Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 87/2020-T
Data da decisão: 2020-11-20  IVA  
Valor do pedido: € 68.812,33
Tema: IVA – Ginásios; Consultas de nutrição; Isenção; Seguros de vida. Recurso de revisão de decisão arbitral – Instância Internacional de Recurso Decisão arbitral (anexa à decisão).
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso de revisão da decisão arbitral proferida  no presente processo,  ao abrigo  do artigo  696.º, alínea f) do  CPC, para  que  remete  o artigo 293.º, n.º 1, do CPPT, que estabelece que a decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão quando «seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português».

Neste caso, a decisão que a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca como fundamento do recurso de revisão é uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferida em processo de reenvio prejudicial, no processo n.º C-581/19, junta aos autos.

Não estando prevista no CPPT a tramitação dos recursos de revisão, na fase anterior à sua admissão, será aplicável subsidiariamente o regime do processo civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Por isso, nos termos do artigo 699.º, n.º 1, do CPC, há que proferir uma decisão liminar sobre a admissibilidade do recurso: «o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão».

No caso em apreço, «não há motivo para a revisão», pois é manifesto que o acórdão do TJUE invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira não é proferido por «uma instância internacional de recurso».

Na verdade, desde logo, não há qualquer recurso que possa ser interposto para o TJUE de decisões judiciais portuguesas, pelo que não pode ser considerada uma instância internacional de recurso para efeito da legislação processual portuguesa, que é a que está em causa aplicar.

Por outro lado, mesmo que se entenda que possam ser fundamento de recurso de revisão decisões proferidas pelo TJUE em acções de incumprimento instauradas pela Comissão Europeia contra Portugal ao abrigo do art. 258.º do TFUE (como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão  de  02-07-2014,  processo  n.º  0360/13),  no  caso  de  acórdãos  do  TJUE  proferidos  em reenvio não se está perante uma acção desse tipo, pelo que não há razão para aplicar essa jurisprudência.

O TJUE nos processos de reenvio prejudicial não é uma instância de recurso, pois a sua decisão é anterior à decisão final do processo nacional e nenhuma das partes no processo tem a possibilidade de apelar para o TJUE.

Aliás, para além de ser evidente, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que as intervenções do TJUE em processo de reenvio não são assumidas na veste de instância de recurso, mas sim de colaboração entre juízes, como tem afirmado, inclusivamente, o próprio TJUE:

– 28 Note-se, a este respeito, que o artigo 234.° CE1 não constitui uma via de recurso para as partes num litígio pendente num tribunal nacional e que não basta, portanto, que uma das partes alegue que o litígio suscita uma questão de validade do direito comunitário para que o tribunal em questão seja obrigado a considerar que se suscita uma questão nos termos do artigo 234.° CE;( 2 );

–             Uma vez que o artigo 267.º TFUE não constitui uma via de recurso para as partes num litígio pendente no tribunal nacional, o Tribunal de Justiça não pode ser obrigado a apreciar a validade do direito da União apenas porque esta questão foi invocada perante o mesmo por uma destas partes (acórdão de 30 de Novembro de 2006, Brünsteiner e Autohaus Hilgert, C-376/05 e C-377/05, Colect., p. I-11383, n.º 28);

–             9 Com efeito, o reenvio prejudicial assenta num diálogo de juiz a juiz, cujo início depende inteiramente da apreciação que o órgão jurisdicional nacional faça da pertinência e da necessidade do referido reenvio ( 3 );

 

–             “The relationship between national courts and the CJEU is reference-based. It is not an appeal system. No individual has a right of appeal to the CJEU. It is for the national court to make the decision to refer. The CJEU will rule on the issues referred to it, and the case will then be sent back to the national courts, which will apply the Union law to the case at hand” ( 4 );

–             «De acordo com o número 3 do artigo 4.º do mesmo Tratado, cabe aos Estados-Membros assegurar a execução das obrigações decorrentes dos Tratados e facilitar o cumprimento da missão da União Europeia. Desta dicotomia resulta uma necessidade de diálogo entre os órgãos jurisdicionais nacionais e europeus, razão pela qual se viria a prever o instituto jurídico do reenvio prejudicial, não como uma via de recurso, mas sim como um processo especial de cooperação direta, capaz de garantir a uniformidade dos efeitos jurídicos das normas de direito da UE através de todo o seu território» ( 5 );

–             «Importa começar por referir que um pedido de reenvio prejudicial não serve para impugnar uma decisão judicial e que a decisão a proferir pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito de tal pedido não tem por finalidade revogar decisões judiciais proferidas por Tribunais nacionais.

Na sua arquitectura específica, não é também destinada a afrontar qualquer interpretação de normas internas alegadamente errónea ou aferir da violação de preceitos constitucionais dos diversos Estados-Membros.

Uma questão prejudicial antes corresponde a uma pergunta/pedido de resposta que um órgão jurisdicional nacional de um Estado da União repute necessária para estear a solução de um litígio que lhe cumpra avaliar.

 

O seu objecto exclusivo é o Direito da União e o esforço de avaliação solicitado ao Tribunal de Justiça da União Europeia corresponde ao de interpretação ou formulação de juízo de validade incidente sobre esse Direito». ( 6 )

 

Aliás, a Autoridade Tributária e Aduaneira no requerimento que apresentou nem sequer explica qual a razão ou fundamento legal para que o TJUE possa ser considerado uma instância de recurso.

Os fundamentos de revisão de sentença previstos no artigo 696.º do  CPC,  aplicável  por remissão do artigo 293.º, n.º 1, do CPPT e 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT são taxativos, como resulta do teor expresso do corpo daquele artigo 696.º: «a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando ...».

 

Tratando-se, neste artigo 696.º, de normas excepcionais que permitem eliminar a força do caso julgado e a obrigatoriedade geral a ela constitucionalmente associada (artigo 205.º, n.º 2, da CRP), elas não podem ser aplicáveis analogicamente a situações não previstas (artigo 11.º do Código Civil), designadamente, a decisões de instâncias internacionais que não sejam, à face da legislação nacional e da União Europeia, proferidas por «instâncias de recurso».

Nestes termos, indefere-se o requerimento de recurso de revisão apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, por ser manifesto não haver fundamento para a revisão, designadamente o fundamento invocado, por a decisão do TJUE invocada não ter sido proferida por uma instância internacional de recurso.

Sendo de indeferir o recurso com este fundamento fica prejudicada, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC ), a apreciação de outros requisitos do recurso de revisão  previsto na alínea  f)  do  artigo  696.º  do  CPC,  designadamente  as  questões  de  saber  se  a  decisão  do  TJUE proferida  no  processo  n.º  C-581/19  é  inconciliável  ou  não  com  a  decisão  arbitral  preferida  no presente processo e se deve considerar-se ou não vinculativa para o Estado Português, para efeitos daquela norma.

 

Publique-se esta decisão arbitral nos termos da alínea g) do artigo 16.º do RJAT.

 

Lisboa, 22-04-2021

 

Os Árbitros

(Jorge Lopes de Sousa)

 

Nos termos do artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01 de Maio) o Relator atesta o voto de conformidade dos Árbitros Adjuntos Senhor João Taborda da Gama e Senhor Professor Doutor Carlos Lobo.

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. João Taborda da Gama e Prof. Doutor Carlos Lobo (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 05-08-2019, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., LDA., pessoa colectiva nº..., com sede na Rua ..., nº..., ...- ... ..., (adiante apenas Requerente), Serviço de Finanças de Oeiras ..., sito na R. ... ..., ...-... ..., veio, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a anulação das seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios que foram objecto de reclamação graciosa e recurso hierárquico, indeferido através de decisão comunicada Via CTT através de Ofício datado de 11-11-2019, da Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Serviços do IVA:

 

                É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 17-02-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 06-07-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 05-08-2020.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo que deve ser suspensa a instância até decisão do pelo TJUE no processo reenvio prejudicial efectuado no processo arbitral n.º 504/2018-T, que deu entrada no TJUE em 31-07-2019 (processo C-581/19 - caso Frenetikexito), e que versa sobre matéria de facto análoga e deve ser julgado improcedente o pedido.

Por despacho de 30-09-2020, foi notificado o Sujeito Passivo para se pronunciar, querendo, sobre a suspensão da instância requerida pela AT na sua resposta.

A Requerente pronunciou-se sobre o requerimento de suspensão da instância defendendo que deve ser indeferido porque, em suma, não há relação de prejudicialidade entre os dois processos e, embora haja semelhança nas situações de facto entre este processo e o processo n.º 524/2020-T, as questões neles colocadas são diferentes.

Por despacho de 09-11-2020, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

A)           A Requerente é uma sociedade comercial que se dedicada à exploração do “H... Health Club” e se encontra registada para o exercício das seguintes actividades: a principal CAE 93110 – gestão de instalações desportivas, e as secundárias CAE 86220 – actividades de prática médica de clínica especializada, em ambulatório e CAE 86906 – outras actividades de saúde humana;

B)           Foi realizada uma acção inspectiva à Requerente relativa aos anos de 2014 e 2015, a coberto das Ordens de Serviço OI2017.../;

C)           Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) junto pela Requerente, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III. Descrição dos factos e fundamentos das correções de natureza meramente aritméticas

III. 1. ISENÇÃO INDEVIDA – ACONSELHAMENTO NUTRICIONAL E SEGUROS

III.1.1.

Através das declarações cadastrais que entregou junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, a entidade inspecionada assumiu que, a título principal, desenvolve a atividade de ginásio (fitness), ou seja, em sede de IVA e no que diz respeito a operações ativas, presta primordialmente serviços sujeitos a imposto, não beneficiando tais serviços de qualquer isenção. A taxa aplicável é a normal (23%).

Secundariamente presta também serviços de aconselhamento de nutrição. Estes serviços, de acordo com a entidade inspecionada, beneficiam da isenção prevista na alínea 1) do art.º 9.º do Código do IVA (CIVA), uma vez que são serviços que estão a ser assegurados por um profissional habilitado para o exercício nos termos da legislação aplicável.

Tendo-se solicitado à entidade inspecionada, através de notificação, que nos fossem identificados os colaboradores que prestaram os serviços de aconselhamento nutricional, foi-nos informado que tais serviços foram prestados exclusivamente pela Dr.ª B..., NIF..., inscrita na Ordem dos Nutricionistas com o n.º ... desde 26 de janeiro de 2012.

A isenção referida, como outras, tem implícito que os serviços em questão sejam prestados de forma autónoma em relação aos demais, ou, dito de outra forma, tais serviços têm de se constituir num fim em si mesmos e não como um meio de beneficiar de melhores condições em outras prestações de serviços. Mais adiante referir-nos-emos com mais detalhe esta questão.

III.1.2. Atividade declarada versus atividade exercida

 III.1.2.1. Quadro de pessoal e demais colaboradores

A realidade cadastral do sujeito passivo referida no ponto II.3.2. também se encontra refletida no quadro de pessoal da empresa, entendido num sentido amplo, como o conjunto de pessoas a quem foram pagos rendimentos das categorias A e B (tal como são definidas no código do IRS). Efetivamente no quadro de pessoal da empresa nos anos em análise, fazem parte três pessoas (rendimentos da categoria A).

Para além das pessoas que formalmente integram o quadro de pessoal, a entidade inspecionada socorreu-se ainda de 36 indivíduos e de 33 indivíduos em 2014 e 2015 respetivamente, a quem pagou rendimentos da categoria B.

Deste grupo de pessoas, destaca-se a Dr.ª B..., que em maio de 2013 celebrou um contrato de prestação de serviços entre a nutricionista e a entidade inspecionada.

O contrato de prestação de serviços materializa-se essencialmente na realização de consultas de nutrição presenciais e aconselhamento alimentar em que como contrapartida dos serviços prestados, a entidade inspecionada pagará uma comissão de 70% do valor de cada consulta de nutrição extra faturada ao cliente e uma avença mensal no montante de € 120,00.

Com base nas declarações mensais de rendimentos (DMR) entregues pela entidade inspecionada nos anos em análise relativamente aos rendimentos de categoria B, conclui-se que os encargos suportados pelo sujeito passivo referentes à nutricionista representam apenas 1% em 2014 e 2,4% em 2015 da totalidade dos encargos suportados, conforme se pode verificar no quadro seguinte:

 

Daqui conclui-se que das 39 pessoas em 2014 (36 pessoas categoria B + 3 pessoas categoria A) e das 39 pessoas em 2015 (36 pessoas categoria B + 3 pessoas categoria A) arregimentadas pela sociedade A..., Lda., para levar a cabo as prestações de serviços que faturou, apenas uma delas trabalhou como nutricionista e com um "período normal de trabalho semanal" de dez horas e meia.

(...)

IIÍ.1.2.3. Áreas afetas

O estabelecimento é composto por uma área coberta/interior de aproximadamente 1.100 m2 (composta da seguinte forma: receção, dois balneários - feminino e masculino, três estúdios, sala de musculação, gabinete médico e gabinete de avaliação) e de uma érea exterior dê aproximadamente 3.800 m2, ascendendo a uma área total de 4.900 m2.

O gabinete médico onde se realizam as consultas de nutrição ocupa apenas, entre 10 e 12 m2!.

III.1.2.4. Análise dos valores declarados para efeitos de IVA

Os valores declarados para efeitos de IVA pelo sujeito passivo, em quadros:

 

 

Foi efetuado a comparação dos valores contantes dos ficheiros SAFTs da faturação entregues pelo sujeito passivo, com os valores constantes da contabilidade onde foram detetadas divergências que serão alvo de análise no seguimento deste ponto do relatório.

Os valores evidenciados no campo 9 (operações isentas sem direito à dedução) das declarações periódicas de IVA, correspondem a valores cobrados aos clientes/sócios relativamente a seguros e pela prestação de serviços de consultas de nutrição, em que o sujeito passivo não liquidou IVA por alegadamente se tratarem de operações isentas enquadradas no n.º 28 e n.º 1 do art. 9.º do CIVA respetivamente. Por outro lado, pelos serviços relacionados com as "atividades de bem-estar físico" (ginásio) o sujeito passivo liquidou o IVA à taxa normal de 23%.

De realçar que da análise dos valores constantes da conta "72118 - Isentas- Medicina" e "72119 - Isentas -Seguros" e das bases tributáveis declaradas para efeitos de IVA, no ano de 2015, verificou-se que o sujeito passivo não declarou a totalidade das bases tributáveis relacionadas com as operações isentas no período 201503T, no montante de € 33.462,02. Pese embora não se encontrem declarados tais réditos em sede de IVA os mesmos contribuíram como rendimentos para efeitos de IRC.

Dado tratar-se unicamente de base tributável que foi considerada isenta para efeitos de IVA, tal omissão declarativa não influenciou o apuramento do IVA naquele período.

Contrariando a informação cadastral prestada pela sociedade A..., Lda., assim como a composição do seu "quadro de pessoal", a afetação das instalações e dos equipamentos e ainda as atividades oferecidas, as declarações periódicas de IVA evidenciam que a atividade isenta tem um peso significativo no volume de negócios da sociedade: 48,88% em 2014 e 49,66% em 2015 conforme se pode verificar no quadro seguinte:

 

Não obstante, estando registado como um sujeito passivo misto com afetação real de todos os bens, nos anos objeto de análise deduziu praticamente a totalidade do IVA suportado na aquisição de bens e serviços, considerando que as mesmas estão afetas ao setor sujeito a IVA - ginásio. Tal comportamento contraria completamente a faturação emitida que se encontra refletida nas declarações periódicas apresentadas, em que a componente isenta é praticamente igual à sujeita.

Sendo assim, as únicas despesas suportadas relativo ao setor isento, correspondem à renumeração paga à nutricionista e aos encargos contabilizados na conta 62635 - seguros de ramo diversos referentes com o seguro de acidentes pessoais dos sócios/clientes.

III.1.2.5. Faturação - Ginásio e Nutrição

Conforme anteriormente referido, a sociedade está registada para o exercício de atividade de ginásio (atividade principal), atividade que nos anos de 2014 e 2015 era desenvolvida em instalações de terceiros.

Para a sua frequência, os seus clientes tornam-se sócios do clube mediante a assinatura de um contrato de adesão e suportando um valor semanal, uma mensalidade, trimestralidade ou anualidade, paga de forma antecipada, cujo valor depende essencialmente do número de frequências semanais.

De acordo com os esclarecimentos prestados pelos responsáveis da sociedade e tendo em conta a tabela de preços que vigora desde 1 de janeiro de 2014, a mensalidade paga pelos clientes inclui a frequência do ginásio bem como 1/3 (33%) das consultas de nutrição que os clientes/sócios tem direito trimestralmente incluindo os valores de IVA correspondentes.

Após consulta ao SAFT-Faturação, ao e-fatura e de acordo com os esclarecimentos prestados pelos responsáveis da sociedade, verificou-se que as faturas emitidas referentes às mensalidades, trimestralidades ou anualidades faturadas e comunicadas pela empresa à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), contêm sempre e de forma indiscriminada duas parcelas:

• Uma parcela sujeita à taxa normal de IVA de 23% referente à utilização do espaço (com uma percentagem de 60%);

• Outra parcela isenta de IVA nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9º do CIVA e relativa a consulta de nutrição (com uma percentagem de 40%).

Tendo em conta o exposto, o valor atribuído às consultas de nutrição ou acompanhamento nutricional varia em função da modalidade escolhida pelo cliente e consequentemente do valor a pagar que no geral corresponde a cerca de 40% do valor total, ou seja, o valor da consulta de nutrição não tem um valor fixo e é determinado em função da opção do cliente. Sendo assim, está-se perante um valor para a consulta de nutrição perfeitamente arbitrário e que contraria a própria tabela de preços.

A título de exemplo, apresenta-se nos quadros seguintes a faturação efetuada nos períodos de 2014 e 2015 dos seguintes clientes/sócios:

• C..., cliente/sócio n.º ... e NIF ... - Cliente semanal (Quadro 11);

• D..., cliente/sócio n.º ... e NIF ... - Cliente mensal (Quadro 12);

• E..., cliente/sócia n.º ... e NIF...- Cliente trimestral (Quadro 13);

• F..., cliente/sócio n.º ... e NIF...- Cliente anual (Quadro 14).

 

Questionado o sujeito passivo acerca da composição da faturação dos montantes celebrados com os clientes/sócios, o mesmo confirmou, em auto de declarações datado de 05/05/2017, que 60% do montante faturado é referente à atividade de ginásio e o remanescente (40%) é referente à atividade de nutrição. Assim, conclui-se que as descrições "Terapêutica semanal", "Terapêutica mensal", "Terapêutica trimestral" e "Terapêutica anual" referem-se aos montantes cobrados pelo sujeito passivo aos sócios/clientes relativo às consultas de nutrição.

Após consulta ao SAFT-Faturação nos anos de 2014 e 2015, o sujeito passivo apresenta os seguintes valores, ao nível das transações sujeitas a IVA e ao nível das transações isentas de IVA:

 

Analisando em pormenor a componente isenta patente na faturação do sujeito passivo para os anos em análise, observa-se que 85,89% do montante total faturado é referente à atividade de nutrição conforme quadro seguinte:

 

Por sua vez, analisando só a componente de nutrição, chegamos à conclusão de que 98,36% do montante total faturado é alusivo aos montantes semanais, mensalidades, trimestralidades ou anualidades contratualizadas entre o sujeito passivo e os clientes/sócios (com as seguintes descrições "Terapêutica semanal", "Terapêutica mensal", "Terapêutica trimestral" e "Terapêutica anual"):

 

III.1.2.6. Tabela de preços e contratos de adesão

III.1.2.6.1. Tabela de preços

De acordo com a tabela de preços disponibilizada pela entidade inspecionada e que vigora desde 1 de janeiro de 2014, a mensalidade paga pelos clientes inclui a frequência do ginásio bem como 1/3 das consultas de nutrição que os clientes/sócios tem direito trimestralmente incluindo os valores de IVA correspondentes, ou seja, analisado o preçário (documento que está afixado no estabelecimento), verifica-se que os serviços de nutrição estão integrados em pacotes que prevêem simultaneamente a prestação de serviços relacionados com a componente física juntamente com a componente de nutrição.

Está-se assim perante uma situação em que é incorporada, por defeito, a componente de nutrição nos pacotes apresentados aos clientes/sócios, simultaneamente com a componente de atividade física, tratando-se assim de um serviço unitário.

Não obstante as diferentes prestações de serviços possam ser analisadas de forma distinta e independente, nos casos em que a prestação de serviços consubstancie um único serviço no plano económico, esta não deve ser artificialmente decomposta. Ou seja, se o serviço for apresentado de forma integrada, este não pode ser decomposto e deve seguir o regime do IVA do serviço principal ou economicamente mais relevante.

Sendo assim, considera-se que as prestações de serviço de nutrição não são economicamente destacáveis, pelo que deverão ser tributadas, em sede de IVA, à taxa de 23% (art.º 18.º, n.º 1, alínea c) do CIVA).

III.1.2.6.2. Contratos de adesão

Para a frequência no estabelecimento do sujeito passivo, os seus clientes tornam-se sócios do "H...  Health Club" (identificação comercial da empresa), mediante a assinatura de um contrato de adesão, pagamento de inscrição e suportando uma mensalidade, trimestralidade ou anualidade, paga de forma antecipada, cujo valor depende essencialmente do número de frequências semanais.

No decurso do procedimento inspetivo solicitámos aos responsáveis da empresa, cópia dos contratos de adesão estabelecidos com os clientes.

Analisados os contratos, que se juntam como anexo, verificamos que apenas referem o valor global da mensalidade, não existindo qualquer discriminação de valores atribuídos a ginásio e nutrição, estando por isso as contraprestações deles emergentes sujeitas a IVA pela sua totalidade (ver Despacho 03-12-93, Proc. L 201 91 004 do SAIVA).

Face ao exposto, os valores registados a título de consultas de nutrição, estarão assim sujeitos à taxa de IVA de 23% - art.º 18.º, n.º 1, alínea c) do CIVA.

III.1.2.7. Prestação de serviços de nutrição

Conforme referido, foi celebrado em maio de 2013 um contrato de prestação de serviços entre a nutricionista e a entidade inspecionada.

O contrato de prestação de serviços materializa-se essencialmente na realização de consultas de nutrição presenciais e aconselhamento alimentar em que como contrapartida dos serviços prestados, a entidade inspecionada pagará uma comissão de 70% do valor de cada consulta de nutrição extra faturada ao cliente e uma avença mensal no montante de € 120,00.

Em sede de auto de declarações datado de 17/05/2017, a nutricionista declarou que as consultas presenciais de nutrição consistem essencialmente em: avaliação do peso e composição corporal (exemplo: verificação do peso do cliente, perímetros corporais, bioimpedância), análise clínica, avaliação dos hábitos alimentares, realização de um plano alimentar e definição de objetivos.

Mais declarou que, em média, a 1ª consulta presencial demora entre 45 e 60 minutos e as consultas seguintes entre 30 e 45 minutos.

As consultas de nutrição presenciais que os clientes da entidade inspecionada têm direito tendo em conta o contrato celebrado entre ambos, são realizadas mediante pré-marcação na receção da entidade inspecionada. São normalmente executadas em dois dias por semana (habitualmente à segunda-feira, terça-feira ou quarta-feira), em períodos distintos: um dia durante o período da manhã (entre as 9:00 e as 13:00) e outro dia durante o período da tarde (desde as 14:30 até às 20:30/21:00) no estabelecimento do sujeito passivo. A nutricionista não está sujeita a um horário de trabalho pré-estabelecido, no entanto declarou que costuma comparecer normalmente nas instalações da entidade inspecionada nos dois dias de semana referidos anteriormente independentemente de haver ou não pré-marcações.

Declarou também que grande parte das consultas realizadas nestes períodos (2014 e 2015) está incluída no montante da avença mensal de € 120,00 e que corresponde às consultas que os clientes têm direito tendo em conta os contratos celebrados entre estes e o sujeito passivo.

O pagamento por parte do sujeito passivo à declarante, mediante o contrato de prestação de serviços celebrado entre ambos, é efetuado no início de cada mês, normalmente até ao dia 8. O procedimento para apurar os montantes a faturar pela declarante é efetuado através do envio no final de cada mês de uma listagem das consultas extra realizadas. Após validação por parte da entidade inspecionada da listagem enviada pela declarante, efetua no início do mês seguinte o pagamento da comissão contratualizada (70% do valor das consultas extra faturadas aos clientes) juntamente com a avença mensal.

Com base nos documentos contabilísticos do sujeito passivo corroborado com a consulta efetuada ao e-fatura, durante os exercícios de 2014 e 2015, a nutricionista emitiu os seguintes recibos verdes eletrónicos relativos às prestações de serviços a A... Lda.:

 

Como se pode constatar no quadro acima, existem meses em que o montante faturado pela nutricionista à entidade inspecionada não atinge o montante mínimo contratualizado entre ambos (avença mensal de € 120).

De forma a esclarecer esta situação, tendo em conta o contrato de prestação de serviços celebrado entre a nutricionista e o sujeito passivo comparativamente aos montantes faturados em 2014 e 2015 pela prestação de serviços, a nutricionista foi notificada no dia 17/05/2017, para apresentar até ao dia 24/05/2017 por escrito o número, tipo e valor unitário das consultas efetuadas por mês durante este período.

Na resposta à notificação efetuada, a nutricionista apresentou no dia 24 de maio o quadro que de seguida se transcreve:

 

Adicionalmente no dia 31 de maio a nutricionista apresentou os seguintes esclarecimentos adicionais:

"Venho por este meio esclarecer que nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2014 e nos meses de Janeiro e Agosto de 2015 foi realizado, após acordo entre mim e a sociedade A..., Lda., o pagamento de parte da avença mensal com posterior acerto em meses seguintes devido a dificuldades por parte da tesouraria em realizar os devidos pagamentos. Nos meses referidos anteriormente o trabalho prestado por mim aos clientes da A..., Lda. manteve-se em dois dias por semana em períodos distintos, como tinha previamente acordado entre mim e a sociedade A..., Lda."

Os esclarecimentos apresentados pela nutricionista afiguram-se improváveis devido às seguintes situações verificadas aquando da ação inspetiva:

• Falta de revelação contabilística dos montantes em dívida - Qualquer despesa, quer esteja paga quer esteja em dívida, deve estar efetivamente revelada na contabilidade das empresas. Ora, após análise da conta 278 - outros devedores e credores nos anos em análise não se verifica qualquer saldo credor na contabilidade da A..., Lda. para com a nutricionista relativamente aos pagamentos das avenças mensais em falta;

Saldo das contas 11 - caixa e 12 - depósitos à ordem - A nutricionista refere que os pagamentos não foram efetuados devido a dificuldades de tesouraria por parte da entidade inspecionada. Esta afirmação não é acompanhada com aquilo que está patente na contabilidade do sujeito passivo, uma vez que nos anos em análise tendo em conta os saldos apresentados das contas 11 - caixa e 12 - depósitos à ordem, o sujeito passivo apresentava saldos com montantes mais do que suficientes para saldar as dívidas para com a nutricionista (saldo 2014 - € 21.006,49, saldo 2015 -€ 25.870,40);

Diferença entre as consultas extra declaradas pela nutricionista e as faturadas - Com base na resposta da notificação efetuada à nutricionista e de acordo com o quadro acima transcrito (quadro 19), a nutricionista declarou que o número de consultas extra realizadas nos anos em análise ascendeu a 8 em 2014 e 63 em 2015. Analisando a faturação do sujeito passivo, número de consultas extra faturadas aos clientes diverge do declarado pela nutricionista (60 em 2014 e 83 em 2015).

III.1.2.7.1. Capacidade para realização das consultas

Esta análise pretende concluir se o sujeito passivo tem capacidade instalada para realizar as consultas de nutrição que faturou aos clientes/sócios do estabelecimento.

Para apurar o n.º de consultas faturadas a clientes/sócios, teve-se em conta o n.º de itens faturados aos clientes/sócios nos anos em análise e a tabela de preços que vigora desde 1 de janeiro de 2014, no qual está patente que os clientes/sócios tem direito a consultas de nutrição com uma frequência trimestral;

 

De acordo com o auto de declarações da nutricionista, a duração das consultas é, em média, entre 45 e 60 minutos para a 1a consulta presencial e entre 30 e 45 minutos para as consultas seguintes.

Com base nestas declarações e de forma a estimar o n.º de horas que são necessárias para realizar as consultas faturadas pela entidade inspecionada, vamos considerar que a duração média das consultas equivale a 30 minutos.

Sendo assim, o número de horas necessárias para realizar as consultas faturadas pela entidade inspecionada no período em análise seria a seguinte:

 

De acordo com a nutricionista, as consultas de nutrição são normalmente executadas dois dias por semana, em períodos distintos: um dia durante o período da manhã (entre as 9:00 e as 13:00) e outro dia durante o período da tarde (desde as 14:30 até às 20:30/21:00), pelo que se pode apurar que por semana s nutricionista trabalha no máximo 10,5 horas conforme quadro seguinte:

 

Com base nas declarações da nutricionista, pode-se apurar que por ano a nutricionista trabalha no máximo 546 horas conforme quadro seguinte:

 

Com base nestes pressupostos, verificamos assim que o n.º horas necessárias para realizar as consultas faturadas no período em análise são completamente díspares do n.º de horas realizadas pela nutricionista:

 

Desta análise retira-se que a entidade inspecionada não tem capacidade instalada para realizar as consultas de nutrição que faturou aos clientes/sócios do estabelecimento, pelo que se conclui que o sujeito passivo encontra-se a faturar as consultas de nutrição aos clientes/sócios que não são efetivamente realizadas, ou seja, fatura aos clientes/sócios consultas de nutrição independentemente destes irem ou não às consultas.

De forma a viabilizar a realização das consultas faturadas seriam necessários 2 nutricionistas a trabalhar com mesma carga horária que suportou a Dr.º B... mais um nutricionista com metade da carga horária suportada.

De realçar que a estimativa efetuada é deveras favorável ao sujeito passivo pois assume como pressupostos os seguintes pontos:

Período médio de consulta bastante reduzido (30 minutos);

A nutricionista trabalhou nos anos em análise sem períodos de férias;

Trabalhou em todas as semanas dos anos em análise o n.º máximo de horas tendo em conta os períodos em que se encontra no estabelecimento do sujeito passivo (10,5 horas).

III.1.2.8. Operações a montante e a jusante ginásio, nutrição

O direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que os custos incorridos na sua aquisição sejam parte integrante dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito à dedução.

Não obstante, o direito à dedução é, de igual forma, concedido a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de uma relação direta e imediata entre determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Ou seja, quando tais custos apresentam uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo;

Analisada a estrutura da sociedade em apreço, verificamos que a quase totalidade dos gastos estão associados ao setor sujeito a IVA (ginásio), sendo que os gastos afetos ao setor isento de IVA (nutrição) são reduzidíssimos:

 

As consultas de nutrição são efetuadas num pequeno escritório, pelo que os consumos com eletricidade, água, aquecimento do edifício e TOC são completamente exíguos quando comparados com o ginásio, desta forma estes custos estão considerados na nossa análise no setor sujeito a IVA (ginásio).

Analisados os mapas de reintegrações e amortizações, verificamos que praticamente a totalidade do investimento realizado pelo sujeito passivo, está relacionado com o setor de atividade do ginásio, nomeadamente através dos investimentos em máquinas e equipamentos de ginásio pelo que a os gastos com amortizações e ajustamentos do exercício estão considerados no setor sujeito a IVA (ginásio).

No que diz respeito aos rendimentos da sociedade, tendo em conta os ficheiros SAFT-Faturação disponibilizados, os valores referentes ao setor sujeito a IVA e ao setor isento são bastante diferentes dos apresentados no quadro anterior referente aos gastos:

 

Ora, o que se verifica na entidade inspecionada é que nos inputs as despesas são imputadas corretamente aos setores sujeitos a IVA e ao setor isento, no entanto aquando dos outputs a formação do preço é completamente desvirtuada.

Um setor isento da nutrição que nos inputs tem um peso de 0,29% e 0,72%, passa nos outputs para um peso de 45,05% e 46,05% não apresentando qualquer racionalidade económica.

III.1.3. Prestação Principal

Com base no exposto, conclui-se que o negócio principal da sociedade é o ginásio. Os investimentos foram efetuados neste setor da atividade, quer ao nível das instalações, quer ao nível de equipamento, sendo que as consultas de nutrição disponibilizadas são um meio para os clientes beneficiarem de melhores condições no ginásio, ou seja, as consultas são prestações de serviços acessórias à prestação de serviços principal, a frequência do ginásio.

De acordo com a jurisprudência comunitária, uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal prestador.

Este conceito resulta da jurisprudência comunitária nos seguintes acórdãos:

• Acórdão de 22 de Outubro de 1998 "T.P.Madgett, R.M. Baldwin e The Howdert Court Hotel", Processos apensos C-308/96 e C-94/97, onde o Tribunal considerou que poderia haver prestações que, embora relacionadas com a prestação principal, "não constituem (...) um fim em si, mas um meio de beneficiar das melhores condições do serviço principal.", concluindo nesse contexto que se trata de "prestações (...) puramente acessórias relativamente às prestações [efetuadas a título principal.]";

• Acórdão de 25 de Fevereiro de 1999, "Card Protection Plan Ltd", Processo C-349/96, através do qual o TJCE firmou o entendimento de que "uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador".

Decorre do espírito da redação do artigo 2º, n.º 1, c) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, que deve ser entendido no sentido de que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente e de que a prestação constituída por um único serviço no plano económico não deve ser artificialmente decomposta, para não alterar a funcionalidade do IVA.

O cliente da modalidade do ginásio beneficia da consulta de nutrição, no entanto esta consulta não constitui um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar das melhores condições do serviço principal do prestador, ou seja, o ginásio.

De referir por outro lado, que existem outros concorrentes que prestam serviços semelhantes, e que ao contrário do "H... Health Club" (identificação comercial da empresa) liquidam IVA a 23% sobre o total da mensalidade, trimestralidade ou anualidade paga pelos clientes.

Ora, "prestações de serviços, que estão portanto, em concorrência entre si, não devem ser tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA".

Assim sendo e face ao que antes se deixou escrito, fica demonstrado que a sociedade A..., Lda. isentou indevidamente uma parte do valor dos serviços que prestou, mais precisamente a parte correspondente à componente de nutrição patente nas semestralidades, mensalidades, trimestralidades ou anualidades contratualizadas e cobradas aos seus clientes/sócios.

Esta isenção indevida originou a falta de liquidação de IVA, à taxa de 23% nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 18.º do CIVA, assim como a consequentemente falta de pagamento desse mesmo imposto.

III. 1.4. Isenção indevida - Seguros

Analisando a componente isenta da faturação do sujeito passivo para os anos em análise, verifica-se que apresenta no seu volume de negócios uma componente com um peso significativo referente aos montantes cobrados aos seus clientes/sócios, relacionado com os seguros que estes pagam ao sujeito passivo de forma a poderem usufruir das suas instalações. Os valores faturados relativos a seguros ascendem a € 19.030,00 em 2014 e € 15.857,24 em 2015.

Conforme já referido e de acordo com os ficheiros SAFT-Faturação, cedidos pela entidade inspecionada, o sujeito passivo encontra-se a faturar os montantes referentes aos seguros, isentos de IVA apresentando como motivo de isenção a seguinte descrição "Isento Artigo 9º do CIVA (ou similar) ".

Consultada a contabilidade da entidade inspecionada verifica-se que os encargos que o sujeito passivo incorreu correspondentes ao seguro de acidentes pessoais dos sócios/clientes estão contabilizados na conta 62635 - Seguros ramo diversos, que atingiram os montantes de € 1.558,15 em 2014 e € 931,19 em 2015.

Com base no exposto, conclui-se que o sujeito passivo não se limitou a efetuar o redébito das despesas referentes aos encargos que suportou com os seguros para os seus clientes/sócios. Assim, estamos perante uma atividade económica de valor acrescentado no qual a empresa apresenta um resultado positivo ou lucro inerente a esta atividade, pelo que o sujeito passivo não pode beneficiar da aplicabilidade da isenção constante no n.º 28 do art.º 9º do CIVA.

Deste modo, os seguros faturados aos clientes são tributados à taxa de 23%, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 18.º do CIVA.

III.2. APURAMENTO do IVA EM FALTA

Os argumentos apresentados no presente relatório, e que resumiremos sucintamente, permitem-nos concluir que os serviços prestados pela empresa estão sujeitos à taxa normal de IVA, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18º do CIVA:

« A prestação de serviços principal é a frequência do ginásio, pelo que a consulta de nutrição é uma prestação de serviços acessória, o que não constitui para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador;

• Nos inputs as despesas são imputadas, praticamente na sua totalidade, aos setores sujeitos a IVA, pelo que nos outputs a formação de preço deve manter este critério;

» Tabela de preços onde se verifica a existência de pacotes que prevêem simultaneamente a prestação de serviços relacionados com o ginásio juntamente com a nutrição. Trata-se de um serviço unitário que não deve ser artificialmente decomposto e deve seguir o regime de IVA do serviço principal ou economicamente mais relevante (ginásio);

• Contratos estabelecidos com os clientes, sem discriminação de valores atribuídos a ginásio e nutrição, logo as contraprestações deles emergentes estão sujeitas a taxa normal de IVA;

• A entidade inspecionada não tem capacidade instalada para realizar as consultas de nutrição que faturou aos clientes/sócios do estabelecimento, pelo que se conclui que o sujeito passivo encontra-se a faturar consultas de nutrição aos clientes/sócios que não são efetivamente realizadas, ou seja, fatura aos clientes/sócios consultas de nutrição independentemente destes irem ou não às consultas;

• Atividade económica de valor acrescentado relacionado com os seguros, pelo que a entidade inspecionada não pode beneficiar da aplicabilidade da isenção constante no n.º 28 do art.º 9.º do CIVA.

 

Assim sendo, e face aos dados e argumentos apresentados, fica demonstrado que a A..., Lda. usufruiu de forma indevida de uma isenção de IVA, que originou falta de liquidação, à taxa de 23% nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 18º do CIVA, e consequentemente falta de pagamento de imposto por parte do sujeito passivo, na parte correspondente às intituladas prestações de serviço de nutrição e seguros, pela não aplicabilidade da isenção constante no nº 1 e n.º 28 do artigo 9º do CIVA:

 

Uma nota final. Tendo a sociedade A..., Lda. declarado operações ativas isentas que não conferem direito à dedução e outras não isentas, o mesmo é dizer, sendo a entidade inspecionada em termos de enquadramento em IVA, um sujeito passivo misto, poder-se-ia colocar a questão do imposto eventualmente considerado como não dedutível, por força de respeitar as aquisições de bens ou serviços objeto de utilização em operações ativas que não confiram o direito à dedução do imposto suportado.

Ponderada essa possibilidade, foi solicitado ao contabilista certificado da A..., Lda. a Identificação das contas utilizadas para o lançamento do IVA não dedutível pelo facto do mesmo se referir à aquisição de bens ou de serviços exclusivamente afetos a operações isentas a imposto, mas sem direito a dedução. Na eventualidade de não terem sido criadas contas especificamente para este fim, solicita-se a indicação do IVA que foi considerado não dedutível pela razão atrás indicada, ou se, pelo contrário, não ocorreu qualquer enquadramento em regime misto".

Perante esta questão o contabilista certificado informou que: "...a empresa está no regime de afetação real, e foi considerado que esse IVA era relacionado com a atividade não isenta e como tal deduzido na íntegra".

 

D)           O acesso aos serviços prestados pela Requerente é feito mediante inscrição e escolha da modalidade de frequência e de pagamento, de acordo com a tabela de preços e condições vigentes, incluindo seguro anual de acidentes pessoais. Sem prejuízo da possibilidade de acesso em regime ocasional ou avulso, tanto no que respeita às actividades gímnicas, como aos equipamentos desportivos, ao campo de futebol, ténis e padel, etc., e ao aconselhamento nutricional, – documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

E)            A facturação exprime a disponibilização deste conjunto de serviços, individualizando-os em termos de preço/valor e do regime do IVA a que se encontram sujeitos, conforme exemplo adiante junto (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

F)            A facturação aos sócios/clientes diz respeito a frequência do espaço na modalidade escolhida, bem como ao aconselhamento nutricional e avaliação física, e ainda, uma vez por ano, ao seguro de acidentes pessoais;

G)           A Requerente colocou à disposição dos seus clientes/sócios serviços de aconselhamento nutricional e avaliação física, em gabinete próprio e através de profissional habilitado para o efeito, dentro de horário disponibilizado e nas suas instalações, tal como colocou à disposição dos seus clientes/sócios a possibilidade de usufruírem das actividades gímnicas, com e sem aulas, dos equipamentos desportivos, do campo de futebol, tênis e padel, etc., disponibilizadas nas suas instalações e com profissionais habilitados para o efeito;

H)           Auferir desses serviços é algo que apenas depende dos clientes/sócios;

I)             Apenas uma pequena parte dos sócios da Requerente utiliza integralmente os serviços que contrata (artigo 27.º da reclamação graciosa);

J)            Na sequência da acção inspectiva foram emitidas as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:

K)           A Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações referidas, que foi indeferida nos termos que constam da parte 7 do processo administrativo cujo teor se dá como reproduzido;

L)            A Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa;

M)          O recurso hierárquico foi indeferido nos termos que constam do documento junto pela Requerente, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

IV. RECURSO HIERÁRQUICO

V.1 SÍNTESE DOS FUNDAMENTOS APRESENTADOS PELA RECORRENTE

A Recorrente veio interpor recurso hierárquico com base nos fundamentos que se dão aqui por integralmente reproduzidos.

No essencial, defende que se trata de prestações de serviços autonomizáveis, e não de uma prestação de serviços complexa cuja decomposição revestiria um carácter artificial. Ou seja, entende que os serviços de aconselhamento de nutrição, de avaliação médica e de seguros, porque autónomos em relação aos serviços de utilização de ginásio, estão isentos de imposto.

Sem prescindir, e admitindo que os SIT pudessem considerar que os serviços prestados de aconselhamento de nutrição, de avaliação e de aconselhamento médico e de seguros, isentos no termos das alíneas 1) e 28) do artigo 9.º do Código do IVA, haviam sido sobrevalorizados, em detrimento do valor dos serviços prestados sujeitos e não isentos, alega que deveriam ter sido aplicados métodos indiretos de avaliação, conferindo-lhe a possibilidade de solicitar a revisão da matéria tributável fixada, nos termos do artigo 91.º da LGT.

Considera também que o indeferimento da reclamação graciosa contraria a informação vinculativa n.º 9215, com despacho de 2015-08-19, bem como o parecer e a jurisprudência invocados na reclamação graciosa apresentada e respetivo direito de audição.

V.2 APRECIAÇÃO DO RECURSO HIERÁRQUICO

V.2.1 FACTOS

A Recorrente iniciou a atividade em 2008-07-01 e encontra-se registada como sujeito passivo de IVA, do tipo misto com afetação real de todos os bens, para o exercício da atividade principal de "Gestão de instalações desportivas", CAE 93110, e das atividades secundárias de "Actividades de prática médica de clínica especializada, em ambulatório", CAE 86220, e de "Outras actividades de saúde humana, n.e.", CAE 86906, com enquadramento no regime normal de periodicidade trimestral.

V.2.2 ANÁLISE

Em conformidade com os elementos constantes do presente processo, está em crise o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios, respeitantes aos anos de 2014 e 2015.

A questão controvertida prende-se com a falta de liquidação de IVA sobre o valor das mensalidades do ginásio, na parte que a Recorrente isentou de imposto, invocando que esse valor respeita a operações autónomas e que são aplicáveis as isenções previstas na alínea 1) e 28) do 1 artigo 9.º do Código do IVA.

Relativamente ao Parecer da Professora Doutora Clotilde Celorico Palma, transcrevem-se as correspondentes conclusões:

"1. O IVA é um imposto de matriz comunitária, encontrando-se harmonizado na União Europeia existindo um sistema comum deste tributo nos 28 Estados membros actualmente acolhido na (denominada Directiva IVA, tendo o Direito da União Europeia supremacia sobre o Direito interno.

2. De acordo com o disposto no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), da Directiva IVA, os Estados membros isentam as seguintes operações: "c) As prestações de serviços de assistência efetuadas j no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa".

3. Este normativo foi entre nós transposto no n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, com a epigrafe '«Isenções nas operações internas», que determina o seguinte:

"Estão isentas do imposto:

1) As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista,

parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas [...]".

4. Vistas as regras aplicáveis na situação controvertida, a sua ratio legis e a interpretação que das mesmas tem vindo a ser feita pelo TJUE, é inevitável concluirmos que, à partida, a prática de actividades físicas e os serviços de nutricionismo se tratam de realidades distintas perfeitamente autonomizáveis que, enquanto tal, merecem um tratamento distinto para efeitos de IVA.

5. No caso do nutricionismo, está desde logo em causa o valor público constitucionalmente protegido do acesso à saúde.

6. (...) Os especialistas em nutricionismo exercem uma profissão legalmente disciplinada, exigindo-se um conjunto de requisitos para o respectivo exercício.

7. Para efeitos da concessão da isenção prevista entre nós no n. 1 do artigo 9.º do CIVA, encontram-se, consequentemente, preenchidos os requisitos de aplicação da isenção tal como têm vindo a ser interpretados pelo TJUE, a saber: (i) Estamos perante serviços de assistência; (ii) Prestados por paramédicos no exercício da respectiva profissão.

8. Cada vez mais os ginásios se têm vindo a assumir, atento o panorama internacional e nacional descrito, como espaços de saúde e de promoção de estilos de vida saudáveis, ultrapassando a velha ideia de espaços restritos às práticas de educação física. Assim, para além dos tradicionais serviços de actividades físicas, impõe-se a prestação de outros serviços numa óptica de complementaridade, nomeadamente de aconselhamento/consultas de nutricionismo, tal como a OMS e a DE, entre outras instâncias, e o Governo português têm vindo a salientar e a recomendar.

9. De facto, está "desde logo sempre em causa uma actividade ligada à saúde, ainda que, por vezes, com fins preventivos.

10. Vimos que, para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única para efeitos do IVA, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa.

11. Interessa, pois, desde logo, aferir casuisticamente se estamos perante uma prestação de serviços qualificável como principal e uma prestação de serviços qualificável como acessória.

12. Ora, não estamos, à partida, perante uma prestação única.

13. As prestações de serviços de aconselhamento/consultas de nutricionismo distinguem-se claramente das prestações de serviços de prática de actividades físicas.

14. Tais actividades são complementares. A prestação de serviços de aconselhamento/consultas de nutricionismo não é indispensável para a realização de prestações de serviços relativas à prática de actividades físicas. Na realidade, tais prestações de serviços existem, nas palavras do TJUE, independentemente uma da outra, pelo que não poderão, em regra, ser vistas nunca óptica de acessoriedade.

15. A apreciação separada dessas prestações não pode constituir, em si mesma, uma decomposição artificial de uma operação económica única, susceptível de alterar a funcionalidade do sistema do IVA.

16. Assim sendo, importa averiguar se há razões específicas às circunstâncias em causa que levem a considerar que os elementos em causa constituem uma operação única aferindo, designadamente, da importância de cada uma das prestações de serviços.

17. Na prática importa aferir casuisticamente, sendo a nosso ver fortes indícios a favor da sua individualidade e consequente tratamento distinto em sede de IVA (aplicação da taxa normal às prestações de serviços de actividades físicas e da isenção às prestações de serviços de nutricionismo): (i) A contratação de nutricionistas inscritos na respectiva Ordem legalmente habilitados a exercer tal profissão ; (ii) A existência de instalações adequadas à prática da actividade de nutricionismo, nomeadamente de gabinetes devidamente apetrechados para as consultas; (iii) A prática de facturação separada, individualizando especificamente as prestações te serviços de nutricionismo das prestações de serviços relativas à prática de actividades físicas". Ora, como se conclui do citado parecer, ainda que, em teoria, se deva considerar que as prestações de serviços de nutricionismo e as prestações ligadas às atividades físicas são gestações de serviços autónomas e complementares, impõe-se, na prática, uma análise casuística Com efeito, e como consta do citado parecer, a apreciação separada dessas prestações não pode constituir, em si mesma, uma decomposição artificial de uma operação económica única, suscetível de alterar a funcionalidade do sistema do IVA, como seja a decomposição do valor da mensalidade do ginásio em serviços ligados à atividade física e serviços de acompanhamento nutricional, diminuindo dessa forma o montante do imposto a entregar ao Estado que, de outro i modo, seria devido.

Por conseguinte, afigura-se-nos que o mencionado Parecer não contraria, e até corrobora, o entendimento dos SIT.

Tendo os SIT verificado que o valor atribuído às consultas de nutrição ou acompanhamento nutricional varia em função da modalidade escolhida pelo cliente, correspondendo a cerca de 40% do valor total a pagar, parece-nos evidente que estamos claramente perante uma decomposição artificial da mensalidade do ginásio, tendo em vista a redução do imposto a entregarão Estado.

 Quanto ao Acórdão do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), processo n.º 454/2017-T, de 2018-04-02, o mesmo não encontra similitude com o caso dos autos, porquanto nele se concluiu que"(...) os serviços de nutrição foram efetivamente prestados, não procedendo, por isso, o considerando plasmado no RIT, segundo o qual as consultas em questão seriam não presenciais, designadamente por email e telefone".

No caso vertente, os factos apurados pelos SIT não deixam margem para dúvidas de que as consultas de nutrição não foram efetivamente prestadas, como se evidencia, desde logo, pelos montantes faturados pela nutricionista contratada pela Recorrente, nos anos de 2014 e 2015. E não se alegue, porque nunca se disse, nem demonstrou, no decurso da ação inspetiva, que o gerente da empresa prestou serviços médicos, nos anos em causa, junto da Recorrente. Nem a nutricionista contratada pela Recorrente, questionada pelos SIT acerca dos reduzidos valores faturados, alguma vez mencionou não ser apenas ela quem prestava os serviços controvertidos,

E, consultada a aplicação informática modelo 10, verifica-se que, nos anos de 2014 e 2015, não consta o pagamento, por parte da Recorrente, de quaisquer rendimentos ao gerente G..., NIF ..., sendo pouco crível que o mesmo assegurasse gratuitamente os alegados serviços de avaliação médica a que eram sujeitos "todos os utentes, para avaliar da sua inscrição e continuação no ginásio".

Ademais, é a própria Recorrente quem refere que"(...) sempre se tem em consideração que apenas uma pequena parte dos utentes utiliza integralmente os serviços que contrata" (porto 27.º da reclamação graciosa).

Ora, estando em causa a aplicação de uma isenção, cumpre à Recorrente o ónus da prova de que se verificam os respetivos pressupostos, nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, devendo demonstrar que, de facto, os serviços foram prestados por quem estava habilitado para o efeito e que tais serviços prosseguiram um fim terapêutico, o que não logrou fazer.

 No que concerne às informações vinculativas prestadas e regularmente publicadas, designadamente, no âmbito dos Processos 2962 e 9215, acerca da prestação de serviços de nutrição, como se reconhece no citado Parecer, o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) encontra-se em consonância com a jurisprudência comunitária.

Na Informação Vinculativa n.º 2962, sancionada superiormente com despacho do Subdiretor-Geral dos Impostos, substituto legal do Diretor-Geral, em 2012-04-18, foi esclarecido o seguinte:

 "9. No que respeita às atividades paramédicas e dado que não existe no CIVA um conceito que as defina, há que recorrer ao Decreto-Lei 11.º 261/93, de 24 de julho, bem como ao Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto, uma vez que são estes dois diplomas que contêm em si os requisitos a observar para o exercício das respectivas atividades.

10. Assim, no âmbito das atividades paramédicas, só os profissionais de saúde devidamente habilitados para o seu exercício nos termos dos Decretos-Lei anteriormente citados, podem beneficiar de enquadramento na isenção prevista no n.º 1 do artigo 9.º do CIVA.

11. Acresce, ainda, que nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto, as profissões de diagnóstico e terapêutica devem compreender a realização das atividades constantes do anexo ao Decreto-Lei n.º 261/83, de 24 de julho, tendo como matriz a utilização ]de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação.

12. Tal significa que as prestações de serviços, ainda que efetuadas por paramédicos, que não tenham tal objetivo terapêutico (promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação), estão excluídas do âmbito de aplicação da isenção.

 13. No item 5 do anexo ao Decreto-Lei n.º 261/83, de 24 de julho, encontra-se prevista a atividade de Dietética. De acordo com as descrições previstas para esta atividade, a mesma compreende a "Aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, [designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares".

14. No que respeita ao exercício da atividade de nutricionista, uma vez que a mesma se enquadra na descrição prevista para o exercício da atividade de dietética no citado item 5 do anexo ao Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho, tem sido entendimento destes Serviços que as prestações de serviços efetuadas por esses profissionais podem ser abrangidas pela isenção prevista no n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA, na medida em que sejam cumpridas as condições enumeradas nos Decretos-Lei n.ºs 261/93, de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto e se refiram a operações abrangidas no item 5 do anexo ao Decreto-Lei n.º 261/93.

15. Face ao exposto, e como anteriormente referido, a atividade de nutricionista pode beneficiar da isenção consignada no n.º 1 do artigo 9º do CIVA, desde que o seu exercício se enquadre na descrição prevista no item 5 do anexo ao Decreto-Lei n.º 261/93, para a atividade de dietética.

16. No caso concreto, foi celebrado com a consulente, na qualidade de nutricionista, um contrato de prestação de serviços, no qual se verifica a enumeração de serviços que, porque não se encontram diretamente relacionados com a "promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação", extravasam "o âmbito da isenção prevista no n.º 1 do artigo 9.º do Código.

17. Deste modo, uma vez que não se pode individualizar as operações realizadas pela consulente no âmbito do contrato de prestação de serviços que celebrou com a instituição, deve proceder por todos os serviços efetuados, à liquidação do imposto à taxa normal prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA (23%).

18. A este propósito, decorre do espírito da redação do artigo 2.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, que deve ser entendido no sentido de que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente e de que a prestação constituída por um único serviço no plano económico não deve ser artificialmente decomposta, para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA".

Na Informação Vinculativa, Processo n.º 9215, sancionado superiormente com despacho de 2015-08-19, do Subdiretor-Geral do IVA, por delegação do Diretor- Geral da AT, foram prestados os seguintes esclarecimentos:

"10.No que respeita às atividades paramédicas, dado que não existe no CIVA um conceito que as defina, há que recorrer ao Decreto-Lei n.º 261/93 de 24 de julho, bem como ao Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto (ambos do Ministério da Saúde), uma vez que são estes dois diplomas que contêm em si os requisitos a observar para o exercício das respetivas atividades.

11. Em conformidade com o estabelecido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto, ambos os diplomas visam prosseguir a proteção da saúde dos cidadãos, enquanto direito social constitucionalmente consagrado"(...) através de uma regulamentação das atividades técnicas de diagnóstico e terapêutica que condicione o seu exercício em geral, quer na defesa do direito à saúde, proporcionando a prestação de cuidados por quem detenha habilitação adequada, quer na defesa dos interesses dos profissionais que efetivamente possuam os conhecimentos e as atitudes próprias para o exercício da correspondente profissão".

12. Neste sentido determina o n.º 3 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho, que as atividades paramédicas são as constantes da lista anexa ao citado diploma, do qual faz parte integrante, e compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou da reabilitação.

13. É, ainda, condição essencial para o exercício destas atividades profissionais de saúde e determinante para a atribuição da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, a verificação de determinadas condições, nomeadamente a titularidade de curso, obtido nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto.

14. A referida lista anexa ao Decreto-Lei n.º 261/83, de 24 de julho, prevê no seu item 5, a atividade de Dietética. De acordo com a descrição aí prevista, esta atividade compreende a "Aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares".

15. A atividade de nutricionista enquadra-se na descrição prevista para o exercício da atividade de "dietética" prevista nos Decretos-Lei anteriormente citados, pelo que, tem sido entendimento da AT que as prestações de serviços efetuadas por nutricionistas podem ser abrangidas pela isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que estejam cumpridas as condições enumeradas nos referidos diplomas e se refiram a operações abrangidas pelo item 5 do Anexo ao Decreto-Lei n.º 261/93.

16. Nesse pressuposto, os serviços prestados por dietistas, bem como, por nutricionistas, quer sejam prestados diretamente ao utente quer sejam prestados a uma qualquer entidade com quem contratualizem os seus serviços, são abrangidos pela isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA.

17. Está isenção refere-se ao exercício objetivo das atividades e não à forma jurídica que o caracteriza, encontrando-se, assim, as atividades descritas, isentas ainda que desenvolvidas no âmbito das sociedades. Tal entendimento decorre da interpretação desta disposição legal pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nomeadamente no Acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no âmbito do processo C-141/00 (caso Kugler, Colect. P. 1-6833, n.º 26), que resume o caráter objetivo da isenção no preenchimento de duas condições: se trate de serviços médicos ou paramédicos e que estes sejam fornecidos por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.

18. Deste modo, as prestações de serviços de nutrição que venham a ser realizadas pela requerente, sendo por esta faturados diretamente aos utentes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam asseguradas por profissionais (dietistas e nutricionistas) habilitados para o exercício dessa atividade, nos termos da legislação aplicável. Neste caso, nas faturas a emitir aos utentes deve constar a referência à citada isenção".

Como é evidente, as informações vinculativas acabadas de citar não versam sobre a situação de facto que aqui está em causa, de decomposição do valor da mensalidade em serviços de nutrição e outros, independentemente de estes serem prestados ou não.

Por conseguinte, não se pode dizer que o relatório de inspeção tributária ou que a decisão recorrida não cumprem o entendimento veiculado nas informações vinculativas publicadas ou que estas não esclareceram convenientemente os contribuintes.

Senão, vejamos o que nos diz a Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC), em parecer técnico recentemente publicado:

"A questão colocada refere-se ao tratamento em sede de IVA de serviços prestados de atividades paramédicas, como o nutricionismo, por uma entidade que exerce a atividade de serviços de atividades físicas e desportivas (ginásio).

A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) já emitiu vários entendimentos sobre a atividade de nutricionismo, nomeadamente através do entendimento administrativo sobre a questão colocada através da informação vinculativa Proc.: 9215, por despacho de 2015-08-19, do SDG do IVA, por delegação do diretor-geral da AT.

Nos termos da alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA (CIVA), as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas estão isentas de imposto.

No que respeita às atividades paramédicas, dado que não existe no CIVA um conceito que as defina, há que recorrer ao Decreto-Lei n.º 261/93 de 24 de julho, bem como ao Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto (ambos do Ministério da Saúde), uma vez que são estes dois diplomas que contêm em si os requisitos a observar para o exercício das respetivas atividades.

Determina o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 261/83, de 24 de julho, que as atividades paramédicas são as constantes da lista anexa ao citado diploma, do qual faz parte integrante, e compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou da reabilitação.

É, ainda, condição essencial para o exercício destas atividades profissionais de saúde e determinante para a atribuição da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, a verificação de determinadas condições, nomeadamente a titularidade de curso, obtido nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto.

A referida lista anexa ao Decreto-Lei n.º 261/33, de 24 de julho, prevê no seu item 5 e 7, respetivamente, a atividade de dietética e de fisioterapia.

De acordo com a descrição aí prevista, esta atividade compreende a «Aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação ide bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares.»

A atividade de nutricionista enquadra-se na descrição prevista para o exercício da atividade de "dietética" prevista nos Decretos-Lei anteriormente citados, pelo que tem sido entendimento da AT que as prestações de serviços efetuadas por nutricionistas podem ser abrangidas pela isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que estejam cumpridas as condições enumeradas nos referidos diplomas e se refiram a operações abrangidas pelo item 5 do anexo ao Decreto-Lei n.º 261/93.

Nesse pressuposto, os serviços prestados por dietistas, bem como, por nutricionistas, quer sejam prestados diretamente ao utente quer sejam prestados a uma qualquer entidade com quem contratualizem os seus serviços, são abrangidos pela isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA.

Esta isenção refere-se ao exercício objetivo das atividades e não à forma jurídica que o caracteriza, encontrando-se, assim, as atividades descritas, isentas ainda que desenvolvidas no âmbito das sociedades.

Tal entendimento decorre da interpretação desta disposição legal pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nomeadamente no Acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no âmbito do processo C-141/00 (caso Kugler, Colect. P, I-6833, n.º 26), que resume o caráter objetivo da isenção no preenchimento de duas condições: se trate de serviços médicos ou paramédicos e que estes sejam fornecidos por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.

Deste modo, as prestações de serviços de nutrição e de fisioterapia que venham a ser realizadas pelo ginásio, sendo por estas faturadas diretamente aos utentes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam asseguradas por profissionais (dietistas, nutricionistas e fisioterapeutas) habilitados para o exercício dessa atividade, nos termos da legislação aplicável. Neste caso, nas faturas a emitir aos utentes deve constar a referência à citada isenção.

No que respeita à taxa de IVA a aplicar nas consultas nutrição, não basta a indicação separada na fatura, é necessário que sejam operações suscetíveis de serem desagregadas.

Por exemplo, se o ginásio cobra um valor único para acesso ao ginásio, dando também a possibilidade do cliente aceder a consultas de nutrição, na nossa opinião, trata-se de uma operação única, sendo aplicável a taxa de 23 por cento.

Se a aquisição de consultas de nutrição puder ser feita separadamente do valor cobrado para acesso ao ginásio, então, havendo separação dessas duas prestações de serviços na fatura, à consulta de nutrição pode ser aplicável a isenção verificadas as condições acima descritas.

A este respeito é oportuno recordar o que, a propósito das prestações de serviços compostas, concluiu o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), em 17 de janeiro de 2013, no acórdão proferido no processo C-224/11, designado também por BGZ Leasing sp. z.o.o.

O citado acórdão, a propósito da distinção entre se uma prestação é única, composta ou se são duas prestações distintas, esclarece que, para efeitos de IVA, cada prestação deve ser considerada distinta e independente, tal como resulta do artigo 1,º n.º 2, segundo parágrafo, da Diretiva IVA.

Refere, ainda, aquele acórdão que, «(n)ão obstante, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, em determinadas circunstâncias, várias operações formalmente distintas, suscetíveis de ser realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, à tributação ou à isenção, devem ser consideradas uma operação única quando não sejam independentes.»

Ou seja, há situações em que apesar de existirem várias prestações, estas se consideram indissociáveis: referindo a este respeito o TJUE, no citado processo, que «está em causa uma operação única, nomeadamente, quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria um caráter artificial.»

Assim, o Tribunal de Justiça já decidiu que não só cada prestação deve ser normalmente considerada distinta e independente, como também nas situações em que a operação seja constituída por uma prestação única no plano económico não deve ser artificialmente decomposta.

Resulta, ainda, da jurisprudência daquele Tribunal que, na hipótese de uma operação complexa única, uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador (acórdãos do TJUE, de 22 de outubro de 1998, Madgett e Baldwin, C 308/96 e C 94/97).

Assim, uma vez que, por um lado, cada prestação deve normalmente ser considerada distinta e independente e, por outro lado, a operação constituída por uma só prestação no plano económico não deve ser artificialmente dividida, para não se alterar o funcionamento do sistema do IVA, importa, em cada caso concreto, averiguar os elementos característicos da operação para se determinar se os serviços fornecidos constituem várias prestações principais distintas ou uma prestação única.

Em conformidade com este entendimento, torna-se essencial determinar se, no caso em concreto, os serviços fornecidos formam uma prestação única economicamente indivisível, que seria artificial separar, ou se são constituídos por diversas prestações de serviços individualizadas.

No caso em concreto, a prestação de serviços é única, apesar de ser composta por vários serviços realizados. Na realidade, os clientes da empresa adquirem o acesso ao ginásio da empresa e não os serviços de nutricionismo de forma individualizada. Dessa forma, a empresa em causa não deve efetuar qualquer desagregação na fatura, com o objetivo de aplicar taxas de IVA específicas a cada serviço realizado, devendo antes aplicar uma taxa comum ao serviço como um todo. No caso em concreto, a taxa a aplicar será a taxa normal prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA.

Este entendimento pode ser consultado na Informação Vinculativa emitida pela AT (Proc.: n.º 10454, por despacho de 21-06-2016, do SDG do IVA, por delegação do diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira)

[...]".

De realçar ainda que não basta que os serviços de nutrição ou de acompanhamento nutricional sejam realizados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável, como parece defender a Recorrente.

Como sempre se tem entendido e feito constar das informações vinculativas prestadas, incluindo a informação vinculativa n.º 9215, é que, para se aplicar a isenção consignada para as consultas de nutrição e dietética, é ainda necessário que as operações em causa sejam realizadas com um objetivo terapêutico, tal como definido na jurisprudência comunitária. A isenção consignada na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA resultou da transposição para a ordem internado disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (doravante Diretiva IVA), segundo a qual os Estados-membros isentam "As prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa.

De acordo com o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), os termos utilizados para designar as isenções previstas no artigo 132.º da Diretiva IVA constituem conceitos autónomos do direito comunitário (1) e são de interpretação estrita, dado constituírem derrogações ao princípio geral de que o IVA incide sobre todas as prestações de serviços efetuadas a título oneroso por um sujeito passivo (2).

O TJUE tem-se pronunciado igualmente no sentido de a interpretação desses termos dever estar em conformidade com os objetivos prosseguidos pelas isenções consignadas nesse artigo e respeitar as exigências do princípio da neutralidade inerente ao sistema comum do IVA (3).

Mais refere que a regra de interpretação estrita não deve implicar que os termos utilizados para definir as isenções sejam interpretados de maneira a privá-las dos efeitos que prosseguem (4) e que estes termos devem ser interpretados à luz do contexto em que se inserem, das finalidades e da economia da Diretiva IVA, tendo especialmente em conta a ratio legis da isenção em questão (5).

 No que respeita ao conceito de prestações de serviços médicos, o TJUE tem vindo a reiterar que consideram como tal as que consistam em prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer anomalia de saúde (6).

Nesta conformidade, os serviços relacionados com os cuidados de saúde devem ser entendidos como uma terapêutica necessária e com um propósito de prevenção, tratamento e, se possível, de cura das doenças ou outros problemas de saúde.

Assim, para a aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, é essencial que estejam em causa serviços que se consubstanciem na administração direta dos cuidados de saúde ao utente e que os mesmos sejam efetivamente realizados.

Apenas depois de reunidas as condições para aplicação da isenção, que pressupõe a efetiva realização de serviços de saúde, podem tais serviços ser individualizados na fatura e considerado como uma operação independente de quaisquer outras.

Não se inserindo no conceito de prestações de serviços médicos, tal como definido na

jurisprudência do TJUE, na medida em que não têm em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento das doenças ou de qualquer anomalia de saúde, mas apenas a disponibilização do direito de usufruir de um conjunto de serviços (nos quais se incluem os serviços médicos ou paramédicos), as prestações em causa ficam afastadas do campo de aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA.

De facto, a referência na fatura à prestação de serviços (para) médicos, como fazendo parte do valor de uma mensalidade previamente contratualizada, independentemente de os mesmos serem prestados ou não, evidencia que não se está perante serviços prestados no âmbito da assistência médica.

Quanto aos alegados serviços de seguros, também não se demonstra estarem verificados os pressupostos de que depende a isenção, dado que não se comprova a realização de quaisquer operações de seguros ou de resseguros, ou que se trate de mero redébito de gastos incorridos, pelo que bem andaram os SIT ao considerarem não haver lugar à isenção consignada na alínea 28 do artigo 9.º do Código do IVA.

Com efeito, o valor da mensalidade do ginásio, respeitando a uma prestação de serviços complexa que não pode ser artificialmente decomposta, está sujeito e não isento de IVA.

No que concerne à avaliação da matéria coletável, não tendo os SIT detetado qualquer situação que impossibilitasse ou impedisse o recurso a métodos de avaliação direta, não existia fundamento legal para a aplicação de métodos indiretos, conforme decorre dos artigos 81.º, 83.º, 85.º e 87.º a 89.º da LGT.

Tal como consta no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 2014-03-13, processo n.º 07216/13:

7. A avaliação indirecta reveste natureza substantiva, dado que através dela se pode determinar o essencial do facto tributário, isto é, a sua quantificação. Por outro lado, a mesma avaliação indirecta tem carácter subsidiário (cfr.artº.85, nº.1, da L.G.T.), visto que o respectivo regime só se aplica em casos em que exista uma impossibilidade ou uma dificuldade grave em determinar a matéria tributável através da avaliação directa ou objectiva, não se devendo a ela recorrer sem a verificação plena desse requisito. Isto significa que, mesmo quando o sujeito passivo viole os deveres de cooperação, a primeira forma a que se deve recorrer para fixar a matéria colectável é a avaliação directa (v.g. correcções técnicas), mais devendo ser efectuada a devida fundamentação relativamente à inviabilidade desta, antes de se recorrer à avaliação indirecta. Por outras palavras, a Administração Fiscal deve justificar, motivar e comprovar a relação de causa/efeito entre a acção/omissão do contribuinte e a impossibilidade de aplicar o método de avaliação directa (cfr. artº 77, nº.4, da L.G.T.).

8. O recurso ao método de avaliação indirecta só é legalmente possível quando o apuramento da matéria colectável através de correcções técnicas se revele, de todo, impraticável, pois que a fixação da matéria tributável por tais métodos deve revestir a natureza de "ultima ratio fisci" e exigir uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização (cfr. artº. 81, n.º1,da LG. Tributária).

9. Atendendo à especificidade do I.V.A., não pode a A. Fiscal operar alterações à quantificação da base tributável deste imposto, sem que fique demonstrado terem sido praticadas omissões ou inexactidões no registo de compras ou no registo de vendas do sujeito passivo em causa.

10. O art.º 87, al. b), da LG. Tributária, cuja redacção foi estabelecida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, prevê a possibilidade de avaliação indirecta da matéria tributável quando se verifica a falta dos elementos necessários para comprovar e quantificar directa e exactamente a matéria tributável, pelo que a avaliação directa é impossível. Esta impossibilidade, porém, só pode resultar [das anomalias e incorrecções taxativamente indicadas nas várias alíneas do art.88, da L. G. Tributária (cfr.artº.81, nº.1, da L.G. Tributária). Nestes casos, a avaliação da matéria tributável é feita com base em indícios, presunções ou outros elementos de que a Administração Tributária dispuser, de entre os taxativamente indicados no artº.90, nº. 1, do mesmo diploma. 11. (...)"

Tendo os SIT procedido às correções controvertidas com base nos elementos extraídos das declarações e contabilidade da Recorrente, que beneficiam da presunção de verdade e de boa fé, j estabelecida no artigo 75.º, n.º 1, da LGT, não existe fundamento legal para a aplicação de métodos de avaliação indireta.

O que se questionou e corrigiu foi somente o enquadramento tributário da mensalidade do ginásio, tendo os SIT considerado (e bem) que tal mensalidade foi artificialmente decomposta, não se verificando os pressupostos de que dependem as isenções de IVA invocadas.

 

N)           Nas tabelas de preços praticados pela Requerente, que constam do documento n.º junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, discriminam-se os preços dos vários serviços disponibilizados, indicando-se, para além de outros, preços autónomos para serviços de «consulta de nutrição» e «seguro anual», seguro este de acidentes pessoais;

O)           Nas referidas tabelas de preços indica-se, em nota que «no valor de qualquer mensalidade paga está incluída a prática de actividades gímnicas, bem como um terço da consulta de nutrição a que tem direito trimestralmente incluindo os valores de IVA correspondentes»;

P)           Nas referidas tabelas incluem-se ainda preços para «frequência ocasional (avulso)», indicando-se preços para períodos de 1 dia, semana, 15 dias e mês;

Q)           Em 13-02-2020, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, os que constam do processo administrativo.

Provou-se que foram disponibilizadas consultas de nutricionismo aos sócios/cliente da Requerente, que foram facturadas, mas apenas uma pequena parte destas foi efectivamente realizada. Não se apurou quantas das consultas de nutricionismo facturadas foram realizadas.

Não se provou que os clientes da Requerente não possam contratar a utilização do ginásio sem contratarem consultas de nutricionismo. Na verdade, das tabelas de preços juntas aos autos e das referências que nelas se fazem à inclusão do aconselhamento nutricional na «mensalidade» infere-se que apenas quanto à frequência não ocasional haverá necessariamente contratação conjunta dos serviços de actividades gímnicas e aconselhamento nutricional, além de outros.

Não se provou quais as operações de seguros que a Requerente tenha realizado, mas apenas que eram cobradas aos seus clientes/sócios quantias a título de seguros de acidentes pessoais. Não foi indicada nem apresentada qualquer apólice, nem identificada qual a entidade seguradora, nem demonstrado que a Requerente tenha efectuado quaisquer pagamentos a esse título.

 

3. Matéria de direito

 

A administração tributária efectuou correcções em sede de IVA relativamente a serviços de nutricionismo facturados pela Requerente e quanto a serviços prestados no âmbito de seguros de que eram beneficiários os seus sócios,

 

3.1. Questão dos serviços de nutricionismo

 

                3.1.1. Interpretação da fundamentação das liquidações

 

                O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos, designadamente invocados no âmbito da impugnação contenciosa. (  )

                No entanto, nos casos de impugnação administrativa (nomeadamente de reclamação graciosa e recurso hierárquico de actos de liquidação), se a respectiva decisão mantém o acto impugnado com diferente fundamentação, deverá entender-se que se opera revogação por substituição daquele acto (que será ratificação se a fundamentação inicial era ilegal), passando a subsistir na ordem jurídica um novo acto que, apesar de manter o mesmo conteúdo decisório (o da liquidação inicial), terá a nova fundamentação. Naturalmente que, se o acto que decide a impugnação administrativa alterar o conteúdo decisório do acto impugnado, nomeadamente revogando-o parcialmente, estar-se-á também perante revogação por substituição, só permanecendo na ordem jurídica o acto inicial na parte não revogada, com a fundamentação que resultar do acto que aprecia a impugnação.

                Os actos de segundo ou terceiro grau só são confirmativos, não alterando a ordem jurídica, quando «se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores» (artigo 53.º, n.º 1, do CPTA). Em todas as situações em que sejam alterados fundamentos (para mais ou para menos) estar-se-á perante revogação por substituição do acto primário. ( )

                Importa, assim, antes da mais, importa precisar os fundamentos da correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ao considerar indevidamente aplicada a isenção à totalidade dos serviços de nutricionismo.

 

3.1.1.1. Posição assumida no Relatório da Inspecção Tributária

 

                A Requerente prestou serviços de ginásio aos seus sócios/clientes, pelos quais liquidou IVA a taxa de 23%.

Secundariamente prestou também serviços de aconselhamento de nutrição, que a Requerente entende que beneficiam da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA (CIVA), porque serem serviços que foram assegurados por um profissional habilitado para o exercício.

Para assegurar os serviços de nutricionismo, a Requerente celebrou um contrato de prestação de serviços com uma nutricionista para realização de consultas de nutrição presenciais e aconselhamento alimentar em que como contrapartida dos serviços prestados, a Requerente paga uma comissão de 70% do valor de cada consulta de nutrição extra facturada ao cliente e uma avença mensal no montante de € 120,00.

Os encargos suportados pelo sujeito passivo referentes à nutricionista representam apenas 1% em 2014 e 2,4% em 2015 da totalidade dos encargos suportados com pessoal.

A actividade isenta tem um peso no volume de negócios da sociedade de 48,88% em 2014 e 49,66% em 2015.

Nos anos de 2014 e 2015, a Requerente deduziu praticamente a totalidade do IVA suportado na aquisição de bens e serviços, considerando que as mesmas estão afectas ao sector sujeito a IVA – ginásio.

Entendeu a Administração Tributária que «as únicas despesas suportadas relativo ao setor isento, correspondem à renumeração paga à nutricionista e aos encargos contabilizados na conta 62635 - seguros de ramo diversos referentes com o seguro de acidentes pessoais dos sócios/clientes».

Os clientes da Requerente tornam-se sócios do clube mediante a assinatura de um contrato de adesão e suportando um valor semanal, uma mensalidade, trimestralidade ou anualidade, paga de forma antecipada, cujo valor depende essencialmente do número de frequências semanais.

                A mensalidade paga pelos clientes inclui a frequência do ginásio bem como 1/3 (33%) das consultas de nutrição que os clientes/sócios tem direito trimestralmente incluindo os valores de IVA correspondentes.

                Apenas uma pequena parte dos utentes utiliza integralmente os serviços que contrata, designadamente as consultas de nutrição, quando adquiridas no âmbito de pacote em que se incluem serviços gímnicos.

                As facturas emitidas referentes às mensalidades, trimestralidades ou anualidades faturadas e comunicadas pela empresa à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), contêm sempre e de forma indiscriminada duas parcelas:

• Uma parcela sujeita à taxa normal de IVA de 23% referente à utilização do espaço (com uma percentagem de 60%);

• Outra parcela isenta de IVA nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9º do CIVA e relativa a consulta de nutrição (com uma percentagem de 40%).

               

                Por defeito, a componente de nutrição é incorporada nos pacotes apresentados aos clientes/sócios, simultaneamente com a componente de atividade física.

                A Administração Tributária entendeu no RIT que «não obstante as diferentes prestações de serviços possam ser analisadas de forma distinta e independente, nos casos em que a prestação de serviços consubstancie um único serviço no plano económico, esta não deve ser artificialmente decomposta. Ou seja, se o serviço for apresentado de forma integrada, este não pode ser decomposto e deve seguir o regime do IVA do serviço principal ou economicamente mais relevante» e que, «sendo assim, considera-se que as prestações de serviço de nutrição não são economicamente destacáveis, pelo que deverão ser tributadas, em sede de IVA, à taxa de 23% (art.º 18.º, n.º 1, alínea c) do CIVA)».

                Os contratos de adesão celebrados com os sócios da Requerente apenas referem o valor global da mensalidade, não existindo qualquer discriminação de valores atribuídos a ginásio e nutrição, tendo a Administração Tributária entendido que, «por isso as contraprestações deles emergentes (são) sujeitas a IVA pela sua totalidade».

                A Administração Tributária entendeu ainda o seguinte:

– «a entidade inspecionada não tem capacidade instalada para realizar as consultas de nutrição que faturou aos clientes/sócios do estabelecimento, pelo que se conclui que o sujeito passivo encontra-se a faturar as consultas de nutrição aos clientes/sócios que não são efetivamente realizadas, ou seja, fatura aos clientes/sócios consultas de nutrição independentemente destes irem ou não às consultas».

– «o negócio principal da sociedade é o ginásio. Os investimentos foram efetuados neste setor da atividade, quer ao nível das instalações, quer ao nível de equipamento, sendo que as consultas de nutrição disponibilizadas são um meio para os clientes beneficiarem de melhores condições no ginásio, ou seja, as consultas são prestações de serviços acessórias à prestação de serviços principal, a frequência do ginásio»;

– «o cliente da modalidade do ginásio beneficia da consulta de nutrição, no entanto esta consulta não constitui um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar das melhores condições do serviço principal do prestador, ou seja, o ginásio»;

– a Requerente «isentou indevidamente uma parte do valor dos serviços que prestou, mais precisamente a parte correspondente à componente de nutrição patente nas semestralidades, mensalidades, trimestralidades ou anualidades contratualizadas e cobradas aos seus clientes/sócios».

 

                Como se infere deste último excerto do RIT, a Administração Tributária apenas considerou que não podem beneficiar da isenção as consultas de nutrição facturadas no âmbito dos pacotes com pagamentos mensais, trimestrais, semestrais ou anuais, não afastando a isenção nos casos de consultas facturadas autonomamente.

                Interpretando esta fundamentação e a conclusão de que a administração tributária chegou sobre o âmbito da isenção que considerou indevida, é de concluir que, apesar das considerações que faz sobre a incoerência dos encargos suportados com a nutricionista e o peso da actividade isenta no volume de negócios da Requerente e sobre serem facturadas consultas de nutrição mesmo quando os sócios não vão às consultas, a razão pela qual a Administração Tributária entendeu que foi aplicada indevidamente a isenção foi o entendimento de que as consultas de nutrição «são prestações de serviços acessórias à prestação de serviços principal, a frequência do ginásio».

                Na verdade, por um lado, a Administração Tributária, no RIT, não questiona que os serviços prestados de nutricionismo, pela sua natureza, não sejam susceptíveis de beneficiarem da isenção prevista no artigo 9.º, n.º 1, do CIVA, designadamente não invocando que não tenham natureza terapêutica, nem afastando a isenção se as consultas foram facturadas fora do âmbito de pacotes em que se incluem serviços gímnicos. Como se esclarece na nota do quadro 27 do RIT, «quanto às consultas de nutrição prestadas isoladamente e com carácter ocasional fora destes contratos foi aceite a isenção».

De resto, está-se perante uma situação enquadrável na a Informação Vinculativa nº 9215, com despacho de 2015-08-19, do Senhor Director-Geral do IVA, por delegação do Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, em que se entendeu que «os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei n.ºs 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto)» (  )

 

3.1.1.2. Posição assumida na decisão do recurso hierárquico

               

                Na decisão do recurso hierárquico, a Administração Tributária invoca, para além do que se refere no RIT, que, «estando em causa a aplicação de uma isenção, cumpre à Recorrente o ónus da prova de que se verificam os respetivos pressupostos, nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, devendo demonstrar que, de facto, os serviços foram prestados por quem estava habilitado para o efeito e que tais serviços prosseguiram um fim terapêutico, o que não logrou fazer».

                Mas, a finalidade terapêutica foi expressamente referida permanentemente pela Requerente sua facturação relativamente às consultas de nutrição, sendo mesmo a forma de as designar, como se refere no RIT, através das expressões «terapêutica semanal», «terapêutica mensal» e «terapêutica anual», pelo que a omissão no RIT de qualquer alusão à hipotética falta de finalidade terapêutica como fundamento das correcções não pode deixar de ser interpretada como aceitando que as consultas tinham essa repetidamente alegada finalidade.

                Neste contexto, a invocação da falta de finalidade terapêutica como fundamento de indeferimento do recurso hierárquico consubstanciaria numa fundamentação a posteriori

das liquidações e, por isso, não relevante como fundamentação daquelas.

                Para além disso, na parte final da informação que serve de base ao indeferimento do recurso hierárquico refere-se que «o que se questionou e corrigiu foi somente o enquadramento tributário da mensalidade do ginásio, tendo os SIT considerado (e bem) que tal mensalidade foi artificialmente decomposta, não se verificando os pressupostos de que dependem as isenções de IVA invocadas», o que confirma que foi o entendimento de que houve uma decomposição artificial de uma prestação unitária o fundamento das liquidações e não a aludida falta de prova da finalidade terapêutica.

                No caso em apreço, a única diligência perceptível realizada pela Administração Tributária para apurar em que que consistiam as consultas de nutrição foi a tomada de declarações à nutricionista de que resultou que consistem em «avaliação do peso e composição corporal (exemplo: verificação do peso do cliente, perímetros corporais, bioimpedância), análise clínica, avaliação dos hábitos alimentares, realização de um plano alimentar e definição de objetivos», o que se não permite concluir que não tenham finalidade terapêutica, antes pelo contrário, esta estará ínsita na «análise clínica» referida.

                Assim, a única prova produzida sobre a finalidade das consultas é no sentido de elas terem finalidade terapêutica.

                Aliás, na Informação Vinculativa citada na decisão do recurso hierárquico, conclui-se que «as prestações de serviços de nutrição que venham a ser realizadas pela requerente, sendo por esta faturados diretamente aos utentes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam asseguradas por profissionais (dietistas e nutricionistas) habilitados para o exercício dessa atividade, nos termos da legislação aplicável. Neste caso, nas faturas a emitir aos utentes deve constar a referência à citada isenção".             

                De resto, consistindo as actividades paramédicas, para efeitos legais na «utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação (1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de Julho) e sendo legalmente definida a «Dietética» como a «aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares» (n.º 5 do anexo ao mesmo diploma), sendo as consultas dadas por profissionais legalmente habilitados para o efeito, é de presumir, à face das regras da experiência comum, que sejam dadas para as finalidades terapêuticas previstas na lei e não quaisquer outros alheios ao exercício da profissão de nutricionista.

                De resto, com se refere no quadro 27 do RIT, «quanto às consultas de nutrição prestadas isoladamente e com carácter ocasional fora destes contratos foi aceite a isenção», pelo que, não havendo qualquer indício de que as consultas facturadas no âmbito dos pacotes sejam diferentes das facturadas isoladamente, tem de se concluir que na foi pela natureza dos serviços prestados que não foi aceite a isenção.   

                Pelo exposto, não podem basear-se as liquidações impugnadas em hipotética falta de finalidade terapêutica das consultas.

 

3.1.2. Questão do enquadramento das consultas na isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA

 

Desde logo, como resta do que se expôs, não foi fundamento das correcções efectuadas a não utilização das consultas adquiridas por grande parte dos clientes /sócios da Requerente.

De qualquer modo, essa não utilização não seria obstáculo à aplicação da isenção à face da jurisprudência do TJUE que considera existir prestação dos serviços com a disponibilização das consultas.

Na verdade, como se refere no acórdão MEO, C-295/17, de 22-11-2018, n.º 40, «no tocante ao nexo direto entre o serviço prestado ao beneficiário e à efetiva contraprestação recebida, o Tribunal de Justiça já decidiu, quanto à venda de bilhetes de avião que os passageiros não utilizaram e cujo reembolso não conseguiram obter, que a contraprestação do preço pago na assinatura de um contrato de prestação de serviços é constituída pelo direito que o cliente dele extrai de beneficiar do cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, independentemente de o cliente exercer esse direito. Assim, o prestador de serviços efetua essa prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, pelo que a existência do supramencionado nexo direto não é afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do referido direito (v., neste sentido, Acórdão de 23 de dezembro de 2015, Air France KLM e Hop !Brit Air, C 250/14 e C 289/14, EU:C:2015:841, n.º 28)».

Assim, o único eventual obstáculo à aplicação da isenção referida, pode advir da invocada acessoriedade, a que alude a Autoridade Tributária e Aduaneira, que poderá justificar que lhe seja aplicado o regime da prestação principal.

Afigura-se que esta questão está proficientemente tratada no acórdão arbitral proferido no processo n.º 373/2018-T, que tem subjacente uma situação fáctica essencialmente idêntica, pelo que se reitera aqui o entendimento aí adoptado, tendo em mente o artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil que estabelece que «nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito».

Este «tratamento análogo» justifica-se acentuadamente em situações como a presente em que presente em que as situações fácticas e o enquadramento jurídico são idênticos e as questões a apreciar são as mesmas.

Refere-se nesse acórdão o seguinte:

 

«O princípio geral que constitui o ponto de partida é o de que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente, como, a título de exemplo, assinalam os Acórdãos Levob Verzekeringen, C-41/04, de 27 de outubro de 2005, e CPP, C-349/96, de 25 de fevereiro de 1999.

 O regime-regra pode, porém, ser afastado e uma prestação ser considerada acessória em relação a uma prestação principal e partilhar do regime (de IVA) desta, “quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador” – Acórdãos CPP, C-349/96, e Madgett e Baldwin, C-308/96 e C-94/97, de 22 de outubro de 1998. Em determinadas circunstâncias, “várias prestações formalmente distintas, suscetíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes” – Acórdão Part Service, C-425/06, de 21 de fevereiro de 2008. (realce nosso)

Para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa.

Contudo, não existe uma regra absoluta para determinar o alcance de uma prestação para efeitos de IVA, sendo, para tal, necessário tomar em consideração todas as circunstâncias em que a operação em questão se desenrola – Acórdãos BGŻ Leasing, C-224/11, de 17 de janeiro de 2013, Field Fisher Waterhouse, C-392/11, de 27 de setembro de 2012, e demais jurisprudência acima citada.

 O Tribunal de Justiça apela ao padrão do “consumidor médio” como ponto de vista a partir do qual se pode concluir estarmos perante uma prestação única.

Segundo este Tribunal atenta a “dupla circunstância de que, por um lado, do artigo 2.º, n.º 1, da Sexta Diretiva [artigo 2.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva IVA] decorre que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente e que, por outro, a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA, importa assim, em primeiro lugar, procurar encontrar os elementos característicos da operação em causa para determinar se o sujeito passivo fornece ao consumidor, entendido como um consumidor médio, diversas prestações principais distintas ou uma prestação única […]. O mesmo se passa quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao consumidor, entendido como consumidor médio, estão tão estreitamente conexionados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial – Levob Verzekeringen, C-41/94. No mesmo sentido, veja-se o caso Aktiebolaget NN, C-111/05, de 29 de março de 2007  . (realce nosso)

A realização, a título oneroso, de uma prestação que não é indispensável para atingir o objetivo visado pela prestação “principal”, se bem que possa ser considerada muito útil para essa prestação, não será considerada uma prestação estreitamente conexa, conforme preconiza o Tribunal de Justiça no caso Ygeia, C-394/04, de 1 de dezembro de 2005.

Acresce que se o cliente tiver a faculdade de escolher os seus prestadores e/ou as modalidades de utilização dos bens ou serviços em causa, as prestações relacionadas com estes bens ou serviços podem, em princípio, ser consideradas distintas da operação dita “principal” – Acórdão Wojskowa Agencja Mieszkaniowa, C-42/14, de 16 de abril de 2015.

Retomando a análise concreta, a Requerente presta nas suas instalações múltiplos serviços, todos relacionados com a manutenção de um estilo de vida saudável e bem-estar, como a atividade física, a estética, a nutrição ou o SPA. Apesar de todos estes serviços se orientarem a um denominador comum, numa abordagem multidisciplinar, a conjugação dos diversos serviços apresenta-se complementar e não acessória.

Com efeito, as prestações de serviços das diversas áreas são perfeitamente autonomizáveis e existem independentemente umas das outras. Os clientes mantêm a faculdade de escolha dos prestadores e das modalidades de utilização dos serviços em causa. O facto de a Requerente, por razões comerciais, ter estabelecido condições vantajosas que fomentam e promovem a adesão aos novos serviços de nutrição, tendo em vista o arranque dessa nova área de atividade e assegurar uma oferta mais vasta de serviços, com o intuito de fidelização dos clientes, não conduz à consideração destes como meramente acessórios à utilização do ginásio.

A prática de exercício físico é independente da adoção ou não determinado regime alimentar, pelo que devem ser consideradas prestações de serviços distintas.

Não se verifica, pois, a indissociabilidade das consultas de nutrição relativamente à prática de exercício físico e de utilização das instalações desportivas da Requerente, nem aquelas consultas são condição indispensável para atingir o objetivo visado pela utilização do ginásio, pelo que não devem ser consideradas estreitamente conexas, sem prejuízo de poderem, em ambos os casos, potenciar uma melhor condição física.

As referidas consultas valem por si, têm objetivos próprios e o seu sentido não advém estritamente da melhoria dos serviços de ginásio. Aliás, existem sócios que não aderiram aos referidos serviços de nutrição e, por outro lado, a Requerente presta serviços de nutrição a não sócios, que não utilizam o ginásio. Refira-se que a esta conclusão chega, de igual modo, a Decisão Arbitral, de 2 de abril de 2018, proferida no processo do CAAD n.º 454/2017-T, que versa sobre situação análoga.

No que se refere à forma de faturação, a concessão de um desconto equivalente ao preço dos serviços de nutrição na mensalidade do ginásio é uma opção comercial que não pode ser sindicada pela AT, por se inserir na liberdade de gestão da Requerente, que pode determinar o preço dos seus serviços. De salientar que os referidos preços não são dirigidos a entidades relacionadas, sendo aplicados à generalidade dos seus clientes e ao público em geral.

 Por outro lado, a diferente codificação “SDIET” e “NUT” aplicável às consultas de nutrição abrangidas pelo Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos e às consultas de nutrição adquiridas avulso não afetam a natureza exatamente idêntica dos serviços prestados.

 Trata-se de uma codificação que visa facilitar a análise/comparabilidade das consultas geradoras de receita incremental (up-selling), representando uma forma de tratamento da informação de gestão da Requerente que não patenteia ou indicia realidades diferenciadas, sendo inidónea a suportar uma re-caracterização das operações. Ficou demonstrado que as consultas, independentemente da forma como são remuneradas – na mensalidade ou de forma avulsa – são prestadas exatamente da mesma forma, com os mesmos objetivos, pelos mesmos profissionais e nas mesmas instalações.

À face do exposto, conclui-se pela não acessoriedade das consultas de nutrição prestadas pela Requerente relativamente aos serviços de utilização de instalações desportivas e, em consequência pela aplicabilidade da isenção prevista no artigo 9.º, 1) do Código do IVA, enfermando os atos tributários impugnados de erro de direito, pelo que devem ser anulados».

 

Na mesma linha, é de salientar ainda, que para efeitos da regra de que «cada prestação deve normalmente ser considerada distinta e independente», quanto às prestações de serviços de nutricionismo há «fortes indícios a favor da sua individualidade e consequente tratamento distinto em sede de IVA (aplicação da taxa normal às prestações de serviços de actividades físicas e da isenção às prestações de serviços de nutricionismo): (i) A contratação de nutricionistas inscritos na respectiva Ordem legalmente habilitados a exercer tal profissão; (ii) A existência de instalações adequadas à prática da actividade de nutricionismo, nomeadamente de gabinetes devidamente apetrechados para as consultas; (iii) A prática de facturação separada, individualizando especificamente as prestações de serviços de nutricionismo das prestações de serviços relativas à prática de actividades físicas». (  )

Neste contexto, a consideração separada nas facturas das prestações relativas à utilização das instalações gímnicas e à prestação de serviços dietéticos não pode constituir, em si mesma, uma decomposição artificial de uma operação económica única, suscetível de alterar a funcionalidade do sistema do IVA.

De harmonia com esta fundamentação, a que se adere, conclui-se que as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justifica a sua anulação, nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

3.2. Requerimento de suspensão da instância para aguardar decisão de processo de reenvio prejudicial

 

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757. de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602. de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).

Quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial.

No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como este Tribunal concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Processo n.º 283/81.

A obrigatoriedade ou não de efectuar o reenvio prejudicial não resulta da vontade das Partes nem pode ser decidida de forma genérica, dependendo apenas do juízo que o Tribunal nacional que tem de proferir a decisão fizer sobre a sua necessidade para decidir os litígios, como tem sido repetidamente afirmado pelo TJUE: «Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça» (Acórdão de 10 de julho de 2018, Jehovan Todistajat, C-25/17, EU:C:2018:551, n.º 31 e jurisprudência referida; Acórdão de 6 de março de 2018, SEGRO e Horváth, C-52/16 e C-113/16, EU:C:2018:157, n.º 42; Acórdão de 02-10-2018 processo C-207/16, n.º 45; Acórdão de 28-11-2018, processo C-295/17, n.º 33). (negrito nosso).

Por isso, sendo exclusivamente este Tribunal Arbitral competente para decidir sobre a necessidade ou não de reenvio, é irrelevante que outros Tribunais possam ter entendido sobre a necessidade de reenvio prejudicial noutros processos, sobre outras questões.

Como já se referiu, o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos.

As questões que foram colocadas ao TJUE em sede do reenvio prejudicial efectuado no processo arbitral n.º 504/2018-T (processo do TJUE Processo C‑581/19), invocado pela Administração Tributária são as seguintes:

 

 Nas hipóteses em que, como sucede nos autos, uma sociedade;

a) se dedica, a título principal, a atividades de manutenção e bem estar físico e, a título secundário, a atividades de saúde humana, entre elas nutrição, consultas de nutrição e de avaliação física, bem como realização de massagens;

b) disponibiliza aos seus clientes planos que incluem apenas serviços de fitness e planos que incluem serviços de fitness e nutrição,

deverá, para efeito do disposto no artigo 2.º, n.º 1, [alínea] c), da Diretiva 2006/112/CE, de 28 [de novembro de 2006], considerar se que a atividade de saúde humana, designadamente nutrição, é acessória da atividade de manutenção e bem estar físico, devendo, assim, ter a prestação acessória o mesmo tratamento fiscal da prestação principal ou deverá considerar se, ao invés, que a atividade de saúde humana, designadamente nutrição, e a atividade de manutenção e bem estar físico são independentes e autónomas entre si, devendo ser lhes aplicável o tratamento fiscal previsto para cada uma dessas atividades?

[2)] A aplicação da isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, [alínea] c), da Diretiva 2006/112/CE, de 28 [de novembro de 2006] pressupõe que os serviços aí consignados sejam efetivamente prestados ou a mera disponibilização dos mesmos, de forma a que a sua utilização esteja unicamente dependente da vontade do cliente, é suficiente para aplicação desta isenção?»

 

Quanto à primeira questão, no caso em apreço, como se referiu, há já jurisprudência do TJUE no sentido de as "prestações médicas efectuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas beneficiam da isenção" (Acórdãos L.u.P., C-106/05, de 08-08- 2006; Unterpertinger, C-212/01, de 20-1-2003; D’Ambrumenil, C-307/01, de 20-11- 2003; e Comissão/França, C-76/99, de 11-11-2001), e as consultas dietéticas visam beneficiam daquela isenção como reconheceu a Autoridade Tributária e Aduaneira na referida Informação Vinculativa. Por isso, não se justifica o reenvio prejudicial para o TJUE, pois aos Tribunais do contencioso tributário cabe apenas a função de dirimir os litígios emergentes da prática do acto cuja legalidade é contestada, apreciando as questões suscitadas pelas partes cujo conhecimento seja necessário para apreciar essa legalidade, na estrita medida dessa necessidade, como decorre do princípio da limitação dos actos, actualmente enunciado de forma genérica no artigo 130.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

No que concerne à segunda questão de saber se, para ser aplicável a isenção, é necessário que os sejam efetivamente prestados ou basta a mera disponibilização dos mesmos, não foi com esse fundamento que foi recusada a aplicação da isenção pela Administração Tributária, pelo que se está também perante uma questão cuja resolução não releva para apreciar a legalidade das liquidações impugnadas.

Por outro lado, este Tribunal Arbitral concluiu que, à face da matéria de facto apurada e do conceito de prestações acessórias definido pela jurisprudência do TJUE na jurisprudência citada, as consultas de nutrição são prestações autónomas e não acessórias da prestação de serviços de ginásio e para decisão destas questões importa saber se constituem ou não para a clientela um fim em si ou são um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador, que são questões essencialmente de facto, da exclusiva competência dos tribunais nacionais.

Pelo exposto, não se justifica aguardar a decisão do processo de reenvio prejudicial referido nem se considera necessário efectuar reenvio prejudicial quanto às questões colocadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Assim, indefere-se o requerimento de suspensão da instância e não se efectua reenvio prejudicial.

 

                3.3. Questão dos seguros de acidentes pessoais

 

                A Requerente cobrou aos seus sócios/clientes quantias a título de seguros de acidentes pessoais, aplicando a isenção de IVA prevista no n.º 28) do artigo 9.º do CIVA.

                Os valores facturados relativos a seguros ascendem a € 19.030,00 em 2014 e € 15.857,24 em 2015.

                No entanto, na sua contabilidade, a Requerente registou encargos com seguros na conta 62635 – Seguros ramos diversos, nos montantes de € 1.558,15 em 2014 e € 931,19 em 2015.

                Com base na constatação de que os montantes facturados são superiores aos encargos, a Administração Tributária concluiu que a Requerente «não se limitou a efetuar o redébito das despesas referentes aos encargos que suportou com os seguros para os seus clientes/sócios. Assim, estamos perante uma atividade económica de valor acrescentado no qual a empresa apresenta um resultado positivo ou lucro inerente a esta atividade, pelo que o sujeito passivo não pode beneficiar da aplicabilidade da isenção constante no n.º 28 do art.º 9.º do CIVA. Deste modo, os seguros faturados aos clientes são tributados à taxa de 23%, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 18.º do CIVA» (RIT).

                Com estes pressuposto, a Administração Tributária entendeu que os seguros facturados aos clientes devem ser tributados à taxa de 23%, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 18.º do CIVA.

                Na decisão da reclamação graciosa a administração tributária disse quanto a esta matéria:

«No que se refere aos montantes cobrados aos clientes relacionados com o seguro de acidentes

pessoais para usufruírem do ginásio, com isenção de IVA, os serviços de inspeção assinalaram que a reclamante registou os encargos que suportou com o seguro na conta de custos 62635 – seguros ramos diversos, atribuindo valor acrescentado ao seguro cobrado. A reclamante, por sua vez, não fez prova de que os valores cobrados corresponderam a um redébito e deveriam ter sido contabilizados numa conta de terceiros, pelo que a reclamação também não procede em relação a esta questão».

               

                Na decisão do recurso hierárquico, a Administração Tributária mantém esta correcção dizendo o seguinte:

«quanto aos alegados serviços de seguros, também não se demonstra estarem verificados os pressupostos de que depende a isenção, dado que não se comprova a realização de quaisquer operações de seguros ou de resseguros, ou que se trate de mero redébito de gastos incorridos, pelo que bem andaram os SIT ao considerarem não haver lugar à isenção consignada na alínea 28 do artigo 9.º do Código do IVA».

               

                A Requerente defende, em suma, o seguinte:

 

– «no relatório da inspecção tributária que está subjacente à emissão das liquidações de IVA e juros compensatórios aqui em causa, não é posta em causa a existência ou a contratação por parte da Requerente de seguro(s) de acidentes pessoais com cobertura das actividades desenvolvidas nas suas instalações»;

– «aí se referindo expressamente que os encargos com esse seguro estão contabilizados na conta 62635 — Seguros ramos diversos (fls. 25/29), o que pressupõe a verificação da existência da respectiva apólice, dos seus termos e condições e dos respectivos avisos de pagamento»;

– «daí que não tenha qualquer sustentação ou fundamento a afirmação, na decisão de indeferimento do recurso hierárquico, de “(...)que não se comprova a realização de quaisquer operações de seguros ou resseguros, ou que se trate de mero redébito de  gastos incorridos ( ...)”, tal como se o seguro de acidentes pessoais não existisse»;

– «de qualquer modo, fundamentando a AT a sujeição a IVA no facto de a Requerente ter acrescentado valor ao encargo por si suportado a este respeito, sempre estaria em causa apenas a diferença entre estes montantes, e não a totalidade do valor em causa, como erradamente considerou a AT»;

– «a isenção prevista no nº 28 do artigo 9º do ClVA é uma isenção objectiva ou real, que atende à natureza da operação em causa e não ao seu valor ou à qualidade do sujeito passivo»;

– «o facto de o valor cobrado aos clientes/sócios da Requerente ser diferente do gasto por si suportado não tem qualquer interferência na natureza da operação em si, como é evidente e, consequentemente, na natureza do serviço prestado: uma operação de seguro».

 

                A Requerente tem razão quanto à divergência das posições assumidas no RIT e na decisão do recurso hierárquico quanto à existência ou não de seguros: enquanto no RIT se diz que a Requerente « não se limitou a efetuar o redébito das despesas referentes aos encargos que suportou com os seguros para os seus clientes/sócios», o que tem ínsito que se deu como provado que suportou alguns encargos com seguros, na decisão do recurso hierárquico  diz-se que «não se comprova a realização de quaisquer operações de seguros ou de resseguros, ou que se trate de mero redébito de gastos incorridos», do que se concluiu não se aceita como provado que tivessem ocorrido quaisquer operações de seguros ou resseguros.

                Também não é clara a posição assumida na decisão da reclamação graciosa, pois refere-se que «a reclamante registou os encargos que suportou com o seguro na conta de custos 62635 – seguros ramos diversos, atribuindo valor acrescentado ao seguro cobrado» e afigura-se que não é nessa conta de custos que foi atribuído valor acrescentado ao seguro. Por outro lado, a afirmação de que «a reclamante, por sua vez, não fez prova de que os valores cobrados corresponderam a um redébito e deveriam ter sido contabilizados numa conta de terceiro» deixa perceber que as correcções se baseariam, pelo menos, parcialmente, num erro ou omissão de contabilização numa conta que não se indica.

                No presente processo a Administração Tributária adopta a posição assumida na decisão do recurso hierárquico (página 3 da resposta), mas nada mais diz sobre esta questão, designadamente ao pronunciar-se sobre a matéria de direito.

                Nestas condições, afigura-se que a matéria de facto em que assentaram as correcções relativas a seguros não foi suficientemente demonstrada quer no procedimento de inspecção, quer nos processos de reclamação graciosa e de recurso hierárquico.

                Na verdade, ao contrário do que refere a Administração Tributária no presente processo, há montantes relativos ao «seguro de acidentes pessoais dos sócios/clientes estão contabilizados na conta 62635».

                Mas, por outro lado, a Requerente diz que aquela afirmação da Administração Tributária «pressupõe a verificação da existência da respectiva apólice, dos seus termos e condições e dos respectivos avisos de pagamento», mas não apresenta qualquer comprovativo, nem a Administração Tributária refere se existia ou não alguma apólice.

                De qualquer forma, afigura-se que a Requerente tem razão quanto ao erro de quantificação que invoca, pois se os valores facturados relativos a seguros de acidentes pessoais ascendem a € 19.030,00 em 2014 e € 15.857,24 em 2015 e na contabilidade a Requerente registou encargos com seguros na conta 62635 – Seguros ramos diversos, nos montantes de € 1.558,15 em 2014 e € 931,19 em 2015, estas importâncias deveriam ser abatidas, pois, quanto a estas, terá havido redébito. A Administração Tributária não dá qualquer explicação para ter efectuado as correcções relativamente à totalidade dos valores facturados a título de seguros de acidentes pessoais.     

                Neste contexto, havendo fundadas dúvidas os pressupostos de facto em que assentam as correcções relativas aos seguros, aquelas têm de ser valoradas processualmente a favor da Requerente, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, o que tem como corolário que se entenda que as liquidações enferma de erro sobre os pressupostos de facto, que justifica a anulação das liquidações nas partes respectivas.

 

                4. Decisão          

 

                De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)            Indeferir o requerimento de suspensão da instância o reenvio prejudicial;

b)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

c)            Anular as liquidações de IVA e juros compensatórios que se indicam no quadro que segue:

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 68.812,33.

 

6. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 20-11-2020

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(João Taborda da Gama)

(Carlos Lobo)