Sumário:
1. O artigo 48.º do EBF (na redacção dada pelo artigo 119.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro) não continha qualquer referência expressa ao horizonte temporal da aplicação do benefício.
2. Tendo tido o legislador a opção de incluir na norma em causa a definição de um período temporal mínimo ou máximo de aplicação (para, desse modo, lhe dar, expressamente, natureza temporária), mas tendo escolhido não o fazer, terá de se considerar o benefício em causa como sendo estrutural – pelo que não beneficia de qualquer prazo predeterminado de duração/aplicação, tendo, em face do exposto, duração indeterminada, sem prejuízo do prazo de caducidade a que está sujeito à luz do disposto no artigo 3.º do EBF.
3. Estando-se diante de um benefício fiscal permanente, não se mostra aplicável o disposto no artigo 11.º, n.º 1, do EBF – pelo que as alterações subsequentes do referido artigo 48.º do EBF não deixam de ser aplicáveis aos contribuintes que já aproveitavam do direito ao benefício fiscal (especificamente, as alterações que foram introduzidas no n.º 1 do artigo 48.º do EBF pelo artigo 144.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, em vigor a partir de 1/1/2012).
4. Verificando-se que, nos anos de 2012 e 2013, em causa nestes autos, a Requerente tinha fixado o domicílio fiscal em prédio distinto da habitação isenta – que, nos termos do disposto no artigo 19.º, n.º 1, alínea a), da LGT, faz presumir o local da sua residência habitual –, conclui-se que se está diante de uma causa e fundamento do impedimento à renovação anual do benefício em causa, ou seja, de uma causa que justifica a reposição automática da tributação-regra (vd. artigo 14.º, n.os 1 e 2, segunda parte, do EBF).
5. Sendo este um benefício dependente de reconhecimento (vd. art. 5.º do EBF), tal causa determina a cessação ope legis dos efeitos do acto de reconhecimento – pelo que não é exigível a prática de acto administrativo de revogação da isenção.
6. Não existindo incerteza, dúvida ou questões controvertidas sobre os termos da extinção do benefício fiscal (dado que as partes concordam quanto à razão pela qual a isenção era indevida a partir do ano de 2012) – não é exigível a instauração de procedimento administrativo próprio para declarar a caducidade do benefício, nem, consequentemente, se impunha o exercício do direito de audição.
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. A..., PORTADORA DO NÚMERO DE CONTRIBUINTE ..., residente na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa (doravante, “REQUERENTE”), veio, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1, requerer, em 31/3/2020, a constituição de Tribunal Arbitral e submeter pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade dos actos de liquidação do IMI (liquidação n.º 2012..., no valor de € 136,12, e liquidação n.º 2013..., no valor de € 136,12), por entender que “ainda não foi notificada de qualquer despacho de revogação da isenção que lhe foi reconhecida por despacho de 21/06/2011, como o mesmo tinha que ser precedido do direito de audição prévia como o determina a alínea c) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, em obediência ao princípio da participação, que também não foi cumprido.” Alega, ainda, que “o próprio ato de notificação das liquidações – obrigatório pelo artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa – também está ferido de nulidade.” Pretende a ora Requerente, em face do supra exposto, que “seja declarada a ilegalidade do ato tributário das liquidações de IMI sub judice [...] procedendo-se, consequentemente, à anulação das mesmas, por padecerem de erro nos pressupostos de fato e de direito”, que “seja a Autoridade Aduaneira condenada a reembolsar a Impugnante do IMI pago relativamente às liquidações aqui contestadas, no valor total de 272,24 euros”, e que “seja a Autoridade Tributária e Aduaneira condenada ao pagamento de juros indemnizatórios”.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
2.1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o presente signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
2.2. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
2.3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 5/8/2020.
3. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente, alega, em síntese, o seguinte:
a) «A isenção em causa manteve-se na ordem jurídica nos anos de 2012, 2013 e 2014, sem que a contribuinte tivesse tido qualquer conhecimento oficial de que a partir do ano de 2012 era indevida.
b) [N]ão havia justificação para ter recebido passados quase quatro anos as liquidações em referência, sabendo-se que a declaração da cessação da isenção não era obrigação da beneficiária, porque a verificação da respetiva condição resolutiva é de conhecimento oficioso da Administração Fiscal, conforme determinado na última parte do artigo 9.º do EBF, e alínea g) do n.º 1 do artigo 13.º do CIMI.
c) Tacitamente a própria Administração Fiscal reconhece-o ao não liquidar os juros compensatórios previstos no artigo 117.º do CIMI, que seriam devidos se o atraso na liquidação do IMI fosse reconhecida pela AT como da responsabilidade da contribuinte. O que significa que não se aplica ao caso concreto e automaticamente o n.º 5 do artigo 113.º do CIMI.
d) Assim, não existindo qualquer inobservância declarativa por parte da Impugnante, como já se viu, e não tendo a Administração Fiscal fiscalizado em devido tempo, como lhe competia, o benefício fiscal, que tinha caráter permanente, passou a estar indevidamente concedido a partir do ano de 2012, inclusive, pelo que o mesmo estava sujeito a revogação, nos termos da última parte do n.º 4 do artigo 14.º do EBF, e o prazo máximo para a revogação de um ato administrativo que concede um benefício fiscal é de um ano a contar da data em que deixou de ser devido, resultante da conjugação do disposto no artigo 141.º, n.º 1 do antigo CPA, com o n.º 2 do artigo 58.º do CPTA.
e) Não só a Impugnante ainda não foi notificada de qualquer despacho de revogação da isenção que lhe foi reconhecida por despacho de 21/06/2011, como o mesmo tinha que ser precedido do direito de audição prévia como o determina a alínea c) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, em obediência ao princípio da participação, que também não foi cumprido.
f) Por inexistência do ato administrativo da revogação da isenção reconhecida por ato administrativo sequente ao pedido da contribuinte, o benefício fiscal deverá manter-se na ordem jurídica e qualquer revogação posterior não produz efeitos ex tunc, mas sim efeitos ex nunc, o que quer dizer que só terá efeitos para o futuro.
g) O próprio ato de notificação das liquidações – obrigatório pelo artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa – também está ferido de nulidade.
h) Para efeitos do n.º 1 do artigo 36.º do CPPT, o n.º 1 do artigo 38.º do mesmo Diploma exige que as notificações que tenham por objeto matéria que afetem os direitos e interesses legítimos dos destinatários são efetuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de receção, inclusive aquelas que digam respeito a liquidações de impostos periódicos efetuadas fora dos prazos legais, o que é o caso.
i) Também se verifica não ter sido cumprido o determinado no n.º 2 do artigo 36.º do CPPT, que aborda a questão das notificações terem sempre que conter a indicação da entidade que praticou o ato, reforçando o n.º 7 do artigo 38.º do referido Diploma que o funcionário que emitir qualquer aviso ou notificação indicará o seu nome, o que também não aconteceu.
j) Nulidade que inquina as liquidações aqui em apreciação, a par da preterição da falta de notificação por preterição da formalidade essencial exigida pelo n.º 1 do artigo 38.º do CPPT.
k) O ato de liquidação também se encontra ferido de nulidade por violação do princípio da participação do direito de audição antes da liquidação e da revogação do benefício fiscal, nos termos das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT. O mesmo acontece quanto ao indeferimento dos Recursos Hierárquicos, que não respeitou o princípio da participação da Recorrente, como é exigido na alínea b) do artigo 60.º da LGT.»
3.1. A Requerente termina pedindo que “o presente pedido de pronúncia arbitral seja considerado inteiramente procedente e, em consequência”: “a) seja declarada a ilegalidade do ato tributário das liquidações de IMI sub judice [...] procedendo-se, consequentemente, à anulação das mesmas, por padecerem de erro nos pressupostos de fato e de direito”; “b) seja a Autoridade Aduaneira condenada a reembolsar a Impugnante do IMI pago relativamente às liquidações aqui contestadas, no valor total de 272,24 euros”; “c) seja a Autoridade Tributária e Aduaneira condenada ao pagamento de juros indemnizatórios”.
4. A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “REQUERIDA” ou “AT”) apresentou resposta, invocando, em síntese, o seguinte:
a) «As questões que a Requerente suscita, prendem-se com a ilegalidade das liquidações do IMI dos anos de 2012 e 2013, por entender que a autoridade tributária omitiu diversas formalidades tidas por essenciais, prévias à liquidação do imposto, designadamente, as que subjazem à cessação da isenção de que beneficiava, inquinando a validade dos atos controvertidos e prende-se com a revogação da isenção concedida ao prédio supra identificado ao abrigo do art. 48.º do EBF.
b) [A]s questões ora suscitadas em sede de pronúncia arbitral são, no seu essencial, as mesmas que já foram invocadas em sede de Processos de Reclamação Graciosa e de Processos de Recurso Hierárquico, que damos aqui por integralmente produzidas.
c) Numa breve resenha deste benefício com acolhimento no já revogado art. 48.º do EBF, destinado a isentar do IMI os prédios de reduzido valor patrimonial de sujeitos passivos de baixo rendimentos, exigia-se, na redação vigente até 31.12.2011, que “[...] os prédios rústicos e urbanos pertencentes a sujeitos passivos cujo rendimento bruto total do agregado familiar, englobado para efeitos de IRS, não seja superior ao dobro do valor do IAS, e cujo valor patrimonial tributário global não exceda 10 vezes o valor anual do IAS”.
d) Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro – Lei do Orçamento de Estado para 2012 (LOE 2012), o benefício constante do art. 48.º do EBF deixou de abranger a totalidade dos prédios titulados pelos sujeitos passivos requerentes, para passar a isentar do IMI apenas os “prédios rústicos e urbanos destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”, desde que efetivamente afetos a tal fim, avultando ainda uma alteração quantitativa dos limites que até aí vigoravam, quer quanto ao rendimento bruto anual do agregado familiar, englobado para efeitos de IRS, cujo limite se passou a fixar em € 14.630,00 (equivalente a 2,2 vezes o valor anual do Indexante dos Apoios Sociais – IAS), quer quanto ao valor patrimonial tributário da totalidade dos prédios rústicos e urbanos pertencentes ao sujeito passivo, que não pode exceder 10 vezes o valor anual do IAS (€ 66.500,00).
e) Ao contrário do invocado pela Requerente, que defende que o benefício é permanente (articulados 2.º, 13.º e 24.º do PPA), diga-se que estamos em face de um benefício temporário e dependente de reconhecimento, subordinando-se a sua concessão e manutenção/renovação à verificação cumulativa dos pressupostos cuja lei faz anualmente depender (art. 5.º, n.º 1, in fine, do EBF).
f) No concreto caso dos autos e tendo em conta que as condições de reconhecimento e renovação do benefício se alteraram com a LOE 2012, a verificação nos anos em causa de que a Requerente tinha fixado o domicílio fiscal em prédio distinto da habitação isenta, que nos termos do art. 19.º, n.º 1, alínea a) da LGT, faz presumir o local da sua residência habitual, é causa e fundamento do impedimento à renovação anual do benefício, ou se quisermos, da reposição automática da tributação regra (art. 14.º, n.ºs 1 e 2, do EBF).
g) No que concerne à extinção dos benefícios fiscais, estes caducam, quando temporários, pelo decurso do prazo por que foram concedidos e, quando condicionados, pela verificação dos pressupostos da respetiva condição resolutiva ou pela inobservância das obrigações impostas, imputável ao beneficiário, implicando assim, a reposição automática da tributação-regra, conforme o disposto nos nºs 1 e 2 do art. 14.º do E.B.F.
h) A caducidade do benefício consagrada no citado preceito legal opera por força da lei, não carecendo de decisão administrativa ou judicial, extinguindo-se automaticamente o benefício. Em suma, a inobservância dos pressupostos, faz com que o benefício cesse automaticamente, sem necessidade da administração se pronunciar, contrariamente ao defendido pela recorrente, pelo que ao inexistir qualquer ato administrativo/decisão praticado pela administração, inexiste, consequentemente, a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhe digam respeito através do mecanismo do direito de audição, vertido no princípio da participação (art. 60.º da LGT).
i) Por não envolver a alteração da situação tributária do sujeito passivo, porquanto as liquidações são efetuadas, por regra oficiosamente, com base nos valores patrimoniais tributários em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que respeita, conforme o estipulado no n.º 1 do art. 113.º do CIMI, as notificações, são efetuadas por simples via postal. Tratando-se de liquidações efetuadas fora do prazo normal, a notificação é efetuada por carta registada, conforme resulta do n.º 3 do art. 38.º do CPPT.
j) [A] liquidação efetuada não padece de qualquer ilegalidade, porquanto sendo os pressupostos da isenção, consagrados no art. 48.º do EBF, de conhecimento oficioso quando os mesmos deixem de se verificar, a administração tributária procede à liquidação nos termos e prazos previstos nos art. 45.º e 46.º da LGT, conforme o estatuído no art. 116.º do CIMI.
k) [C]omo se pode constatar através do PA, a nota de liquidação referente ao ano de 2012 foi emitida em 17/12/2016 e remetida à Requerente através de registo n.º RY...PT e a liquidação de 2013 foi emitida igualmente em 17/12/2016 e remetida à Requerente através do registo n.º RY...PT e rececionadas pela ora Requerente em 22 de Dezembro de 2016.
l) As liquidações e a sua notificação à impugnante concretizaram-se dentro dos limites temporais que o art. 116.º, n.º 1, do CIMI e o art. 45.º, n.ºs 1 e 4, da LGT determinam, e por isso, ocorrendo dentro dos 4 anos seguintes ao da verificação do facto tributário/gerador do imposto, devem os atos impugnados considerar-se válidos, eficazes e o imposto devido e exigível.
m) De salientar que o artigo 36.º/2 do CPPT determina: “As notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado, bem como a indicação da entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências.” Na notificação aqui impugnada está tomada a decisão materializada na liquidação, estando elencados os respetivos fundamentos: por não se aplicar o artigo 48.º do EBF – “Foram verificadas as condições de aplicação do artigo 48.º do E.B.F.”, os meios de defesa – “Poderá reclamar ou impugnar a liquidação nos termos e prazos estabelecidos nos artºs. 70.º e 102.º do CPPT”, sendo a Entidade que praticou o acto a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira. A este propósito refira-se o seguinte: o art. 113.º do CIMI confere competência para a liquidação à Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que o autor legal do acto de liquidação só pode ser esta Autoridade Tributária. Sendo que na notificação da liquidação está inscrito Autoridade Tributária e Aduaneira, isso significa que o autor do acto é a Autoridade Tributária e Aduaneira.
n) Assim, a notificação nada tem de irregular quanto a esta matéria, cumprindo-se o que dispõe o art. 113.º do CIMI e, concomitantemente, o n.º 12 do art. 39.º do CPPT.
o) No caso concreto e porque estamos perante duas notas de liquidação de IMI, [as mesmas] apresentam, de forma sucinta, os valores que serviram de base ao cálculo de imposto, as normas jurídicas aplicáveis, assim como os meios de defesa e a indicação da entidade que praticou o acto. Deste modo, a ora Requerente tinha à sua disposição os elementos mínimos que lhe permitiam impugnar o acto, pelo que se considera a legalidade da mesma. A bem dizer, se a notificação não contivesse os elementos exigidos por lei, a ora Requerente não tinha o conhecimento suficiente para reclamar e posteriormente para recorrer hierarquicamente, como efetivamente sucedeu.
p) [N]os termos da al. b) do n.º 1 do artigo 60.º [da LGT], a regra é que o sujeito passivo deve ter o direito de participação na tomada de decisão, no caso, do Recurso Hierárquico. E efetivamente não lhe foi dado tal direito. Qual a razão? Se atentarmos nas informações prestadas em sede dos recursos hierárquicos, vêm referir: “Propõe-se a dispensa do exercício do direito de audição previsto no artigo 60.º da LGT, em virtude de se manter a fundamentação do ato recorrido e a valoração da prova constante dos autos.” Este é um dos motivos que exceciona a regra e que constam do n.º 3 do referido artigo [60.º], pois a contribuinte já tinha exercido o direito de audição no âmbito das reclamações graciosas apresentadas, sendo que quer em sede de reclamações e de recursos hierárquicos, os argumentos invocados são essencialmente os mesmos, não invocando nada de novo, que a contribuinte não se tivesse já pronunciado.
q) Também o pedido de condenação em juros indemnizatórios terá que improceder por não se verificarem os pressupostos constantes do n.º 1 do artigo 43.º da LGT.»
4.1. A AT conclui pedindo que seja “julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.”
5. Não tendo sido invocadas excepções e não havendo matéria de facto controvertida, por as questões a decidir serem de direito, o Tribunal Arbitral, através de despacho datado de 31 de Dezembro de 2020, prescindiu da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Foi, também, fixado o dia 14 de Janeiro de 2021 para a prolação da decisão arbitral.
II. Saneamento
6. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.
7. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
8. Pelo supra exposto, e não se verificando nulidades, impõe-se o conhecimento, em seguida, do mérito do pedido.
III. Questão a decidir
9. Na petição arbitral, a Requerente alega que “ainda não foi notificada de qualquer despacho de revogação da isenção que lhe foi reconhecida por despacho de 21/06/2011, como o mesmo tinha que ser precedido do direito de audição prévia como o determina a alínea c) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, em obediência ao princípio da participação, que também não foi cumprido.” Alega, ainda, que “o próprio ato de notificação das liquidações – obrigatório pelo artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa – também está ferido de nulidade.” Pretende a ora Requerente, em face do supra exposto, que “seja declarada a ilegalidade do ato tributário das liquidações de IMI sub judice [...] procedendo-se, consequentemente, à anulação das mesmas, por padecerem de erro nos pressupostos de fato e de direito”, que “seja a Autoridade Aduaneira condenada a reembolsar a Impugnante do IMI pago relativamente às liquidações aqui contestadas, no valor total de 272,24 euros”, e que “seja a Autoridade Tributária e Aduaneira condenada ao pagamento de juros indemnizatórios”.
10. Por seu lado, a Requerida considera que a “liquidação efetuada não padece de qualquer ilegalidade, porquanto sendo os pressupostos da isenção, consagrados no art. 48.º do EBF, de conhecimento oficioso quando os mesmos deixem de se verificar, a administração tributária procede à liquidação nos termos e prazos previstos nos art. 45.º e 46.º da LGT, conforme o estatuído no art. 116.º do CIMI.” Alega, ainda, que as “liquidações e a sua notificação à impugnante concretizaram-se dentro dos limites temporais que o art. 116.º, n.º 1, do CIMI e o art. 45.º, n.ºs 1 e 4, da LGT”, que “a notificação nada tem de irregular [...] [tendo-se] cumpri[do] o que dispõe o art. 113.º do CIMI e, concomitantemente, o n.º 12 do art. 39.º do CPPT”, e que também “o pedido de condenação em juros indemnizatórios terá que improceder por não se verificarem os pressupostos constantes do n.º 1 do artigo 43.º da LGT.”
11. Pelo exposto, conclui-se que a questão essencial a decidir nos presentes autos diz respeito à avaliação da natureza da isenção em causa, do cumprimento dos respectivos pressupostos e da conformidade da notificação das liquidações impugnadas.
IV. Mérito
IV.1. Matéria de facto
12. Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
A. Através de escritura pública outorgada em 5/6/2002, a ora Requerente adquiriu, em regime de compropriedade na proporção de 1/5, a fração “KD” do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o Art. ..., da freguesia de ..., do concelho de Lisboa.
B. Tratando-se de sujeito passivo de baixos rendimentos, a ora Requerente solicitou, em 17/6/2011, a isenção do IMI a que se refere o art. 48.º do EBF (prédios de reduzido valor patrimonial de sujeitos passivos de baixos rendimentos), tendo o pedido sido tramitado informaticamente pelo SF Lisboa ... sob o processo de isenção n.º ... (vd. Doc. 1 apenso aos presentes autos). A isenção foi deferida por despacho datado de 18/6/2011, reconhecendo-se o direito ao benefício a partir do ano de 2011.
C. Em 7/11/2011, a comproprietária ora Requerente submeteu a declaração Mod. 1/IMI com fundamento em “1.ª transmissão na vigência do CIMI”, dando origem à consequente avaliação cujo valor definitivo se consolidou na matriz em 27/2/2012.
D. Estando em causa um imposto periódico, cujos factos tributários se renovam, anualmente, em 31 de dezembro (n.º 1 do art. 113.º do CIMI), também os pressupostos da isenção devem ser aferidos no mesmo espaço temporal.
E. Renovando-se, anualmente, a isenção a que se refere o artigo 48.º do EBF, enquanto se mantiverem verificados os respectivos pressupostos, no caso em análise, por não se verificarem os pressupostos - designadamente por a fracção não se destinar à habitação própria e permanente da Requerente, face à redacção que a LOE para o ano de 2012 introduziu ao art. 48.º do EBF -, as liquidações desses anos foram revistas e corrigidas pelas liquidações de IMI n.º 2012..., de 17/12/2016 (ano de 2012), e n.º 2013..., de 17/12/2016 (ano de 2013), tendo-se apurado e cobrado uma colecta de € 136,12 referente ao ano de 2012, e uma colecta de € 136,12 relativa ao ano de 2013. Ambas foram voluntariamente pagas pela ora Requerente (respetivamente, a 5/1/2017 e a 4/7/2017).
F. A nota de liquidação referente ao ano de 2012 foi remetida à Requerente através de registo n.º RY...PT e a liquidação de 2013 foi remetida à Requerente através do registo n.º RY...PT. Ambas foram recepcionadas pela ora Requerente em 22/12/2016 (vd. PAT apenso aos presentes autos).
G. Foi proferido projecto de cancelamento da isenção anteriormente concedida, em virtude de não se verificarem os pressupostos de atribuição e manutenção da isenção de IMI nos termos do artigo 48.º do EBF para os anos de 2012 e 2013 – dado verificar-se que a morada da ora Requerente não era coincidente com a localização do prédio (vd. Doc. 4 apenso aos presentes autos). Por conseguinte, a 17/12/2016 foi efectuada, como acima referido, liquidação corretiva de IMI dos anos de 2012 e 2013.
H. Não se conformando com a sujeição ao IMI, a ora Requerente reclamou graciosamente de tais actos tributários; e do seu indeferimento (vd. Doc. 3 apenso aos autos) recorreu hierarquicamente, sem aduzir novos fundamentos ou nova matéria de facto.
I. A Requerente foi notificada, através dos ofícios n.º ... e ..., de 20/12/2017, do SF de Lisboa ..., para efeitos de audição prévia, tendo exercido tal direito. A 21/2/2018, através dos ofícios n.º ... e ..., do SF Lisboa ..., a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento, através de carta registada com aviso de recepção, tendo o mesmo sido recepcionado a 28/2/2018.
J. Inconformada, a ora Requerente interpôs dois recursos hierárquicos a 9/3/2018 (RH n.º ...2018... e RH n.º ...2017...), para os anos de 2012 e 2013.
L. Tendo sido notificada das decisões de indeferimento dos dois recursos hierárquicos, por despacho de 30/12/2019, através de ofícios de 2/1/2020 (vd. Doc. 4 apenso), e não se conformando com as mesmas, a ora Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 31/3/2020.
IV.2. Factos não provados
13. Inexistem factos não provados com relevo para a apreciação do mérito da causa.
IV.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
14. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
15. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
16. A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes.
IV.4. Matéria de direito
17. Como se disse acima, a questão essencial a decidir nos presentes autos diz respeito à avaliação da natureza da isenção em causa, do cumprimento dos respectivos pressupostos e da conformidade da notificação das liquidações impugnadas.
18. Com efeito, a ora Requerente interpôs o presente pedido arbitral por entender “ainda não foi notificada de qualquer despacho de revogação da isenção que lhe foi reconhecida por despacho de 21/06/2011, como o mesmo tinha que ser precedido do direito de audição prévia como o determina a alínea c) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, em obediência ao princípio da participação, que também não foi cumprido.” Alega, ainda, que “o próprio ato de notificação das liquidações – obrigatório pelo artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa – também está ferido de nulidade.”
19. Pretende, assim, em face do exposto, que “seja declarada a ilegalidade do ato tributário das liquidações de IMI sub judice [...] procedendo-se, consequentemente, à anulação das mesmas, por padecerem de erro nos pressupostos de fato e de direito”, que “seja a Autoridade Aduaneira condenada a reembolsar a Impugnante do IMI pago relativamente às liquidações aqui contestadas, no valor total de 272,24 euros”, e que “seja a Autoridade Tributária e Aduaneira condenada ao pagamento de juros indemnizatórios”.
20. Por seu lado, a Requerida defendeu, nesta sede, que a “liquidação efetuada não padece de qualquer ilegalidade, porquanto sendo os pressupostos da isenção, consagrados no art. 48.º do EBF, de conhecimento oficioso quando os mesmos deixem de se verificar, a administração tributária procede à liquidação nos termos e prazos previstos nos art. 45.º e 46.º da LGT, conforme o estatuído no art. 116.º do CIMI.” Alegou, ainda, que as “liquidações e a sua notificação à impugnante concretizaram-se dentro dos limites temporais que o art. 116.º, n.º 1, do CIMI e o art. 45.º, n.ºs 1 e 4, da LGT”, que “a notificação nada tem de irregular [...] [tendo-se] cumpri[do] o que dispõe o art. 113.º do CIMI e concomitantemente, o n.º 12 do art. 39.º do CPPT”, e que também “o pedido de condenação em juros indemnizatórios terá que improceder por não se verificarem os pressupostos constantes do n.º 1 do artigo 43.º da LGT.”
21. Vejamos, então.
22. No que se refere à natureza da isenção em causa, é necessário ter presente, antes do mais, que, como se referiu no ponto B. da factualidade provada, a ora Requerente solicitou, em 17/6/2011, a isenção do IMI a que se refere o artigo 48.º do EBF (prédios de reduzido valor patrimonial de sujeitos passivos de baixos rendimentos), tendo o pedido sido tramitado informaticamente pelo SF Lisboa ... sob o processo de isenção n.º ... (vd. Doc. 1 apenso aos presentes autos). A isenção foi deferida por despacho datado de 18/6/2011, reconhecendo-se o direito ao benefício a partir do ano de 2011.
23. À data do referido deferimento, o n.º 1 do art. 48.º do EBF tinha a seguinte redacção (dada pelo art. 119.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, em vigor a partir de 1/1/2011): “Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios rústicos e urbanos pertencentes a sujeitos passivos cujo rendimento bruto total do agregado familiar, englobado para efeitos de IRS, não seja superior ao dobro do valor do IAS, e cujo valor patrimonial tributário global não exceda 10 vezes o valor anual do IAS.”
24. Atendendo ao exposto, poderá afirmar-se, como o faz a Requerente, na sua p.i., que “o benefício fiscal [...] tinha caráter permanente”?
25. Um benefício fiscal permanente seria um que não estabelecesse a respectiva duração (ao contrário do benefício fiscal temporário). Com efeito, e como refere, por ex., Nuno Sá Gomes, “Os benefícios fiscais dizem-se permanentes quando são estabelecidos para o futuro, sem predeterminação da respectiva duração; dizem-se temporários quando a lei fixa um limite temporal à duração do benefício” . Mas, como bem salienta o mesmo autor, “em rigor, os benefícios fiscais nunca são permanentes, mas antes estabelecidos por tempo indeterminado, para o futuro.”
26. Será, então, caso para se dizer que o benefício constante do referido artigo 48.º do EBF é um benefício temporário, como defendem, por ex., Filipe Romão, António Castro Caldas e Susana Estêvão Gonçalves , quando afirmam que, “tendo em conta quer a irrelevância das epígrafes para efeitos da qualificação legal de conceitos, quer a evolução histórica da sistemática do EBF, quer ainda do próprio vazio de conteúdo da definição de «benefício fiscal estrutural», ou no limite, a possível sobreposição dos conceitos de «benefício fiscal estrutural», por um lado, e «benefício fiscal temporário ou permanente», por outro, é inevitável a conclusão de que todos os benefícios da Parte II e III do EBF, não excecionados pelo n.º 3 do artigo 3.º do mesmo compêndio legal, se devem qualificar como temporários”?
27. Lendo o citado artigo 48.º facilmente se conclui que este não contém qualquer referência expressa ao horizonte temporal da aplicação do referido benefício. E não pode deixar de se ter presente que o legislador tinha a opção de incluir na norma em causa a definição de um período temporal mínimo ou máximo de aplicação (para, desse modo, lhe dar, expressamente, natureza temporária), mas escolheu não o fazer.
28. Assim sendo, não se vê motivo para não considerar o benefício ora em causa como sendo estrutural – pelo que não beneficia de qualquer prazo predeterminado de duração/aplicação, tendo duração indeterminada, sem prejuízo do prazo de caducidade a que está sujeito à luz do disposto no art. 3.º do EBF.
29. Ainda a este respeito, refere, com acerto, a Decisão Arbitral n.º 150/2012-T, de 3/5/2013, que “o art. 3.º do EBF, ao estabelecer um prazo de cinco anos de vigência dos benefícios fiscais, visa, conforme resulta da sua epígrafe, estabelecer previsivelmente a sua caducidade no fim desse prazo, mas não garantir a plena vigência do benefício durante cinco anos, tornando as leis que estabelecem benefícios fiscais, imunes a qualquer alteração legislativa durante esses cinco anos. Se fosse esse o entendimento da lei, chegaríamos à solução perversa de o legislador poder alterar a todo o tempo, com os enormes agravamentos que se têm verificado nos últimos tempos, o regime geral de tributação, mas não poderia mexer durante cinco anos nas normas que estabelecem benefícios fiscais. Quanto ao disposto no art. 3.º, n.º 2, do EBF, parece claro que o mesmo ao prever que «são mantidos os benefícios fiscais cujo direito tenha sido adquirido durante a vigência das normas que os consagram, sem prejuízo de disposição legal em contrário», visa precisamente ressalvar os benefícios adquiridos durante o tempo em que vigorou a norma que os consagrou, impedindo a sua extinção retroactiva, não garantir um prazo mínimo de vigência desses benefícios que lei futura não pudesse alterar. Assim, a norma que de facto estabelece a exclusão da aplicação da lei nova aos benefícios em curso é apenas o art. 11.º, n.º 1, do EBF, mas este é apenas aplicável aos benefícios fiscais convencionais, condicionados ou temporários”. (Sublinhados nossos.)
30. Acrescenta, ainda, a Decisão Arbitral n.º 4/2013-T, de 17/6/2013, que “[...] não é legítimo efectuar uma distinção binária ao nível dos benefícios constantes do EBF entre estruturais e temporários. Essa distinção não existe: o que existe são benefícios fiscais estruturais (os identificados no n.º 3 do artigo 3.º do EBF) e outros benefícios sujeitos à sunset clause prevista no n.º 1 do artigo 3.º do EBF. O facto da sua reapreciação ter que ser realizada em prazos de cinco anos não os qualifica como temporários na perspectiva legal. [...]. A qualificação de benefício fiscal enquanto benefício temporário não decorre, portanto, da necessidade da sua revisão cíclica [...] mas de uma salvaguarda adicional na norma de estatuição e que consiste na fixação positiva e explícita de um prazo de vigência expresso para a fruição do mesmo.” (Sublinhados nossos.)
31. Conclui-se, assim, em face do supra exposto, que se está, também no presente caso, diante de um benefício fiscal permanente, não se mostrando aplicável o disposto no artigo 11.º, n.º 1, do EBF – pelo que as alterações subsequentes da norma aqui em causa não deixam de ser aplicáveis aos contribuintes (como a ora Requerente) que já aproveitavam do direito ao benefício fiscal.
32. Ora, com a alteração introduzida pelo art. 144.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12 (em vigor a partir de 1/1/2012), o n.º 1 do artigo 48.º do EBF passou a ter a seguinte redacção: “Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios rústicos e urbanos destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, e que sejam efectivamente afectos a tal fim, desde que o rendimento bruto total do agregado familiar, englobado para efeitos de IRS, não seja superior a 2,2 vezes o valor anual do IAS e o valor patrimonial tributário global da totalidade dos prédios rústicos e urbanos pertencentes ao sujeito passivo não exceda 10 vezes o valor anual do IAS.” I.e., a partir do ano de 2012, o EBF passou a impor o uso dos bens imóveis para fins de “habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”, sendo “efectivamente afectos a tal fim”.
33. Verificando-se que nos anos de 2012 e 2013, em causa nestes autos, a Requerente tinha fixado o domicílio fiscal em prédio distinto da habitação isenta – que, nos termos do artigo 19.º, n.º 1, alínea a), da LGT, faz presumir o local da sua residência habitual –, e tendo, ainda, presente que a Requerente não contestou esse facto nos presentes autos, conclui-se que se está diante de uma causa e fundamento do impedimento à renovação anual do benefício em causa, ou seja, de uma causa que justifica a reposição automática da tributação-regra (vd. art. 14.º, n.os 1 e 2, segunda parte, do EBF).
34. A este respeito, ver, por ex., o Acórdão do TCA-Sul de 15/2/2015: “Do ponto de vista jurídico, e na óptica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude. Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objectiva e subjectiva do imposto. E, precisamente porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a [...] falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o art. 12.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais [actual art. 14.º, n.º 1, do EBF].” (Sublinhado nosso.)
35. Verificando-se, como se referiu, a inobservância das condições impostas à beneficiária ora Requerente, tal determina a caducidade do direito ao benefício fiscal em causa e a reposição automática da tributação-regra (vd. art. 14.º, n.º 1 e n.º 2, segunda parte, do EBF). E, sendo este um benefício dependente de reconhecimento (vd. art. 5.º do EBF), tal determina, como bem refere, num caso similar, o Acórdão do STA de 22/5/2019 (proc. 0169/16.2BEPDL), “a cessação ope legis dos efeitos do acto de reconhecimento [...], não se exigindo declaração administrativa nesse sentido” – pelo que se conclui que, ao contrário do que foi alegado pela ora Requerente, não é exigível a prática de “ato administrativo da revogação da isenção” em causa.
36. Nesses termos, e como nota a Requerida, inexistindo “qualquer ato administrativo/decisão praticado pela administração, inexiste, consequentemente, a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhe digam respeito através do mecanismo do direito de audição, vertido no princípio da participação (art. 60.º da LGT).”
37. Convém, contudo, ter presente que, como refere o Acórdão do TCA-Sul de 26/10/2017 (proc. 2553/09.9BELRS), que analisou uma questão similar, “[n]ão se ignor[ando] que [...] [a] caducidade do benefício consagrada no citado art. 12.º, n.º 2, do E.B.F. (actual art. 14.º, n.º 2) opera por força da lei, não carecendo de decisão administrativa ou judicial, assim se extinguindo automaticamente o benefício”, se forem suscitadas questões “quanto ao âmbito material e temporal da referida caducidade [...] [tal circunstância] exig[irá] a instauração de um procedimento administrativo próprio, iniciado tendo em vista a declaração da mesma e a subsequente liquidação do imposto em referência.”
38. No entanto, no caso aqui em análise (e ao contrário do que sucedia no caso do Acórdão citado), verifica-se que não existe incerteza, dúvida ou questões controvertidas a respeito dos termos da extinção do benefício fiscal (dado que as partes concordam quanto à razão pela qual a isenção era indevida a partir do ano de 2012) – pelo que, também por este motivo, não se impunha o exercício do direito de audição por parte da ora Requerente.
39. Por outro lado, e como refere a Requerida, pode constatar-se, “através do PA, [que] a nota de liquidação referente ao ano de 2012 foi emitida em 17/12/2016 e remetida à Requerente através de registo n.º RY...PT e a liquidação de 2013 foi emitida igualmente em 17/12/2016 e remetida à Requerente através do registo n.º RY...PT e rececionadas pela ora Requerente em 22 de Dezembro de 2016.” (vd. PAT apenso aos autos).
40. Com efeito, verifica-se que as liquidações de IMI ora em causa foram feitas respeitando o prazo estabelecido no art. 45.º da LGT (4 anos), e a notificação das mesmas foi validamente efectuada (vd. art. 116.º, n.º 1, do CIMI, e art. 45.º, n.os 1 e 4, da LGT).
41. Ainda a respeito da notificação, alega a Requerente que, “[p]ara efeitos do n.º 1 do artigo 36.º do CPPT, o n.º 1 do artigo 38.º do mesmo Diploma exige que as notificações que tenham por objeto matéria que afetem os direitos e interesses legítimos dos destinatários são efetuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de receção, inclusive aquelas que digam respeito a liquidações de impostos periódicos efetuadas fora dos prazos legais, o que é o caso.”
42. A este propósito, deve ter-se presente que, como bem refere, por ex., o Acórdão do TCA-Norte de 12/2/2015 (proc. 00603/13.3BEPRT), as “formalidades procedimentais previstas na lei são essenciais, mas degradam-se em não essenciais se, apesar delas, for atingido o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição.” Como não há dúvida de que a Requerente tomou conhecimento das liquidações aqui em causa (e contra elas pôde reagir e reagiu), pode concluir-se que o fim que a lei visaria com a imposição da referida carta registada com aviso de recepção foi alcançado e deve considerar-se que a notificação das referidas liquidações foi validamente efectuada.
43. Também não assiste razão à Requerente quanto aos elementos constantes das notificações: estas cumprem com os requisitos que estão estabelecidos no n.º 2 do artigo 36.º do CPPT, nomeadamente indicando a “entidade que praticou o ato” (ao contrário do que alega a ora Requerente). Com efeito, à luz do disposto no referido artigo do CPPT, e à luz do artigo 113.º do CIMI, a referida entidade é a AT (Autoridade Tributária e Aduaneira) e ela está, de forma clara, identificada nas notificações das liquidações ora em causa – pelo que se conclui que as referidas notificações não padecem da nulidade indicada no artigo 39.º, n.º 12, do CPPT. E, tendo sido uma entidade (e não um funcionário) a praticar os actos aqui em causa, também não se mostra aplicável o disposto no n.º 7 do artigo 38.º do CPPT (que foi invocado pela ora Requerente).
44. Alega, ainda e por último, a Requerente que “[«também se encontra ferido de nulidade»] o indeferimento dos Recursos Hierárquicos, que não respeitou o princípio da participação da Recorrente, como é exigido na alínea b) do artigo 60.º da LGT.”
45. Sucede, contudo, que um dos motivos que permite não seguir a regra constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT foi, precisamente, o que justificou a posição da AT, tal como ela consta do PAT apenso – o facto de a ora Requerente já ter exercido o direito de audição no âmbito das reclamações graciosas apresentadas e, quer em sede dessas reclamações como de recursos hierárquicos, os factos e argumentos por si invocados terem sido essencialmente os mesmos, não se invocando algo de novo.
46. No mesmo sentido, ver, por ex., o seguinte Aresto: “A falta de audição da recorrida antes da decisão de indeferimento do recurso hierárquico que havia interposto consubstancia preterição de formalidade essencial com efeitos invalidantes sobre o mesmo recurso [apenas] na circunstância de terem sido invocados novos fundamentos, e nova matéria de facto.” (Acórdão do STA de 24/1/2018, proc. 0756/17).
Juros indemnizatórios
47. A Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT.
48. Nos termos do n.º 1 do referido artigo 43.º da LGT, serão devidos juros indemnizatórios “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
49. Decorre, ainda, do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT que o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral.
50. Contudo, o direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT. Ora, no caso dos presentes autos, é manifesto que não ocorreram as apontadas ilegalidades, pelas razões acima expostas, pelo que não são devidos os juros indemnizatórios peticionados.
V. DECISÃO
Em face do supra exposto, decide-se:
- Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários em causa e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.
VI. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 272,24 (duzentos e setenta e dois euros e vinte e quatro cêntimos), nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII. Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 306,00 (trezentos e seis euros), a pagar pela Requerente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 14 de Janeiro de 2021.
O Árbitro,
(Miguel Patrício)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto
no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.