Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 15/2020-T
Data da decisão: 2021-01-28  IVA  
Valor do pedido: € 654.003,61
Tema: IVA – Direito à dedução. Imputação direta. Alteração retroativa – Arts. 20.º, 78.º, n.º 6 e 98.º, n.º 2 do CIVA.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral, Alexandra Coelho Martins, árbitro presidente, Pedro Manuel Paes de Vasconcellos e Silva, designado pela Requerente, e Sérgio Vasques, designado pela Requerida, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

A...– SUCURSAL EM PORTUGAL, doravante “Requerente”, pessoa coletiva número..., com representação permanente na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, sucursal em Portugal da sociedade de direito irlandês –B...– com sede em ..., ..., Irlanda, representante, em virtude da cessação de atividade, de C...– SUCURSAL EM PORTUGAL, pessoa coletiva número..., com anterior representação permanente na mesma morada em Lisboa, sucursal em Portugal da sociedade D..., com sede em ..., ..., ..., ..., Reino Unido, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea b), e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes, e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

A Requerente peticiona a anulação das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), emitidas em relação aos períodos de imposto entre julho de 2016 e fevereiro de 2019, na importância global de € 654.003,61 (incluindo juros compensatórios e a correção de um crédito de imposto no valor de € 28.222,59).

 

Em 7 de janeiro de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação da AT, em 16 de janeiro de 2020.

 

A Requerente designou como árbitro o Dr. Pedro Manuel Paes de Vasconcellos e Silva, no uso da prerrogativa prevista no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.

 

Por seu turno, ao abrigo do disposto nos artigos 6.º, n.º 2, alínea b) e 11.º, n.º 3 do RJAT, a Requerida indicou como árbitro o Prof. Doutor Sérgio Vasques.

 

Na sequência dos requerimentos apresentados pelos árbitros designados pelas Partes para que o árbitro presidente fosse designado pelo Conselho Deontológico, foi, por despacho de 27 de fevereiro de 2020, do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, designada a Dra. Alexandra Coelho Martins nessa qualidade, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.

 

Todos os árbitros comunicaram a aceitação do encargo, tendo o Exmo. Presidente do CAAD informado as partes dessa designação em 2 de março de 2020, para efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJAT, não tendo estas manifestado oposição.

 

Por efeito da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, e pelo Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março (legislação COVID 19), ocorreu uma suspensão de todos os prazos judiciais em curso nos tribunais, incluindo os arbitrais. Com a entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, cessou o efeito suspensivo e foi retomada a contagem dos prazos nos termos do respetivo artigo 6.º, i.e., a partir de 3 de junho.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 6 de julho de 2020.

 

                Em 24 de setembro de 2020, a Requerida apresentou Resposta e defendeu-se por impugnação, tendo junto o processo administrativo (“PA”).

 

Por despacho de 25 de setembro de 2020, o Tribunal Arbitral dispensou, por desnecessária, a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e concedeu às Partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a dispensa.

 

Em 15 de outubro de 2020, foi determinada a notificação das Partes para apresentação de alegações facultativas e sucessivas, fixando o Tribunal como data-limite para prolação da decisão arbitral a prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT.

 

Em 28 de outubro de 2020, a Requerente apresentou alegações, nas quais reitera a sua posição e acrescenta a referência à recente pronúncia do TJUE no acórdão de 30 de abril de 2020, no âmbito do processo C‑661/18, CTT Correios de Portugal, que considera ir ao encontro da sua pretensão. 

 

Em 13 de novembro de 2020, a Requerida apresentou as suas alegações, reforçando os argumentos constantes da Resposta e do Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) com diversa jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, arbitral e do Tribunal de Justiça.

 

Compulsados os autos, o Tribunal suscitou uma distinta qualificação jurídica dos factos, por estes não configurarem um caso de afetação real relativo a recursos de utilização mista (artigo 23.º do Código do IVA), mas de imputação direta (artigo 20.º do Código do IVA), ao constatar um nexo direto entre os serviços de suporte adquiridos pela Requerente e os serviços prestados às entidades cessionárias das áreas de negócio bancário e de cartões. Neste âmbito, determinou a notificação das Partes para se pronunciarem sobre esse distinto enquadramento.

 

Em 22 de dezembro de 2020, a Requerente pronunciou-se no sentido de não se opor à alteração de qualificação jurídica suscitada oficiosamente.

 

A Requerida manifestou-se em sentido oposto, considerando que o objeto dos autos se encontra fixado, não devendo ser alterada a qualificação jurídica (requerimento de 6 de janeiro de 2021).

 

Por despacho de 4 de janeiro de 2021, o Tribunal determinou a prorrogação do prazo de prolação da decisão, nos termos do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, resultante da complexidade da matéria factual e técnica relativa ao enquadramento da dedução por imputação direta ou por afetação real.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

A Requerente alicerça a sua pretensão em vício substantivo de erro nos pressupostos de direito. Alega que a AT lhe negou, de forma ilegal, o direito a deduzir o IVA resultante da alteração retroativa do método de dedução utilizado nas operações realizadas – que inicialmente era o da percentagem de dedução ou pro rata e passou a ser o da afetação real.

 

Segundo a Requerente, a revisão do IVA ficou a dever-se a um erro de direito enquadrável no artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA, que prevê o prazo de 4 anos para o exercício do direito à dedução. Considera que, ao contrário da Requerida, essa norma não visa somente o exercício do direito à dedução “pela primeira vez”. Por outro lado, defende que o disposto no artigo 23.º, n.º 6 do Código do IVA não impede a correção de erros no prazo aplicável, 2 anos para erros materiais, nos termos do artigo 78.º, n.º 6 do referido Código e 4 anos para erros de direito, conforme estipula o artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA.

 

O referido erro derivou de uma alteração substancial da sua atividade, na sequência da venda de Unidades de Negócio a outras instituições de crédito.

 

Invoca ainda a essencialidade da dedução do IVA, não podendo esse direito ser esvaziado, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça.

 

Conclui que as liquidações contestadas violam o direito interno, o direito da União Europeia e não observam os princípios da legalidade, da proporcionalidade, da neutralidade fiscal e da igualdade.

 

Não foi requerida prova testemunhal, tendo a Requerente apresentado 18 documentos.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

                Na sua resposta, a Requerida invoca a inexistência de suporte legal para uma alteração retroativa do método de cálculo do direito à dedução inicial tendo em conta a mesma realidade, pois essa escolha só pode ser feita para cada aquisição de bens ou serviços no momento em que se constitui o direito à dedução, nas condições previstas artigo 20.º, n.º 1, no artigo 22.º, n.º 1 e no artigo 23.º do Código do IVA. Assim, a correção em apreço deveria ter sido efetuada da declaração periódica do final do ano correspondente, apenas e só ao abrigo do disposto no artigo 23.º, n.º 6 do Código do IVA.

 

                Não o tendo feito, a Requerente não poderia ter recorrido à regularização prevista no artigo 78.º, n.º 6 do Código do IVA, porquanto não estamos perante a correção de um erro material ou de cálculo. Nem poderia tão-pouco ter feito uso do mecanismo previsto no artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA, porquanto o prazo nele previsto apenas se aplica à “primeira vez” que está a ser deduzido o imposto, e não à correção do método através do qual foi apurado o quantum do IVA a deduzir.

 

                Deste modo, a Requerida conclui no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, com a consequente absolvição da Requerida de todos os pedidos.

 

II.            SANEAMENTO

 

                O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos atos de liquidação de IVA impugnados, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado do termo do prazo para pagamento das liquidações de IVA impugnadas, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do CPPT (aplicando-se, neste caso, a respetiva alínea a)).

 

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

1.            MATÉRIA DE FACTO PROVADA

 

                Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:

 

A.           O C...– SUCURSAL EM PORTUGAL, aqui Requerente, agora representado pelo A...– SUCURSAL EM PORTUGAL, era, à data dos factos (entre 2016 e 2019), a sucursal de uma instituição de crédito, com sede e direção efetiva no Reino Unido, o “E... UK”, que tinha iniciado a sua atividade em Portugal em 1 de setembro de 1981, sob o CAE 64190  “Outra Intermediação Monetária”, e estava enquadrada, desde janeiro de 1986, no regime normal de IVA, com periodicidade mensal – cf. Relatório de Inspeção Tributária de 2016 (“RIT 2016”) e Relatório de Inspeção Tributária de 2017 a 2019 (“RIT 2017-2019”), juntos pela Requerente como documentos 1 e 2.

B.            Até 2016 a Requerente desenvolveu a título principal a atividade de comércio bancário, designadamente a prestação de serviços de banca comercial – em especial a concessão de crédito a clientes particulares e a empresas –, de banca de investimento e de leasing – cf. RIT 2016 e RIT 2017-2019, juntos pela Requerente como documentos 1 e 2.

C.            Na sequência da política de desinvestimento definida em 2015, no ano 2016 foi reduzido o número de agências (balcões de atendimento presencial), bem como de colaboradores e foram alienadas as seguintes áreas de negócio:

a)            I...– alienada ao F..., em 1 de abril de 2016;

b)           H..., S.A. – alienada ao F..., em 1 de abril de 2016;

c)            CARTÕES BANCÁRIOS – alienada ao G..., em 11 de novembro de 2016,

                – cf. RIT 2016 e RIT 2017-2019, juntos pela Requerente como documentos 1 e 2. 

D.           Sem prejuízo da alienação das Unidades de Negócio acabadas de referir, foi acordado entre as partes destes negócios (Requerente e entidades cessionárias) que a Requerente continuaria a prestar um conjunto de serviços de suporte às operações do F... e do G..., designadamente relacionados com o tratamento de dados e prestações de informações, tais como:

a)            Serviços de natureza tecnológica/informática;

b)           Fornecimento de autorizações/licenciamentos por terceiros para uso das plataformas de software específicas e previamente licenciadas à Requerente;

c)            Serviços de suporte às Unidades de Negócio, relacionados com processos regulatórios de monitorização de fraudes, processos de alteração de marcas e designações legais perante o Banco de Portugal e outros reguladores,

– cf. RIT 2017-2019, junto pela Requerente como documento 2.

E.            Para a prestação destes serviços, a Requerente necessitou de recorrer a fornecedores externos, serviços esses que não teria adquirido no contexto da “mera” atividade bancária corrente exercida após a alienação daquelas Unidades de Negócio – cf. RIT 2017-2019, junto pela Requerente como documento 2.

F.            A atividade desenvolvida pela Requerente compreendia operações tributadas em IVA e operações isentas, que não conferiam o direito à dedução, sendo por isso considerada um sujeito passivo misto – cf. RIT 2016 e RIT 2017-2019, juntos pela Requerente como documentos 1 e 2.

G.           Nos anos 2016, 2017 e 2018, a Requerente recorreu ao método do pro rata de dedução e calculou o coeficiente de imputação específica, em consonância com o preceituado no ponto 9 do Ofício-circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA, para determinar o quantum do IVA dedutível, em conformidade com o procedimento habitual por si adotado – cf. RIT 2016 e RIT 2017-2019, juntos pela Requerente como documentos 1 e 2.

H.           Porém, posteriormente, a Requerente pretendeu alterar o método do pro rata por entender que este resultava no pagamento de imposto em excesso, por comparação com o método da “afetação real”, tendo, para o efeito, conseguido proceder à segregação dos recursos adquiridos e estabelecer o nexo direto entre os mesmos e as operações realizadas – cf. RIT 2016 e RIT 2017-2019, juntos pela Requerente como documentos 1 e 2. 

I.             Assim, aplicou retroativamente o método da “afetação real”, concretizando a dedução adicional do IVA em relação a faturas (de aquisição de bens e serviços) relativas aos períodos de julho de 2016 a janeiro de 2019, que reportou nas suas declarações periódicas – cf. RIT 2016 e RIT 2017-2019, juntos pela Requerente como documentos 1 e 2. 

J.             Esta dedução gerou um crédito de imposto acumulado pela Requerente até ao período de tributação de fevereiro de 2019 – cf. RIT 2016 e RIT 2017-2019, juntos pela Requerente como documentos 1 e 2. 

K.            Em 11 de março de 2019, a Requerente cessou a sua atividade, passando ao A...– SUCURSAL EM PORTUGAL a ser o seu representante em virtude da cessação – cf. RIT 2016 e RIT 2017-2019, juntos pela Requerente como documentos 1 e 2.

L.            Em 29 de março de 2019, a Requerente apresentou a declaração periódica de IVA n.º..., referente ao período de fevereiro de 2019, na qual formulou o pedido de reembolso de IVA no montante de € 584.666,85, ao abrigo do despacho normativo n.º 18-A/2010, de 1 de julho. Este valor estava influenciado pelo IVA deduzido a posteriori pela Requerente, em virtude da alteração retroativa do método de dedução – cf. RIT 2016 e RIT 2017-2019, juntos pela Requerente como documentos 1 e 2.

M.          Na sequência deste pedido de reembolso, com o objetivo de verificar a legitimidade do mesmo, a AT deu início a um procedimento inspetivo interno, de âmbito parcial – IVA – abrangendo os períodos de dezembro de 2017 a fevereiro de 2019, sob as Ordens de Serviço n.ºs OI2019... (dezembro 2017), OI2019... (2018), OI2019... (janeiro de 2019) e OI2019... (fevereiro de 2019) – cf. RIT 2017-2019, junto pela Requerente como documento 2.

N.           A Requerente foi ainda objeto de um procedimento inspetivo anual relativo a 2016 (OI2018...), de natureza externa e âmbito geral, por configurar um sujeito passivo enquadrado no acompanhamento da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”) – cf. RIT 2016, junto pela Requerente como documento 1.

O.           A Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária referente ao ano 2016, conforme ofício n.º..., de 17 de setembro de 2019, dos Serviços de Inspeção Tributária da UGC, que efetuou correções em sede de IVA, IRC e Imposto do Selo, estando em causa, nos presentes autos, as correções de IVA – cf. RIT 2016, junto pela Requerente como documento 1.

P.            De seguida, através do Ofício n.º..., de 24 de setembro de 2019, dos mesmos Serviços, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária referente aos anos 2017 (dezembro), 2018 e 2019 (janeiro e fevereiro) – cf. RIT 2017-2019, junto pela Requerente como documento 2.

Q.           As correções de IVA derivadas dos dois procedimentos inspetivos materializaram-se em liquidações adicionais deste imposto, identificadas no quadro infra, bem como nos correspondentes acertos de contas contendo o apuramento do valor de imposto a pagar, cuja data limite de pagamento foi fixada em 25 de novembro de 2019, exceto quanto às liquidações relativas a janeiro e fevereiro de 2019, com data limite de pagamento de 28 de novembro de 2019 e 2 de dezembro de 2019, respetivamente – cf. documentos 3 a 15 juntos pela Requerente:

Período Liquidação de IVA N.º    Liquidação de Juros N.º Acerto de Contas N.º     Valor a pagar adicionalmente    Doc. N.º

2016/07               2019 ... -              2019 ... € 243.093,21      3

                -              2019 ... 2019 ... € 29.144,54        

2016/12               ...            -              -              € 0,00    4

2017/01               2019 ... -              2019 ... € 73.123,15         5

                -              2019 ... 2019 ... € 12.754,96        

2017/12               2019 ... -              -              € 0,00    6

2018/01               2019...   -              2019 ... € 86.515,91         7

                -              2019 ... 2019 ... € 5.281,02          

2018/02               2019 ... -              2019 ... € 11.917,35         8

                -              2019 ... 2019 ... € 689,57              

2018/03               2019 ... -              2019 ... € 26.248,17         9

                -              2019 ... 2019 ... € 1.432,50          

2018/04               2019 ... -              2019 ... € 30.664,73         10

                -              2019 ... 2019 ... € 1.566,00          

2018/05               2019 ... -              2019 ... € 57.780,18         11

                -              2019 ... 2019 ... € 3.322,04          

2018/06               2019 ... -              -              € 0,00    12

2018/09               2019 ... -              -              € 0,00    13

2019/01               2019 ... -              2019 ... € 7.227,39           14

                -              2019 ... 2019 ... € 204,46              

2019/02               2019 ... -              -              € 33.975,96         15

                -              2019 ... -              € 839,88              

Total                    € 625.781,02      

 

R.            Dos ajustamentos ao valor do IVA deduzido pela Requerente resultou ainda a correção de um crédito de imposto, no valor de € 28.222,59 utilizado na declaração periódica de janeiro de 2017 e que a AT imputou à primeira das liquidações adicionais, a relativa ao período de julho de 2016, eliminando-o, assim, da conta corrente. Esta importância foi objeto de cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º ... 2019...– cf. documentos 4 e 16 juntos pela Requerente.

S.            O valor total de IVA devido em resultado das ações inspetivas e das liquidações emitidas perfez, assim, € 654.003,61, tendo sido pago pela Requerente nos dias 25 e 26 de novembro de 2019 – cf. documentos 3 a 17 juntos pela Requerente.

T.            Os fundamentos das referidas correções constam dos Relatórios de Inspeção Tributária emitidos na conclusão dos procedimentos acima identificados, de que se transcrevem os seguintes excertos relevantes– cf. RIT 2016 e RIT 2017-2019, juntos pela Requerente como documentos 1 e 2:

RIT 2016

“II.3.3.2 - IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO – IVA

Relativamente ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, o Banco estava enquadrado no regime normal com periodicidade mensal. Desenvolvia operações financeiras isentas de IVA, previstas na alínea 27) do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e operações não isentas, decorrentes, fundamentalmente, da atividade de leasing. Efetuava a dedução do imposto incorrido segundo o método de afetação real de parte dos bens e serviços utilizados, nos termos do n.º 2 do artigo 23.º do CIVA. Utilizava ainda, para efeitos do exercício do direito à dedução do imposto suportado a montante, a percentagem de dedução, isto é, o coeficiente de imputação específica, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 23.º do CIVA, que, no período de tributação em análise, se fixou em 3%.

[…]

III.2.1 - IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO – IVA

III.2.1.1 – DEDUÇÃO INDEVIDA DE IMPOSTO SUPORTADO (N.º 6 DO ARTIGO 23.º, CONJUGADO COM O ARTIGO 22.º AMBOS DO CIVA)

- € 344.438,95 -

[…]

No que respeita ao imposto apurado pelo método da afetação real, solicitaram-se elementos adicionais. Da análise aos elementos remetidos pelo Sujeito Passivo […], verificou-se que aquelas deduções de imposto efetuadas nos períodos 1607 e 1612 têm por base, entre outras, faturas emitidas por fornecedores de serviços datadas de 2015 em que inicialmente foi realizada a dedução de acordo com o método designado de «pro rata», previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA, tendo sido posteriormente alterado, retroativamente, o método de dedução para afetação real, aplicando, agora, a opção estabelecida no n.º 2 da mesma disposição legal.

Resultou desta situação uma dedução adicional de € 344.438,95, conforme discriminado no Anexo 3 ao presente documento.

Sintetizando, o Sujeito Passivo, nos períodos em análise, alterou o método de dedução do IVA, tendo, desta forma, procedido à dedução de IVA suportado em aquisições de bens e serviços, cujos documentos de suporte foram emitidos em períodos anteriores ao da concretização da respetiva dedução do IVA.

Pretende-se verificar se é legítimo, nas declarações periódicas de julho e dezembro de 2016, proceder à alteração do método de dedução de IVA de factos ocorridos em períodos anteriores, bem como, deduzir valores referentes a imposto (IVA) suportado em 2015 que não foi deduzido nas declarações dos períodos correspondentes.

[…]

E, atenta a redação do n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, «[a] percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efetuada nos termos do n.º 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objetivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afetação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efetuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita…», origina que, quer seja feita a opção pelo método da afetação real ou, em alternativa, pelo método da percentagem de dedução, para cálculo do IVA dedutível relativo às aquisições de bens e serviços utilizados em ambas as atividades, os sujeitos passivos utilizem durante cada ano uma dedução ou percentagem de dedução provisória, correspondente à percentagem apurada, para as operações realizadas no ano anterior, procedendo, no final do ano, ao apuramento do valor definitivo, tendo por base os valores efetivos referentes ao ano em causa .

As regularizações, a favor do sujeito passivo ou do Estado, que se mostrem devidas devem ser incluídas na declaração do último período do ano a que respeita.

É assim evidente que decorre deste n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, que quaisquer correções no cálculo da percentagem de dedução utilizada durante um determinado ano civil (isto é, quaisquer correções no cálculo do valor da dedução resultante da utilização de uma percentagem de dedução provisória), devem ser a priori efetuadas no final desse ano, tendo por base os valores definitivos das operações efetuadas pelo sujeito passivo nesse ano.

As demais situações de regularização do imposto encontram-se previstas no Código do IVA nos artigos 24.º a 26.º e no artigo 78.º, abrangendo, naqueles primeiros artigos, as regularizações decorrentes de alteração de utilização dos bens do ativo imobilizado e no artigo 78.º, as situações de regularização da dedução inicialmente efetuada, nomeadamente por alteração dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante da dedução.

Assim, o artigo 23.º do Código do IVA não prevê a possibilidade de um sujeito passivo que, no momento em que se constitui o direito à dedução do IVA, tenha optado por um método de cálculo do direito à dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista possa alterar retroativamente o método utilizado, recalculando a dedução inicial feita.

A idêntica conclusão, como veremos adiante, se chega quanto a regularizações de erros ou aperfeiçoamentos no cálculo da dedução do IVA em resultado da retificação da aplicação do método da percentagem de dedução ou do método da afetação real.

[…]

Aqui chegados, resta averiguar da possibilidade de o artigo 78.º do Código do IVA, mormente o seu n.º 6, poder servir de base jurídica para, por um lado, ser alterado retroativamente o método de cálculo do IVA dedutível aplicado a bens e serviços afetos simultaneamente à atividade tributada e isenta e, por outro lado, para poderem ser corrigidos retroativamente os cálculos relacionados quer com a determinação da percentagem de dedução quer com a dedução efetuada com base em critérios objetivos (método da afetação real).

Assim, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 22.º do Código do IVA, o direito à dedução do imposto surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível. Em conformidade, com o artigo 7.º do CIVA, a exigibilidade do imposto corresponde ao momento em que se efetua a transmissão de bens ou ao momento em que o serviço é prestado. Contudo, nos termos do artigo 8.º do Código do IVA, quando exista a obrigação de emissão de fatura pela operação realizada, a exigibilidade ocorre na data em que a fatura é emitida ou, quando o prazo de emissão não seja respeitado, na data em que a emissão da fatura deveria ter ocorrido.

Considerando que a obrigação de emissão de fatura tem um âmbito alargado na ordem interna portuguesa, resulta da conjugação destas normas que, por via de regra, o momento que determina o exercício do direito à dedução é o momento da emissão da fatura de aquisição de bens ou serviços.

Por conseguinte, a afetação à atividade económica que o sujeito passivo faça dos bens e serviços adquiridos delimita o direito à dedução do IVA suportado nessas aquisições. De acordo com o direito interno, nas situações em que os bens e serviços sejam destinados a utilização comum em atividades isentas e tributadas, cabe ao sujeito passivo escolher o método de cálculo do IVA dedutível que repute mais adequado. Exercida a dedução inicial, o sujeito passivo só pode proceder a correções a essa dedução nas condições previstas nos artigos 23.º a 26.º e 78.º, todos do Código do IVA.

Excluída que está a possibilidade de alterar retroativamente o método de cálculo de dedução relativamente a bens de utilização mista, bem como de poderem ser corrigidos retroativamente os cálculos relacionados com a determinação da percentagem de dedução ou da dedução efetuada com base em critérios objetivos (método da afetação real) com fundamento nos artigos 23.º a 26.º, importa analisar o conteúdo do n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA.

O n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA estabelece que a correção de erros materiais ou de cálculo no registo ou nas declarações periódicas é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, podendo ser efetuada no prazo de dois anos, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.

Constatando-se que o preceito em causa abrange exclusivamente a correção de «erros materiais ou de cálculo» no registo ou nas declarações (ou guias), importa, à luz dos princípios interpretativos delineados no artigo 9.º do Código Civil, delimitar o sentido dessa expressão.

Desde logo, numa perspetiva sistemática, pode-se afirmar que os «erros materiais ou de cálculo» referenciados neste preceito não se podem reconduzir a nenhuma das situações que podem originar regularizações de imposto previstas nos demais números do mesmo preceito. Consequentemente, não estarão em causa no n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA, erros de determinação do lucro tributável, erros cometidos nas faturas ou omissão de liquidação de imposto em situações de inversão do sujeito passivo. 

Da mesma forma, entende-se não se poderem subsumir neste preceito as correções ou regularizações de imposto que são reguladas por normas específicas da legislação do IVA, tais como o cálculo e regularizações da percentagem de dedução ou da dedução segundo a afetação real com base em critérios objetivos previstos no artigo 23.º e as regularizações relativas aos bens do ativo imobilizado, a que se referem os artigos 24.º a 26.º do Código do IVA.

Finalmente, decorre da formulação do n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA não estarem aí contemplados erros de direito cometidos nos registos ou nas declarações, como sejam, por exemplo, erros na qualificação de operação realizada.

Entende-se assim que a expressão «erros materiais ou de cálculo», nos registos ou nas declarações periódicas, se reporta primordialmente a erros de transposição dos dados dos documentos de suporte para a contabilidade ou desta para a declaração periódica ou erros aritméticos cometidos na contabilidade ou nas declarações.

Refira-se que esta interpretação encontra também sustentação nas notas explicativas do Código do IVA que ao descreverem o sentido do n.º 6 do artigo 78.º (então artigo 71.º do Código do IVA), evidenciam que «aqui estão em causa erros que não alteram o direito à dedução do cliente; trata-se, pois, de um erro interno da empresa, que resultará normalmente em erros de transcrição das faturas para os registos ou dos registos para a declaração» .

 

Decorre do que antecede não existir suporte legal que permita ser autorizada uma alteração retroativa do método de cálculo do direito à dedução inicial referente aos bens e serviços de utilização mista, com fundamento no n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA, já que esta escolha, como acima se demonstrou, só pode ser feita para cada aquisição de bens ou serviços no momento em que se constitui o direito à dedução nas condições previstas no n.º 1 do artigo 20.º, no n.º 1 do artigo 22.º e no artigo 23.º do Código do IVA.

 

Com efeito, decorre da redação do n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, que as correções ao cálculo da percentagem de dedução, assim como as correções ao cálculo da dedução efetuada com base em critérios objetivos (método da afetação real), devem ser concretizadas no final do ano em causa e (também que) devem ser refletidas na declaração periódica referente ao último período do ano em causa.

O n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA não constitui base legal para qualquer correção retroativa do cálculo da percentagem de dedução ou cálculo da dedução efetuada com base em critérios objetivos (método da afetação real).

Deve assinalar-se que, no quadro legal em vigor, resulta inequívoco não ser possível proceder a alterações retroativas do método de cálculo do direito à dedução inicial dos bens e serviços de utilização comum em atividades isentas e tributadas, nem proceder a correções ao cálculo da percentagem de dedução definitiva ou correções ao cálculo da dedução definitiva efetuada com base em critérios objetivos (método da afetação real) apurada em determinado ano com fundamento no artigo 78.º do Código do IVA, porquanto tais correções não se subsumem nas disposições dele constantes.

Refira-se ainda que esta matéria já se encontrava devidamente esclarecida no ofício-circulado n.º 30082, de 17 de novembro de 2005, do Gabinete do Subdiretor-Geral do IVA, concretamente nos pontos 8 e 9.3 que passamos a transcrever:

«8.         As regularizações previstas no art.º 71.º [atual artigo 78.º] do CIVA destinam-se a corrigir, a favor do sujeito passivo ou a favor do Estado, o imposto já entregue ou já deduzido num determinado período de imposto, por força de diversas circunstâncias ocorridas após o envio da declaração periódica e que não estejam contempladas noutros normativos legais.

                Nesse sentido, os mecanismos previstos no art.º 71.º não poderão ser utilizados noutras situações, nomeadamente:

-              alteração do método de dedução do imposto nos sujeitos passivos mistos;

-              apuramento de pro rata;

-              regularizações de IVA sobre imóveis e outros bens do ativo imobilizado ou relativas à afetação de imóveis a fins distintos daqueles a que se destinam.

Estas situações deverão ser regularizadas ao abrigo dos art.os 23.º, 24.º, 24.º-A [atual artigo 25.º] e 25.º [atual artigo 26.º] do CIVA, consoante o caso.

De igual modo, não são aplicáveis os mecanismos previstos no art.º 71.º nos casos do exercício do direito à dedução do imposto mencionado em documentos ainda não registados, o qual deve ser efetuado nos termos do art.º 22.º, desde que dentro do prazo previsto no n.º 2 do art.º 91.º [atual artigo 98.º], todos do CIVA.

(…)

9.3          Regularizações previstas no n.º 6 do art.º 71.º

Trata-se da correção de erros materiais ou de cálculo efetuados nos registos ou nas declarações periódicas.

Consideram-se erros materiais ou de cálculo aqueles que resultam de erros internos da empresa e não têm qualquer interferência na esfera de terceiros. Normalmente consistem em erros na transcrição das faturas para os registos ou dos registos para a declaração periódica, não compreendendo os que estão assinalados no ponto 8 do presente Ofício-Circulado.

A regularização deste tipo de erros é facultativa se for a favor do sujeito passivo e só pode ser efetuada no prazo de dois anos.

Caso se trate da correção de erros relacionados com imposto dedutível (p.e. erro na transcrição, para a declaração periódica, do imposto dedutível), o prazo é contado a partir do nascimento do direito à dedução (normalmente a data das faturas, mas no caso de não ter sido observado o prazo legal para a sua emissão, a data em que este termina).

Para os erros verificados no preenchimento das declarações periódicas, a contagem do novo prazo far-se-á a partir da data da sua apresentação ou da data em que o prazo legal de apresentação termine, nos casos em que este não tenha sido observado.

Tratando-se de regularização a favor do Estado, esta deve ser efetuada no prazo de quatro anos, devendo os valores a regularizar constar de declaração de substituição do período em que a regularização deveria ter sido efetuada».

Importa ainda acrescentar que o disposto no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA e o prazo de 4 anos, não tem aplicabilidade à presente situação, visto que ao dispor que, «[s]em prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respetivamente», facilmente se constata que o que se encontra em causa nesta norma é, pois, o exercício pela «primeira vez» do direito à dedução do imposto.

De facto, a dedução de imposto pressupõe o registo contabilístico do documento de suporte, geralmente a fatura, a efetuar de acordo com o n.º 1 do artigo 48.º do CIVA, após a receção, até à data da apresentação da Declaração periódica de imposto ou até ao termo do prazo de apresentação da mesma, pelo que o direito à dedução deve ser exercido na declaração do período em que se proceder ao registo contabilístico da fatura. Note-se que o n.º 2 do artigo 22.º do CIVA refere-se ao momento da receção da fatura, o qual é necessariamente prévio ao seu registo, não autorizando qualquer diferimento temporal após esse registo.

Desta forma, o n.º 2 do artigo 22.º não pode ser alegado para legitimar uma prerrogativa de dedução até ao limite do prazo de quatro anos previsto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA.

Assim, a dedução de imposto considera-se exercida com a apresentação da declaração do período, tendo por base o registo contabilístico em que os documentos de suporte estão refletidos, independentemente do encargo ter sido considerado na íntegra, parcialmente ou mesmo desconsiderado na autoliquidação.

Após esse momento, qualquer correção à dedução assim exercida constitui uma regularização de imposto.

A diferença é que a regularização de imposto consiste na retificação/correção do imposto considerado em declaração periódica anterior. Está em causa a alteração de um ato anterior do sujeito passivo.

Aliás, o mencionado ofício-circulado n.º 30082, de 17 de novembro de 2005, esclarece o critério diferenciador das situações de dedução e de regularização no transcrito ponto 8, quando alerta que «não são aplicáveis os mecanismos previstos no art.º 71.º [atual artigo 78.º] nos casos do exercício do direito à dedução do imposto mencionado em documentos ainda não registados, o qual deve ser efetuado nos termos do art.º 22.º, desde que dentro do prazo previsto no n.º 2 do art.º 91.º [atual artigo 98.º], todos do CIVA.»

Ou seja, o critério diferenciador das situações de dedução e de regularização é a circunstância do direito que se pretende exercer ser relativo a documento ainda não registado (no caso do direito à dedução) ou a documento já registado (direito à regularização).

Com relevo para a situação em apreço, dedução de IVA suportado em aquisições de bens e serviços, nos períodos em análise, cujos documentos de suporte foram emitidos em períodos anteriores ao da concretização da respetiva dedução de IVA, importa referir o disposto no artigo 22.º do CIVA:

«1 - O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efetuando-se mediante subtração ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.

2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação.

3 - Se a receção dos documentos referidos no número anterior tiver lugar em período de declaração diferente do da respetiva emissão, pode a dedução efetuar-se, se ainda for possível, no período de declaração em que aquela emissão teve lugar.

4 - Sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes.

5 - Se, passados 12 meses relativos ao período em que se iniciou o excesso, persistir crédito a favor do sujeito passivo superior a (euro) 250, este pode solicitar o seu reembolso.»

A este propósito, conclui o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), proferido em 2011-05-18 no processo 0966/10, que:

«I – Em regra, estabelecida no art. 22.º, n.º 1, do CIVA, a dedução de imposto deverá ser efetuada na declaração do período em que se tiver verificado a receção das faturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação, admitindo-se, no entanto, a possibilidade de correções previstas no art. 71.º [atual artigo 78.º do CIVA].

II – Assim, a dedução do imposto não pode ser efetuada em qualquer momento, à escolha do sujeito passivo, sendo o alcance útil das normas referidas que indicam os momentos adequados para a dedução precisamente o de excluir que esta se possa fazer em momentos diferentes, quando tal não esteja especialmente previsto.».

No mesmo acórdão é referido que:

«O art. 22.º, n.º 1, do CIVA estabelece a regra de que a dedução deverá ser efetuada na declaração do período em que se tiver verificado a receção das faturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação, admitindo-se, no entanto, a possibilidade de correções previstas no art. 71.º.

Em outros números do mesmo art. 22.º prevêem-se situações em que se admite a possibilidade de a dedução de imposto ser efetuada em períodos distintos, designadamente quando a receção dos documentos que suportam a dedução ocorrer em período de declaração diferente daquele em que ocorreu a emissão (n.º 3), e quando o imposto a deduzir supere o montante devido pelas operações tributáveis do mesmo período (n.º 4).

Mas, deste artigo 22.º infere-se que a dedução do imposto não pode ser efetuada em qualquer momento, à escolha do sujeito passivo, sendo o alcance útil das normas referidas que indicam os momentos adequados para a dedução precisamente o de excluir que esta se possa fazer em momentos diferentes, quando tal não esteja especialmente previsto.

(…)

Por isso, o n.º 2 do art. 92.º do CIVA, ao estabelecer que o direito à dedução só poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não pode ter o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período para efetuar a dedução, mas sim de fixar um limite máximo que não pode ser excedido, mesmo nos casos em que a dedução pode efetuar em momentos diferentes dos indicados naquele art. 22.º, limite máximo este que, como resulta da parte inicial daquele n.º 2, será aplicável quando não existir norma especial que fixe um limite inferior ou superior.».

Nestes termos, a dedução do imposto deve ser efetuada, em conformidade com o previsto no artigo 22.º do CIVA, na declaração do período em que se tiver verificado a receção das faturas.

A exceção, será a de que poderá ser efetuada a dedução em declaração de período posterior àquele, quando, como indica o acórdão do STA acima referido, tal esteja especialmente previsto, que é o que acontece nos casos previstos no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, em que a dedução deve ser efetuada na declaração do último período do ano a que respeita.

No presente caso, o que ocorreu foi, não a superveniência de qualquer facto, mas, antes, um erro que se terá traduzido na qualificação como não dedutível de imposto que, a posteriori, o Banco se terá vindo a aperceber que, afinal, o seria.

Conclusão

Retomando o caso em apreço, a dedução de € 344.438,95 relativa à «alteração do método de dedução» aplicável ao ano de 2015 contida no campo 24 das declarações periódicas relativas a julho e dezembro de 2016, encontra-se vedada por determinação do n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, pois este não contempla a possibilidade de um sujeito passivo, que tenha optado por um método de cálculo de direito à dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista, poder alterar retroativamente o método utilizado, por revisão do cálculo da percentagem de dedução, recalculando a dedução inicial efetuada.

Este artigo prevê unicamente, no seu n.º 6, que as correções, ao cálculo da percentagem de dedução e à dedução efetuada com base em critérios objetivos (método da afetação real), respeitantes à conversão dos valores provisórios em definitivos, devem ser feitas no final do ano, tendo de constar na declaração periódica do último período do ano a que respeita e entregue dentro dos prazos estabelecidos no artigo 41.º do CIVA.

Como demonstrado, também as regularizações previstas nos artigos 24.º a 26.º e 78.º do CIVA não podem igualmente constituir suporte para a alteração retroativa aqui em causa.

Assim, face a tudo quanto foi acima exposto, em conformidade com o disposto no n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, resulta imposto em falta no valor de € 344.438,95, por estarmos perante uma regularização a favor do Sujeito Passivo que se demonstrou ser indevida.

Esta correção é efetuada nos termos e com os fundamentos acima referidos.

Atendendo ao regime de periodicidade mensal a que o Sujeito Passivo se encontra sujeito, indica-se a decomposição por período, do valor total do imposto deduzido indevidamente:

                1607      1612       TOTAL

Deduções Adicionais Indevidas por alteração do método              271.315,86          73.123,09            344.438,95

 […]”

 

RIT 2017-2019

 

“ III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES AO IMPOSTO EM FALTA - IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO – IVA

III.1 – DEDUÇÃO INDEVIDA DE IMPOSTO SUPORTADO (N.º 6 DO ARTIGO 23.º, CONJUGADO COM O ARTIGO 22.º AMBOS DO CIVA)

- € 838.996,54 -

A – PRESSUPOSTOS DA ANÁLISE REALIZADA

A análise realizada visou verificar o direito ao crédito de imposto que esteve na origem do reembolso solicitado, validar a respetiva formação, designadamente através da análise dos documentos que sustentam as operações praticadas e os respetivos registos contabilísticos e, concomitantemente, o imposto deduzido e liquidado, pretendendo-se, adicionalmente, corroborar o enquadramento jurídico-tributário de tais operações.

B – DESCRIÇÃO DOS FACTOS

[…] verificou-se que o Sujeito Passivo procedeu à dedução no respetivo cálculo do imposto, de (i) valores que têm a sua origem em IVA que incidiu sobre aquisições de bens e serviços a fornecedores nacionais e estrangeiros (UE e Países Terceiros) – Campos 24, 65 e 67 da declaração periódica e de (ii) valores relativos as regularizações de imposto previstas no n.º 2 do artigo 78.º do CIVA – Campo 40 da declaração periódica.

Solicitada uma explicação sumária para a formação do crédito de imposto em análise veio o A... informar o seguinte:

«Em 2016, a Exponente iniciou uma reorganização do seu negócio em Portugal, durante a qual procedeu à alienação dos ramos de atividade (i) de banca de retalho, ao F... S.A. – Sucursal em Portugal (“F...”) e (ii) de cartões de crédito “...”, ao G..., SA – Sucursal em Portugal (“G...”).

(…)

Não obstante, após a alienação dos supra referidos ramos de atividade, a Exponente foi solicitada a prestar um conjunto de serviços de suporte às operações do F... e G..., designadamente relacionados com o tratamento de dados e a prestação de informações – melhor identificados infra, ainda que de forma não exaustiva -, os quais configuram operações tributadas em IVA:

- Serviços de natureza tecnológica / informática;

- Fornecimento de autorizações / licenciamentos de terceiros para o uso de plataformas de software específicas e previamente licenciadas à Exponente;

- Serviços de suporte ao negócio do F... e G..., nomeadamente relacionados com processos regulatórios de Know Your Client e Anti Money Laundering, emissão de relatórios de monitorização de fraude, processo de alteração de marcas e designações legais perante o Banco de Portugal e outros reguladores.

Para a prestação de tais serviços, a Exponente necessitou de recorrer a fornecedores externos, os quais prestaram diversos serviços específicos no âmbito destas operações realizadas com o F... e o G... (e não relacionados com as operações financeiras da Exponente no âmbito da sua atividade principal), permitindo, assim, que o IVA subjacente a tais aquisições fosse deduzido através do método de afetação real, atendendo ao nexo direto entre os bens e serviços adquiridos e os serviços tributados em causa. Atento o facto de se ter verificado um desfasamento temporal entre a data de emissão das faturas pela Exponente ao F... e ao G... titulando a prestação dos serviços supra identificados, e a dedução do IVA incorrido a montante sobre as referidas despesas – aquelas faturas foram emitidas em momento prévio ao apuramento do IVA a deduzir relativamente a tais serviços, resultando no crédito de IVA em apreciação».

Face ao que antecede, solicitou-se a demonstração do nexo direto entre os bens e serviços adquiridos e as operações realizadas com o F... e o G... . Veio o Sujeito Passivo esclarecer:

«Na verdade, os recursos específicos que foram adquiridos e aqui em análise não respeitam à atividade principal do Banco e, como tal, nunca teriam sido adquiridos não fosse a necessidade de prestar tais serviços tributados em IVA àquelas entidades (F... e G...).

Efetivamente, foi estabelecido entre as partes que a Exponente se obrigava a prestar um conjunto de serviços ao F... e ao G..., os quais foram faturados àquelas entidades, com liquidação de IVA, conforme os valores previamente acordados. Para a prestação de serviços em apreço, o Banco utilizou recursos internos, mas teve igualmente a necessidade de adquirir bens e serviços específicos a fornecedores externos, na medida em que não dispunha da totalidade das competências exigidas, tendo tais bens e serviços adquiridos sido exclusivamente afetos a estas operações.

Face ao exposto e tal como referido, tais recursos não seriam adquiridos em condições de normal funcionamento do Banco no âmbito da sua atividade (bancária) principal, refletindo, inequivocamente, um nexo direto entre os gastos incorridos a montante neste âmbito pela Exponente e os serviços prestados a jusante ao F... e G... .

Paralelamente, o Banco procedeu também à refaturação de despesas incorridas em nome próprio, mas por conta do F... e do G... (e.g., licenças de software, produção de cartões de crédito, etc.), pelo que nestas situações as faturas emitidas pela Exponente ao F... e ao G... contêm no seu descritivo a referência aos fornecedores externos e à numeração de tais faturas que foram emitidas à Exponente pelos fornecedores externos de bens e serviços, sendo também aqui inequívoco o nexo direto entre recursos adquiridos e operações tributadas em IVA realizadas.

Face ao exposto, e tendo sido possível uma adequada segregação de recursos adquiridos para a realização de operações tributadas a jusante, criando um nexo direto entre recursos adquiridos e operações realizadas, foi efetuada a dedução do IVA, em cumprimento do disposto nos artigos 19.º e seguintes do Código do IVA.»

Relativamente à situação descrita, da análise aos elementos remetidos pelo Sujeito Passivo […], verificou-se que as deduções de imposto efetuadas entre dezembro de 2017 e fevereiro de 2019 têm por base, entre outras, faturas emitidas por fornecedores de serviços datadas de 2016 e 2017 em que inicialmente foi realizada a dedução de acordo com o método designado de «pro rata», previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA, tendo sido posteriormente alterado, retroativamente, o método de dedução para afetação real, aplicando, agora, a opção estabelecida no n.º 2 da mesma disposição legal.

Resulta desta situação uma dedução adicional de € 838.996,54, conforme discriminado nos quadros Anexo 1 (€ 107.049,90) e Anexo 2 (€ 731.946,64) ao presente documento.

Sintetizando, o Sujeito Passivo, em alguns períodos em análise, alterou o método de dedução do IVA, tendo, desta forma, procedido à dedução do IVA suportado em aquisições de bens e serviços, cujos documentos de suporte foram emitidos em períodos anteriores ao da concretização da respetiva dedução do IVA.

C – ANÁLISE

[…]

As regularizações, a favor do sujeito passivo ou do Estado, que se mostrem devidas devem ser incluídas na declaração do último período do ano a que respeita.

[…]

Assim, o artigo 23.º do Código do IVA não prevê a possibilidade de um sujeito passivo que, no momento em que se constitui o direito à dedução do IVA, tenha optado por um método de cálculo do direito à dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista possa alterar retroativamente o método utilizado, recalculando a dedução inicial feita.

[…]

As regularizações previstas nos artigos 25.º e 26.º, ambos do Código do IVA, não podem igualmente constituir suporte para qualquer alteração do método de dedução utilizado inicialmente.

[…]

Exercida a dedução inicial, o sujeito passivo só pode proceder a correções a essa dedução nas condições previstas nos artigos 23.º a 26.º e 78.º, todos do Código do IVA.

[…]

O n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA estabelece que a correção de erros materiais ou de cálculo no registo ou nas declarações periódicas é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, podendo ser efetuada no prazo de dois anos, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.

Constatando-se que o preceito em causa abrange exclusivamente a correção de «erros materiais ou de cálculo» no registo ou nas declarações (ou guias) […]

[…]

Finalmente, decorre da formulação do n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA não estarem aí contemplados erros de direito cometidos nos registos ou nas declarações, como sejam, por exemplo, erros na qualificação de operação realizada.

[…]

Decorre do que antecede não existir suporte legal que permita ser autorizada uma alteração retroativa do método de cálculo do direito à dedução inicial referente aos bens e serviços de utilização mista, com fundamento no n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA, já que esta escolha, como acima se demonstrou, só pode ser feita para cada aquisição de bens ou serviços no momento em que se constitui o direito à dedução nas condições previstas no n.º 1 do artigo 20.º, no n.º 1 do artigo 22.º e no artigo 23.º do Código do IVA.

 

Com efeito, decorre da redação do n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, que as correções ao cálculo da percentagem de dedução, assim como as correções ao cálculo da dedução efetuada com base em critérios objetivos (método da afetação real), devem ser concretizadas no final do ano em causa e (também que) devem ser refletidas na declaração periódica referente ao último período do ano em causa.

O n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA não constitui base legal para qualquer correção retroativa do cálculo da percentagem de dedução ou cálculo da dedução efetuada com base em critérios objetivos (método da afetação real).

[…]

Refira-se ainda que esta matéria já se encontrava devidamente esclarecida no ofício-circulado n.º 30082, de 17 de novembro de 2005 […]

[…]

Nestes termos, a dedução do imposto deve ser efetuada, em conformidade com o previsto no artigo 22.º do CIVA, na declaração do período em que se tiver verificado a receção das faturas.

D – CONCLUSÃO

[…]

Retomando o caso em apreço, a dedução de € 838.996,54 referente à alteração do método de dedução de períodos de tributação anteriores, contida no campo 24 das declarações periódicas relativas aos períodos de dezembro de 2017 a fevereiro de 2019, encontra-se vedada por determinação do n.º 6 do artigo 23.º conjugado com o artigo 22.º, ambos do CIVA, pois este não contempla a possibilidade de um sujeito passivo, que tenha optado por um método de cálculo de direito à dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista, poder alterar retroativamente o método utilizado, por revisão do cálculo da percentagem de dedução, recalculando a dedução inicial efetuada.

Este artigo prevê unicamente, no seu n.º 6, que as correções, ao cálculo da percentagem de dedução e à dedução efetuada com base em critérios objetivos (método da afetação real), respeitantes à conversão dos valores provisórios em definitivos, devem ser feitas no final do ano, tendo de constar na declaração periódica do último período do ano a que respeita e entregue dentro dos prazos estabelecidos no artigo 41.º do CIVA.

Como demonstrado, também as regularizações previstas nos artigos 24.º a 26.º e 78.º do CIVA não podem igualmente constituir suporte para a alteração retroativa aqui em causa.

[…]

Atendendo ao regime de periodicidade mensal a que o Sujeito Passivo se encontra sujeito, indica-se a decomposição por período, do valor total do imposto deduzido indevidamente:

 

Período Alteração de método de dedução para Afetação Real (G...)         Alteração de método de dedução para Afetação Real (F...)         TOTAL

1712      9.662,74                               9.662,74

1801      76.773,98             5.181,10               81.955,08

1802                      578.614,43          578.614,43

1803                      148.151,11          148.151,11

1804      9.907,43                               9.907,43

1806      5.950,56                               5.950,56

1809      4.755,19                               4.755,19

TOTAL   107.049,90          731.946,64          838.996,54

[…]”

U.           Em 6 de janeiro de 2020, a Requerente, inconformada com as liquidações de IVA e juros compensatórios em apreço, submeteu ao CAAD o pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, que deu origem ao presente processo – conforme registo no sistema de gestão processual do CAAD.

 

2.            FACTOS NÃO PROVADOS

 

Com relevo para a decisão não se identificaram factos que devam considerar-se não provados.

 

3.            MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos por ambas as Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos, que é consensual.

 

IV.          DO DIREITO

 

1.            QUESTÕES DECIDENDAS

 

A questão em discussão nos presentes autos é de direito e respeita à correção retroativa, por parte da Requerente, do IVA parcialmente deduzido, calculado pelo método da percentagem de dedução ou pro rata, previsto no artigo 23.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 do Código do IVA.

 

A divergência centra-se no enquadramento da referida correção nas normas do Código do IVA. Segundo a Requerida, a alteração retroativa do método de cálculo do direito à dedução e respetivo quantum resulta vedada pelo disposto nos artigos 22.º, n.º 1 e 23.º, n.º 6 do mencionado Código, além de não ter suporte legal nos artigos 78.º, n.º 6 e 98.º, n.º 2 do mesmo diploma. Diversamente, a Requerente preconiza a subsunção do ajustamento retroativo da dedução parcial do IVA no artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA, que estabelece o prazo de quatro anos para esse efeito.

 

2.            NATUREZA DA CORREÇÃO RETROATIVA DO IVA DEDUZIDO: AFETAÇÃO REAL OU IMPUTAÇÃO DIRETA

 

Resulta dos autos que a atividade de natureza financeira desenvolvida pela Requerente, composta por operações que conferem o direito à dedução e por operações que não conferem tal direito, sofreu uma mudança significativa com a venda, em 2016, de áreas relevantes do seu negócio bancário: banca de retalho, seguros, gestão de patrimónios e cartões bancários.

 

Ficou também demonstrado      que, concomitante ao desinvestimento naquelas atividades, a Requerente assumiu perante as sociedades cessionárias o compromisso de prestação de um conjunto de serviços de suporte àquelas atividades, relacionados com o tratamento de dados e a prestação de informações, os quais são tributados em IVA. Para cumprir essa obrigação, a Requerente recorreu a fornecedores externos, designadamente para licenciamento de plataformas de software específicas destinadas às cessionárias, para a prestação de serviços tecnológicos e informáticos, e ainda, no âmbito de processos regulatórios, de alteração de marcas e designações legais perante o Banco de Portugal e outros reguladores.

 

Os serviços designados foram específica e unicamente adquiridos pela Requerente para serem subsequentemente prestados às sociedades cessionárias, não dizendo respeito à atividade bancária residual que aquela desenvolvia após a venda dos negócios. São, assim, serviços que foram direta e exclusivamente afetos a operações realizadas (de prestação dos mesmos serviços), que tiveram por destinatários as sociedades cessionárias. Serviços estes que são passíveis de IVA e conferem o direito à dedução, de acordo com o preceituado nos artigos 4.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1, alínea a), ambos do respetivo Código.

 

Não obstante as mudanças de atividade descritas, a Requerente manteve o procedimento de dedução parcial, com base no método do pro rata, previsto no artigo 23.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 do Código deste imposto, em conformidade com a prática adotada nos anos precedentes.

 

Tendo em conta o quadro factual firmado nos autos, em que os serviços foram adquiridos (inputs) pelo sujeito passivo para afetação exclusiva à prestação de idênticos serviços (outputs) às entidades cessionárias, o que está em causa não é um problema de dedução parcial do IVA incorrido e do método a empregar para determinar o seu quantum, matéria regulada pelo artigo 23.º do Código do IVA, mas de dedução integral do imposto, nos termos previstos no artigo 20.º, n.º 1, alínea a) deste diploma, em virtude do preenchimento dos pressupostos materiais aí estabelecidos para o exercício do direito à dedução.

 

Com efeito, de acordo com o citado artigo 20.º, n.º 1 “pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas”.

 

Este preceito está em linha com a Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006 , doravante designada por Diretiva IVA, cujo artigo 168.º dispõe nos seguintes moldes:

 

“Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a) O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo […].

 

No caso, verificando-se a condição de os serviços adquiridos terem sido totalmente afetos à realização de prestações de serviços tributáveis em IVA (e deste imposto não isentas), a dedução também deve ser total, não se suscitando o subsequente enquadramento da dedução num dos métodos previstos no artigo 23.º do Código do IVA, aplicável a imposto suportado em recursos de utilização mista, i.e., que apenas parcialmente foram “consumidos” por operações que conferem direito à dedução, denominados por XAVIER DE BASTO e MARIA ODETE OLIVEIRA, com inspiração na terminologia da doutrina italiana, de “recursos promíscuos” .

 

Como referem os autores citados, enunciando a regra básica do direito a deduzir, corporizada na imputação direta ou “direct attribution”, “existe total direito a dedução do imposto suportado quando os bens e serviços adquiridos sejam utilizados para a realização de operações sujeitas a imposto e dele não isentas” e, a contrario sensu, o IVA incorrido em aquisições destinadas à realização de operações não tributáveis ou isentas nos termos do artigo 9.º do respetivo Código, “não se qualificará como dedutível” . Princípios que são suficientes para determinar o IVA dedutível “conhecida que seja a respetiva utilização integral nas operações ativas realizadas pelo sujeito passivo: 100% do IVA suportado se a utilização se der em operações que conferem direito a dedução; 0% para utilizações em operações que não conferem, de todo, tal direito.”

 

A Diretiva contempla uma disciplina autónoma, nos seus artigos 173.º a 175.º, (transpostos pelo artigo 23.º do Código do IVA) para as situações em que não se verifica a utilização integral dos inputs em operações que conferem o direito à dedução, mas apenas parcial, por forma a determinar as parcelas de imposto dedutível e indedutível. Neste âmbito, o artigo 173.º, n.º 1 da Diretiva IVA prevê que a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante às operações que conferem esse direito, podendo ainda os Estados-membros autorizar ou obrigar os sujeitos passivos a deduzir o imposto com base na afetação dos bens e serviços adquiridos, que o legislador português denominou de “afetação real” (artigo 173.º, n.º 2, alínea c) da Diretiva IVA).

 

Trata-se, porém, de uma segunda fase eventual de apuramento do imposto dedutível, que apenas ocorre para as situações em que não foi possível proceder à imputação direta. Está aqui “em causa apenas o imposto ‘residual’ suportado a montante, que não pôde ser tratado através do estabelecimento de uma relação direta e imediata com uma específica operação realizada a jusante. Aqui se abrangem apenas os bens e serviços cujo uso não possa ser considerado imputável como um todo a uma operação tributável (tributada ou isenta com ou sem direito a dedução)”, denominando-se esta fase de “apportionment of residual input tax” .

 

No presente caso, a situação de facto na origem dos atos tributários impugnados, enquadra-se na fase ou no momento da imputação direta, constatando-se uma correspondência causal plena entre os serviços adquiridos pela Requerente e as prestações de serviços a que esta se obrigou contratualmente junto das entidades cessionárias: aqueles serviços são necessários e estão relacionados com estas prestações.

 

Deste modo, a questão que se suscita na alteração retroativa da dedução, por parte da Requerente, não é a do enquadramento (que ambas as Partes invocam) num dado método de dedução parcial – pro rata versus afetação real – previsto no artigo 23.º do Código do IVA, mas a do erro na dedução. Esta foi efetuada por um método de dedução parcial, no caso o pro rata, quando deveria ter sido aplicada a imputação direta.

 

Na verdade, compulsados os factos assentes, não se está a discutir a “escolha”, com efeitos retroativos, do método mais adequado ou justo de dedução parcial, mas um ponto diferente, que é o de a dedução relativa aos serviços adquiridos unicamente para a realização das prestações de serviços de suporte aos cessionários não ser parcial, mas sim integral, por estarem cumpridas (todas) as condições substantivas exigidas no artigo 20.º, n.º 1 do Código do IVA.

 

Convém referir que até à alteração do artigo 23.º do Código do IVA pela Lei do Orçamento do Estado para 2008 (Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro), era a própria redação do Código do IVA que conduzia à conclusão errónea de que o citado artigo 23.º continha toda a metodologia de dedução dos sujeitos passivos mistos , ou seja, daqueles que praticam, em simultâneo, operações que conferem e que não conferem o direito à dedução.

 

O conceito de afetação real foi, assim, frequentes vezes incorretamente assimilado como equivalente a imputação direta, ou como abrangendo, quer a imputação direta, quer o método de dedução parcial da afetação real.

 

Os problemas gerados pela falta de clareza do regime de dedução parcial português (continuamos a reportar-nos ao artigo 23.º do Código do IVA), chegaram a motivar contactos preliminares entre a Comissão Europeia e o Governo português, tendo em vista a eventual instauração de uma ação por incumprimento de Estado [contra Portugal], por deficiente transposição da Diretiva IVA. Na sequência do que foi criado um Grupo de Trabalho (por despacho do Ministro de Estado e das Finanças) que produziu um Relatório contendo um conjunto de propostas de alteração   que a Lei do Orçamento do Estado para 2008 incorporou, superando o equívoco conceptual.

 

Por forma a clarificar o alcance da nova redação do artigo 23.º do Código do IVA, a AT emitiu o Ofício-Circulado n.º 30 103, de 23 de abril de 2008, no qual manifesta o entendimento que aqui preconizamos: “As alterações ao artigo 23.º do CIVA introduzem elementos novos, essenciais para a determinação do quantum do imposto a deduzir, dos quais se destaca a referência expressa de que as suas regras se aplicam exclusivamente às situações em que os sujeitos passivos pretendem exercer o direito à dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços de utilização mista.”

 

 Deste modo, os sujeitos passivos que praticam simultaneamente operações que conferem e que não conferem o direito à dedução do IVA, como é o caso da Requerente, só se encontram abrangidos pelo artigo 23.º do respetivo Código, na parte em que deduzam IVA respeitante a aquisições de bens e serviços (inputs) que sejam indistintamente utilizados nas duas categorias de operações (quer em outputs com direito à dedução, quer em outputs sem esse direito).

 

Neste sentido, fundamenta a decisão arbitral no processo n.º 148/2012-T, de 5 de julho de 2013:

“A utilização de ambos os métodos [pro rata e afetação real] só se verifica quando estamos na presença de inputs com IVA que não possuem uma relação direta e exclusiva com operações que conferem ou não o direito a dedução do IVA.

Com efeito, a qualificação como “sujeito passivo misto”, na sua aceção em sentido estrito, da qual deve resultar uma delimitação proporcional do IVA suportado, delimita-se à utilização mista dos bens/serviços, não resultando do simples facto de determinado sujeito passivo exercer simultaneamente atividades (operações) que conferem direito a dedução e outras que não conferem esse mesmo direito.”

 

Impõe-se concluir que a dedução parcial do IVA efetuada inicialmente ao abrigo do artigo 23.º do Código deste imposto, alicerçada na prática habitual da Requerente em relação aos anos anteriores, na situação em análise, partiu de um erro de enquadramento dos recursos adquiridos como recursos de utilização mista, regidos pelo citado artigo 23.º, quando, em rigor, estamos perante recursos exclusivos que não postulam a aplicação desse artigo 23.º, mas antes e somente do artigo 20.º do Código do IVA. O assinalado erro de enquadramento está associado à alteração de atividade ocorrida na esfera da Requerente, que não foi adequadamente refletida no momento da dedução.

 

A correção do IVA deduzido operada pela Requerente tem, de facto, efeitos retroativos, como salienta a Requerida, mas não se pode afirmar que aquela decidiu mudar a posteriori o método de dedução parcial optando pela afetação real em detrimento do pro rata. Pois está em causa a dedução por imputação direta, que não corresponde a uma alteração do método de cálculo da dedução parcial constante do artigo 23.º, nem cai no âmbito de aplicação desta norma, além de que não reveste caráter facultativo ou opcional.

 

Quanto à divergência de qualificação jurídica em relação à posição das Partes interessa notar que o Tribunal é livre na qualificação jurídica dos factos alegados, contanto não altere a causa de pedir.

 

Esta regra tanto é aplicável no domínio do processo civil, com formulação expressa no artigo 5.º n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), correspondente ao anterior artigo 664.º, I parte, como é reconhecida nos Tribunais Administrativos. Neste âmbito, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, confirmam, em comentário ao artigo 95.º do CPTA [objeto e limites da decisão], que o Tribunal pode sempre fazer uma qualificação jurídica diversa dos factos que foram alegados nos termos gerais do artigo 664.º do CPC (agora 5.º, n.º 3) , segundo o qual “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” .

 

                O entendimento descrito é, de igual modo, aplicável ao processo arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT.

 

3.            A CORREÇÃO DO ERRO NA DEDUÇÃO DO IVA

 

Constatado que assiste à Requerente o direito à dedução integral do IVA incorrido nos inputs em causa nos presentes autos por imputação direta (artigos 19.º, n.º 1, alínea a) e 20.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código do IVA) – por estarem afetos [os inputs] em exclusivo aos serviços de suporte a prestar às cessionárias, que são tributáveis nos termos gerais (pressuposto que não é contestado pela Requerida) – o problema que se coloca é o da admissibilidade da correção a posteriori desse erro e o quadro temporal pertinente.

 

A possibilidade de correção de erros cometidos pelos sujeitos passivos no momento em que foi exercido o direito à dedução tem consagração expressa nos artigos 184.º a 186.º da Diretiva IVA com caráter imperativo: “A dedução inicialmente efetuada é objeto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito. ”

 

Não se trata, pois, do exercício de uma faculdade ou prerrogativa, mas do cumprimento de uma norma impositiva. Estabelece-se neste âmbito que “[a] regularização é efetuada nomeadamente quando se verificarem, após a declaração de IVA, alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções” , cabendo aos Estados-Membros determinar as normas de aplicação correspondentes .

 

Ao transpor as referidas normas da Diretiva IVA (artigos 184.º a 186.º), o legislador nacional conformou as retificações ao imposto dedutível  com recurso à seguinte classificação dicotómica:

(a)          Correções derivadas de erro material ou de cálculo - governadas pelo artigo 78.º, n.º 6 do Código do IVA, que estabelece um prazo limite de dois anos ;

(b)          Correções de erros de direito – cuja disciplina se extrai do artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA, que estabelece o prazo geral de quatro anos.

 

Com efeito, dispõe o citado artigo 78.º, n.º 6 do Código do IVA que “[a] correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º […] é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efetuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respetivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.”

 

Apresentando o artigo 98.º daquele compêndio legal, o seguinte teor:

 

“Artigo 98.º

Revisão oficiosa e prazo do exercício do direito à dedução

1 - Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária.

2 - Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respetivamente.

3 - Não se procede à anulação de qualquer liquidação quando o seu valor seja inferior ao limite previsto no n.º 4 do artigo 94.º.”

 

AFONSO ARNALDO e TIAGO DIAS afirmam a este propósito que, “[n]o que diz respeito ao erro material e ao erro de cálculo, cuja relevância em matéria de caducidade nos é dada pela previsão normativa do número 6 do artigo 78.º do Código do IVA, a questão da sua definição tem-se apresentado difícil e controversa” , devendo, para o preenchimento destes conceitos de erro material e de erro de cálculo, contar-se com o contributo do artigo 95.º-A do CPPT (neste sentido, v. também a decisão arbitral do processo n.º 117/2013-T, de 6 de dezembro de 2013 ).

 

Sob a epígrafe de “Procedimento de correção de erros da administração tributária” o n.º 2 deste artigo 95.º-A determina que se consideram “erros materiais ou manifestos, designadamente os que resultarem do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexatidão ou lapso.” 

 

Acompanhando a decisão arbitral no processo n.º 117/2013-T, “estar-se-á perante um erro material no preenchimento do montante de IVA dedutível numa declaração quando se pretendia escrever um determinado montante e, por descuido ou lapso, acabou por se escrever montante diferente ou quando o erro do preenchimento da declaração resulta de um erro anterior do mesmo tipo que exista na contabilidade […]. O erro quanto à aplicação de determinados regimes jurídicos não constitui nem erro material nem erro de cálculo, pelo que é manifesto que não pode ser-lhe aplicado o regime do referido n.º 6 do artigo 78.º do CIVA. Designadamente, o erro de cálculo do pro rata não é um erro de cálculo enquadrável nesta norma porque consubstancia um erro de direito sobre o regime jurídico aplicável e não um erro de natureza aritmética.”

 

Em sentido similar, assinala PATRÍCIA NOIRET CUNHA que o n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA “refere-se expressamente ao erro material ou de cálculo, como o erro na soma, na inscrição, na transcrição das faturas para o registo ou dos registos para as declarações, incluindo ainda a duplicação, a omissão; excluindo assim o erro de direito, resultante de uma interpretação indevida de normas” .

 

Atento o supra exposto, os erros devidos a descuido ou lapso, o erro na inscrição de valores nos registos contabilísticos e nas declarações periódicas, a duplicação, a omissão ou incorreções de qualquer natureza, como sejam o lançamento de um movimento a débito em vez de ser a crédito, devem ser qualificados como erros materiais que se distinguem do erro nos pressupostos que deriva de incorreta interpretação dos factos, ou de errónea aplicação do direito (por força de incorreta interpretação da lei), subjacente ao regime-regra do artigo 98.º do Código do IVA e ao prazo de caducidade de quatro anos .

 

Este critério é patente em diversos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo. Vejam-se, a título ilustrativo:

             o processo n.º 01427/14, de 28 de junho de 2017, que afastou o erro na interpretação e aplicação do artigo 23.º do Código do IVA do conceito de erro material, por ser “juridicamente complexa pelo que o erro decorrente da aplicação deste regime jurídico não constitui nem erro material nem erro de cálculo”;

             os processos n.º 136/14.0BEALM, de 2 de dezembro de 2020, e n.º 01783/13.3BEBRG, de 18 de novembro de 2020, que consideraram que a inclusão do valor dos descontos na matéria tributável do IVA constitui um erro de direito, por contender com a interpretação de normas jurídicas e o quadro jurídico aplicável, podendo a correção da autoliquidação efetuada com base nesse erro de direito ser objeto de pedido de revisão oficiosa ao abrigo do disposto nos artigos 98.º n.º 2 do CIVA e 78.º da LGT, não tendo aplicação o prazo de dois anos previsto no n.º 6 do artigo 78.º do CIVA;

             o processo n.º 0443/13.0BEPRT, de 17 de junho de 2020, segundo o qual “não constitui erro material ou de cálculo, antes erro na interpretação e aplicação do regime jurídico, a desconsideração pelo sujeito passivo de operações relativas a instrumentos financeiros derivados realizadas com contrapartes estabelecidas ou domiciliadas fora da União Europeia que conferiam direito a dedução, dela resultando alteração da percentagem de dedução (pro rata)”

             o processo n.º 0498/15.2BEMDL, de 3 de junho de 2020, que dispõe que “o prazo aplicável para reclamar do IVA entregue em excesso numa situação enquadrável no denominado erro de direito é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA”.

 

                Do exposto ressalta que o legislador português concretizou o ditame da Diretiva IVA que postula a retificação da dedução inicial realizada sempre que se constate que esta era superior ou inferior àquela a que o sujeito passivo tinha direito, permitindo a retificação a posteriori nos termos e condições definidas nos artigos 78.º, n.º 2 e 98.º, n.º 2 do Código do IVA.

 

Na situação vertente, o erro da Requerente deve qualificar-se como “erro de direito”, pois derivou da aplicação indevida da disciplina do artigo 23.º do Código do IVA (dedução parcial) a imposto totalmente dedutível por imputação direta, ao abrigo do disposto no artigo 20.º do Código do IVA, dado respeitar a serviços (adquiridos) exclusivamente afetos a operações tributáveis. Tal erro deve poder ser retificado no prazo de quatro anos, de harmonia com o preceituado no artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA.

 

                Em relação às orientações vertidas em Circulares administrativas invocadas pela Requerida, as mesmas não podem inovar em matéria de incidência fiscal por imperativo do princípio da legalidade tributária, consagrado na Constituição da República, e não vinculam os contribuintes ou o tribunal.

 

A Requerida suscita ainda diversos obstáculos à efetivação do direito à dedução, por apelo ao disposto no artigo 22.º do Código do IVA que, nos seus n.ºs 1 e 2, dispõe o seguinte:

 

“Artigo 22.º

Momento e modalidades do exercício do direito à dedução

1 - O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efetuando-se mediante subtração ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.

2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação.

[…]”

 

Segundo a interpretação da Requerida o direito à dedução não pode ser diferido após o registo da fatura, sob pena de legitimar uma indevida “prerrogativa de dedução até ao limite do prazo de quatro anos previsto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA”.  Na conceção da Requerida, tal direito teria de ser exercido na declaração do período em que se tivesse verificado a receção das faturas, para o que invoca o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18 de maio de 2011, no processo 0966/10. Após esse momento, qualquer correção à dedução constitui uma regularização de imposto, que define como a “retificação/correção do imposto considerado em declaração periódica anterior”, na qual está em causa a alteração de um ato anterior do sujeito passivo.

 

Afigura-se não ser de acompanhar a posição da Requerida.

 

Desde logo, convém notar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo invocada pela Requerida foi proferida na vigência de distinta redação do artigo 22.º do Código do IVA, pois referia-se a factos ocorridos no ano 2003, em que o n.º 2 do preceito dispunha o seguinte:

 

“2 - A dedução deverá ser efetuada na declaração do período em que se tiver verificado a receção das faturas, documentos equivalentes ou bilhetes de despacho, sem prejuízo da possibilidade de correção prevista no artigo 71.º [atual 78.º]” (sublinhado nosso)

 

Porém, logo em 2004, com a Lei do Orçamento do Estado para esse ano (Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, o n.º 2 passou a prever de forma expressa a possibilidade de dedução em período posterior, redação que se mantém, nesse segmento, ainda hoje: 

 

“2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 71.º, a dedução deverá ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas […]” (sublinhado nosso)

 

Assim, desde 2004, o artigo 22.º, n.º 2 do Código do IVA prevê literalmente que o sujeito passivo pode deduzir o IVA na declaração do período em que se tiver verificado a receção das faturas ou de período posterior àquele, sendo o limite temporal dado pelo artigo 98.º, n.º 2, com o prazo máximo de quatro anos aí estabelecido.

 

Solução que é consentânea com as disposições da Diretiva IVA, nomeadamente com o estabelecido nos seus artigos 167.º, 179.º e 180.º, e que não acarreta prejuízo ou lesão para o Estado, pelo contrário, pois, do ponto de vista financeiro, este sai beneficiado quanto mais tardia for a dedução, por oposição ao sujeito passivo que resulta prejudicado se exercer uma dedução postecipada .

 

A jurisprudência do Tribunal de Justiça confirma esta possibilidade, a começar pelo emblemático acórdão Ecotrade SpA, de 8 de maio de 2008, processos apensos C-95/07 e C-96/07  que, sem prejuízo de reconhecer que a dedução se exerce, em princípio, durante o mesmo período em que o direito à dedução surgiu , confirma que o Estado-Membro pode autorizar (como o artigo 22.º, n.º 2 do Código do IVA autoriza) o sujeito passivo a proceder à dedução posteriormente (ao abrigo do artigo 180.º da Diretiva IVA), ficando dependente das condições e modalidades fixadas pelos Estados-Membros .

 

Este princípio é reiterado pelo acórdão do Tribunal de Justiça EMS-Bulgaria, de 12 de julho de 2012, processo C-284/11, segundo o qual “por força dos artigos 180.° e 182.° desta mesma diretiva, o sujeito passivo pode ser autorizado a proceder à dedução mesmo que não tenha exercido o seu direito durante o período em que esse direito se constituiu, sem prejuízo da observância de determinadas condições e regras fixadas pelas regulamentações nacionais” .

 

Conclui-se, desta forma, que tendo a Requerente efetuado a dedução no decurso do prazo de quatro anos após o nascimento desse direito, estava em tempo para o fazer, de acordo com o estabelecido nos artigos 22.º, n.º 2 e 98.º, n.º 2, ambos do Código do IVA.

 

Por outro lado, o facto de a Requerente não ter apresentado declarações de substituição, operando a dedução nas declarações dos períodos em que a exerceu, não modifica o direito a deduzir que lhe assiste. A demonstrar-se que o procedimento declarativo que adotou não era o mais correto, a Requerida poderia aplicar uma coima por incorreto cumprimento da obrigação acessória/declarativa, porém, o que não poderia fazer era coartar o direito a deduzir o IVA na esfera da Requerente.

 

Acresce referir que estando em causa um erro do sujeito passivo no enquadramento do direito à dedução, esta dedução sempre seria objeto de regularização, de harmonia com o estabelecido no artigo 184.º da Diretiva IVA, segundo o qual “a dedução inicialmente efetuada é objeto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito”, dentro de um prazo considerado razoável  e em obediência ao princípio da neutralidade fiscal do IVA, que constitui um princípio fundamental do sistema comum deste imposto e que é assegurada pelo mecanismo da dedução.

 

Com efeito, como, de forma reiterada, tem declarado o Tribunal de Justiça, “o regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA”. O direito à dedução “faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado”  .

 

Pelo que a regularização da dedução em prazo razoável não se funda apenas no disposto no artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA, mas é uma decorrência inescapável dos artigos 184.º e seguintes da Diretiva e do princípio da neutralidade que lhe subjaz.

 

Por fim, sobre a afirmação de que o artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA regula apenas o exercício pela “primeira vez” do direito à dedução do imposto e seria, assim, inaplicável in casu, não se vislumbra base gramatical para esta interpretação que se julga errónea. De todo o modo, quanto ao IVA dedutível que foi desconsiderado pela AT é inequívoco que, nessa parcela, se trata de IVA deduzido pela primeira vez pela Requerida.  Por fim, e como anteriormente realçado, a obrigação de regularização é imposta pelo direito europeu, assentando, em última análise, no efeito direto do artigo 184.º da Diretiva IVA.

 

Termos em que se julga procedente o vício material de erro nos pressupostos de direito, sendo as liquidações de IVA impugnadas nesta ação arbitral anuláveis, atento o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do CPA, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.

 

4.            QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil (v. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT), nomeadamente as relativas à violação dos princípios da legalidade, da proporcionalidade, da neutralidade e da igualdade, bem como ao momento em que pode ser escolhido o método de dedução parcial, uma vez que está em causa o exercício do direito à dedução do IVA por imputação direta e não a seleção do método da afetação real em detrimento do pro rata, matéria a qual recai a pronúncia do acórdão do Tribunal de Justiça, de 30 de abril de 2020, processo C-661/18, CTT – Correios de Portugal.

 

5.            JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

A Requerente procedeu ao pagamento do valor total de IVA devido em resultado das liquidações adicionais emitidas, solicitando a restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento até integral reembolso.

 

O artigo 43.º, n.º 1 da LGT dispõe que o contribuinte terá direito a ser ressarcido, através de juros indemnizatórios, sempre que o pagamento indevido (em excesso) de imposto seja imputável a erro dos serviços.

 

Esta disciplina deriva do dever que recai sobre a AT de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios como compreendido nesse dever/efeito repristinatório do statu quo ante.

 

Significa isto que na execução do julgado anulatório a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada e, neste âmbito, a privação ilegal das importâncias pagas a título imposto deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que “existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”.

 

“O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte (por exemplo, haverá anulação por erro imputável ao contribuinte quando a liquidação assentar em errados pressupostos de facto, mas o erro ter por base uma indicação errada na declaração que o contribuinte apresentou).” (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES, JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.º Ed. 2012 Encontro da Escrita, Lisboa, pág. 342).

 

No caso em apreço, o ato de liquidação de IVA é ilegal, porque foi praticado com erro nos pressupostos e ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis, sendo que tal erro não emerge de qualquer conduta da Requerente, pelo que é imputável aos Serviços.

 

Em face do exposto, procede o pedido de condenação da AT no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, calculados sobre o valor indevidamente pago, nos termos previstos no artigo 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º do CPPT, a liquidar em execução da presente decisão.

 

V.           DECISÃO

 

                De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar totalmente procedente o pedido arbitral com a consequente anulação das liquidações adicionais de IVA supra identificadas, relativas aos períodos de julho de 2016 a fevereiro de 2017, com as legais consequências, incluindo o pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT.

 

VI.          VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 654.003,61, conforme indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

Notifique-se.

              

Lisboa, 28 de janeiro de 2021

 

Os Árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins

Pedro Manuel Paes de Vasconcellos e Silva

Sérgio Vasques