Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 393/2020-T
Data da decisão: 2021-01-11  ISV  
Valor do pedido: € 1.878,63
Tema: ISV – Admissão de veículos usados – Incidência sobre a componente ambiental.
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SUMÁRIO

1. Na medida em que sujeita os veículos usados importados de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior ao do imposto residual contido nos veículos usados similares transacionados no mercado nacional, a norma do artigo 11.º do CISV, na redação dada pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, mostra-se incompatível com o direito comunitário, por violação do artigo 110.º do TFUE.

2. Consequentemente, encontram-se feridos de ilegalidade os atos tributários praticados ao abrigo da citada norma.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

 

1.            A..., UNIPESSOAL, LDA, NIPC..., com sede na..., ..., ...-..., ..., vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que figura como Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2.O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 04-08-2020, visa a declaração de ilegalidade e anulação parcial dos atos de liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV) resultantes da apresentação das Declarações Aduaneiras de Veículos n.ºs 2018/..., 2019/..., 2019/..., 2019/..., 2020/... e 2020/..., de 12-06-2020, 09-06-2020, 06-04-2020, 01-07-2020, 06-06-2020 e 25-07-2020, respetivamente, da Delegação Aduaneira da ..., na importância total de €10.537,49, sendo €7.158,92 correspondente à componente cilindrada e € 3.378,57 à componente ambiental, conforme discriminação constante do seguinte quadro:

DAV       Componente

cilindrada            Componente ambiental Total

2019/... € 994,35               €043,93                € 1 938,18

2019/... € 1 200,50           € 194,80               € 1 395,30

2020/... € 1 315,56           € 67,24 € 1 382,80

2019...  € 1 304,05           € 567,70               € 1 871,75

2020/... € 1 028,90           € 946,16               € 1 975,06

2018/... € 1 315,56           € 658,84               € 1 974,40

TOTAL   £ 7 158,92           € 3 378,57           € 10 537,49

 

 

3.A Requerente pede também a devolução do imposto que considera indevidamente cobrado, no valor de € 1.878,63, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais.

 

4. Como fundamento do pedido que formula, argumenta o Requerente, em síntese, que as liquidações impugnadas, efetuadas ao abrigo das normas dos artigos 7.º e 11.º do Código do Imposto Sobre Veículos (CISV), enfermam de ilegalidade por, em conformidade com disposto no citado artigo 11.º, não ter sido considerada qualquer percentagem de redução do imposto relativamente à antiguidade do veículo e à componente ambiental, em violação do disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

5. Em resposta ao que vem solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) juntou o processo administrativo, tendo-se pronunciado,

- por exceção, invocando a caducidade do direito de ação relativamente às liquidações resultantes da apresentação das DAV 2019... E 2019/...;

- por impugnação, sustentando a improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, alegando, no essencial, terem os atos impugnados sido efetuados de acordo com o direito nacional e comunitário, pelo que os mesmos não enfermam de qualquer vício, e devem, consequentemente, manter-se na ordem jurídica.

 

6. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

7. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.

 

8. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo, oportunamente, notificado as partes.

 

9. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

10. Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral foi constituído em 26-10-2020.

 

11. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal, considerando o disposto no artigo 130.º do Código de Processo Civil, aplicável na jurisdição arbitral por remissão expressa do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT; decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a junção de alegações e produção de prova testemunhal, por desnecessárias.

 

II. Saneamento

 

12. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

 

13. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

 

III. Matéria de facto

 

14. Com base nos elementos documentais que integram o presente processo destacam-se os seguintes elementos factuais que, não sendo contestados pelas Partes, se consideram inteiramente provados:

 

14.1. A Requerente é uma sociedade comercial que tem como objeto a comercialização de veículos automóveis usados.

 

14.2. No exercício dessa atividade introduziu no consumo em território nacional veículos automóveis provenientes de França.

 

14.3. Com base nas DAV oportunamente apresentadas foram efetuadas as seguintes liquidações de ISV relativas aos veículos identificados na petição inicial:

 

- DAV 2019/... – Relativa ao veículo da marca .../..., ligeiro de passageiros, usado, movido a gasóleo, com o n.º de motor..., 1598 cc de cilindrada, 0,001 g/km de emissão de partículas e 104 g/km de emissão de gases (CO2). Proveniente de França, com a matrícula definitiva ... e 135 036 quilómetros percorridos, tendo a primeira matrícula sido atribuída em 29.7.2013.

A esta DAV corresponde a liquidação n.º 2020/..., de 31.3.2020, sendo o imposto apurado conforme consta do quadro seguinte:

 

O imposto apurado nesta liquidação, tendo como data limite de pagamento o dia 15.4.2020, foi pago em 31.3.2020.

 

- DAV 2019/... – Relativa ao veículo da marca ..., ligeiro de passageiros, usado, movido a gasóleo, com o n.º de motor..., ... c de cilindrada, 0 g/km de emissão de partículas e 88 g/km de emissão de gases (CO2). Proveniente de França, com a matrícula definitiva ... e 134 985 quilómetros percorridos, tendo a primeira matrícula sido atribuída em 2.10.2014.

A esta DAV corresponde a liquidação n.º 2020/..., de 2.4.2020, sendo o imposto apurado conforme consta do quadro seguinte:

 

O imposto apurado nesta liquidação, tendo como data limite de pagamento o dia 17.4.2020, foi pago em 2.4.2020.

 

- DAV 2020/... – Relativa ao veículo da marca ..., ligeiro de passageiros, usado, movido a gasóleo, com o n.º de motor ..., 1560 cc de cilindrada, 0 g/km de emissão de partículas e 82 g/km de emissão de gases (CO2). Proveniente de França, com a matrícula definitiva ... e 101219 quilómetros percorridos, tendo a primeira matrícula sido atribuída em 27.1.2016.

A esta DAV corresponde a liquidação n.º 2020/..., de 1.6.2020, sendo o imposto apurado conforme consta do quadro seguinte:

 

O imposto apurado nesta liquidação, tendo como data limite de pagamento o dia 17.6.2020, foi pago em 1.6.2020.

 

- DAV 2018/... – Relativa ao veículo da marca ..., ligeiro de passageiros, usado, movido a gasóleo, com o n.º de motor ..., 1560 cc de cilindrada, 0,0001 g/km de emissão de partículas e 100 g/km de emissão de gases (CO2). Proveniente de França, com a matrícula definitiva ... e 102481 quilómetros percorridos, tendo a primeira matrícula sido atribuída em 3.8.2015.

A esta DAV corresponde a liquidação n.º 2020/..., de 8.6.2020, sendo o imposto apurado conforme consta do quadro seguinte:

 

O imposto apurado nesta liquidação, tendo como data limite de pagamento o dia 24.6.2020, foi pago em 8.6.2020.

 

- DAV 2019/... – Relativa ao veículo da marca ..., ligeiro de passageiros, usado, movido a gasóleo/híbrido, com o n.º de motor ..., 1997 cc de cilindrada, 0,0008 g/km de emissão de partículas e 104 g/km de emissão de gases (CO2). Proveniente de França, com a matrícula definitiva ... e 136776 quilómetros percorridos, tendo a primeira matrícula sido atribuída em 16.4.2015.

A esta DAV corresponde a liquidação n.º 2020/..., de 29.6.2020, sendo o imposto apurado, com base na taxa intermédia prevista no artigo 8.º do CISV, conforme consta do quadro seguinte:

 

O imposto apurado nesta liquidação, tendo como data limite de pagamento o dia 13.7.2020, foi pago em 20.6.2020.

 

- DAV 2020/... – Relativa ao veículo da marca ..., ligeiro de passageiros, usado, movido a gasóleo, com o n.º de motor ..., 1481 cc de cilindrada, 0,0001 g/km de emissão de partículas e 104 g/km de emissão de gases (CO2). Proveniente de França, com a matrícula definitiva ... e 124764 quilómetros percorridos, tendo a primeira matrícula sido atribuída em 3.9.2015.

A esta DAV corresponde a liquidação n.º 2020/..., de 24.7.2020, sendo o imposto apurado conforme consta do quadro seguinte:

 

O imposto apurado nesta liquidação, tendo como data limite de pagamento o dia 7.8.2020, foi pago em 24.7.2020.

 

15. Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos ao processo, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.

 

IV. Cumulação de pedidos

 

16. O presente pedido de pronúncia arbitral reporta-se a diversas liquidações de ISV. Todavia, atendendo à identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, o Tribunal considera que, face ao disposto nos artigos. 3.º do RJAT e 104.º do CPPT, nada obsta à cumulação de pedidos.

 

V. Matéria de direito

 

17. É estritamente de direito a questão que o Requerente suscita no seu pedido de pronúncia arbitral e prende-se com a alegada incompatibilidade com o direito comunitário de norma do Código do Imposto sobre Veículos (CISV) aplicada nas liquidações impugnadas.

 

Questão prévia: Caducidade do direito de ação

 

18. Todavia, a Requerida, na sua resposta, invoca a exceção de caducidade do direito de ação relativamente às liquidações resultantes da apresentação das DAV 2019/... e 2019/...que, antes de mais, cumpre apreciar.

 

19. A invocada exceção de caducidade do direito de ação, decorrente da extemporaneidade do pedido de pronúncia arbitral, vem fundamentada nos seguintes termos:

“7. A liquidação n.º 2020/..., de 31.03.2020, foi notificada ao sujeito passivo, ora Requerente, através da DAV supra identificada, em 28.03.2019 (data de aceitação), e do DUC (Receita aduaneira fiscalidade automóvel) que inclui notificação para pagamento, sendo que o termo de prazo para pagamento se verificou em 15.04.2020 (cf. informação constante da mesma DAV e do referido DUC).

8. Sendo que a liquidação n.º 2020/..., de 02.04.2020, foi notificada à Requerente, através da DAV n.º 2019/..., igualmente em28.03.2019 (data de aceitação), e do DUC (Receita aduaneira fiscalidade automóvel) que inclui notificação para pagamento, sendo que o termo de prazo para pagamento, quanto a esta liquidação ocorreu em 17.04.2020 (cf. informação constante da mesma DAV e do DUC respetivo).

...

10. Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Regime da Arbitragem Tributária, em conjugação com o n.º 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral era de 90 dias, contados a partir do termo do prazo para pagamento da prestação tributária, que, no caso vertente, ocorreu, relativamente às liquidações em causa, em 15.04.2020 e 17.04.2020, conforme foi, expressamente, notificado ao contribuinte.

11. Face à omissão, no Regime da Arbitragem Tributária, de norma que disponha sobre as regras de contagem dos prazos, haverá que recorrer ao direito subsidiário, conforme o disposto no artigo 29.º, n.º 1, do mesmo regime, designadamente nos termos da alínea a) do mesmo preceito, às normas do código de procedimento e de processo tributário aplicáveis à interposição de impugnação judicial, uma vez que a arbitragem tributária constitui um meio processual de natureza alternativa em relação à impugnação judicial (veja-se nesse sentido o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 210/2011, que aprovou o Regime, bem como o n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3- B/2010, de 28 de Abril, que autorizou o Governo a instituir a arbitragem tributária).

12. Assim, dispõe o artigo 20.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que à interposição de impugnação judicial é aplicável o disposto no artigo 279.º do Código Civil.

13. Deste modo, sendo o prazo para dedução de pedido de constituição de tribunal arbitral (prazo de propositura da ação) contínuo, que não sofre qualquer suspensão ou interrupção em virtude de férias judiciais (o que é corroborado pela jurisprudência do CAAD, designadamente pelo vertido nas decisões proferidas nos Processos n.ºs 35/2012-T, 9/2014-T e 845/2014-T), no presente caso, o mesmo, terminou relativamente às supra identificadas liquidações, em 14.07.2020 e em 16.07.2020.

14. Ora, o pedido de constituição de tribunal arbitral só foi apresentado, por transmissão eletrónica de dados, em 04.08.2020, pelo que o mesmo é manifestamente extemporâneo, verificando-se, pois, quanto a estas duas liquidações, a exceção de caducidade do direito de ação, o que se invoca.”

 

20. Com efeito, o prazo de apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral é de 90 dias, contado dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), conforme dispõe o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

21. Nos termos do artigo 102.º, n.º1, alínea a), do CPPT, aplicável ao presente caso, este prazo conta-se a partir do “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.”

 

22. Porém, no presente caso, é aplicável o prazo especial previsto na Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 06/04, que aprovou um conjunto de medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.

 

23. A par da suspensão temporária de todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais no âmbito de procedimentos que corram termos nos tribunais, designadamente nos tribunais arbitrais, dispõe o referido diploma, na redação dada pela Lei n.º4-A/2020, de 6 de abril que: “9 - O disposto nos números anteriores aplica-se, com as necessárias adaptações, aos prazos para a prática de atos em (...) c) Procedimentos administrativos e tributários no que respeita à prática de atos por particulares.”

 

24. Esclarece, ainda, o n.º10, do mesmo artigo, que “ A suspensão dos prazos em procedimentos tributários, referida na alínea c) do número anterior, abrange apenas os atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como os atos processuais ou procedimentais subsequentes àqueles.

 

25. Constituindo meio alternativo da impugnação judicial na resolução de conflitos no domínio fiscal, a arbitragem tributária insere-se nos “outros procedimentos de idêntica natureza” a que se refere a norma transcrita, pelo que o prazo de apresentação de pedido de constituição do tribunal arbitral é abrangido pela suspensão prevista naquela Lei.

 

26. Segundo o n.º 2 do artigo 7.º, da Lei n.º 1-A/2020, o regime excecional de suspensão de prazos na mesma previsto cessa em data a definir por decreto-lei, estabelecendo o seu artigo 10.º que a mesma produz efeitos à data de produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03.

 

27. Nos termos do artigo 6.º, n.º 2, da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, “O artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação introduzida pela presente lei, produz os seus efeitos a 9 de março de 2020 (...)”

 

28. Este artigo 7.º, da Lei n.º 1-A/2020, foi revogado pelo artigo 8.º da Lei n.º 19/2020, de 29/05, com entrada em vigor no 5.º dia seguinte ao da sua publicação, isto é, no dia 3 de junho de 2020.

 

29. Da legislação referida resulta, assim, que o prazo de 90 dias previsto no artigo 10,º, n.º 1, alínea a), para apresentação do pedido de constituição do tribunal se encontrou suspenso entre os dias 09-03-2020 e 03-06-do mesmo ano.

 

30. No presente caso, o prazo para entrega daquele pedido iniciar-se-ia, na ausência da referida suspensão, no dia 15-04-2020 com termo no dia 14-07-2020, para a liquidação 2020/..., e no dia 17-04-2020, com termo no dia 16-07-2020, para a liquidação 2020/..., conforme alega a Requerida.

 

31. Porque, em ambos os casos, o termo inicial do prazo de apresentação do pedido de pronúncia arbitral recaiu em data em que vigora o regime de suspensão temporária de prazos, deslocou-se aquele termo inicial para o dia 03-06-2020, data da entrada em vigor da revogação daquele regime.

 

32. Apresentado em 04-08-2020, é, pois, tempestivo o presente pedido de constituição do tribunal arbitral, improcedendo, assim, a exceção de caducidade do direito de ação invocada pela Requerida.

 

Do mérito do pedido

 

33. O presente pedido de pronúncia arbitral fundamenta-se na ilegalidade da norma do artigo 11.º do Código do Imposto sobre Veículos, relevante nas liquidações ora impugnadas, por violação do disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia (TFUE).

 

34. Alega, assim, a Requerente que a referida norma, aplicável aos veículos portadores de matrículas comunitárias com vista a contemplar no cálculo do imposto devido a desvalorização comercial média dos veículos usados no mercado nacional, prevê uma redução percentual pelo número de anos de uso do veículo, mas apenas na componente cilindrada, deixando de lado a componente ambiental.

 

35. Segundo a Requerente, a norma aplicada nas liquidações que contesta conduz a que seja cobrado sobre os veículos "importados" de outros Estados Membros da União Europeia um imposto determinado com base em valor superior ao valor real do veículo onerando-os com uma tributação superior à que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional.

 

36. Com a base na fundamentação acima sumariada, conclui a Requerente que devem ser parcialmente anulados os atos impugnados de forma a aplicar-se a redução prevista no artigo 11.º do CISV à componente ambiental com a consequente restituição das importâncias a mais indevidamente cobradas, acrescidas dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais.

 

37. Respondendo ao pedido formulado, sustenta a Requerida que "...as liquidações de ISV, que aplicou o artigo 11.º do CISV, foi efetuada em conformidade com a lei nacional e o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição, não existindo, conforme o exposto, a invocada discriminação da tributação dos veículos usados nacionais relativamente aos admitidos de outros Estados-membros, não se verificando, consequentemente, a alegada violação do artigo 110.º do TFUE. “

 

38. Depois de traçar um quadro geral da legislação nacional aplicável na área da incidência, objetiva e subjetiva, determinação da base tributável, taxas aplicáveis, facto gerador e exigibilidade do tributo, a Requerida, no tocante à compatibilidade daquela norma do artigo 11.º do CISV com o direito comunitário, alega, no essencial, que:

“44. Efetivamente, o atual modelo de tributação do ISV, resultante da aprovação do CISV pela Lei 22- A/2007, de 29 de Junho, foi norteado por preocupações ambientais com respeito pelas diretrizes emanadas pelas instâncias comunitárias e pelos compromissos assumidos no âmbito do Protocolo de Quioto e, mais tarde, pelo Acordo de Paris.

45. Por isso, não pode deixar de se referir o estabelecido no artigo 191.º do TFUE, o qual tendo surgido depois do artigo 90.º do TCE (anterior 110.º do TFUE), exige que se proceda a uma interpretação atualista, no que concerne ao enquadramento da questão sub judice, que deve atender aos elementos sistemático e teleológico, porquanto, naquele dispositivo, afirma-se, expressamente, no n.º 1, que a política da União, no domínio do ambiente, contribuirá para a prossecução, entre outros, da preservação, da proteção e a melhoria da qualidade do ambiente, não podendo o artigo 110.º do TFUE ser interpretado nos termos defendidos pela Requerente. 46. Devendo, pois, a interpretação do artigo 110.º do TFUE ser efetuada à luz do disposto no artigo 191.º do mesmo tratado, sob pena de conflitualidade e desarmonia entre as duas normas, a não ser que o TJUE, em sede de interpretação, venha defender a existência de tal violação e que a norma do artigo 110.º do TFUE tem valor superior ao previsto no artigo 191.º quanto à proteção e a melhoria da qualidade ambiental.

47. A alteração ao artigo 11.º do CISV encontra-se, assim, também, em consonância com o disposto no artigo 1.º do mesmo código, que consagra o “Princípio da Equivalência”, nos termos do qual o imposto sobre veículos obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infraestruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.

 

39. Invocando as normas dos artigos 110.º do TFUE, proibição de sujeição de produtos provenientes de outros Estados Membros a imposições internas superiores às que incidem sobre produtos nacionais e 191.º do mesmo Tratado, relativa à preservação, proteção e melhoria da qualidade do ambiente, sustenta a Requerida que " 48. Face ao previsto no n.º 1, do artigo 11.º do CISV, constata-se que o legislador teve em consideração que a componente ambiental representa o custo do impacto ambiental, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 11.º do CISV, também suportada pelos veículos novos, devendo a mesma ser entendida como um montante que os sujeitos passivos pagam ao Estado, destinado a compensar os efeitos nefastos que o veículo automóvel causa ao ambiente, sendo que esse montante é progressivo em função das emissões de dióxido de carbono.

49. Pelo que, em nome da unidade e da coerência do modelo de tributação automóvel vigente em Portugal, a não aplicação da totalidade da componente ambiental aos veículos usados violaria os princípios suprarreferidos, tornando-se fonte de graves injustiças, já que beneficiaria claramente os veículos usados em detrimento dos novos, sem que, para tal, se encontrem razões válidas.

 

40. Acentuando esta vertente, adianta a Requerida que “50. No que concerne aos automóveis usados, não existem dúvidas que o potencial poluidor do automóvel se agrava com a idade, tornando-se mais poluentes e, consequentemente, mais nefastos para o meio ambiente, destinando-se a componente ambiental a orientar os consumidores na escolha de veículos com menores emissões de dióxido de carbono.

51. Assim, a interpretação do disposto no artigo 110.º do TFUE não poderá deixar de ter em consideração os objetivos ambientais acima referidos, sob pena de se gerarem incoerências insustentáveis entre a política fiscal e a política ambiental.

52. Mais acrescendo que o n.º 2 do artigo 191.º, enfatiza o princípio do poluidor pagador ao postular que “A política da União no domínio do ambiente terá por objetivo atingir um nível de proteção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da União. Basear-se-á nos princípios da precaução e da ação preventiva, da correção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador”

 

41. Em conclusão, sustenta a Requerida que “ 54. A aplicação do disposto no artigo 11.º do CISV não pretende restringir a entrada de veículos em território nacional para proteger a produção nacional, nem obsta à admissão de veículos usados em território nacional, nem, tampouco, visa impedir a realização de negócios jurídicos de compra e venda de veículos automóveis, visto que são processadas, diariamente, inúmeras declarações aduaneiras de veículos, de regularização fiscal de veículos em território nacional, provenientes de outros Estados-membros, conforme resulta dos dados atinentes ao número de matrículas atribuídas nos últimos anos.

Por outro lado, a aplicação da mesma percentagem de redução às duas componentes resulta claramente numa subversão da tributação da componente ambiental, dando origem a um desagravamento que, por via da alteração à taxa do imposto, incentiva os consumidores a utilizarem veículos mais poluentes, interpretação que não pode deixar de se considerar inconstitucional face ao disposto no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa. “

 

42. Equacionadas, nas suas linhas essenciais, as posições das Partes, importa, antes de mais, uma breve incursão pela legislação relevante.

 

43. Desde logo, é invocado, como fundamento da alegada ilegalidade da liquidação impugnada, o artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), na medida em que a tributação em causa seria mais gravosa para os veículos introduzidos no consumo em Portugal provenientes de outros Estados Membros de União Europeia do que a que recai sobre veículos usados transacionados no mercado nacional.

 

44. Com efeito, estabelece aquele preceito - correspondente ao anterior artigo 90.º do TCE – que "Nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.

Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indiretamente outras produções."

 

45. A legislação nacional que, segundo a Requerente, viola a norma comunitária, são as normas constantes dos artigos 7.º e 11.º do CISV, em particular esta última, cuja redação, à data da ocorrência do facto tributário e no que concerne a veículos ligeiros de passageiros, movidos a gasóleo, é a seguinte:

“Artigo 7.º

Taxas normais – automóveis

1 - A tabela A, a seguir indicada, estabelece as taxas de imposto, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, e é aplicável aos seguintes veículos:

a) Aos automóveis de passageiros;ii

b) (...)

TABELA A

Componente cilindrada 

Escalão de Cilindrada

(centímetros cúbicos)    Taxas por centímetros cúbicos

(Euros) Parcela a abater

(euros)

Até 1 000             0,99        767,50

Entre 1 001 e 1 250         1,07       769

Mais de 1 250    5,06        5 600,00

...

Componente ambiental

Veículos a Gasóleo iii

 

Escalão de C02

(gramas por quilómetro)              Taxas

(euros) Parcela a abater

(euros)

                              

Até 79   5,22       396,88

De 80 a 95           21,20     1 671,07

De 96 a 120        71,62     6 504,65

De 121 a 140      158,85   17 107,60

De 141 a 160     176,66   19 635,10

Mais de 160        242,65   30 235,96

 

Artigo 11.º

Taxas - veículos usados

1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional:

TABELA Div

 Tempo de uso  Percentagem de redução

               

Até 1 ano                            10

Mais de 1 a 2 anos          20

Mais de 2 a 3 anos          28

Mais de 3 a 4 anos          35

Mais de 4 a 5 anos          43

Mais de 5 a 6 anos          52

Mais de 6 a 7 anos          60

Mais de 7 a 8 anos          65

Mais de 8 a 9 anos          70

Mais de 9 a 10 anos        75

Mais de 10 anos               80

 

2 - Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por «tempo de uso» o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respectivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.

 

3 - Sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado dos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto:iv

ISV=((V/VR) x Y) + C

em que:

ISV representa o montante do imposto a pagar;

V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor, apresentadas pelo interessado;

VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez;

Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;

C é o «custo de impacte ambiental», aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela.iv

4 - Na falta de pedido de avaliação formulado nos termos do número anterior presume-se que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1.v

 

46. Na situação em análise, a liquidação do ISV sobre viaturas provenientes de outro Estado Membro da União Europeia foi efetuada com observância da norma do artigo 11.º do CISV, sendo considerada a redução relativa ao número de anos de uso dos veículos na componente cilindrada. Na componente ambiental não foi considerada qualquer redução.

 

47. Está, assim, em causa determinar-se se a referida norma do artigo 11.º do CISV, na medida em que não considera qualquer redução de imposto em função do número de anos de uso do veículo na componente ambiental viola ou não o direito comunitário, em especial o já referido artigo 110.º do TFUE e, consequentemente, se as liquidações impugnadas se encontram, ou não, feridas de ilegalidade.

 

48. A questão da conformidade com o direito comunitário das normas nacionais relativas à tributação de veículos usados "importados" de outro Estado Membro tem vindo, de forma recorrente, a ser objeto de apreciação no Tribunal de Justiça da União Europeia.

 

49. Desde logo, ainda na vigência do revogado imposto automóvel, que precedeu o atual ISV, aquele Tribunal não teve dúvida em declarar que "A cobrança por um Estado-Membro de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-Membro é contrária ao artigo 95.° do Tratado CEE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional." (Ac. de 09-03-1995, proc. C-345/03, Nunes Tadeu).

 

50. Sobre a mesma matéria, e com referência aquele mesmo tributo, voltaria o Tribunal de Justiça a pronunciar-se, no sentido de que "A cobrança por um Estado-Membro de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-Membro é contrária ao artigo 95.° do Tratado CEE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional" (Ac. de 22-02-2001, proc. C-393/98, Gomes Valente).

 

51. É, pois, constante orientação do Tribunal de Justiça sobre a incompatibilidade de normas nacionais que tributem mais gravosamente os veículos "importados" de outros Estados Membros, como se extrai tanto das decisões referidas como de tributações de similares contornos vigentes noutros países da União Europeia: "O artigo 95.°, primeiro parágrafo, do Tratado só permite a um Estado-Membro aplicar aos veículos usados importados de outros Estados-Membros um sistema de tributação em que a depreciação do valor efectivo dos referidos veículos é calculada de modo geral e abstracto, com base em critérios ou tabelas fixas determinados por uma disposição legislativa, regulamentar ou administrativa, se esses critérios ou tabelas forem susceptíveis de garantir que o montante do imposto devido não excede, ainda que apenas em certos casos, o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos similares já matriculados no território nacional" (Ac. de 20-09-2007, proc. C-74/06, Comissão das Comunidades Europeias vs República Helénica).

 

52. Abordando a consideração da componente ambiental no âmbito da tributação automóvel no direito húngaro, o Tribunal de Justiça viria a considerar que: "52. No âmbito de um regime relativo ao imposto automóvel, critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em considerações ambientais constituem critérios objectivos. Daí poderem ser utilizados num regime desses. Em compensação, não é exigível que o montante do imposto esteja relacionado com o preço do veículo.

 

53. Contudo, um imposto automóvel não deve onerar mais os produtos provenientes de outros Estados Membros do que os produtos nacionais similares.

 

54. Ora, um veículo novo relativamente ao qual o imposto automóvel foi pago na Hungria perde, com o decorrer do tempo, uma parte do seu valor de mercado. Assim, diminui, na mesma medida, o montante do imposto automóvel compreendido no valor residual do veículo. Sendo um veículo usado, só pode ser vendido por uma percentagem do valor inicial, percentagem que engloba o montante residual do imposto automóvel.

 

55. Ora, resulta dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça pelos órgãos jurisdicionais de reenvio que um veículo do mesmo modelo e de antiguidade, quilometragem e outras características idênticas, comprado em segunda mão noutro Estado Membro e registado na Hungria será, contudo, sujeito a 100% do imposto automóvel aplicável a um veículo dessa categoria. Por conseguinte, o referido imposto onera mais os veículos usados importados do que os veículos usados similares já registados na Hungria e sujeitos ao mesmo imposto. 56. Assim, não obstante o carácter ambiental do objectivo e do fundamento do imposto automóvel e mesmo não tendo estes qualquer relação com o valor de mercado do veículo, o artigo 90.°, primeiro parágrafo, CE exige que seja tida em conta a depreciação dos veículos usados que são objecto de tributação, visto que esse imposto se caracteriza por ser apenas cobrado uma vez quando do primeiro registo do veículo para efeitos da sua utilização no Estado Membro em causa e por ser desta forma incorporado no referido valor." Com base neste considerandos, o Tribunal viria a declarar que "2 - O artigo 90.°, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto como o instituído pela lei relativa ao imposto automóvel, na medida – em que seja cobrado sobre os veículos usados quando da sua primeira colocação em circulação no território de um Estado Membro e –  em que o seu montante, exclusivamente determinado em função das características técnicas dos veículos (tipo de motor, cilindrada) e da sua classificação ambiental, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado Membro de importação." (Ac. de 05-10-2006, processos pensos C-290/05 e C-33/05, Akos Nadasdi).

 

53. Debruçando-se sobre o sistema nacional de tributação automóvel e já sobre a norma do artigo 11.º do CISV, na redação em vigor até à alteração introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, o Tribunal de Justiça viria a tecer as seguintes considerações:

"26 Para efeitos da aplicação do artigo 110.° TFUE e, em especial, para efeitos da comparação entre o regime de tributação dos veículos usados importados e o dos veículos usados comprados no mercado nacional, que constituem produtos similares ou concorrentes, deve tomar-se em consideração não apenas a taxa da imposição interna que incide direta ou indiretamente sobre os produtos nacionais e os produtos importados mas também a matéria coletável e as modalidades do imposto em causa. Mais precisamente, um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C-74/06, EU:C:2007:534, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida).

 

"27 No caso em apreço, o artigo 11.°, n.° 1, do Código do Imposto sobre Veículos prevê, para efeitos do cálculo do imposto aplicável aos veículos usados importados de outros Estados-Membros, a tomada em consideração de uma desvalorização em função de uma tabela de percentagens fixas que estabelece, designadamente, em 20% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado durante um período de um a dois anos e em 52% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado há mais de cinco anos.

 

"28 Daqui resulta que a República Portuguesa aplica aos veículos automóveis usados importados de outros Estados-Membros um sistema de tributação no qual, por um lado, o imposto devido por um veículo utilizado há menos de um ano é igual ao imposto que incide sobre um veículo novo similar posto em circulação em Portugal e, por outro, a desvalorização dos veículos automóveis utilizados há mais de cinco anos é limitada a 52%, para efeitos do cálculo do montante deste imposto, independentemente do estado geral real desses veículos.

 

"29 Ora, é facto assente que o valor de mercado de um veículo automóvel começa a diminuir a partir da data da sua compra ou da sua entrada em circulação e que esta diminuição continua para além do quinto ano da sua utilização (v., neste sentido, acórdão de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin, C-101/00, EU:C:2002:505, n.° 78).

 

"30 Deste modo, a regulamentação nacional em causa tem por consequência que o montante do imposto de registo a pagar pelos veículos automóveis usados importados de outros Estados-Membros para Portugal e utilizados há menos de um ano ou há mais de cinco anos é calculado sem tomar em consideração a desvalorização real desses veículos.

 

"31 Por conseguinte, a regulamentação nacional em causa não garante que, nos casos referidos no número anterior do presente acórdão, os veículos usados importados de outro Estado-Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares disponíveis no mercado nacional, o que é contrário ao artigo 110.° TFUE". Em conclusão, viria o Tribunal a declarar que "1) A República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado-Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.° TFUE."(Ac. de 16-06-2016, proc. C-200/15, Comissão Europeia vs República Portuguesa).

 

54. No sentido de acolher a decisão do Tribunal de Justiça, foi, através da Lei n.º 42/2016, de 28/12, alterada a redação do citado artigo 11.º, passando a ser considerada a desvalorização do veículo a que a mesma se refere mas tão-somente quanto à componente cilindrada, ficando agora, de todo, excluída qualquer redução no tocante à componente ambiental.

 

55. É, pois, nesta exclusão que se centra a questão que opõe a Requerente à AT: enquanto esta considera que a atual redação da norma está conforme ao direito comunitário, invocando razões que têm a ver com a proteção do ambiente e qualidade de vida, entende aquele que o que está em causa é tão-somente a descriminação negativa dos veículos usados admitidos no território nacional, relativamente aos comercializados em Portugal, proibida pelo artigo 110.º do TFUE.

 

56. Com efeito, tal como o Tribunal de Justiça tem repetidamente declarado, a tributação automóvel pode assentar em critérios objetivos, como sejam o tipo de motor, a cilindrada e, inclusivamente, uma classificação assente em considerações ambientais. Porém, quando aplicados a veículos usados importados de outros Estados-Membros, o montante de imposto cobrado não pode exceder o montante que se contém no valor residual de veículos usados similares já registados no Estado-Membro de importação. É, pois, constante a orientação do Tribunal de Justiça, no que concerne à interpretação daquele artigo 110.º quando referido a tributação automóvel: um imposto automóvel não deve onerar mais os produtos provenientes de outros Estados Membros do que os produtos nacionais similares.

 

57. Refira-se que a desconformidade do direito nacional, na sua atual redação, com a norma comunitária conduziu já ao início de procedimento de infração  . Com efeito, conforme comunicado de 24-01-2019, a Comissão Europeia deu início a uma ação judicial contra o Estado Português "por este Estado-Membro não ter em conta a componente ambiental do imposto de matrícula aplicável aos veículos usados importados de outros Estados-Membros para fins de depreciação. A Comissão considera que a legislação portuguesa não é compatível com o artigo 110.º do TFUE, na medida em que os veículos usados importados de outros Estados-Membros são sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado português, uma vez que a sua depreciação não é plenamente tida em conta. Se Portugal não atuar no prazo de dois meses, a Comissão poderá enviar um parecer fundamentado sobre esta matéria às autoridades portuguesas."

 

58. Observa-se, ainda, que esta matéria foi já objeto de detalhada análise em decisão arbitral de 30-04-2019, proferida no processo 572/2019-T, tendo-se no mesmo concluído que "(...) o artigo 11º do Código do ISV está em desconformidade com o disposto no artigo 110º do TFUE porquanto aquele artigo não pode, em conformidade com o que este artigo dispõe, calcular o imposto sobre veículos usados oriundos de outro EM sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, neste caso, o imposto calculado ultrapasse o montante de ISV contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no EM de importação, ou seja, dos veículos usados nacionais." Esta posição tem vindo invariavelmente a ser assumida em, sucessivas decisões arbitrais proferidas, designadamente, nos processos 346/2019-T, 348/2019-T, 350/2019-T, 459/2019-T, 498/2019-T, 660/2019-T, 833/2019-T, 13/2020-T, 113/2020-T E 158/2020-T.

 

59. Acompanhando, sem reservas, a decisão acima referida, considera este Tribunal que, face à reiterada e constante posição do Tribunal de Justiça a que acima se fez referência, se não suscitam dúvidas quanto a incompatibilidade com o direito comunitário da norma aplicada à liquidação impugnada, concluindo-se pela desnecessidade de reenvio prejudicial.

 

60. Nestes termos, julga-se incompatível com o direito comunitário a norma do artigo 11.º do Código do ISV, na medida em que sujeita os veículos usados importados de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior ao do imposto residual contido nos veículos usados similares transacionados no mercado nacional.

 

61. Consequentemente, os atos de liquidação em causa, desconsiderando a redução na vertente relativa à componente ambiental do ISV, encontram-se feridos de ilegalidade devendo ser anulados. Restringindo-se, porém, a ilegalidade apenas àquele excesso de tributação, e nela se centrando em exclusivo o objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, devem esses atos ser parcialmente anulados.

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

62. A par da anulação parcial dos atos de liquidação e consequente reembolso das importâncias indevidamente cobradas, a Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

63. Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido". Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.

 

64. O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

 

65. No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, pelas razões que se apontaram anteriormente, a Requerente efetuou o pagamento de importância manifestamente indevida.

 

66. Julgando-se, assim, a ilegalidade da norma em que se fundou a liquidação impugnada, reconhece-se à Requerente o direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre o montante indevidamente cobrado, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do efetivo reembolso (cfr. LGT, art.43.º, n.º 1 e CPPT, art. 61.º).

 

VI. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, determinar a anulação parcial dos atos de liquidação impugnados, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da desconsideração da redução imposto correspondente à componente ambiental do ISV, no valor global de € 1.681,86, conforme discriminado no quadro seguinte, com o consequente reembolso das importâncias indevidamente cobradas, acrescidas dos correspondente juros indemnizatórios contados nos termos legais.

Liquidação          Importância a anular

2020/... € 566,30

2020/... € 101,30

2020/... € 28,91

2020/... € 283,30

2020/... € 295,20

2020/... € 406,85

TOTAL   € 1 681,86

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 1.681,86, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 306,00, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 11 de janeiro de 2021,

 

O árbitro,

Álvaro Caneira