Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 28/2020-T
Data da decisão: 2021-01-25  IRS  
Valor do pedido: € 566,56
Tema: CIRS – Artigo 31.º nº 1 al. (b) e (c) e artigo 151.º (1323 - Desportistas)
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DECISÃO ARBITRAL

 

A Signatária, Dra. Elisabete Flora Louro Martins Cardoso, foi designada pelo                 Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR, o qual foi constituído em 6 de julho de 2020.

 

I.             RELATÓRIO

 

1. A..., portador do cartão de cidadão n.º..., válido até dia 22 de novembro de 2020, contribuinte fiscal nº ..., residente na Rua ..., n.º..., ..., ... Santa Maria da Feira, (doravante, Requerente), apresentou no dia 15 de janeiro de 2020 pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante, Requerida).

 

No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente pede a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS emitida pela Requerida — referente aos rendimentos obtidos pelo Requerente no ano de 2018 (liquidação nº 2019... de 6 de dezembro de 2019, com acerto de contas nº 2019... de 19 de dezembro de 2019), que determinou, relativamente aos rendimentos obtidos pelo Requerente em 2018, um reembolso de IRS no valor de EUR 32,99 — (doravante, ato impugnado). Pede ainda o Requerente que a Requerida seja condenada a aplicar o coeficiente de 0,35 aos rendimentos auferidos na qualidade de árbitro de futebol, e a aceitar que esses rendimentos sejam declarados no campo 404, do anexo B da declaração de IRS. Constitui também objeto do pedido de pronúncia arbitral a decisão da reclamação graciosa (à qual foi atribuída o número de processo n.º ...2019..., da Direção de Finanças de ...), na medida em que a esta decisão manteve a liquidação de IRS de 2018.

 

2. O pedido de pronúncia arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 16 de janeiro de 2020, e foi notificado à Requerida em 21 de janeiro de 2020.

 

3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, em 4 de março de 2020 ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a Signatária como Árbitro do Tribunal Arbitral Singular, tendo a Signatária comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

4. Em 4 de março de 2020, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo as mesmas manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 6 de julho de 2020.

 

6. Em 8 de julho de 2020, o Tribunal Arbitral proferiu despacho arbitral ordenando a notificação da Requerida para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo, e solicitar, querendo, a produção de prova adicional. Deste despacho foi a Requerida notificada na mesma data.

 

7. A Requerida veio aos autos apresentar Resposta e juntar o processo administrativo em 8 de setembro de 2020, dentro do prazo legal.

 

8. Em 13 de setembro de 2020, foi proferido despacho arbitral com o seguinte teor: “Por aplicação do princípio da celeridade processual notifica-se a Requerente, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º n.º 1 al. (b) e (c) do RJAT, para se pronunciar, por escrito, relativamente à matéria de exceção alegada pela Requerida na sua Resposta”.

 

9. Em resposta ao despacho identificado, o Requerente veio apresentar resposta às exceções em 24 de setembro de 2020.

 

10. Em 8 de outubro de 2020, foi proferido despacho arbitral com o seguinte teor: “Tendo em consideração que: a) não está requerida a produção de prova testemunhal; b) o Requerente já se pronunciou relativamente à matéria de exceção deduzida pela Requerida na sua Resposta; c) no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis; 1) Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT: 1.1) Dispensa-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT; 1.2) Faculta-se às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas, podendo o Requerente fazê-lo no prazo de 10 dias, contados da notificação do presente despacho, e a AT no mesmo prazo, contado da notificação das alegações da Requerente, ou da falta de apresentação das mesmas. 1.3) A decisão final será proferida até ao termo do prazo fixado no art.º 21.º/1 do RJAT (até dia 6 de janeiro de 2021), devendo a Requerente, até 10 dias antes do termo de tal prazo, proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente”.

 

11. Em 16 de dezembro de 2020, foi proferido despacho arbitral com o seguinte teor: “Atento o facto de o prazo de seis meses para proferir a decisão arbitral, segundo o estatuído no artigo 21.º do RJAT, incluir períodos de férias judiciais — terminando o prazo logo após as férias judiciais do Natal, numa situação em que ainda não foi paga a taxa arbitral subsequente — prorroga-se o prazo da arbitragem por dois meses e indica-se como data limite para ser proferida a decisão o dia 8 de março de 2021. Do presente despacho notifiquem-se ambas as partes”.

 

12. Em 4 de janeiro de 2021, o Requerente veio aos autos juntar (i) o comprovativo de pagamento de taxa de arbitragem subsequente; e (ii) Acórdão para uniformização de jurisprudência proferido em 09 de dezembro de 2020 no Processo n.º 92/19.9BALSB.

 

13. No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente pugna pela ilegalidade e consequente anulação do ato impugnado, alegando que a atividade de árbitro de futebol (plasmada na prestação de serviços de “outras actividades desportivas”, com o código CAE 93192), não encontra previsão típica e expressa na tabela anexa ao artigo 151.º do CIRS, o que determina que o coeficiente de 0,75 não é aplicável aos rendimentos decorrentes da atividade de árbitro de futebol desenvolvida pelo Requerente no ano fiscal de 2018 (e cuja declaração deu origem à emissão do ato impugnado). Entende o Requerente que os rendimentos decorrentes da atividade de árbitro de futebol devem ser enquadrados na categoria residual constante da alínea c) do n.º 1, do artigo 31.º do CIRS — onde se incluem os restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores — estando assim os mesmos sujeitos a um coeficiente de 0,35.

 

14. Na sua Resposta, a Requerida alega:

a) Nos casos em que é impugnada uma liquidação, o valor do processo é — nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT — o valor da liquidação impugnada. Por conseguinte, o Requerente deveria ter atribuído ao processo o valor de EUR 32,99;

b) A exceção de incompetência do Tribunal em razão da matéria e da hierarquia:              o pedido tão só concretiza a declaração de erro da Administração Tributária no enquadramento dos rendimentos no campo 403 e não no campo 404, o que, tendo em conta a matéria a sindicar, não é suscetível de resolução por via arbitral. Defende ainda que o meio próprio para impugnar estes atos, que não comportam a apreciação da legalidade de atos de liquidação e que também não são atos de fixação da matéria tributável ou da matéria coletável não é a impugnação judicial, mas sim a ação administrativa especial (alínea p), do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e artigo 37.º e seguintes do CPTA). Estamos perante um ato da administração tributária que não integra os atos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, pelo que, deve o Tribunal Arbitral julgar procedente a exceção invocada de incompetência absoluta do foro arbitral, em razão da matéria e, em consequência, rejeitar o pedido de pronúncia arbitral, absolvendo a AT da instância;

c) Que a atividade de árbitro de futebol deve ser enquadrada no código de atividades “1323 – Desportistas” (que é um código abrangente e engloba, para além de atletas, todos os agentes desportivos envolvidos em atividades desportivas). Assim, atendendo a que os rendimentos do Requerente provêm de atividade especificamente prevista na tabela de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS, tais rendimentos enquadram-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS, tendo o coeficiente de 0,75 sido corretamente aplicado.

 

II.            SANEAMENTO

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março).

O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

 

III.          MATÉRIA DE FACTO

 

III.1        FACTOS PROVADOS

 

1.            O Requerente é árbitro de futebol, pertence aos quadros da Associação de Futebol de ... e declarou início de atividade com a atividade principal com o CAE 93192 – “Outras atividades desportivas” tendo optado pelo regime simplificado de tributação relativamente aos rendimentos da categoria B;

2.            O Requerente apresentou a declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, referente a 2018, em 17/05/2019 e inscreveu os rendimentos provenientes do exercício da atividade de árbitro no anexo B, quadro 4, campo 403 “Rendimentos de atividades profissionais especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do CIRS”, o montante de € 6 713,50, a qual deu origem à liquidação nº 2019...;

3.            Posteriormente, em 29/05/2019 e em 12/06/2019, o Requerente apresentou declaração de substituição, passando a constar no anexo B, no campo 404 “Rendimentos de prestações de serviços não previstos nos campos anteriores”, o montante de € 6 713,50;

4.            O requerente apresentou reclamação graciosa — da liquidação n.º 2019..., de 27 de maio de 2019 relativa aos rendimentos obtidos em 2018 — à qual foi atribuído o número de processo ...2019...;

5.            Por Ofício n.º... de dia 25 de novembro de 2019, a Requerida notificou o Requerente para exercer o direito de audição prévia relativamente ao projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa;

6.            Por Ofício n.º ... de 20 de dezembro de 2019, a Requerida notificou o Requerente da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa identificada supra, remetendo no que respeita à fundamentação, para os argumentos expostos no projeto de decisão de indeferimento.

 

III.2        FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide.

 

III.3        FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil [CPC], aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.

 

IV.          DA APRECIAÇÃO JURÍDICA

 

No que respeita à questão prévia colocada pela Requerida, é entendimento deste Tribunal que a Requerida não tem razão.

 

Conforme resulta do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido em 17 de janeiro de 2019 no processo n.º 62/18.4BCLSB (disponível in http://www.dgsi.pt), na definição do valor do pedido dada pelo artigo 97.º-A n.º 1 do CPPT, “embora não o referindo expressamente, implicitamente apela também ao conceito de utilidade económica imediata do pedido” previsto no artigo 31.º do CPTA, e no artigo 297.º do CPC. O entendimento assumido  por  este  Acórdão  foi  o  seguinte:

 

“2.2.1. A primeira questão que cumpre apreciar diz respeito à competência do tribunal arbitral em razão do valor.

A Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, à qual se refere o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, de vinculação da AT aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, exclui a competência destes, ainda que sejam competentes em razão da matéria, em litígios de valor superior a €10.000.000,00 (cfr. artigo 3.º, n.º 1).

No caso sub judice o tribunal arbitral, depois de se afirmar competente em razão da matéria, afirmou também a sua competência em razão do valor.

Em síntese, o argumento do acórdão arbitral é de que a utilidade económica do pedido se situa abaixo da fasquia dos €10.000.000,00 que a lei impõe como limite à competência da arbitragem tributária, visto que o que o requerente Banco x…., ora impugnado, pretende com o pedido de pronúncia arbitral que formulou é apenas impedir que venha a pagar o imposto correspondente ao valor das correções “nos exercícios em que o mesmo venha a apresentar lucro tributável”, e não o valor dessas correcções.

A perspectiva da impugnante AT é totalmente oposta. Para a impugnante o valor da causa é o valor das correcções, que correspondem ao valor económico do pedido.

*

2.2.2. O artigo 296.º do Código de Processo Civil (CPC), estabelece que a “toda a acção dever ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido” (n.º 1, com negrito nosso), e ao qual “se atenderá para determinar a competência do tribunal, a forma do processo comum e a relação da causa com a alçada do tribunal” (n.º 2), contribuindo ainda para a determinação do valor da taxa de justiça a pagar pelas partes (n.º 3).

Dada a função instrumental do processo civil em relação aos demais ramos jurídico-processuais, este artigo constitui a trave-mestra em matéria de determinação do valor da causa em todos os casos aos quais é aplicável, directa ou subsidiariamente, a lei processual civil.

Por seu lado o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), acolhe no seu artigo 31.º, o princípio da utilidade económica imediata do pedido, remetendo até para o disposto na lei processual civil quanto aos poderes das partes e à intervenção do juiz na fixação do valor da causa (n.º 4), mas faz uma destrinça entre o valor da causa para efeitos de recurso e do respectivo tipo (n.º 2) e para efeitos de tributação em custas e demais encargos legais (n.º 3), seguindo o entendimento doutrinal e jurisprudencial de que não são confundíveis as duas realidades.

De harmonia com o artigo 32.º, n.º 2, do CPTA, “Quando pela ação se pretenda obter um benefício diverso do pagamento de uma quantia, o valor da causa é a quantia equivalente a esse benefício”.

Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira esclarecem o que se deve entender por benefício na acepção desta norma: “há-de ser uma qualquer vantagem de natureza patrimonial, passível de avaliação pecuniária”. E socorrendo-se da opinião de Alberto dos Reis, observam que “quando se pede uma prestação que não consiste no pagamento de uma quantia certa, há que coordenar o pedido com a causa de pedir para se verificar a utilidade económica imediata que o autor pretende obter, qual o benefício expresso em dinheiro que corresponde à pretensão do autor”.

Por sua vez o Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), no seu artigo 97.º-A, n.º 1, embora não o referindo expressamente, implicitamente apela também ao conceito de utilidade económica imediata do pedido. Mas essa utilidade económica, na economia do artigo, pode resultar do (eventual) não pagamento do imposto questionado [alínea a)], ou do valor que poderá servir para determinar o quantum, em concreto, do imposto a pagar [alíneas b), c) e d)].

Mas o que é, então, a “utilidade económica imediata do pedido”?

Segundo o artigo 297.º, n.º 1 do CPC, se “pela acção, se pretende obter quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa”, enquanto “se pela acção se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício”.

Desta norma retira a doutrina e a jurisprudência a conclusão de que o valor da causa é determinado em função do seu objecto, ou seja, do efeito jurídico que o autor pretende obter com a acção (art.º 581.º, n.º 3 do CPC), efeito esse que é materializado no pedido formulado ao tribunal, mas circunscrito ao âmbito da causa de pedir, designadamente quando se pretende obter um benefício diverso de uma quantia certa em dinheiro; neste caso, para se apurar qual a utilidade económica imediata do pedido tem de se atender, necessariamente, ao pedido e à causa de pedir.”

 

Aplicando a doutrina expressa neste Acórdão à situação dos autos, concluímos — da análise conjugada do pedido e da causa de pedir — que o que o Requerente pretende com o presente pedido de pronúncia arbitral é (i) a anulação do ato impugnado, e consequentemente, (ii) a definição das regras que a AT deverá aplicar no cálculo do reembolso de IRS relativo a 2018; pretendendo o Requerente que, em execução desta decisão, a Requerida emita novo ato de liquidação de que determine um reembolso de IRS no valor de EUR 566,56. Assim, a “utilidade económica imediata do pedido” (“vantagem de natureza patrimonial, passível de avaliação pecuniária”), nos termos do artigo 97.º-A do CPPT e 31.º do CPTA, é a obtenção de um reembolso de IRS no valor de EUR 566,56, correspondendo este valor ao valor do pedido.

 

Uma vez que a uniformidade da aplicação do Direito é um valor em si mesma, no que respeita às duas restantes questões jurídicas colocadas pelas partes, este Tribunal já se pronunciou na Decisão Arbitral de 31 de agosto de 2020, proferida no processo n.º 829/2019-T (recentemente confirmada pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Janeiro de 2021 no recurso n.º 103/20.5BALSB), para a qual remetemos integralmente, atendendo à semelhança em ambos os processos: (i)  da  situação  de  facto,  e  (ii)  das  questões  jurídicas:

 

“Foram suscitadas pelas partes duas questões essenciais às quais o Tribunal irá responder:

 

Questão 1:

Exceção de incompetência do Tribunal em razão da matéria e da hierarquia.

 

Questão 2:

Enquadramento da atividade de árbitro de futsal no código de atividades “1323 – Desportistas”.

 

Questão 1:

Exceção de incompetência do Tribunal em razão da matéria e da hierarquia.

No que respeita à primeira questão, a Requerida afirma que “o pedido tão só concretiza a declaração de erro da Administração Tributária no enquadramento dos rendimentos no campo 403 e não no campo 404, o que, tendo em conta a matéria a sindicar, não é suscetível de resolução por via arbitral”. Esta afirmação feita pela Requerida na sua Resposta, não corresponde de todo à verdade.

 

No pedido, a Requerida pede expressamente: “Ser declarada ilegal as liquidações de imposto feitas pela Requerida, referente aos rendimentos obtidos pelo Requerente nos anos de 2017 e 2018 e declarados, respectivamente, nos anos de 2018 e 2019”. Na causa de pedir, a Requerente é clara ao afirmar que o que pretende é a anulação das liquidações de IRS relativas aos anos fiscais de 2017 e de 2018, por considerar que as mesmas são manifestamente ilegais, na medida em que aplicaram erradamente a lei que determina o coeficiente que deverá ser aplicado aos rendimentos obtidos pela Requerente.

 

Manifestamente, resulta da leitura do pedido de pronúncia arbitral que o que a Requerente pretende é a “A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos”, aliás, conforme a própria Requerida reconhece na sua Resposta quando afirma: “Vem a Requerente vem deduzir pedido de pronúncia arbitral que tem por objeto as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.ºs 2019... e 2019..., referente aos anos de 2017 e 2018, com os fundamentos constantes da petição que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais”.

 

Resulta assim do exposto, que o meio processual adequado para a Requerente reagir aos atos de liquidação emitidos (bem como, à decisão de indeferimento da reclamação graciosa na medida em que esta confirma os argumentos com base foram emitidas as liquidações) é efetivamente a impugnação judicial, nos termos do disposto no 97.º n.º (a) do CPPT ou o pedido de pronúncia arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2.º n.º 1 al. (a) do RJAT que prevê: “A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: (a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”. O que determina a competência do Tribunal Arbitral Singular para conhecer do pedido de pronúncia arbitral, apresentado pela Requerente.

 

Acresce que é do conhecimento da Requerida que existe já uma extensa jurisprudência do CAAD relativamente ao tema objeto de discussão (tanto assim é que existe já um recurso de oposição de acórdãos em curso no STA). Termos em que, a exceção invocada é declarada manifestamente improcedente, com as demais consequências legais.

 

Questão 2:

Enquadramento da atividade de árbitro de futsal no código de atividades “1323 – Desportistas”.

No que respeita à questão de fundo, é conhecido o facto de existirem decisões do CAAD em sentido manifestamente divergente. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 8.º nº 3 do Código Civil: “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”. Por conseguinte, na questão de fundo, vamos aderir aos argumentos expostos na Decisão Arbitral de 09 de Março de 2020, proferida no processo nº 704/2019-T (que acompanhou o entendimento de outras Decisões Arbitrais, como a Decisão de 06 de abril de 2018, proferida no processo nº 510/2017-T, e a Decisão Arbitral de 12 de outubro de 2016, proferida no processo nº 107/2016-T), apesar da mesma estar em discussão no recurso em curso no STA, já identificado.

 

Para facilidade de referência, transcrevemos o teor da Decisão Arbitral de 09 de Março de 2020, proferida no processo nº 704/2019-T (atendendo à semelhança da situação de facto), à qual aderimos totalmente, sem reservas:

 

“O Anexo B do Modelo 3 do IRS, desde logo no quadro 3A, campos 7, 8 e 9, dá seguimento à necessidade de se colocar o código ou códigos de actividade, tal como foram definidos na declaração de início de actividade (...) Ou seja, a indicação de que “caso se trate de actividade não prevista nessa Tabela, deve ser preenchido o campo 08 ou com indicação do Código CAE que lhe corresponda”, (...) em consonância com os códigos de actividade que constam da declaração de início de actividade, o Anexo B do Modelo 3 do IRS no quadro 4A (rendimentos brutos obtidos em território nacional), distingue:

No campo 403 – os rendimentos de actividades profissionais especificadamente previstas na Tabela do artigo 151º do CIRS;

No campo 404 – os rendimentos de prestações de serviços não previstos nos campos anteriores.

Também em consonância com os códigos de actividade que constam da declaração de início de actividade, as instruções de preenchimento do Anexo B do Modelo 3 do IRS no quadro 4A, campos 403 e 404, referem:

Para que esta indicação quanto ao campo 403 tenha coerência (com a declaração de início de actividade e com as instruções de preenchimento do quadro 3A, campos 7, 8 e 9) e face ao valor vinculante, nas relações entre a AT e o sujeito passivo do conteúdo das declarações de início de actividade; quando ocorram situações em que a actividade não tenha sido classificada, inicialmente, na declaração de início pela AT, segundo a tabela anexa ao artigo 151º do CIRS, terá que considerar-se que a actividade cabe ou caberia na exclusão do campo 403, sendo os rendimentos declarados no campo 404, como se constasse no registo o código “1519 – outros prestadores de serviços”, uma vez que é o código onde cabem todas as situações não enquadradas em situações específicas.

 

Aliás, é o que parece resultar do elemento irremovível do artigo 151º do CIRS (a sua letra), como a seguir se vai demonstrar.

O artigo 151º do CIRS e a codificação constante da tabela anexa versus a codificação da CAE. A Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto.

Será necessário levar a efeito uma leitura do artigo 151º do CIRS, em conformidade com o seu elemento irremovível, a sua letra. Com efeito, o elemento literal da norma é sempre o mais relevante, por ser delimitador da actividade interpretativa. A letra é um elemento irremovível da interpretação, ou um “limite da busca do espírito”.

Refere o Artigo 151.º do CIRS que “as atividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de atividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças.”

Ou seja, há duas formas distintas de classificar as actividades exercidas pelos sujeitos passivos de IRS:

de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE),

ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de atividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

O legislador escolheu a conjunção coordenativa alternativa ou disjuntiva “ou” e não usou a conjunção coordenativa aditiva “e”, o que há-de ter consequências ao nível da determinação da vontade da lei.

Se o legislador criou na tabela anexa ao artigo 151º do CIRS, uma actividade “1323 – Desportistas”, tal não pode significar, que aí cabem, sem mais, as actividades de todos os “atletas, árbitros, cronometristas e de outros desportistas independentes”, conforme código CAE 93 192 – Outras actividades desportivas N.E.  

A actividade “1323-Desportistas”, face à definição do código “CAE 93 192 – Outras actividades desportivas N.E.” abrangerá apenas os “desportistas independentes”, mas não, desde logo, todos o que sejam “árbitros e cronometristas”.

No caso dos árbitros de futebol, que é o que aqui nos ocupa, não vislumbramos suporte seguro na lei que permita concluir, de forma clara, que devam ser considerados “desportistas”, para efeitos de integração na actividade “1323-Desportistas” da tabela anexa ao artigo 151º do CIRS, muito embora integrem o leque de entidades que exercem ou estão ligadas à “actividade desportiva”, enquanto um dos tipos de agentes desportivos que fazem parte do fenómeno desportivo.

A Lei de Bases do Sistema Desportivo – LBSD (Lei 1/90, de 13 de Janeiro) o seu Capítulo II,  abordava o que se considerava ser “actividade desportiva”, sendo relevante o nº 4 do artigo 4º que refere: “são considerados agentes desportivos os praticantes, docentes, treinadores, árbitros e dirigentes, pessoal médico, paramédico e, em geral, todas as pessoas que intervêm no fenómeno desportivo”.

Também a Lei de Bases do Desporto (Lei nº 30/2004, de 21 de Julho), no seu capítulo IV, mormente no artigo 34º nº 1, apontava no sentido de que só os “praticantes desportivos” desenvolvem uma actividade desportiva. Quanto aos árbitros configura-se que eram considerados “recursos humanos ... que intervêm directamente na realização de actividades desportivas”, porquanto eram “elementos que desempenham na competição funções de decisão, consulta ou fiscalização, visando o cumprimento das regras técnicas da respectiva modalidade” (nº 1 do artigo 33º).

Por último, o regime da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto – LBAFD (Lei nº 5/2007, de 16,01), na Secção II do Capítulo IV, sob a epígrafe “agentes desportivos” parece integrar os árbitros de futebol, na categoria de “praticantes desportivos” (artigo 34º), como se infere da sua menção no nº 4 do artigo 40º deste diploma legal. Desde logo, a definição do estatuto de cada tipo de praticante desportivo, face à redacção do nº 1 do artigo 34º da LBAFD, parece ser casuístico, porquanto se refere “é definido de acordo com o fim dominante da sua actividade”.

No entanto, a LBAFD tem uma norma específica sobre a tributação dos agentes desportivos que é o nº 1 do artigo 48º, que refere o seguinte:

O regime fiscal para a tributação dos agentes desportivos é estabelecido de modo específico e, no caso dos praticantes desportivos, de acordo com parâmetros ajustados à natureza de profissões de desgaste rápido”.

Ora, perante várias decisões arbitrais adoptadas no CAAD e indicadas pelas partes, em dois sentidos opostos, não podemos deixar de anotar, desde já, que, ao caso presente e face a esta orientação da LBAFD, se configura mais assertiva v.g. a decisão adoptada no Processo 540/2017-T, incluindo por força do princípio da legalidade (artigo 106º-2 da CRP) e dos princípios da tipicidade e determinação em que aquele se desdobra.

Do que se expõe, resultará que este TAS não consegue aderir ao decidido na douta decisão arbitral CAAD nº 421/2019-T, citada pela AT nas alegações, desde logo porque não é possível subscrever a afirmação de que é desportista (para efeitos de integração na actividade “1323-Desportistas” da tabela anexa ao artigo 151º do CIRS) aquele que se dedica a uma actividade desportiva, por ir contra lei expressa (nº 1 do artigo 48º da LBAFD), porquanto é o conceito amplo de “agente desportivo” que surge associado à noção de “actividade desportiva” em sentido amplo e não o conceito de “desportista”, querendo significar os “atletas” na expressão do código “CAE 93 192 – Outras actividades desportivas N.E.”.

Resultará, como atrás se referiu, que a designação da actividade com o código “1323-Desportistas” da tabela anexa ao artigo 151º do CIRS, tendo em conta as actividades que integram o código “CAE 93 192 – Outras actividades desportivas N.E.” poderá abranger os “desportistas independentes”, ou seja, os “atletas” que exerçam actividade de forma independente, mas não abrangerá os “árbitros”, muito embora sejam “agentes desportivos” que intervêm directamente na realização  de actividades desportivas, porque  apenas desempenham, na competição, funções de decisão, consulta ou fiscalização, visando o cumprimento das regras técnicas da respectiva modalidade. É esta a leitura que se compaginará com o nº 1 do artigo 34º e com o nº 1 do artigo 38º, ambos da LBAFD.

Quanto aos árbitros de futebol e quanto  aos rendimentos auferidos no âmbito da qualidade de um tipo específico de agente desportivo, de forma independente, restará uma de duas hipóteses (1) ou considerá-los para efeitos de codificação, no início de actividade, apenas com o “CAE 93 192 – Outras actividades desportivas N.E.” (2) ou considerá-los com o “CAE 93 192 - Outras actividades desportivas N.E” e simultaneamente com o código “1519 – Outros prestadores de serviços” segundo a tabela anexa ao artigo 151º do CIRS.

No caso concreto aqui em julgamento, provou-se que o Requerente, no início da actividade, em 10.01.2017, ficou inscrito com o CAE 93 192 – outras actividades desportivas.

Esta inscrição foi validada pela AT. O Requerente fez constar na sua declaração de rendimentos, como se infere da declaração de substituição, apenas este código de actividade e nem a AT promoveu qualquer procedimento tendo em vista a prévia alteração do código da actividade, expresso no cadastro fiscal de contribuinte.

É a própria AT que reconhece, nas instruções de preenchimento da declaração de início de actividade, que “este enquadramento, definido pelo Serviço de Finanças no momento da sua apresentação, vinculará os Serviços e o sujeito passivo quanto às obrigações estabelecidas para o respectivo regime de tributação nos CIVA, CIRS e CIRC. Por esta razão, todas as dúvidas devem aí ser completamente esclarecidas”.

Resulta do exposto que a AT, ao exigir uma alteração da declaração de rendimentos do Requerente, em contradição com o código de registo da actividade que antes aceitou e validou, e que foi bem expresso na declaração de rendimentos, agiu em desconformidade com a lei e de certa maneira, agindo de forma contraditória, susceptível de integrar "venire contra factum proprium".

 

Mesmo que não fosse como acima se refere, sempre seria de aplicar o que se decidiu no Processo CAAD nº 510/2017-T, a que se adere, por se tratar de um caso em tudo similar e que aqui se reproduz:

“... não obstante a bondade dos argumentos carreados na Resposta da AT, a verdade é que há princípios fundamentais que em caso algum podemos olvidar no direito tributário, pelo que tendemos a concordar com decisão proferida no Processo 107/2016-T deste CAAD.

Entendemos, pois que, efetivamente, as regras de interpretação das normas fiscais são exactamente as mesmas que são aplicadas às normas dos outros ramos do direito. «Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis».

 

Mas até por isso, (ou, não obstante), há que ter presente, que em Direito Fiscal vigora o princípio da tipicidade específica, elemento do princípio da legalidade, o que, para o que interessa, exige a enumeração taxativa dos factos ou realidades que, «dentro de cada tipo genérico do objecto normativo de incidência, são indicados por lei como objecto de incidência».

 

Por força do princípio da legalidade previsto no artigo 106º, nº 2, da Constituição da República e dos princípios da tipicidade e determinação em que aquele se desdobra, as normas de incidência têm de ser pré-determinadas no seu conteúdo, devendo os elementos integrantes da mesma estar formulados de modo preciso e determinado.

 

«A determinação do conteúdo da norma tributária de incidência exclui a utilização de conceitos indeterminados, bem como de conceitos determinados normativos, cuja aplicação ao caso concreto assente em valoração subjectiva ou pessoal do órgão de aplicação, sob pena de ser postergada a segurança jurídica»

 

Ora não vemos, que, no sentido referido, as atividades em causa tenham inequívoca e clara constância e previsão, na referida tabela anexa ao artigo 151º do CIRS, ainda que sejam, ou não, relacionadas com qualquer atividade desportiva, pois, quer uma quer outra, não são, notoriamente, elas próprias atividades desportivas, sem mais.

 

NESSA MEDIDA E RAZÃO temos que concordar, como se disse, com a decisão referida, quando refere que (...) partindo do elemento literal, o resultado da interpretação parece-nos unívoco — o coeficiente de 0,75 é aplicável, apenas, a rendimentos das atividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151º.

Não se vê, portanto, como é possível incluir nesse âmbito rendimentos provenientes de atividades que não sejam atividades profissionais especificamente constantes da tabela a que se refere o artigo 151º.

 

Sendo a letra da lei o limite máximo da tarefa interpretativa, não é possível concluir que outros rendimentos além desses devem merecer o mesmo tratamento. sobretudo quando o próprio legislador criou. em paralelo a essa categoria específica de rendimentos. uma categoria residual constante da alínea c) do º 1 do artigo 31º do CIRS — onde se incluem os "restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores”. Será de concluir que o pedido de pronúncia arbitral merece acolhimento e nessa medida terá que proceder”.

 

Na situação em causa nos presentes autos, ficou assente que a Requerente está inscrita na Autoridade Tributária com o código CAE 93192 (Outras atividades desportivas), código esse que identificou nas declarações Modelo 3 apresentadas em 26 de junho de 2019. Esta inscrição foi validada pela Requerida. A Requerida NÃO promoveu qualquer procedimento tendo em vista a prévia alteração do código da atividade, expresso no cadastro fiscal de contribuinte. Por conseguinte, ao exigir uma alteração da declaração de rendimentos (de substituição) entregue pela Requerente, a Requerida atuou contra a lei, na medida em que exigiu que a declaração de rendimentos da Requerente fosse apresentada em contradição com o código de registo da atividade que a Requerida antes aceitou e validou. Pelo que subscrevemos integralmente a solução encontrada na Decisão Arbitral citada.

 

Acompanhamos ainda a mesma Decisão Arbitral no que respeita à interpretação das diversas normas do CIRS, no sentido do NÃO enquadramento da atividade de árbitro no disposto na atividade de “Desportistas” (Código 1323) da Tabela de Atividades Exercidas pelos Sujeitos Passivos de IRS, prevista pela Portaria 1011/2001 de 21 de agosto. Conforme referem e bem as referidas Decisões Arbitrais, temos de encontrar a definição de “Desportistas” fora da lei fiscal, designadamente na Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, (Lei n.º 5/2007 de 16 de janeiro de 2007 (doravante, LBAFD)), que distingue na Secção II o que define como “Agentes Desportivos”:

 

(i)           o praticante desportivo: definido de acordo com o fim dominante da sua atividade, entendendo-se como profissionais aqueles que exercem a atividade desportiva como profissão exclusiva ou principal, sujeitos a um regime jurídico contratual próprio (artigo 34.º nº 1 e 2);

(ii)          o Técnico: designadamente no âmbito da gestão desportiva, do exercício e saúde, da educação física e do treino desportivo (artigo 35.º);

(iii)         os titulares de cargos dirigentes desportivos (artigo 36.º); e

(iv)         os empresários desportivos (artigo 37.º).

 

O artigo 34.º nº 1 e 2 da LBAFD define como “praticante desportivo” aquele que exerce a atividade desportiva como profissão exclusiva ou principal, sujeito a um regime jurídico contratual próprio (artigo 34.º nº 1 e 2) — a profissão de “Árbitro” não está abrangida pela noção de “praticante desportivo” dada por esta disposição legal.

 

O disposto no artigo 40.º da LBAFD (com a epígrafe Medicina Desportiva) regula o “acesso à prática desportiva”, no âmbito das federações desportivas, por parte do praticante desportivo. Esta norma só é aplicável aos Árbitros, porque o disposto no nº 4 prevê “O disposto no n.º 1, com as devidas adaptações, aplica-se aos árbitros”. Ora, se o legislador sentiu a necessidade de incluir os Árbitros, expressamente, no disposto no nº 4 do artigo 40.º da LBAFD, é porque no espírito da lei, os Árbitros não se enquadram na noção de “praticante desportivo”, prevista no disposto no artigo 34.º nº 1 do mesmo Diploma.

 

Note-se que exatamente no mesmo sentido, o disposto no artigo 44.º da LBAFD (com a epígrafe Medidas de Apoio) no nº 2 diz expressamente que as medidas de apoio são estabelecidas de forma diferenciada, abrangendo (i) o praticante desportivo, bem como

(ii) os técnicos e árbitros participantes nos mais altos escalões competitivos. O que significa que nas diversas normas da LBAFD o legislador diz-nos expressamente que o Árbitro NÃO É um praticante desportivo, para efeitos de aplicação do diploma.

 

Nos termos do artigo 9.º nº 3 do Código Civil, “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. Por conseguinte, se na LBAFD o legislador não enquadra o Árbitro como praticante desportivo, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, o que significa que temos de concluir que o Árbitro não deve ser enquadrado como um praticante desportivo, para efeitos de aplicação da lei fiscal (artigo 11.º nº 2 da LGT — “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei”).

 

Por outro lado, os comentários ao artigo 17.º da Convenção Modelo da OCDE dizem, no que respeita à noção de desportista:

“5 - Whilst no precise definition is given of the term “sportsmen” it is not restricted to participants in traditional athletic events (e.g. runners, jumpers, swimmers). It also covers, for example, golfers, jockeys, footballers, cricketers and tennis players, as well as racing drivers.

7 - Income received by impresarios, etc. for arranging the appearance of an artiste or sportsman is outside the scope of the Article, but any income they receive on behalf of the artiste or sportsman is of course covered by it”.

Ou seja, para efeitos de aplicação da Convenção Modelo da OCDE é desportista o praticante de atividade desportiva (nos mesmos termos definidos pela LBAFD). Os comentários da Convenção excluem expressamente da noção de “desportista” as demais figuras definidas como Agentes Desportivos, como é o caso dos empresários desportivos (artigo 37.º da LBAFD).

 

Recorrendo ainda a outro elemento de interpretação, na Classificação Portuguesa das Profissões do Instituto Nacional de Estatística, I.P., a profissão de “Árbitro” enquadra-se numa categoria própria (“Árbitro (juiz) de desportos - 3422.2”), a qual se enquadra no grupo base de “Treinadores, instrutores e árbitros, de desportos (3422)”, e no sub-grupo “Técnicos de atividade física e de desporto (342)”. A profissão de Árbitro está enquadrada de forma autónoma em relação à profissão de atleta de alta competição, que é enquadrada no grupo base “3421”.

 

Também para efeitos fiscais, a Requerente foi enquadrada (aquando da apresentação da declaração de início de atividade) com o CAE 93 192 (Outras atividades desportivas N.E.) e não com o código 1323 (Desportistas) da Tabela prevista na Portaria 1011/2001, de 21 de agosto. O que significa que aquando da validação da declaração de início de atividade apresentada pela Requerente, a própria Requerida considerou que a profissão de Árbitro NÃO se enquadrava, nos termos da lei, no código 1323 (Desportistas).

 

Em conclusão, é entendimento deste Tribunal que a atividade de Árbitro de futebol não se enquadra na noção de “Desportistas” prevista no código 1323 da Tabela da Portaria 1011/2001 de 21 de agosto — para a qual remete o artigo 151.º e o artigo 31.º al. (b) do Código do IRS — o que determina que o coeficiente corretamente aplicável na situação em causa nos autos é o coeficiente de 0,35 previsto no artigo 31.º nº 1 al. (c) do Código do IRS, e não o coeficiente de 0,75 que nos termos da lei, é aplicável, exclusivamente, “aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º”, o que claramente não é o caso dos rendimentos obtidos por sujeitos passivos enquadrados com o CAE 93 192 (Outras atividades desportivas N.E.), como é claramente o caso da Requerente”.

 

Conforme resulta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de janeiro de 2021 no recurso n.º 103/20.5BALSB, a posição adoptada na Decisão Arbitral transcrita corresponde à posição assumida pelo Supremo Tribunal Administrativo (sobre a mesma questão jurídica) no Acórdão de uniformização de jurisprudência de 9 de Dezembro de 2020 (proferido no processo nº 092/19.9BALSB, disponível in http://www.dgsi.pt):

 

“I – Com a republicação do Código do IRS operada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2015, a redação do artigo 31.º daquele Código foi alterada, passando a prever-se no respectivo n.º 1 a aplicação de um coeficiente de “0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º”, aplicando-se o coeficiente residual de 0,35 às atividades aí não especificamente previstas.

II – Não constando a atividade de árbitro especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, não lhe poderá ser aplicável o artigo 31.°, n.° 1, alínea b) do Código do IRS”.

(...)

“O envolvimento e a importância dos árbitros para a realização dos eventos desportivos não pode ser considerada como factor determinante para julgar que tais profissionais são, eles próprios, desportistas, sob pena de terem de ser considerados como desportistas todos quanto estão envolvidos no fenómeno desportivo: não só os árbitros, mas também os médicos, os dirigentes, os empresários, e outros agentes desportivos previstos na Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro). Com efeito, mais do que o envolvimento no fenómeno desportivo e a qualificação como agente desportivo, o que releva para incluir um determinado profissional na tabela do artigo 151.º do Código do IRS é a actividade concreta e especificamente por ele exercida. Tal como reconhece a Recorrida nas suas contra-alegações, “a aplicação dos coeficientes para determinação do rendimento tributável de serviços prestados, em sede de categoria B com aplicação das regras do regime simplificado, efetua-se pela verificação da atividade REALMENTE e ESPECIFICAMENTE exercida”.

Não se podendo negar a preparação e destreza física exigida a um árbitro de futsal (encontrando-se naturalmente previsto o respectivo acesso à medicina desportiva nos termos do artigo 40.º n.º 4 da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto), nem a sua relevância para a realização dos eventos desportivos desse desporto, tais circunstâncias não são suficientes para considerar o árbitro como um desportista. A função do árbitro é muito clara: dar início e cronometrar o jogo, verificar as condições para a sua realização, identificar os participantes, dirigir e ajuizar o encontro. A sua função não é a de competir em conjunto os demais elementos da sua equipa e contra a equipa adversária, cumprindo as regras impostas pelo treinador e obedecendo aos critérios definidos pelo juiz do jogo (v.g., o próprio árbitro).

De maneira que, tal como resulta da alínea a) do probatório fixado na sentença recorrida, o Recorrente marido declarou o “seu início de atividade no dia 30-05-2016, no Código CAE 93192 – Outras Atividades Desportivas, N.E., tendo optado pelo regime simplificado para efeitos de tributação em sede de IRS dos seus rendimentos da categoria B. (cfr. documento n.º 2.)”. Portanto, na sua declaração de actividade, o Recorrente marido não se enquadrou no Código 1323 – Desportistas da tabela do artigo 151.º do Código do IRS mas, alternativamente, na Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE) 93192 – Outras Atividades Desportivas, N.E., que compreende diversas atividades desportivas não particularmente especificadas noutros CAE, como é o caso dos “ produtores e promotores de acontecimentos desportivos com ou sem instalações; promoção de eventos desportivos; atletas, árbitros, cronometristas e de outros desportistas independentes; estábulos, canis e garagens, relacionados com a atividade desportiva; apoio à pesca e caça recreativas e desportivas; e dos guias de montanha. Inclui a gestão de zonas de caça e pesca”.

Assim, e por não considerar as suas funções profissionais como subsumíveis no conceito estrito de Desportista, o Recorrente marido enquadrou-se no ramo mais amplo de actividade desportiva não especificada, previsto no CAE 93192. E assim o fez em cumprimento do disposto no artigo 151.º do Código do IRS, que prevê precisamente que “as actividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Actividades Económicas Portuguesas por Ramos de Actividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de actividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças” (nosso sublinhado).

Como tal, não se pode concluir pela aplicação do coeficiente de 0,75 ao caso dos autos mas, ao invés, do coeficiente de 0,35, previsto para as actividades profissionais não especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do Código do IRS. E sem que isso viole o princípio da igualdade e da capacidade contributiva, porque já se demonstrou que não é curial proceder a uma interpretação extensiva da actividade profissional de desportista na medida em que as funções e tarefas exercidas por um árbitro não se incluem concretamente nesse conceito. Sem esquecer que é o próprio legislador que, no artigo 48.º da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, prevê que “o regime fiscal para a tributação dos agentes desportivos é estabelecido de modo específico e, no caso dos praticantes desportivos, de acordo com parâmetros ajustados à natureza de profissões de desgaste rápido” (nosso sublinhado).

Tudo quanto justifica o provimento do recurso, uniformizando-se jurisprudência no sentido de não constando a atividade de árbitro especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, não lhe poderá ser aplicável o artigo 31.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS”.

 

VI.          DECISÃO

 

Termos em que se decide julgar totalmente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral, e por conseguinte:

a)            Anular o ato impugnado, por ser manifestamente ilegal, sendo a Requerida condenada a corrigir a liquidação de IRS de 2018 nos termos legais; e

b)           Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

VII.         VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º n.º 2 do CPC, no artigo 97.º-A          n.º 1 alínea a) do CPPT, e no artigo 3.º n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de EUR 566,56.

 

VIII.       CUSTAS

 

O montante das custas (a cargo da Requerida) é fixado em EUR 306,00 (nos termos do disposto no artigo 12.º n.º 2 e no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e na Tabela I anexa do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 25 de janeiro de 2021.

 

Elisabete Flora Louro Martins Cardoso

(Árbitro Singular)