Alemanha, deve atender-se, especificamente, ao artigo 11.º do CISV na redação atualmente em vigor, o qual já foi sujeito a alterações desde a entrada em vigor do diploma que aprovou o mesmo código.

 

b)           Não obstante o artigo 11.º do CISV tenha sido objeto de várias alterações desde a sua entrada em vigor, para o caso em apreço releva, particularmente, a redação atual introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28.12.2016 (Lei do OE para 2017) [...].

 

c)            Defende o Requerente que o ato de liquidação de ISV, ao não aplicar a redução de anos de uso à componente ambiental, está ferida de ilegalidade por violação do artigo 110.º do TFUE, devendo ser parcialmente anulado na parte em que não fez aplicação da redução naquela componente.

 

d)           No que concerne à presente relação jurídico-tributária, resulta claro que o Requerente é sujeito passivo do imposto, pois, no caso concreto, procedeu à admissão do veículo em questão no território nacional, tendo processado a DAV respetiva através do sistema eletrónico, com vista à regularização fiscal, de acordo com os procedimentos que se encontram estabelecidos, dando lugar, na sequência da apresentação da declaração supra identificada, à liquidação do imposto de acordo com o direito constituído, atualmente em vigor, em conformidade também com o estatuído no n.º 3 do artigo 103.º da CRP.

 

e)           No caso concreto o imposto foi calculado de acordo com o previsto no artigo 7.º do CISV, tendo sido aplicada uma redução para a componente ambiental nos termos deste artigo, não tendo sido aplicada outra/nova redução à componente ambiental porque tal redução não se encontra prevista no artigo 11.º do CISV, ao contrário do estabelecido para a componente cilindrada, que prevê uma redução em função dos “anos de uso” de acordo com a tabela D.

 

f)            [O] Requerente não põe em causa a liquidação, a qual foi efetuada de acordo com a lei em vigor, o artigo 11.º na sua atual redação, que lhe foi dada pelo artigo 217.º da Lei n.º 42/2016, de 28.12.2016, diploma que aprovou o Orçamento de Estado para 2017, mas a conformidade daquele preceito com o artigo 110.º do TFUE.

 

g)            Não obstante a alteração ao artigo 11.º do CISV tenha surgido após o acórdão proferido no Processo n.º C-200/15 do TJUE, este não se pronuncia, em concreto, sobre a matéria em causa nos presentes autos, designadamente quanto à questão da percentagem de redução de ISV aplicável a veículo usado incidir apenas sobre o elemento específico de tributação (Cilindrada), e não sobre a componente ambiental do ISV, limitando-se aquele a analisar a questão da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado-Membro, introduzidos no território nacional, no sentido de afirmar que um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes destes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º do TFUE.

 

h)           [T]al opção legislativa, pretendendo imprimir coerência entre a tributação dos veículos novos e veículos usados, não contraria o direito comunitário nem aquela decisão do TJUE, antes visa respeitar as orientações comunitárias em matéria da redução das emissões de CO2, tendo em vista o cumprimento das responsabilidades ambientais assumidas no âmbito do Protocolo de Quioto.

 

i)             A matéria em discussão extravasa, pois, a questão da legalidade da liquidação, que se repercute na esfera jurídica do Requerente, na medida em que o que está em causa não se cinge à mera liquidação de um tributo e anulação desse ato, mas a questões mais complexas, que têm na sua génese preocupações de ordem ambiental.

 

j)             O atual modelo de fiscalidade automóvel tem, pois, em vista assegurar a coerência entre a tributação de veículos novos e usados, na medida em que a aquisição de uns e de outros se rege pelos mesmos princípios, de justiça fiscal e respeito pelo meio ambiente. O que se constata é que, no âmbito da tributação automóvel, relativamente aos elementos sobre os quais assenta tal tributação, existe uma confusão de conceitos, que são, por natureza, distintos, não podendo estabelecer-se uma equiparação entre a componente cilindrada e a componente ambiental, nem, por isso, consequentemente, ver-lhe aplicados os mesmos critérios, até porque no caso da vertente ambiental, as razões que lhe estão subjacentes não coincidem com as que determinam a tributação que atende à cilindrada do veículo.

 

k)            Por isso, não pode deixar de se referir o estabelecido no artigo 191.º do TFUE, o qual tendo surgido depois do artigo 90.º do TCE (anterior 110.º do TFUE), exige que se proceda a uma interpretação atualista, no que concerne ao enquadramento da questão sub judice, que deve atender aos elementos sistemático e teleológico, porquanto naquele dispositivo, afirma-se, expressamente, no n.º 1, que a política da União, no domínio do ambiente, contribuirá para a prossecução, entre outros, da preservação, da proteção e a melhoria da qualidade do ambiente, não podendo o artigo 110.º do TFUE ser interpretado nos termos defendidos pela Requerente.

 

l)             Devendo, pois, a interpretação do artigo 110.º do TFUE ser efetuada à luz do disposto no artigo 191.º do mesmo tratado, sob pena de conflitualidade e desarmonia entre as duas normas, a não ser que o TJUE, em sede de interpretação, venha defender a existência de tal violação e que a norma do artigo 110.º do TFUE tem valor superior ao previsto no artigo 191.º quanto à proteção e a melhoria da qualidade ambiental.

 

m)          [E]m nome da unidade e da coerência do modelo de tributação automóvel vigente em Portugal, a não aplicação da totalidade da componente ambiental aos veículos usados violaria os princípios supra referidos, tornando-se fonte de graves injustiças, já que beneficiaria claramente os veículos usados em detrimento dos novos, sem que, para tal, se encontrem razões válidas.

 

n)           [A] interpretação do disposto no artigo 110.º do TFUE não poderá deixar de ter em consideração os objetivos ambientais acima referidos, sob pena de se gerarem incoerências insustentáveis entre a política fiscal e a política ambiental. O pagamento da componente ambiental na totalidade não tem, pois, em vista restringir a entrada de veículos usados em Portugal, mas tão somente selecionar essa entrada, mediante a aplicação de critérios exclusivamente ambientais, não estando em causa a proteção da produção nacional, mas a proteção do ambiente, património do mundo e do qual depende a sobrevivência da espécie humana.

 

o)           [D]a interpretação do artigo 110.º do TFUE, em conjugação com a que resulta do artigo 191.º do mesmo tratado, claramente se conclui que o modelo de tributação automóvel português, ao fazer incidir sobre os veículos ligeiros de passageiros, novos e usados, a componente ambiental, não pretende restringir a entrada de veículos em território nacional para proteger a produção nacional, mas, tão só, como se referiu, direcionar as escolhas dos consumidores para a aquisição de veículos com menores emissões de dióxido de carbono, isto é, mais “amigos do ambiente” tendo por fim último a proteção do ambiente, no estrito cumprimento dos princípios consagrados no artigo 191.º do TFUE.

 

p)           A aplicação do disposto no artigo 11.º do CISV não obsta à admissão de veículos usados em território nacional, nem tampouco visa impedir a realização de negócios jurídicos de compra e venda de veículos automóveis pois são processadas, diariamente, inúmeras declarações aduaneiras de veículos, de regularização fiscal de veículos em território nacional, provenientes de outros Estados-membros.

 

q)           Em última análise, procurou-se, como se viu, aplicar o princípio da equivalência consagrado no artigo 1.º do CISV, bem como o princípio do poluidor pagador, já que, se o regime nacional atribuísse um desconto comercial à componente ambiental do ISV para veículos usados adquiridos noutro Estado-Membro da União Europeia, estaria a subverter por completo aquele princípio e a atribuir um alívio fiscal à admissão e importação de veículos usados mais poluentes.

 

r)            Em suma, não se trata de criar nenhum obstáculo ao regular funcionamento do mercado único, mas sim de respeitar os compromissos nacionais e internacionais assumidos pelo Estado Português em matéria de defesa do ambiente, bem como pelos Estados-Membros, no acordo de Paris sobre as alterações climáticas, designadamente a neutralidade carbónica em 2050.

 

s)            De todo o exposto resulta, com clareza, a relevância social da matéria controvertida no contexto das orientações e disposições legais atinentes a objetivos de natureza ambiental definidos ao nível da União Europeia, internacional e nacional, nos termos sobreditos.

 

t)            [A] liquidação de ISV, que aplicou o artigo 11.º do CISV, foi efetuada em conformidade com a lei nacional e o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição. Destarte, tendo o ato impugnado sido efetuado de acordo com o direito nacional e comunitário, não enferma de qualquer vício, devendo, consequentemente, a liquidação, na parte que vem impugnada, efetuada pela identificada estância aduaneira, manter-se na ordem jurídica.

 

u)           Mas, ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que a interpretação do artigo 11.º do CISV pugnada pelo Requerente sempre terá que se reputar de inconstitucional.

 

v)            De facto, não se retira da letra da lei, no caso, do artigo 11.º do CISV, ou de outra norma do mesmo código, a aplicação da redução prevista na admissão de veículos usados, para a componente cilindrada, à componente ambiental, além da que já é aplicada por força do artigo 7.º. Sendo que o intérprete tem de se socorrer dos elementos lógicos para determinar, designadamente, o espírito da lei, a sua racionalidade (razão de ser/ratio legis). Nesta medida, a interpretação do Requerente ofende claramente o princípio da equivalência previsto no artigo 1.º do CISV, sobre o qual assenta o atual modelo de tributação automóvel, e o artigo 9.º, alínea e) e artigo 66.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP, ocorrendo uma violação do princípio constitucional do Estado de direito ambiental.

 

w)          Acresc[e] que, a interpretação defendida pelo Requerente, posto que defende a aplicação de uma fórmula de cálculo, com atribuição de uma redução não prevista na tabela D do artigo 11.º, acrescenta uma redução à componente ambiental que não está consagrada na letra lei, que não foi querida pelo legislador, consubstancia assim, também nesta parte, uma violação dos princípios constitucionais aludidos, da legalidade e da justiça tributária, da igualdade e da certeza e segurança jurídica.

 

x)            Por outro lado, a aplicação de tal redução, não prevista na lei, não pode deixar de se considerar como um benefício fiscal que não se encontra previsto na lei e que é inconstitucional face ao disposto no n.º 2 do artigo 103.º da CRP, que estabelece que os impostos são criados por lei, determinando esta igualmente a incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, que coloca igualmente a Requerente em situação de vantagem face aos demais sujeitos passivos, criando também, nesta parte, uma situação de desigualdade fiscal.

 

y)            Por outro lado, ao defender a ilegalidade da liquidação por entender que existe uma desconformidade do artigo 11.º do CISV com o artigo 110.º do TFUE, o Requerente, além de violar, por via de tal interpretação, os já referidos princípios, consagrados na nossa Lei Fundamental, viola ainda, por via da desaplicação do artigo 11.º do CISV na redação atualmente em vigor, uma violação do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva.

 

z)            Em face do exposto, a interpretação do Requerente do artigo 11.º do CISV quando interpretado da forma em que o faz, viola os princípios, acima mencionados, da legalidade e da legalidade fiscal, da justiça tributária, da igualdade e da certeza e segurança jurídica, do Estado de direito ambiental e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, impondo-se a apreciação da constitucionalidade de tal entendimento, o qual, desde já, reputamos de inconstitucional, não podendo por isso, ser aplicado no caso concreto.

 

aa)         [O] direito a juros indemnizatórios, consagrado no artigo 43.º da Lei Geral Tributária, pressupõe que se apure a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido. E, no caso concreto, não se verifica a existência de qualquer erro que possa ser imputável à administração tributária. É que, efetivamente, a liquidação em causa nos presentes autos decorreu exclusivamente da aplicação da lei em vigor, tendo aquela sido efetuada nos termos das normas aplicáveis, previstas no CISV, que determinam a exigibilidade e consequente liquidação do imposto [...].

 

bb)         [F]ace ao invocado, tendo a AT agido no cumprimento estrito da lei, não se verifica qualquer erro de que possa resultar o pagamento indevido do imposto, sob pena de se verificar com tal interpretação, uma violação, também aqui, do invocado princípio constitucional da legalidade e legalidade fiscal, não devendo assistir, por conseguinte, ao Requerente, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.»

 

4.1. A AT conclui pedindo que seja «julgado totalmente improcedente» o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

5. Não tendo sido invocadas excepções e não havendo matéria de facto controvertida, por as questões a decidir serem de direito, o Tribunal Arbitral, através de despacho datado de 31 de Dezembro de 2020, prescindiu da audição das testemunhas arroladas e da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Foi, também, fixado o dia 22 de Janeiro de 2021 para a prolação da decisão arbitral.

II. Saneamento

 

6. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.

 

7. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

8. Pelo supra exposto, e não se verificando nulidades, impõe-se o conhecimento, em seguida, do mérito do pedido.

 

III. Questão a decidir

 

9. Na petição arbitral, o Requerente alega que a AT, “quando procedeu à liquidação do ISV sob a presente impugnação, não levou em consideração o número de anos de uso do veículo na sua componente ambiental, tendo apenas considerado essa redução na componente cilindrada. Tendo-o feito com o recurso a uma norma jurídica que viola o direito europeu – art. 110.º do TFUE – que, como tal, está ferida de ilegalidade.” Especifica o Requerente que, “na componente ambiental, foi liquidado por €10.530,55, sem qualquer redução. Quando deveria ter sido também aplicada a esta componente a redução de 35%, no valor de €3.685,69, baixando dessa forma o respectivo ISV para o valor de €16.301,66.”

 

10. Por seu lado, a Requerida considera que a “liquidação de ISV, que aplicou o artigo 11.º do CISV, foi efetuada em conformidade com a lei nacional e o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição.”

 

11. Pelo exposto, conclui-se que a questão essencial a decidir nos presentes autos diz respeito à avaliação da interpretação, adoptada pela Requerida, do referido artigo 11.º do CISV (na redacção que lhe foi dada pelo artigo 217.º da Lei n.º 42/2016, de 28/12), da qual resultou a liquidação de ISV em causa (e cuja anulação parcial constituiu o objecto do presente pedido arbitral), tendo em vista verificar se a mesma viola ou não o disposto no artigo 110.º do TFUE (e, caso subsistam dúvidas, aferir se haverá necessidade de promover o reenvio prejudicial ao TJUE, nos termos sugeridos pelo Requerente [vd. §§ 68.º e 69.º da p.i.]).

 

IV. Mérito

 

IV.1. Matéria de facto

 

12. Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

A. Conforme resulta dos elementos constantes do PA apenso aos autos (vd. procedimento relativo à DAV n.º 2020/..., de 4/3/2020, da Alfândega de Aveiro, com referência ao veículo automóvel em causa), foi apresentada, naquela Alfândega, por transmissão eletrónica de dados, a referida DAV para introdução no consumo do veículo ligeiro de passageiros, usado, proveniente da Alemanha, da marca ...-modelo ..., ao qual foi atribuída a matrícula ... .

B. O referido veículo foi adquirido pelo Requerente, para uso particular, pelo montante de €71.990,00 (vd. PA apenso aos autos).

C. Como se referiu, em 4/3/2020, a mencionada DAV n.º 2020/... foi apresentada, tendo o ora Requerente declarado o referido veículo da marca ....-modelo ..., com a matrícula ..., e inscrito nos Quadros E, F e G, referentes às características do veículo, apresentação do veículo e matrículas anteriores, tratar-se de um veículo usado proveniente da Alemanha, com 38.386 km percorridos, tendo a primeira matrícula sido atribuída em 19/5/2016, tratando-se de um veículo que se insere no escalão da tabela de “Mais de 3 a 4 anos” para efeitos do escalão da tabela D prevista no n.º 1 do artigo 11.º do CISV, à qual corresponde uma percentagem de redução de 35% (vd. DAV constante do PA apenso).

D. No item 50 (que é relativo à emissão de gases CO2) do Quadro E da referida DAV, respeitante às características do veículo, consta o valor de 219 g/km.

E. Quanto ao cálculo do imposto sobre veículos, no Quadro R da referida DAV verifica-se que o cálculo deste imposto foi efectuado pela AT com recurso à Tabela A, aplicável aos veículos ligeiros de passageiros, pelo valor total de €25.079,47. Desse valor total, €14.548,92 são referentes à componente cilindrada e €10.530,55 referentes à componente ambiental.

F. Resulta, também, do referido Quadro R que, no que respeita à componente cilindrada, foi deduzida a quantia correspondente a 35% do respectivo montante supra citado (i.e., €5092,12 = €14.548,92 × 0,35), por força da redução resultante do número de anos do veículo, de acordo com as percentagens de redução constantes da Tabela D prevista no n.º 1 do artigo 11.º do CISV, aplicável aos veículos usados – pelo que o total de ISV a pagar passou a ser de €19.987,35 (total que foi pago pelo ora Requerente, conforme se pode ver pela leitura do Doc. 1 apenso aos presentes autos). No que diz respeito à componente ambiental, não foi aplicada qualquer percentagem de redução.

G. A aplicar-se a redução pretendida pelo Requerente, deveria ser deduzida, na parte do ISV incidente sobre a componente ambiental, a quantia de €3685,69 (= €10.530,55 × 0,35). O valor da presente causa corresponde a este valor parcial da liquidação de ISV, que o Requerente considera que foi exigido em violação do disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

H. A liquidação do imposto, relativa ao veículo acima identificado, foi efectuada a 7 de Fevereiro de 2020, constando da respectiva DAV o termo final do prazo de pagamento (21 de Fevereiro de 2020), conforme acto de liquidação n.º 2020/..., praticado pelo Director da Alfândega de Aveiro (vd. DUC apenso aos presentes autos).

I. Inconformado, o ora Requerente interpôs o presente pedido de constituição de tribunal arbitral em 28/2/2020, peticionando a anulação parcial da liquidação de ISV e o reembolso do montante de €3685,69 acrescido de juros indemnizatórios.               

 

IV.2. Factos não provados

 

13. Inexistem factos não provados com relevo para a apreciação do mérito da causa.

 

IV.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

14. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

15. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

16. A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes.

 

IV.4. Matéria de direito

 

17. A questão essencial que aqui está em causa já foi, por várias vezes, objecto de análise em sede arbitral. O entendimento da jurisprudência arbitral do CAAD até à presente data (nomeadamente, o que está vertido nas Decisões arbitrais proferidas nos processos n.os 572/2018-T , 346/2019-T e 466/2019-T) é aquele que também se defenderá aqui, por com ele se concordar, pelas razões que serão, em seguida, expostas.

 

18. Como se disse acima, a questão essencial a decidir nos presentes autos diz respeito à avaliação da interpretação, adoptada pela Requerida, do art. 11.º, n.º 1, do CISV (na redacção que lhe foi dada pelo art. 217.º da Lei n.º 42/2016, de 28/12), da qual resultou a liquidação de ISV em causa (e cuja anulação parcial constituiu o objecto do presente pedido arbitral), tendo em vista verificar se a mesma viola ou não o disposto no art. 110.º do TFUE.

 

19. Com efeito, o ora Requerente interpôs o presente pedido arbitral por entender que a AT, “quando procedeu à liquidação do ISV sob a presente impugnação, não levou em consideração o número de anos de uso do veículo na sua componente ambiental, tendo apenas considerado essa redução na componente cilindrada. Tendo-o feito com o recurso a uma norma jurídica que viola o direito europeu – art. 110.º do TFUE – que, como tal, está ferida de ilegalidade.” Especifica o Requerente que, “na componente ambiental, foi liquidado por €10.530,55, sem qualquer redução. Quando deveria ter sido também aplicada a esta componente a redução de 35%, no valor de €3.685,69, baixando dessa forma o respectivo ISV para o valor de €16.301,66.”

 

20. Por seu lado, a Requerida defendeu, nesta sede, que a “liquidação de ISV, que aplicou o artigo 11.º do CISV, foi efetuada em conformidade com a lei nacional e o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição.”

 

21. Vejamos, então.

 

22. Nos termos do disposto no mencionado art. 110.º do TFUE (que corresponde ao anterior art. 90.º do TCE), “Nenhum Estado-Membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares. Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indirectamente outras produções.”

 

23. E, nos termos do também mencionado art. 11.º (Taxas - veículos usados) do CISV (artigo que, no entender do Requerente, viola a supra citada norma comunitária), na redacção dada pela Lei n.º 42/2016, de 28/12,

 

“1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional:

 

Tabela D

 

 

 

2 - Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por «tempo de uso» o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respectivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.

3 - Sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado dos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto:

 

ISV = ((V/VR) x Y) + C

 

em que:

 

ISV representa o montante do imposto a pagar;

V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor, apresentadas pelo interessado;

VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez;

Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;

C é o «custo de impacte ambiental», aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela.

4 - Na falta de pedido de avaliação formulado nos termos do número anterior presume--se que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1.”

 

24. Para o presente caso, é também importante ter em consideração o que diz o art. 7.º (Taxas normais - automóveis) do CISV. Nos termos deste artigo, e especificamente quanto a veículos movidos a gasolina (como o ora em causa),

 

“1 - A tabela A, a seguir indicada, estabelece as taxas de imposto, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, e é aplicável aos seguintes veículos: a) Aos automóveis de passageiros; [...].

 

Tabela A

 

 

 

25. No caso destes autos, é indiscutível que está em causa um veículo ligeiro de passageiros usado, movido a gasolina. Com efeito, na DAV n.º 2020/..., que foi apresentada através de representante indireto, declarou-se que o veículo da marca ...-modelo..., com a matrícula ..., inscrito nos Quadros E, F e G, referentes às características do veículo, apresentação do veículo e matrículas anteriores, se trata de um veículo usado proveniente da Alemanha, com 38.386 km percorridos, tendo a primeira matrícula sido atribuída em 19/5/2016, tratando-se de um veículo que se insere no escalão da tabela de “Mais de 3 a 4 anos” para efeitos do escalão da tabela D prevista no n.º 1 do artigo 11.º do CISV, à qual corresponde uma percentagem de redução de 35% (vd. DAV constante do PA apenso). No item 50 (que é relativo à emissão de gases CO2) do Quadro E da referida DAV, respeitante às características do veículo, consta o valor de 219 g/km.

 

26. Se é certo que, como resulta do Quadro R da referida DAV, no que respeita à componente cilindrada, foi deduzida a quantia correspondente a 35% do respectivo montante supra citado (i.e., €5092,12 = €14.548,92 × 0,35), por força da redução resultante do número de anos do veículo, de acordo com as percentagens de redução constantes da Tabela D prevista no n.º 1 do art. 11.º do CISV, aplicável aos veículos usados – pelo que o total de ISV a pagar passou a ser de €19.987,35 (total que foi pago pelo ora Requerente, conforme se pode ver pela leitura do Doc. 1 apenso aos presentes autos); já no que diz respeito à componente ambiental, não foi aplicada qualquer percentagem de redução.

 

27. Está, pois, em causa determinar se a referida norma do art. 11.º do CISV, na medida em que não considera qualquer redução de imposto em função do número de anos de uso do veículo na componente ambiental, viola ou não o direito comunitário, nomeadamente o citado art. 110.º do TFUE e, consequentemente, se a liquidação ora impugnada se encontra, ou não, ferida de ilegalidade.

 

28. Assim sendo, mostra-se necessária a análise da questão da conformidade com o direito comunitário das normas nacionais relativas à tributação de veículos usados “importados” de outro Estado-Membro. Uma questão importante que já foi submetida à apreciação do TJUE por diversas vezes.

 

29. Como bem se sintetiza, a este respeito, na Decisão arbitral que foi proferida no processo n.º 346/2019-T, “ainda na vigência do revogado imposto automóvel, que precedeu o atual ISV, aquele Tribunal não teve dúvida em declarar que «A cobrança por um Estado-Membro de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-Membro é contrária ao artigo 95.º do Tratado CEE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional.» (Ac. de 09-03-1995, proc. C-345/03, Nunes Tadeu). Sobre a mesma matéria, e com referência aquele mesmo tributo, voltaria o Tribunal de Justiça a pronunciar-se, no sentido de que «A cobrança por um Estado-Membro de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-Membro é contrária ao artigo 95.º do Tratado CEE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional» (Ac. de 22-02-2001, proc. C-393/98, Gomes Valente). É, pois, constante orientação do Tribunal de Justiça sobre a incompatibilidade de normas nacionais que tributem mais gravosamente os veículos «importados» de outros Estados Membros, como se extrai tanto das decisões referidas como de tributações de similares contornos vigentes noutros países da União Europeia: «O artigo 95.º, primeiro parágrafo, do Tratado só permite a um Estado-Membro aplicar aos veículos usados importados de outros Estados-Membros um sistema de tributação em que a depreciação do valor efectivo dos referidos veículos é calculada de modo geral e abstracto, com base em critérios ou tabelas fixas determinados por uma disposição legislativa, regulamentar ou administrativa, se esses critérios ou tabelas forem susceptíveis de garantir que o montante do imposto devido não excede, ainda que apenas em certos casos, o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos similares já matriculados no território nacional» (Ac. de 20-09-2007, proc. C-74/06, Comissão das Comunidades Europeias vs República Helénica).”

 

30. E, num caso em que, pela primeira vez, se analisou a consideração da componente ambiental no âmbito da tributação automóvel no direito húngaro (vd. Ac. de 5/10/2006, proc. C-290/05, caso Ákos Nádasdi), o TJUE viria a considerar que: “51. No que concerne aos critérios que podem ser utilizados para o cálculo de um imposto, há que recordar que o direito comunitário, no estado actual da sua evolução, não limita a liberdade de cada Estado‑Membro estabelecer um sistema de tributação diferenciado para certos produtos, ainda que similares na acepção do artigo 90.°, primeiro parágrafo, CE, em função de critérios objectivos, como sejam a natureza das matérias‑primas utilizadas ou os processos de produção aplicados. Contudo, tais diferenciações só são compatíveis com o direito comunitário se prosseguirem objectivos compatíveis, também eles, com as exigências do Tratado e do direito derivado e se as suas modalidades forem de molde a evitar qualquer forma de discriminação, directa ou indirecta, das importações provenientes dos outros Estados‑Membros, ou de protecção em favor de produções nacionais concorrentes (acórdão Outokumpu, já referido, n.º 30). 52. No âmbito de um regime relativo ao imposto automóvel, critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em considerações ambientais constituem critérios objectivos. Daí poderem ser utilizados num regime desses. Em compensação, não é exigível que o montante do imposto esteja relacionado com o preço do veículo. 53. Contudo, um imposto automóvel não deve onerar mais os produtos provenientes de outros Estados‑Membros do que os produtos nacionais similares. [...]. 56. Assim, não obstante o carácter ambiental do objectivo e do fundamento do imposto automóvel e mesmo não tendo estes qualquer relação com o valor de mercado do veículo, o artigo 90.º, primeiro parágrafo, CE exige que seja tida em conta a depreciação dos veículos usados que são objecto de tributação, visto que esse imposto se caracteriza por ser apenas cobrado uma vez quando do primeiro registo do veículo para efeitos da sua utilização no Estado‑Membro em causa e por ser desta forma incorporado no referido valor.”

 

31. Com base nestas considerações, o TJUE viria a declarar, no referido caso Ákos Nádasdi, que: “57. [...] o artigo 90.°, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto como o instituído pela lei relativa ao imposto automóvel, na medida: – em que seja cobrado sobre os veículos usados quando da sua primeira colocação em circulação no território de um Estado‑Membro e; – em que o seu montante, exclusivamente determinado em função das características técnicas dos veículos (tipo de motor, cilindrada) e da sua classificação ambiental, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados‑Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado‑Membro de importação.”

 

32. No contexto do sistema nacional de tributação automóvel, e já sobre a norma do art. 11.º do CISV, na redacção em vigor até à alteração introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, o TJUE também viria a tecer considerações relevantes no seu Ac. de 16/6/2016, proc. C-200/15 (Comissão Europeia vs República Portuguesa): “26. Para efeitos da aplicação do artigo 110.° TFUE e, em especial, para efeitos da comparação entre o regime de tributação dos veículos usados importados e o dos veículos usados comprados no mercado nacional, que constituem produtos similares ou concorrentes, deve tomar‑se em consideração não apenas a taxa da imposição interna que incide direta ou indiretamente sobre os produtos nacionais e os produtos importados mas também a matéria coletável e as modalidades do imposto em causa. Mais precisamente, um Estado‑Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, EU:C:2007:534, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida). 27. No caso em apreço, o artigo 11.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre Veículos prevê, para efeitos do cálculo do imposto aplicável aos veículos usados importados de outros Estados‑Membros, a tomada em consideração de uma desvalorização em função de uma tabela de percentagens fixas que estabelece, designadamente, em 20% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado durante um período de um a dois anos e em 52% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado há mais de cinco anos. 28. Daqui resulta que a República Portuguesa aplica aos veículos automóveis usados importados de outros Estados‑Membros um sistema de tributação no qual, por um lado, o imposto devido por um veículo utilizado há menos de um ano é igual ao imposto que incide sobre um veículo novo similar posto em circulação em Portugal e, por outro, a desvalorização dos veículos automóveis utilizados há mais de cinco anos é limitada a 52%, para efeitos do cálculo do montante deste imposto, independentemente do estado geral real desses veículos. 29. Ora, é facto assente que o valor de mercado de um veículo automóvel começa a diminuir a partir da data da sua compra ou da sua entrada em circulação e que esta diminuição continua para além do quinto ano da sua utilização (v., neste sentido, acórdão de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin, C‑101/00, EU:C:2002:505, n.º 78). 30.    Deste modo, a regulamentação nacional em causa tem por consequência que o montante do imposto de registo a pagar pelos veículos automóveis usados importados de outros Estados‑Membros para Portugal e utilizados há menos de um ano ou há mais de cinco anos é calculado sem tomar em consideração a desvalorização real desses veículos. 31. Por conseguinte, a regulamentação nacional em causa não garante que, nos casos referidos no número anterior do presente acórdão, os veículos usados importados de outro Estado‑Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares disponíveis no mercado nacional, o que é contrário ao artigo 110.º TFUE. [...]. 37. [...] o Tribunal de Justiça já declarou que a tomada em consideração da desvalorização real dos veículos não tem necessariamente que levar a uma avaliação ou a uma prova pericial de cada um deles. Com efeito, evitando as dificuldades inerentes a tal sistema, um Estado‑Membro pode fixar, através de tabelas de percentagens fixas determinadas por uma disposição legislativa, regulamentar ou administrativa e calculadas com base em critérios como a idade, a quilometragem, o estado geral, o modo de propulsão, a marca ou o modelo do veículo, um valor dos veículos usados que, regra geral, é muito próximo do seu valor real (acórdãos de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, EU:C:2001:109, n.º 24, e de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, EU:C:2007:534, n.º 29). 38. Assim, embora não decorra desta jurisprudência que as tabelas de percentagens fixas devam ser concebidas com base em todos estes critérios, uma vez que esta contém só, como confirma a utilização do termo «como», uma lista exemplificativa e não exaustiva de critérios de elaboração das referidas tabelas, importa contudo que, conforme resulta dos n.os 24 a 26 do presente acórdão, a aplicação destas tabelas não conduza, ainda que apenas em certos casos, a uma tributação dos veículos usados importados de outros Estados‑Membros superior à dos veículos similares já matriculados no Estado‑Membro em causa. 39. A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que a tomada em consideração de vários fatores de desvalorização, como os indicados no n.º 37 do presente acórdão, é suscetível de garantir que a tabela de percentagens fixas reflita de forma muito mais precisa a desvalorização efetiva dos veículos e permita atingir o objetivo de uma tributação dos veículos usados importados que não seja em caso algum superior ao montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional (v., neste sentido, acórdão de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, EU:C:2001:109, n.º 28). 40. Resulta de todas as considerações precedentes que a ação da Comissão deve ser julgada procedente. 41. Por conseguinte, há que declarar que a República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE.” (Sublinhados nossos.)

 

33. No sentido de acolher esta decisão do TJUE, foi, através da Lei n.º 42/2016, de 28/12, alterada a redacção do art. 11.º do CISV, nele passando a ser considerada a desvalorização do veículo a que a mesma se refere mas apenas quanto à componente cilindrada, ficando excluída qualquer redução no que diz respeito à componente ambiental.

 

34. Pode, assim, concluir-se, também aqui, e tal como se fez na Decisão arbitral proferida no processo n.º 572/2018-T, que “os actuais contornos da legislação nacional ignoram, no artigo 11.º, n.º 1, Tabela D, o previsto no art. 110.º do TFUE e a posição que o TJUE tem assumido (e que já assumia face ao disposto no art. 90.º do Tratado de Roma) de que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados[ ], de modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios.”

35. A este respeito, constata-se, na resposta da Requerida, que esta entende que, “quanto à questão da percentagem de redução de ISV aplicável a veículo usado [a mesma] incid[e] apenas sobre o elemento específico de tributação (Cilindrada), e não sobre a componente ambiental do ISV”, justificando tal exclusão com a necessidade de “imprimir coerência entre a tributação dos veículos novos e veículos usados.” Acrescenta, ainda, em defesa da sua posição, que “o modelo de tributação automóvel português, ao fazer incidir sobre os veículos ligeiros de passageiros, novos e usados, a componente ambiental, não pretende restringir a entrada de veículos em território nacional para proteger a produção nacional, mas, tão só, como se referiu, direcionar as escolhas dos consumidores para a aquisição de veículos com menores emissões de dióxido de carbono, isto é, mais «amigos do ambiente» tendo por fim último a proteção do ambiente, no estrito cumprimento dos princípios consagrados no artigo 191.º do TFUE.” Alega, ainda, que “não se retira da letra da lei, no caso, do artigo 11.º do CISV, ou de outra norma do mesmo código, a aplicação da redução prevista na admissão de veículos usados, para a componente cilindrada, à componente ambiental, além da que já é aplicada por força do artigo 7.º [, pelo que] a interpretação defendida pelo Requerente, posto que defende a aplicação de uma fórmula de cálculo, com atribuição de uma redução não prevista na tabela D do artigo 11.º, acrescenta uma redução à componente ambiental que não está consagrada na letra [da] lei, que não foi querida pelo legislador, consubstancia assim, também nesta parte, uma violação dos princípios constitucionais aludidos, da legalidade e da justiça tributária, da igualdade e da certeza e segurança jurídica.” E conclui que “a liquidação de ISV, que aplicou o artigo 11.º do CISV, foi efetuada em conformidade com a lei nacional e o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição.”

 

36. Verifica-se, contudo, que nenhum destes argumentos invalida a evidência observada: o art. 11.º do CISV está em clara desconformidade com o disposto no art. 110.º do TFUE, visto que, por via da exclusão de qualquer redução quanto à componente ambiental, se sujeitam os veículos usados importados de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior ao do imposto residual contido nos veículos usados similares transaccionados no mercado nacional – o que, como se viu, é contrário ao que tem sido a orientação do TJUE no que diz respeito à interpretação do referido art. 110.º.

 

37. Ainda a este respeito, convém notar, tal como fez a Decisão arbitral proferida no processo n.º 346/2019-T, que “a desconformidade do direito nacional, na sua atual redação, com a norma comunitária conduziu já ao início de procedimento de infração. Com efeito, conforme comunicado de 24-01-2019, a Comissão Europeia deu início a ação judicial contra o Estado Português «por este Estado-Membro não ter em conta a componente ambiental do imposto de matrícula aplicável aos veículos usados importados de outros Estados-Membros para fins de depreciação. A Comissão considera que a legislação portuguesa não é compatível com o artigo 110.º do TFUE, na medida em que os veículos usados importados de outros Estados-Membros são sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado português, uma vez que a sua depreciação não é plenamente tida em conta. Se Portugal não atuar no prazo de dois meses, a Comissão poderá enviar um parecer fundamentado sobre esta matéria às autoridades portuguesas.»” E, como se pode constatar pelo comunicado que foi publicamente emitido pela Comissão Europeia em 12/2/2020, a Comissão decidiu, na referida data, “instaurar junto do Tribunal de Justiça da União Europeia uma acção contra Portugal pelo facto de este sujeitar os veículos usados importados de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior à dos veículos usados adquiridos no mercado português.” Acrescentou, ainda, o referido comunicado, que “a decisão de remeter a questão para o Tribunal de Justiça decorre do facto de Portugal não ter alterado a sua legislação para a tornar conforme com o direito da UE, na sequência do parecer fundamentado da Comissão.”

 

38. Em face do exposto, não se suscitando, nesta sede, dúvidas quanto a incompatibilidade com o direito comunitário da norma aplicada à liquidação aqui impugnada, nem quanto à posição constante e reiterada do TJUE nos termos assinalados nesta Decisão, nem quanto à interpretação do art. 110.º do TFUE, conclui-se pela desnecessidade do reenvio prejudicial , julgando-se, assim, incompatível com o direito comunitário a norma do artigo 11.º do CISV, na medida em que, pelas razões que foram supra mencionadas, sujeita os veículos usados importados de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior ao do imposto residual contido nos veículos usados similares transacionados no mercado nacional.

 

39. Como no acto de liquidação em causa foi desconsiderada a redução na vertente relativa à componente ambiental do ISV, o mesmo encontra-se ferido de ilegalidade, por violação do disposto no art. 110.º do TFUE , devendo o referido acto ser parcialmente anulado, na medida dessa desconsideração (€ 3685,69) .

 

Juros indemnizatórios

 

40. Para além da anulação parcial do acto de liquidação ora em causa, e do reembolso da importância indevidamente cobrada (v. art. 100.º da LGT), o Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT.

 

41. Nos termos do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” Decorre, ainda, do n.º 5 do art. 24.º do RJAT que o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral.

 

42. O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT. Ora, no caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do acto de liquidação, pelas razões que se apontaram, o Requerente efectuou o pagamento de importância manifestamente indevida.

 

43. Assim sendo, reconhece-se ao ora Requerente: o direito ao reembolso parcial do montante por si pago, relativo ao ISV na parte em que a liquidação se deve considerar anulada, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade supra assinalada ; e o direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre o montante que foi indevidamente cobrado, desde a data do respectivo pagamento até ao momento do efectivo reembolso (vd. artigo 43.º, n.º 1, da LGT, e artigo 61.º do CPPT).

 

 

V. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, decide-se:

 

- Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, determinar a anulação parcial do acto de liquidação impugnado na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da desconsideração da redução do imposto correspondente à componente ambiental do ISV, no valor de € 3685,69, com o consequente reembolso do valor indevidamente cobrado, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais.

 

VI. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 3685,69 (três mil seiscentos e oitenta e cinco euros e sessenta e nove cêntimos), nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VII. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 612,00 (seiscentos e doze euros), a pagar pela Requerida, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 22 de Janeiro de 2021.

 

O Árbitro

(Miguel Patrício)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.