DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
A..., contribuinte fiscal n.º ..., residente na ... e B..., contribuinte fiscal n.º ... residente na ... (doravante abreviadamente designados por “Requerentes”), apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT) e 99.º e seguintes do Código de Procedimento Tributário (CPPT), no qual solicitaram a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) nº ..., correspondente à liquidação de IRS do ano de 2017, no montante de € 22 788,02 (vinte e dois mil, setecentos e oitenta e oito euros e dois cêntimos), requerendo a sua anulação, e o reembolso do imposto indevidamente pago, bem assim como a revogação da decisão do indeferimento da reclamação graciosa.
1. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
2. Em julho de 2020, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.
3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 05-08-2020.
4. A Autoridade Tributária, doravante designada de Requerida ou AT, foi notificada por despacho de 06-08-2020 para apresentar a sua resposta.
5. A AT apresentou a resposta a 16-09-2020, defendeu-se por impugnação, e juntou o processo administrativo.
6. Por despacho de 25-09-2020, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e notificou as partes para apresentarem alegações escritas, querendo, com carácter sucessivo.
7. Os Requerentes submeteram as suas alegações escritas a 21-10-2021, reiterando o teor do Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA), enfatizando apenas as principais ordens de razões quanto a alguns pontos do PPA.
8. Em prazo, também a AT alegou, renovando o conteúdo da Resposta apresentada sustentando a ausência de qualquer ilegalidade na liquidação.
2. OBJETO DOS AUTOS
2.1. POSIÇÃO DOS REQUERENTES
9. No dia 2 de março de 2017 o Requerente marido alienou um imóvel afeto à sua habitação própria e permanente/morada de família pelo montante de € 1.310.000,00.
10. E incluiu a mais valias no Anexo G da declaração Modelo 3 de IRS entregue em 2018 referente ao ano de 2017.
11. Na declaração de rendimentos Modelo 3, foram indicadas pelo Requerentes, de forma cumulativa, as seguintes situações:
a. Intenção de reinvestimento da totalidade do valor de realização do imóvel alienado destinado a habitação própria e permanente, ao abrigo do disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º do Código do IRS; e
b. O facto de o imóvel alienado ter sido objeto de obras de reabilitação beneficiando assim, enquanto primeira alienação, do incentivo previsto em sede de IRS, no âmbito das ações de reabilitação urbana, nos termos dos nºs 5 e 23 do artigo 71.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
12. Os Requerentes adquiriram, para habitação própria, um imóvel em ruínas que carecia de verdadeiras obras de reconstrução, e não meros melhoramentos, para ser habitável e, consequentemente, afetado à sua habitação própria e permanente.
13. Os requerentes reinvestiram parte da mais valia realizada no ano de 2017, sendo o remanescente utilizado para fazer obras de reabilitação no prédio adquirido;
14. Declarada a intenção de reinvestimento os requerentes dispõem do prazo de 36 meses para proceder ao reinvestimento, por isso, tendo alienado o imóvel em março de 2017 têm até março de 2020 para concretizar o investimento; sendo contra legem qualquer liquidação emitida por referência à parte da mais valia que declaram reinvestir;
15. Como o imóvel adquirido carecia de obras indispensáveis à sua habitabilidade o Requerente marido só alterou o seu domicílio fiscal em maio de 2019, depois de terminadas as mesmas.
16. Contudo, e não obstante as opções declaradas no Anexo G da Modelo 3 de IRS a AT tributou a mais valia apurada, na sua totalidade, à taxa de 5%, ao abrigo do regime fiscal da reabilitação urbana, dando origem à liquidação de IRS no montante de € 22.788,02.
17. Na liquidação em apreço foi desconsiderada a opção pelo regime fiscal do reinvestimento, o qual implicaria a não sujeição a tributação, pelo menos, numa primeira fase, da mais-valia apurada, e que resultaria no apuramento de um reembolso, a título de IRS, no montante de € 5.978,04.
18. Terminam pedindo a anulação da liquidação e confirmada a aplicabilidade da exclusão de tributação, por reinvestimento, prevista no n.º 5 do CIRS e da taxa especial reduzida de 5% prevista, para efeitos de IRS, no n.º 5 do artigo 71.º do EBF, à parte da mais valia que eventualmente venha a ser apurada, caso o reinvestimento do valor de realização seja apenas parcial.
2.2. POSIÇÃO DA REQUERIDA
19. Os Requerentes foram casados em regime de separação de bens, tendo em 2017, na constância do matrimónio, o Requerente marido procedido à alienação do imóvel de sua propriedade que qualificava como morada de família / habitação própria e permanente dos mesmos, sito em ..., ..., freguesia de ..., Lisboa pelo valor de € 1.310.000,00.
20. Na declaração de rendimentos- IRS, referente ao ano de 2017, que foi submetida em conjunto pelos Requerentes, declararam no Anexo G a intenção de reinvestimento do valor de realização do imóvel alienado e o facto de o referido imóvel ter sido objeto de obras de reabilitação, beneficiando assim, enquanto primeira alienação, do incentivo previsto em sede de IRS, no âmbito de ações de reabilitação urbana.
21. O prédio foi objeto de obras tendo os Requerentes auferido de benefícios concedidos pelo Município de Lisboa, bem assim como pela autoridade Tributária;
22. Para efeitos de computo das mais valias a AT considerou o valor de realização do imóvel (€ 1.310.000,00), deduzido do valor do empréstimo constante no documento de distrate (€ 249.251,82), o preço de aquisição do imóvel objeto do reinvestimento (€ 400.000,00) e o valor do empréstimo contraído para a sua aquisição (€ 183.143,00);
23. Por força da aplicação do n.º 5 do artigo 71.º do EBF, a AT tributou a mais valia apurada, no montante de € 575.321,35, à taxa de 5%, valor este que resulta da subtração ao valor de realização dos valores de aquisição – com a aplicação do coeficiente de correção monetária previsto no artigo 50.º do CIRS – e de despesas e encargos inscritos pelo Requerente no anexo G da declaração;
24. A AT não teve em conta os valores inscritos no quadro 5 do anexo G para efeitos de exclusão por reinvestimento do valor de realização, porque a AT apurou valores diferentes dos declarados.
25. A AT também não considerou os montantes que os Requerentes afirmam ter gasto em obras, por entender que não estão devidamente comprovados nem a localização nem os pagamentos.
26. Como os Requerentes não reinvestiram a totalidade do valor de realização, a parte não reinvestida cai no regime regra da tributação das mais valias, sendo tributada de acordo com as taxas progressivas do artigo 68.º do CIRS.
27. Quanto aos montantes que deveriam constar nos quadros 4 e 5 do anexo G da declaração de rendimentos, no ano de 2017, não pode ser aceite a aplicação simultânea do disposto no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS e do n.º 5 do artigo 71.º do EBF.
28. Na declaração de rendimentos os Requerentes optaram pelo não englobamento dos rendimentos, tendo assim optado, pela tributação autónoma dos rendimentos relativos a imóveis recuperados, pelo que, a parte dos rendimentos não reinvestidos cai no regime regra da tributação das mais valias, de acordo com as taxas do artigo 68.º;
29. Acresce que o Requerente não inscreveu na declaração de 2018 (e 2019) os valores reinvestidos nestes anos, sendo que o prazo para apresentação da declaração de 2019 ainda não tinha terminado à data da apresentação da resposta.
30. E o Requerente não afetou o imóvel adquirido a habitação própria e permanente no prazo previsto na alínea a) do n.º 6 do artigo 10.º do CIRS, pelo que não pode beneficiar do regime do reinvestimento.
31. A AT defende que a questão fundamental a dirimir é a da aplicação simultânea, na mesma liquidação, do disposto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS e do disposto no n.º 5 do artigo 71.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redação em vigor no ano fiscal controvertido.
4. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
5. MATÉRIA DE FACTO
5.1 Factos Provados
32. Em 9 de agosto de 2012 o Requerente A.., casado com B..., sob o regime da separação de bens, adquiriu, pelo preço de € 434.750,00, o prédio sito na ..., números ... e ..., Freguesia de..., Concelho de Lisboa, que afetou a habitação própria e permanente; (Cfr Doc. n.º 10)
33. Este prédio foi objeto de obras de reabilitação, tendo o valor do IMT sido reembolsado ao Requerente;
34. Para aquisição do prédio solicitou um empréstimo de 305.426,00; (Cfr Doc. n.º 10)
35. No dia 2 de março de 2017, na constância do matrimónio o Requerente marido procedeu à alienação do imóvel de sua propriedade que foi casa de morada de família/habitação própria e permanente dos Requerentes, sito em ..., ..., Freguesia de ..., lisboa pelo valor de € 1.310.000,00. (Cfr. Doc n.º 1);
36. O valor do capital em dívida do empréstimo contraído para aquisição da habitação era de € 249.251,82, que foi liquidado ao banco. (Cfr. PPA)
37. Por escritura publica de compra e venda com mútuo, de 15 de maio de 2017, os Requerentes adquiriram um imóvel sito na ..., n.º..., ..., em Lisboa, pelo preço de € 400.000,00 e contraíram um empréstimo bancário no montante de € 183.143,00; (Cfr. Doc.n.º 9)
38. Na escritura de compra e venda com mútuo identificado no parágrafo precedente foi declarado que o imóvel se destinava a habitação própria e permanente;( Cfr. Doc. n.º 9)
39. O prédio é de construção anterior a 7 de agosto de 1951;( Cfr. Doc. n.º 9)
40. Por referência ao ano da alienação (2017), os requerentes submeteram conjuntamente a declaração de IRS Modelo 3, e declararam, no anexo G: o valor de realização de € 1.310.000,00 no campo 4001, e a intenção de reinvestir o valor de realização do imóvel, no montante de € 974.685,57, no campo 5006; como valor em dívida ao banco € 335.314,43 e, no campo 5008, como valor de reinvestimento (parcial) no ano da declaração € 427.396,62; (cfr Doc. n.º 4)
41. Na Declaração de rendimentos em causa foram indicadas pelos Requerentes, de forma cumulativa, as seguintes situações:
a. A intenção de reinvestimento da totalidade do valor de realização do imóvel alienado destinado a habitação própria e permanente, ao abrigo do disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º do Código do IRS | Quadro 5A do respetivo Anexo G; e
b. O facto de o imóvel alienado ter sido objeto de obras de reabilitação, beneficiando assim, enquanto primeira alienação, do incentivo previsto em sede de IRS, no âmbito de ações de reabilitação urbana, nos termos dos n.ºs 5 e 23 do artigo 71.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”) | Quadro 4A do respetivo Anexo G.
42. Os Requerentes declararam o reinvestimento parcial das mais valias realizadas no ano da declaração. (Cfr. Documento n.º 4 - Quadro 5008 do Campo 5 do anexo G)
43. A AT considerou como valor do empréstimo bancário € 249.251,82 (suportado pelo documento de distrate), como valor de reinvestimento € 216.857,00 (€ valor de aquisição € 400.000,00 – valor empréstimo bancário € 183.143,00 e valor de despesas apenas € 51.817,00, referente à mediação e imposto de selo;
44. A AT não considerou qualquer dos valores inscritos no quadro 5 do anexo G para efeitos de exclusão por reinvestimento do valor de realização. (cfr. Artigo 8.º das alegações da AT e informação da AT)
45. A AT apurou uma mais valia imobiliária no montante de € 575.321,35, que foi tributada na sua totalidade à taxa autónoma de 5%, ao abrigo do regime fiscal da reabilitação urbana;(Cfr. Alegações da AT)
46. O Requerente alterou o seu domicílio fiscal com efeitos ao dia 27 de maio de 2019. (Confissão aceite pela AT).
47. Em novembro de 2018 os Requerentes submeteram uma reclamação gracisosa, por referência à liquidação de IRS referente ao ano de 2017, cujo despacho de indeferimento foi notificado aos Requerentes no dia 11 de dezembro de 2019.
5.2 Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
5.3 Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto não contestados pelas partes.
6. THEMA DECIDENDUM
A questão objeto do presente processo reconduz-se à tributação dos rendimentos da categoria G, mais concretamente das mais valias imobiliárias realizadas com a venda de habitação própria e permanente, e ao regime de exclusão de tal tributação nas situações de reinvestimento previstas nos n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º do CIRS.
Importa também aflorar a questão levantada pela AT da aplicação simultânea, na mesma liquidação, do disposto no n.º 5 do artigo 10.º do IRS e do disposto no n.º 5 do artigo 71.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
7. DO DIREITO
A resposta à questão objeto dos presentes autos prende-se com a interpretação do artigo 10.º n.ºs 5 e 6 do CIRS.
O n.º 5 artigo 10.º determina que:
1. O artigo 10.º do Código do IRS (CIRS), na parte que nos interessa, dispõe o seguinte:
“(…)
5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:
a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;
d) (Revogada.)
Ou seja, o artigo 10.º/5/a), do CIRS, consagra uma exclusão de incidência tributária relativa às mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, assim favorecendo a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente do sujeito passivo (ou do respetivo agregado familiar) sempre que, dentro de determinados prazos e condições, o valor de realização for reinvestido em imóvel destinado ao mesmo fim e situado no território nacional.
A norma sob exegese contém dois elementos na sua previsão: por um lado, os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação devem ser reinvestidos na aquisição de outro imóvel com o mesmo destino; por outro, tal reinvestimento deverá realizar-se no prazo de trinta e seis meses .
Como obrigação acessória, o sujeito passivo deve fazer constar na declaração do ano fiscal em que ocorreu a realização da mais-valia, a intenção de efetuar o reinvestimento, mais tendo que provar a sua efetivação, o mais tardar, na declaração de rendimentos do último ano fiscal em que esta pode ocorrer, o que aliás resulta do disposto no n.º 4 do artigo 57.º do CIRS.
O objetivo geral do regime de exclusão da incidência é, pois, não atravancar a aquisição, imediata ou mediata, de habitação própria e permanente financiada com o produto da alienação de um outro imóvel a que fora dado o mesmo destino . Usa-se a técnica de roll over, que torna não tributáveis essas mais-valias enquanto os valores de realização forem reinvestidos em imóveis destinados à habitação (…). A exclusão referida só vale pois para as mais-valias de imóveis destinados à habitação própria e permanente quando o reinvestimento se opera em imóveis com o mesmo destino.
Por seu turno, o n.º 6 do acima mencionado artigo 10.º dispõe o seguinte:
n.º6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:
a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento;
b) Nos demais casos, o adquirente não requeira a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações decorridos 48 meses desde a data da realização, devendo afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização;
c) (Revogada.)
Da conjugação da alínea a) do n.º 5 com o disposto no n.º 6 do art. 10.º do CIRS, a tributação é excluída quando o adquirente não afete o imóvel à sua habitação própria e permanente, até decorridos 12 meses após o reinvestimento e, nos demais casos, seja requerida a inscrição ou alteração na matriz até 48 meses sobre a data do início das obras e afetado o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização.
Como os Requerentes procederam à aquisição de um imóvel com vista à sua recuperação para o afetarem, posteriormente, à sua habitação própria e permanente é aqui aplicável a disciplina da alínea b) do n.º 6 do artigo 10.º.
Tendo os Requerentes vendido o prédio em 02.03.2017 tinham até 02.03.2020 para reinvestir, no entanto, como destinaram o reinvestimento ao melhoramento de imóvel, têm até 2021 para requerer a alteração na matriz e até 2022 para o afetar à habitação própria.
Donde podemos desde já concluir o seguinte:
Como os Requerentes declarado no Anexo G da Mod 3 a sua intenção de proceder ao reinvestimento da totalidade da mais valia – para o que dispõe de 36 meses contados da data da realização – só numa fase posterior se poderia apurar se os Requerentes concretizaram o investimento da totalidade do valor de realização declarado, bem como se a correspondente mais valia ficará excluída de tributação, no todo ou em parte.
Como refere Paula Rosado Pereira, “Face aos contornos do regime em apreço poderá dizer-se que, na realidade, se está perante uma suspensão de tributação aplicável mediante simples manifestação na declaração de rendimentos referente ao ano de realização, da intenção de proceder ao reinvestimento.”
Assim sendo, entende este tribunal que ocorreu uma suspensão da tributação das mais valias imobiliárias por força da manifestação, na declaração de rendimentos referente ao ano de realização, da intenção de proceder ao reinvestimento.
Portanto, só decorridos os 36 meses contados da realização, poderá a AT apurar se o Requerente concretizou o reinvestimento da totalidade da mais-valia e se ficará ou não excluída, no todo ou em parte, em termos definitivos.
Quanto à alteração do domicílio fiscal vs afetação à habitação própria e permanente, importa frisar o entendimento pacífico e unânime da nossa jurisprudência, judicial e arbitral, no sentido de que resulta do artigo 10.º n.º 5 a intenção do legislador de não equiparar os conceitos de habitação e domicílio fiscal.
A doutrina e a jurisprudência maioritárias perfilham o entendimento de que não existe uma identidade entre “domicílio fiscal” e “residência permanente” admitindo que o contribuinte comprove a sua residência permanente apresentando “factos justificativos” de que aí fixou de forma habitual e permanente o centro da sua vida pessoal.
Entendimento com acolhimento na letra do n.º 11 do artigo 4.º do CIRS : “o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário”.
A este propósito, do conceito de domicílio vs residência, pode ler-se o seguinte no acórdão do TCAS :“ (…) os actos ou factos que demonstram a ligação do Impugnante ao imóvel não se esgotam na ligação à circunscrição fiscal onde se situa o prédio ou na correspondência da habitação com o domicílio fiscal registado nos serviços de finanças. É certo que estes elementos são indícios de que o impugnante pretende fixar ou fixou a sua morada real e efectiva naquele imóvel. Todavia, a morada em certo lugar, a habitatio, deve demonstrar-se através de “factos justificativos” de que o impugnante fixou no imóvel o centro da sua vida pessoal(…)”
Revertendo para o caso que subjaz nos presentes autos, somos levados a concluir que a alteração do domicílio fiscal somente em maio de 2019, além de irrelevante no contexto da liquidação sob escrutínio, tem de ser conjugada com a realização de obras de remodelação/alteração que os Requerentes tenham realizado no imóvel, e o disposto na alínea b) do n.º 6 do artigo 10.º do CIRS.
Atento o que fica acima dito, e sem necessidade de maiores considerações, impõe-se concluir que a liquidação de IRS do ano de 2017, é ilegal por configurar vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito em que assentou.
Mais se refere que pese embora a ocorra reinvestimento parcial, a sua desconsideração por parte da liquidação acarreta a anulação total da mesma e não a sua anulação parcial.
Quanto à questão referida pela AT, da aplicação simultânea, na mesma liquidação, do disposto no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS e do disposto no n.º 5 do artigo 71.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), importa referir que a lei, quer o CIRS quer o EBF, não estabelecem uma primazia ou ordem de hierarquia dos benefícios, nem tão pouco resulta da lei qualquer impedimento à conjugação dos dois regimes.
De resto, não obstante a tentativa de unificação funcional dos benefícios fiscais na reforma de 1989, o legislador optou por manter alguns benefícios fiscais nos respetivos códigos como também permitiu que legislação extravagante definisse a criação de benefícios fiscais.
Guilherme Waldemar de Oliveira Martins, conclui “que o ordenamento português distingue três patamares de benefícios fiscais (…)” a apresenta-os num esquema piramidal com três níveis, que apresentamos de seguida:
Efetivamente, o CIRS previne uma exclusão da tributação das mais valias imobiliárias, com o objetivo de favorecer a aquisição de imóveis destinados a habitação permanente, e eliminar obstáculos fiscais à efetivação do direito à habitação.
Já os benefícios fiscais à reabilitação urbana, regulados no EBF, são um instrumento adicional de estímulo às operações de requalificação urbana, incentivando os particulares a uma intervenção mais ativa neste processo.
E pese embora, esta não seja a questão central nos presentes autos, entende este tribunal que os benefícios concedidos à aquisição e reabilitação de habitação própria não se excluem, antes complementam-se.
Por último, sempre se dirá que este entendimento é corroborado pela liquidação em apreço no presente processo, uma vez que para o computo das mais valias a AT considerou o reinvestimento parcial, aplicando a taxa de 5% sobre a mais valia apurada, ao abrigo dos incentivos à reabilitação urbana previstos no EBF.
Todavia, este Tribunal não pode confirmar a aplicabilidade simultânea dos regimes para o futuro, porquanto o conhecimento de tal pedido extravasa as suas competências definidas na lei, como resulta do abaixo expendido a propósito do pedido em condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
7.2 Do Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios da existência de uma quantia paga a reembolsar, conclui-se que o processo arbitral é também meio adequado para apreciar o pedido de reembolso.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação e sua anulação há lugar a reembolso da quantia indevidamente paga acrescida de juros indemnizatórios, pois a liquidação é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.
Assim, em consequência da anulação da liquidação a Requerente tem direito ao reembolso da quantia paga e a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou, desde a data do pagamento, até à data em que for processada nota de crédito, em que são incluídos (artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).
Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva (artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril).
8. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral, julgar procedente o pedido de pronuncia arbitral e em consequência:
a) anular a liquidação de IRS n.º ..., no montante de € 22.788,02;
b) condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar os Requerentes do montante indevidamente pago acrescido dos juros indemnizatórios.
9. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 22.788,02.
10. CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 20 de janeiro de 2021
Notifique-se.
O árbitro
(Cristina Coisinha)