Sumario:
Para efeitos de reinvestimento de mais valias nos termos do disposto nos n.ºs 5, alínea a) e 6, alínea a) do artigo 10.º, do Código do IRS, normas que enunciam os requisitos da delimitação negativa da incidência de IRS sobre os rendimentos de mais-valias, compete determinar, se o requisito é o domicílio fiscal mediante a comunicação da sua alteração no prazo de 12 meses, ou, se é a afetação do imóvel à habitação própria no prazo de 12 meses. A redação do artigo 10.º n.º 5 alíneas a) e b) do CIRS é suficientemente clara não deixando lugar a grandes dúvidas. Se o legislador pretendesse que o requisito para o benefício em causa fosse o estabelecimento do domicílio fiscal no imóvel adquirido, tê-lo-ia escrito expressamente. A comunicação à AT da mudança do domicílio fiscal para a nova habitação não é condição sine qua non da exclusão da tributação das mais-valias. Tem sido esse o entendimento dos Tribunais Superiores, desde que “o sujeito passivo possa demonstrar a sua morada em certo lugar através de “factos justificativos”, pelo que não se vê como no caso em apreço em que o n.º 5 do art. 10.º do CIRS nem sequer remete para o conceito de domicílio fiscal se poderia entender que obsta à “habitação permanente” a não comunicação da alteração do domicílio fiscal.”
RELATÓRIO
A -PARTES
A..., com o NIF..., residente na Rua..., n.º..., ...-... Mafra, doravante designada de Requerente ou Sujeito Passivo.
AUTORIDADE TRIBUTARIA E ADUANEIRA doravante designada por Requerida ou AT.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD, no dia 04-02-2020, para apreciar e decidir o objeto do presente processo, e automaticamente notificado à Autoridade Tributaria e Aduaneira no dia 2020-02-04, conforme consta da respetiva ata.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou a Árbitra Rita Guerra Alves, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.
Em 05-08-2020 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos Artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral singular ficou regularmente constituído em 05-08-2020.
Em 12-08-2020, foi notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, nos termos dos artigos 16º, 17º e 18º do RJAT, para a junção aos autos, do Processo Administrativo.
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, é materialmente competente, nos termos dos arts 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
No dia 19-11-2020 pelas 14h00m, teve lugar no CAAD a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, para inquirição de testemunhas.
O Tribunal Arbitral, advertiu a Requerente para o pagamento da taxa arbitral subsequente até à data da prolação da decisão arbitral, nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e da comunicação do pagamento, ao CAAD.
As partes apresentaram alegações finais, reiterando a sua argumentação e fundamentos, expostos no pedido e na resposta.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (art.ºs 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de vícios que o invalidem.
B – PEDIDO
A ora Requerente, pretende a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2018..., do ano de 2017, no montante de € 23.263,03.
C – CAUSA DE PEDIR
A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, em síntese, o seguinte:
A Requerente e o seu agregado familiar tinham a sua habitação própria e permanente no imóvel localizado na Rua ..., ..., ..., ..., em Sintra.
Por escritura publica outorgada em 27/12/2017, o casal vendeu o referido prédio misto, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º..., da freguesia de ..., Concelho de Sintra pelo preço global de € 500.000,00 (quinhentos mil euros), tendo sido atribuído o valor de € 36.400,00 (trinta e seis mil e quatrocentos euros) ao artigo rústico ... e de € 463.600,00 (quatrocentos e sessenta e três mil e seiscentos euros) aos artigos urbanos ... e ... .
Por documento particular outorgado em 21 de Novembro de 2016, a Requerente e o marido, adquiriram o imóvel sito na Rua ..., n.º..., em Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º..., pelo preço de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), no qual passaram a residir a partir do final de Dezembro de 2016, sendo desde então habitação própria e permanente da Requerente e respetivo agregado familiar.
Na declaração de IRS, com a identificação ..., o casal declarou a venda da casa de habitação própria (artigo...) pelo preço de € 182.200,00 (cento e oitenta e dois mil e duzentos euros) e o correspondente reinvestimento com a aquisição do imóvel de Mafra.
Entende a Requerente, que o ato de liquidação é ilegal porquanto: o conceito de domicílio fiscal (art. 19° do LGJ) é distinto do conceito de habitação própria e permanente; a Requerente comprovou - e a Requerida aceitou essa comprovação - que, no final de Dezembro de 2016 passou a ter a sua habitação permanente no imóvel de Mafra; a Requerente reúne, pois, os requisitos exigidos no n ° 5 do artigo 100.º do CIRS para exclusão da tributação; não se verifica a situação prevista na alínea a) do n.º 6 do artigo 10° do CIRS, pelo que não à lugar à perda do benefício referido no número anterior.
Termina a Requerente sustentando que procedeu ao pagamento de impostos em valor superior ao devido por erro imputável aos serviços, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do n.º 5 e 6 do artigo 10° do CIRS e artigo 19° da LGT. Em consequência, tem a Requerente direito, para além da devolução do imposto liquidado, a mais juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do imposto (cuja anulação se pede) até ao efetivo reembolso, nos termos do artigo 61°, n.º2 a 5 do CPPT.
D- DA RESPOSTA DA REQUERIDA
A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
No caso em concreto, a Requerente alienou o imóvel sito em ..., imóvel este gerador de mais-valias, em 27/12/2017 e era nesse imóvel que tinha o seu domicílio Fiscal.
O imóvel sito em Mafra foi adquirido em 21/11/2016, alegadamente com o produto do reinvestimento, tendo a Requerente instalado o domicílio fiscal nesse local em 24/08/2018.
Atendendo ao disposto no n.º 9 do art. 46.º do EBF, só após esta data (24/08/2018), é que o imóvel sito em Mafra ficou afeto à habitação própria e permanente da Requerente.
Assim, na situação em análise, a Requerente, para beneficiar do regime da exclusão de tributação, devia ter afetado o imóvel de Mafra a habitação própria e permanente, no prazo de 12 meses, após o reinvestimento, o que não fez.
E, uma vez que a Requerente não comunicou à AT que o seu domicílio fiscal passava a situar-se na morada correspondente ao prédio adquirido (Mafra) com o produto do reinvestimento, a mesma não poderia produzir qualquer efeito, incluindo para exclusão da tributação das mais-valias geradas com a alienação do imóvel sito em Almargem do Bispo.
Termina a Requerente, sustentando que o presente pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação impugnado e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido, tudo com as devidas e legais consequências.
E- MATÉRIA DE FACTO
Factos Provados
Cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, com base nas diligencias de prova documental e testemunhal produzidas, tendo em conta os factos alegados.
No caso específico das testemunhas, considera-se que depuseram de forma coerente, sustentada e reveladora de domínio das razões de ciência com relevo para a prestação de informação ao Tribunal.
Em matéria de facto relevante, dá o presente Tribunal por assente os seguintes factos:
A Requerente e o seu agregado familiar possuíam a sua habitação própria e permanente no imóvel localizado na Rua ..., ..., ..., ..., em Sintra.
Por escritura publica outorgada em 27/12/2017, a Requerente vendeu o referido prédio misto, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n.º..., da freguesia de ...., Concelho de Sintra pelo preço global de € 500.000,00 (quinhentos mil euros), tendo sido atribuído o valor de € 36.400,00 (trinta e seis mil e quatrocentos euros) ao artigo rústico ... e de € 463.600,00 (quatrocentos e sessenta e três mil e seiscentos euros) aos artigos urbanos ... e ... .
Por documento particular outorgado em 21 de Novembro de 2016, a Requerente e o marido, adquiriram o imóvel sito na Rua ..., n.º..., em Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º..., pelo preço de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), no qual passaram a residir a partir do final de Dezembro de 2016, sendo desde então habitação própria e permanente da Requerente e respetivo agregado familiar.
Na declaração de IRS, com a identificação..., a Requerente declarou a venda da casa de habitação própria (artigo...) pelo preço de € 182.200,00 (cento e oitenta e dois mil e duzentos euros) e o correspondente reinvestimento com a aquisição do imóvel de Mafra.
F- FACTOS NÃO PROVADOS
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Deste modo, não há factos relevantes, para esta Decisão Arbitral para alem daqueles que se deram como provados.
G- QUESTÕES DECIDENDAS
Atenta as posições das partes assumidas nos argumentos apresentados, constitui questão central dirimendas, a quais cumpre, pois, apreciar e decidir:
Declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2018..., do ano de 2017, no montante de € 23.263,03.
Condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
I - MATÉRIA DE DIREITO
De acordo com o anteriormente exposto, a questão central carreada a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral, versa sobre a apreciação da legalidade do ato de liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2018..., do ano de 2017, no montante de € 23.263,03, por padecer de vício de violação de lei.
Para tanto e atenta a factualidade dada como provada e as normas legais em vigor à data dos factos, cabe ao Tribunal apreciar o direito da Requerente em beneficiar da exclusão da tributação das mais-valias provenientes da alienação do prédio que constituiu a sua anterior habitação própria e permanente, cujo valor de realização reinvestiram, em parte, na aquisição de outro prédio para o mesmo destino.
Dessa forma, a questão essencial que se coloca é a de saber se, como alega a AT para sustentar a liquidação adicional de IRS, ora em causa, o domicílio fiscal declarado pelo sujeito passivo perante a AT, constitui um requisito legal imprescindível para que o contribuinte possa beneficiar da exclusão de tributação por reinvestimento do valor de realização de habitação própria e permanente, tal como o dispõe o n.º 5 do artigo 10.º do CIRS.
Concretamente, vejamos então, qual o entendimento a conferir ao disposto nos n.ºs 5, alínea a) e 6, alínea a) do artigo 10.º, do Código do IRS, ou seja, se o requisito é o domicílio fiscal mediante a comunicação da sua alteração no prazo de 12 meses, ou, se é a afetação do imóvel à habitação própria no prazo de 12 meses.
Por conseguinte, à data dos factos, a redação dos n.ºs 5, alínea a) e 6, alínea a) do artigo 10.º, do Código do IRS, que enunciam os requisitos da delimitação negativa da incidência de IRS sobre os rendimentos de mais-valias, era a seguinte:
“Artigo 10.º - Mais-Valias (…)
5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:
Se, no prazo de 36 meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal; (…)
6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:
Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afecte à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado; (…)”
Do exposto, resulta que, para que a Requerente possa beneficiar da exclusão da tributação de mais-valias, deverá preencher os seguintes requisitos cumulativos:
Que o imóvel alienado (imóvel de partida), quer o imóvel adquirido (imóvel de chegada) se destinar a habitação própria e permanente “do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”;
Que o reinvestimento do valor de realização do imóvel de partida, para os fins indicados, ocorra dentro do prazo máximo de 36 meses, na aquisição de novo imóvel com o mesmo destino exclusivo, e,
Que o novo imóvel (imóvel de chegada) seja afeto a habitação própria do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nos doze meses posteriores ao termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado.
Dos autos resulta inexistir discordância quanto aos dois primeiros requisitos, já quanto ao terceiro questiona-se o significado da afetação da habitação adquirida, ou seja, saber se estamos perante “a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”, e a verificação, de tal exigência.
Recorrendo à Lei n.º 82-E/2014 de 31 de Janeiro, temos a questão do domicílio fiscal e da habitação própria e permanente, clarificada, com o aditamento ao artigo 13.º do CIRS, do qual se transcrevem de seguida o disposto nos números 10 a 13:
“10 - O domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário.
11 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se preenchido o requisito de prova aí previsto, designadamente quando o sujeito passivo
a) Faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel; ou
Faça prova de que não dispõe de habitação própria e permanente.
12 - A prova dos factos previstos no número anterior compete ao sujeito passivo, sendo admissíveis quaisquer meios de prova admitidos por lei.
13 - Compete à Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova mencionados no número anterior ou das informações neles constantes.”
Decorre do exposto, a presunção de que o domicílio fiscal do sujeito passivo é a sua habitação própria e permanente, contudo o sujeito passivo pode a todo o tempo, apresentar prova em contrário, e a AT pode demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova ou das informações nelas constantes.
Com efeito, com o aditamento ao art.º. 13º, a questão ficou resolvida de forma clara, permitindo ao sujeito passivo ilidir a presunção, através de qualquer meio de prova.
Retornando aos presentes autos temos que a Requerente produziu prova documental em como a sua habitação própria e permanente não corresponde ao seu domicílio fiscal, e que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel, preenchendo dessa forma o requisito de prova aí previsto no nº 10, 11, 12 e 13.
Ainda sobre a questão da afetação da habitação própria e permanente verus a alteração do domicílio fiscal, temos várias decisões, designadamente dos processos TCAS de 8/10/2015, proc. 6685/13, bem como decisões Arbitrais proferidas no CAAD entre outras, 721/2015-T; 92/2016-T; 21/2017-T.
Decorre sucintamente da jurisprudência anteriormente indicada, que a não comunicação dos sujeitos passivos da mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediram a exclusão para reinvestimento, por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio, a morada em certo lugar, a habitatio, pode demonstrar-se através “factos justificativos” de que o sujeito passivo fixou no prédio o centro da sua vida pessoal.
Entenda-se por “factos justificativos”, o recurso a prova que permita apurar e comprovar a habitação própria e permanente nesse prédio. Prova essa que a ora Requerente produziram através da prova documental e testemunhal.
Ainda, quanto a este tema e de relevo para a presente decisão, pronunciou-se o Acórdão do STA de 23 de Novembro de 2011 – proc. nº 0590/11, respeitante ao artigo 46.º do EBF, quanto a comunicação de domicílio fiscal do sujeito passivo, o qual subscrevemos.
Em conjugação com o anteriormente exposto, refira-se que a redação do artigo 10.º n.º 5 alíneas a) e b) do CIRS é suficientemente clara não deixando lugar a grandes dúvidas.
Se o legislador pretendesse que o requisito para atribuição do benefício em causa fosse o estabelecimento do domicílio fiscal no imóvel adquirido, tê-lo-ia escrito expressamente.
Parece-nos claro que a comunicação à AT da mudança do domicílio fiscal para a nova habitação não é condição sine qua non da exclusão da tributação das mais-valias. Tem sido esse o entendimento dos Tribunais Superiores, isto é, desde que “o sujeito passivo possa demonstrar a sua morada em certo lugar através de “factos justificativos”, pelo que não se vê como no caso em apreço em que o n.º 5 do art. 10.º do CIRS nem sequer remete para o conceito de domicílio fiscal se poderia entender que obsta à “habitação permanente” a não comunicação da alteração do domicílio fiscal.” – cfr. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10 de agosto de 2015, processo 06685/13, disponível em www.dgsi.pt.
Por outro lado, o n.º 6 do mesmo artigo, dispõe que “Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando: a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar até decorridos doze meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado;” ou seja, resulta uma vez mais a necessidade de “afetação à habitação”, e não a de “fixação do domicílio fiscal”.
Resulta, suficientemente claro que a intenção do legislador não foi a de equiparar os conceitos de “habitação própria e permanente e domicílio fiscal.”, no artigo 10.º n.º 5 do CIRS.
Sendo este um benefício centrado na afetação à sua habitação ou do seu agregado familiar, limitar essa afetação à alteração do domicílio fiscal, seria contraditório face à natureza do benéfico, e levaria a situações de abuso do referido benefício.
Com efeito, e desde logo conforme o disposto no artigo 19.º n.º 1º alínea a) da LGT, o domicílio fiscal é que deve corresponder ao local da residência habitual, e não o contrário, de que o local da residência habitual seria o domicílio fiscal.
Sucede que, o “domicílio fiscal” é um conceito de direito, que tem o seu substrato fático, na situação da realidade qualificável como “residência habitual”.
A residência habitual de um sujeito passivo é que determinará o seu domicílio fiscal, e não o contrário, no entanto o entendimento da AT, vai no sentido de que o “domicílio fiscal” determina a “residência habitual” de um sujeito passivo.
Contudo, e tal como supra explanado, a circunstância de determinado local constar como “domicílio fiscal” de um sujeito passivo, não obriga a que a sua “residência habitual” seja esse local.
Deste modo, a dissonância entre o que formalmente conste como “domicílio fiscal” de um sujeito passivo, e o que efetivamente é a sua “residência habitual”, deverá ser resolvida alterando-se o primeiro e fazendo-o coincidir com a segunda, e não o oposto, ou seja, considerar-se que esta corresponde àquele, e dessa forma aplicar-se na medida em que se verifiquem os respetivos pressupostos, as sanções que no caso caibam aos responsáveis.
No que respeita à discussão em causa nos autos, entende-se ser de notar ainda que a LGT, na matéria que se vem de abordar, refere-se a “residência habitual”, e não a “habitação própria e permanente”, pelo que nem sequer a nível terminológico se verifica uma coerência sistemática que pudesse fundamentar satisfatoriamente uma relação entre a matéria do domicílio fiscal, regulada na LGT, e a matéria da “habitação própria e permanente”, a que se refere o artigo 10.º/5 do CIRS. (Acórdão Arbitral 103/2013-T de 25 de Novembro de 2013.)
Em todo o caso, e mesmo que se concluísse que se deveria considerar como “habitação própria e permanente” do sujeito passivo o respetivo domicílio fiscal, sempre tal se haveria de entender como uma mera presunção, ou seja, como a estatuição de um facto desconhecido (o local da “habitação própria e permanente”) a partir de um facto conhecido (o local declarado como domicílio fiscal).
Ora, assim sendo, e não se vislumbrando fundamento para sustentar que a presunção em causa teria natureza de iure et de iuris, a qual aliás não se coadunaria com a possibilidade de a AT conhecer oficiosamente, nestas matérias de residência e domicílio, necessariamente se haveria de conceder que a mesma admitiria prova em contrário.
Como ficou consignado no Acórdão TCAS de 8/10/2015, proferido no processo 6685/13, “[o art. 10.º, n.º 5, do CIRS é] uma norma de exclusão de incidência de IRS relativa às mais-valias realizadas em bens imóveis, verificadas determinadas condições previstas na lei. Como refere Paula Rosado Pereira, «Face aos contornos do regime em apreço, poder-se-á dizer que, na realidade, se está perante uma suspensão de tributação aplicável mediante simples manifestação, na declaração de rendimentos referente ao ano de realização, da intenção de proceder ao reinvestimento (…)» [Paula Rosado Pereira, Estudos sobre IRS: Rendimentos de Capitais e Mais-Valias, Cadernos IDEFF, n.º 2, Almedina, Coimbra, 2005, p. 101]. «A exclusão tem como objectivo favorecer a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente.» (cfr. José Guilherme Xavier de Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 413). «O objectivo da lei é claro: eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias.» (cfr. Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Almedina, Coimbra, 2006, p. 114). «Trata-se, naturalmente, de não onerar fiscalmente a efectivação do direito fundamental à habitação» (cfr. André Salgado de Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), Anotado, ISG, Coimbra, 1999, p. 168). Ora, importa sublinhar, desde logo, que da análise do n.º 5 do art. 10.º do CIRS resulta que o legislador não remete para o conceito jurídico-fiscal de «domicílio fiscal», como sucede, por exemplo, para efeitos da concessão da isenção de IMI relativamente a imóveis destinados à habitação própria permanente prevista no n.º 1 do art. 46.º do EBF considera-se ter havido afectação do prédio à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respectivo domicilio fiscal (cfr. n.º 9 daquele preceito legal). Mas mesmo nesse caso em que se remete para o conceito de domicílio fiscal, mesmo assim, «(...) II. O facto dos sujeitos passivos não terem comunicado a mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediram a isenção de IMI, por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio. III - A morada em certo lugar, a habitatio, pode demonstrar-se através ‘factos justificativos’ de que o beneficiado fixou no prédio o centro da sua vida pessoal.» Ac. do STA de 23/11/2011, proc. n.º 0590/11. Ou seja, mesmo nesses casos em que o sujeito passivo não cumpriu com a sua obrigação de comunicação da mudança de domicílio fiscal o STA admite que o sujeito passivo possa demonstrar a sua morada em certo lugar através de «factos justificativos», pelo que não se vê como no caso em apreço em que o n.º 5 do art. 10.º do CIRS nem sequer remete para o conceito de domicílio fiscal se poderia entender que obsta à «habitação permanente» a não comunicação da alteração do domicílio fiscal. [...] o conceito de domicílio fiscal vem definido na alínea a) do n.º 1 do art. 19.º da LGT, e deste modo, salvo disposição em contrário, o domicílio fiscal do sujeito passivo, no caso das pessoas singulares, é o local da residência habitual. Por outras palavras, o domicílio fiscal das pessoas singulares é o local onde residem habitualmente. Para além da definição de domicílio fiscal que consta do n.º 1 daquele preceito legal o legislador entendeu estabelecer uma obrigação comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária no n.º 2 [corresponde actualmente ao n.º 3], regulando as consequências jurídico-fiscais do incumprimento dessa obrigação: é ineficaz a mudança enquanto não for comunicada à administração tributária (cfr. n.º 3 a que corresponde o actual n.º 4). Importa, então, distinguir por um lado, o conceito de domicílio fiscal (que depende única e exclusivamente do local da residência habitual), e por outro lado, a obrigação de comunicação da mudança de domicílio (cujo incumprimento acarreta a ineficácia da mudança). A mudança da residência habitual do sujeito passivo (domicílio fiscal) deve ser obrigatoriamente comunicada à AT, mas se não o for, tal incumprimento tem consequências jurídicas apenas a nível da eficácia da mudança do domicílio, ou seja, dos seus efeitos jurídicos. Aqui chegados importa então concluir que, se é legítimo à AT no procedimento tributário opor-se ao reconhecimento de determinado direito do contribuinte derivado de lei substantiva quando este se limita a invocar o seu domicílio fiscal, mas não tenha comunicado a sua alteração, já não é legítimo o não-reconhecimento desse direito quando para além da invocação do domicílio fiscal o sujeito passivo prove que à data dos factos constitutivos do seu direito substantivo tinha residência habitual no local em questão. Ora, como vimos, o n.º 5 do art. 10.º do CIRS nem sequer remete para o conceito de domicílio fiscal, pelo que nunca se poderia entender que obsta à «habitação permanente» a não comunicação da alteração do domicílio fiscal, e de qualquer modo, seguindo a jurisprudência supra citada, sempre seria de entender que o Impugnante poderia fazer prova da sua residência habitual em certo lugar, pelo que importava, no caso dos autos, aferir se o Impugnante fez ou não essa prova. E neste particular a sentença recorrida, após a valoração da prova [...] produzida nos autos, entendeu e bem, que a Impugnante que reunia os requisitos necessários e exigidos pelo artigo 10.º do CIRS para a exclusão da tributação como mais-valias da parte dos ganhos provenientes da transmissão onerosa do imóvel” (Ac. do TCAS de 8/10/2015, proc. 6685/13).”
Com efeito, o elemento de relevo para o direito ao benefício, quer seja para efeitos de atribuição ou inclusive para o afastamento da presunção do benéfico, é a “habitação própria e permanente” e não o domicílio fiscal, em consonância com o princípio da verdade material.
A Requerente, demonstrou inequivocamente, recorrendo à prova documental e testemunhal, que a partir do final do ano de 2016, fixou sua habitação própria e permanente no imóvel adquirido, pelo que a presunção em causa estaria infirmada.
Ponderando a posição assumida nos presentes autos, quanto a uma eventual violação da exigência de segurança ou certeza jurídica, temos o Acórdão Arbitral proferido no processo nº 103/2013-T de 25 de Novembro de 2013, “ Com efeito, não se demonstra ou indicia sequer, que a Administração Fiscal condicione, por qualquer forma, a sua actuação em matéria conexionada com a questão em causa (tributação de mais-valias resultante da alienação de imóveis destinados à habitação própria permanente), com base em expectativas atendíveis fundadas no domicílio fiscal do contribuinte. Muito pelo contrário, e como se demonstra nos autos, na medida em que prontamente a Administração Fiscal deu conta da disparidade de situações, aquela dispõe de todos os meios necessários a detectar qualquer incongruência que na matéria se verifique de modo a, em conformidade com o que seja a realidade, atuar no sentido de repor a legalidade fiscal, que, no caso, passaria pela revogação dos benefícios fiscais indevidamente auferidos pelo Requerente, e pela aplicação das sanções legalmente previstas pelas normas relativas às infracções fiscais.
Esse será, precisamente, o procedimento adequado à cabal realização da teleologia própria das normas relevantes in casu.
De facto, se se excluem de tributação os ganhos obtidos na alienação de habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar é porque se reconhece que o valor em causa, o da mobilidade habitacional dos agregados familiares, é um valor extrafiscal superior aos interesses creditícios do titular do imposto, assente na ideia de que o imposto sobre o rendimento não deve constituir-se em entrave agravado àquela mobilidade (agravado porque concorreria com os demais impostos que já incidem sobre a transmissão onerosa de imóveis).
Ora, se a exclusão de tributação assenta nesse reconhecimento da superioridade do valor extrafiscal sobre o fiscal, mais absurdo se torna que pudesse afastar-se esse regime por uma presunção tida por inilidível (se é que o Direito, e em especial o Direito Fiscal admite essa categoria…), o que equivaleria a tributar-se com o escopo, já não de repor a correspondência entre verdade material e formalidade declarativa, mas de punir a violação de um mero dever acessório, especificamente a não-comunicação atempada do domicílio fiscal.
Mas a tributação das mais-valias derivadas da alienação de habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar deverá assentar na não-verificação efectiva dos pressupostos da exclusão da tributação, e não deverá no não-preenchimento de meros deveres declarativos, e menos ainda quando se trate de declarar situações que, como se viu, nem sequer integram o fattispecie normativo.
Entender de outro modo não seria somente confundir o cumprimento de deveres principais (os do preenchimento do tipo legal) com o cumprimento de deveres acessórios (facilitadores da administração da relação tributária): seria, muito mais gravemente, muito mais perigosamente, converter um imposto numa sanção, confundindo a função tributária com a função sancionatória – duas funções que, por terem normalmente o mesmo sujeito activo, devem ser estritamente, constantemente, separadas no contexto do Estado de Direito.”
Em consequência do anteriormente exposto, sempre seria de entender que o facto de a Requerente não ter comunicado a mudança de domicílio fiscal para o imóvel onde fixou a sua residência habitual e permanente, por si só, não indicia que não tem habitação própria e permanente nesse imóvel. A Requerente pode fazer prova da sua residência habitual, pelo que nos presentes autos, importa aferir se a Requerente fez ou não essa prova. Certo é que a Requerente produziu prova cumprindo o disposto no artigo 13.º n. 10 a 13, e o Tribunal após valorar a prova produzida, entendeu que ficou demonstrado pela Requerente a fixação de habitação própria e permanente no imóvel adquirido. Por conseguinte, podemos concluir que a Requerente cumpriu com os requisitos previstos no artigo 10.º n.º 5, e em concreto para o que aqui interessa cumpriu com a condição prevista na sua alínea b) do CIRS.
Por conseguinte, procede o pedido efetuado pela Requerente.
Assim sendo é de considerar ilegal por violação de lei, o ora ato tributário de liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
J - QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO
Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT). As questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
Em face da solução dada à questão relativa aos pressupostos da tributação do rendimento, no regime aplicável, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões incluídas no pedido de pronúncia arbitral.
I - DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
Peticiona, ainda, a Requerente o pagamento de juros indemnizatórios.
Perante o exposto, a liquidação do IRS na parte abrangida pela anulação, que se decretará, resulta de erros de facto e de direito imputáveis exclusivamente à administração fiscal.
Na verdade, ficou demonstrado que a Requerente pagou o imposto impugnado na parte superior ao que é devido, por força do disposto nos art.ºs 61.º do CPPT e 43.º da LGT, tem a Requerente direito a ser paga dos juros indemnizatórios devidos, juros esses que deverão ser contados desde a data do pagamento do imposto indevido (anulado) até à data da emissão da respetiva nota de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento desde o início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (art.º 61.º, n.ºs 2.ºa 5, do CPPTRIB), tudo à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.ºdo artigo 43.º da LGT.
Por conseguinte dá-se provimento ao pedido da Requerente.
L - DECISÃO
Destarte, atento a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:
Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2018..., do ano de 2017, no montante de € 23.263,03 (vinte e três mil duzentos e sessenta e três euros e três cêntimos), por vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, com a consequente declaração de ilegalidade e anulação.
Condenar a Requerida a restituir à Requerente essa quantia indevidamente liquidada e paga no montante de € 23.263,03 (vinte e três mil duzentos e sessenta e três euros e três cêntimos), acrescida do pagamento de juros indemnizatórios já vencidos relativo ao período a contar desde o pagamento do imposto nos termos dos n.ºs 2.º a 5.º do art.º 61.º do CPPT à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do art.º 43.º da LGT até integral e efetivo reembolso.
Fixa-se o valor do processo em € 23.263,03 (vinte e três mil duzentos e sessenta e três euros e três cêntimos), correspondente ao valor da liquidação atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor das liquidações de imposto impugnadas, e em conformidade fixam-se as custas, no respetivo montante em 1.224.00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), a cargo da Requerida de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.ºdo RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, arts 5.º, n.º, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).
Notifique-se.
Rita Guerra Alves
Árbitra