Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 384/2020-T
Data da decisão: 2021-01-02  IMI  
Valor do pedido: € 32.608,91
Tema: IMI de 2019 - Corporação Missionária canonicamente ereta. Isenção; Artigo 12.º da Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé.
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SUMÁRIO

I – As Corporações Missionários beneficiam de isenção de IMI da alínea f) do nº 1 do artigo 44º do EBF, quanto aos imóveis do seu activo imobilizado que sejam utilizados pela sua sede, delegações e instalações dos seus serviços próprios. A isenção é de reconhecimento oficioso.

II – Beneficiam ainda da isenção de IMI da alínea d) do artigo 1º da Lei 151/99 de 14.09, quanto aos imóveis do seu activo imobilizado que sejam utilizados para obter rendimentos (v.g. arrendamento) destinados a custear a realização e concretização do seus fins estatutários. A isenção depende de requerimento.

III – A isenção de IMI conferida a uma Corporação Missionária quanto a um imóvel do seu activo imobilizado, averbada na caderneta predial, mantém a sua vigência até que um acto expresso, impugnável e subsequente a afaste da ordem jurídica.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

a)            Em 24 de Julho de 2020, a Requerente, A..., NIPC..., com sede na Rua ..., Edifício do ..., ...-... LISBOA, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral (PPA), ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), tendo em vista obter pronúncia sobre a legalidade do “ato de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis ..., no montante global final de € 32.608,91 constante da nota de cobrança n.º 2019...”.

b)           É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por AT ou Requerida;

 

c)            O Requerente termina o pedido de pronúncia arbitral (PPA) pedindo ao Tribunal Arbitral Singular (TAS) que “o ato de liquidação impugnado seja declarado ilegal e ordenada a sua anulação integral, com todas as demais consequências”, devendo, em consequência (1) “decidir-se no sentido da não aplicação por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, da justiça material e da equidade na distribuição dos encargos tributários, em virtude de o sentido que lhe está a ser dado se traduzir num resultado interpretativo que viola os artigos 13.º, 103.º e 104.º da CRP; (2) julgar-se procedente o pedido de anulação do ato de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis correspondente ao documento de cobrança nº 2019..., por vício de forma por falta e insuficiência e fundamentação de direito, por erro sobre o direito aplicável, e por violação de lei imperativa”.

 

d)           O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 24-07-2020.

e)           Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 31.07.2020, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

f)            O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 14 de Outubro de 2020, regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

 

g)            A fundamentar o pedido, a Requerente alega o seguinte:

 

i               Foi reconhecida como corporação missionária por despacho de 22 de Janeiro de 1941.

ii              É dona do prédio urbano inscrito, actualmente, na matriz predial urbana sob o artigo ...º da freguesia de ..., que resultou do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...º da freguesia de ..., tendo ocorrido uma operação de desanexação de uma área de 1 488,20 m2, por via de uma autorização de loteamento registada em 23.05.1991 na CRP.

iii             Na sequência de notificação da AT, procedeu à entrega de pedido de alteração dos elementos dos elementos constantes da matriz correspondente ao artigo ...º da freguesia de ..., tendo sido criado pela AT um novo artigo matricial, o artigo ...º da mesma freguesia.

iv            É ainda dona do prédio urbano inscrito, actualmente, na matriz predial urbana sob o artigo ...º da União das Freguesias de ... e ..., que resultou do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...º da mesma freguesia, constituindo o conjunto edificado o Colégio B..., instituição de ensino gratuito que acolhe jovens carenciados de todo o país e até do estrageiro, sendo uma das instituições de ensino de referência na região norte.

v             Quanto ao prédio urbano artigo ...º - ... passou a constar na caderneta predial um valor isento de IMI de 2 808 709,70 euros, ao abrigo da Concordata entre Portugal e a Santa Sé de 2004, quando o VPT do prédio é de 10 441 300,00 euros e quanto o prédio urbano artigo ...- União das Freguesias de... e ... deixou de existir na caderneta predial qualquer menção à isenção de IMI.

vi            Foi notificada da liquidação de IMI de 2019, em conformidade com o que consta nas cadernetas prediais actuais e não aceita a liquidação por não refletir a isenção de IMI de que beneficia por força do artigo 12º da Concordata e do artigo 40º do Decreto-Lei nº 119/83, de 25.02, que remete para a aplicação da norma isentiva da alínea f) do nº 1 do artigo 44º do EBF.

vii           Refere que se verificam as desconformidades com a lei de “falta de fundamentação do ato tributário de liquidação, de falta de identificação da lei concretamente aplicada, do autor do ato e da falta de notificação para o exercício da audiência prévia”, sendo certo que “não consegue perceber, mas apenas intuir, qual foi a lei aplicável e quais terão sido os fundamentos pelos quais a AT vem entender que o prédio em causa deve ser tributado em sede de IMI”

viii          Pelo que conclui “o ato de liquidação impugnado deve ser declarado ilegal e ordenada a sua anulação integral, com todas as demais consequências”.

 

h)           Notificada a AT, respondeu em 17.11.2020 e juntou o PA.

 

i)             A AT refere o seguinte:

 

i               Suscita uma questão prévia uma vez  que a Requerente “à data de apresentação do pedido de pronuncia arbitral informa que irá impugnar judicialmente o ato administrativo tributário que determinou o cancelamento da isenção” e “dada a relevância que a eventual impugnação tem para a análise da matéria em causa requer-se desde já que a notificação da Requerente para vir aos presentes autos esclarecer se de facto impugnou o ato de cancelamento da isenção de IMI e o estado atual em que se encontra o processo”.

 

ii              Invoca a ineptidão do pedido de pronuncia arbitral, dada a inteligibilidade do pedido, uma vez que (1) “não indica qual a norma que pretende que não seja aplicada, pelo que não pode a Requerida refutar cabalmente este pedido”; (2) “não fundamenta ou explicita, em concreto de que forma é que se manifesta a    invocada violação dos princípios constitucionais, limitando-se a enuncia-los exaustivamente” , pelo que (3) “fica coartada a defesa da Requerida pois não é possível identificar quais as normas em concreto violam os princípios constitucionais e de que forma consiste ou se materializa essa violação”.

 

iii             Em defesa por impugnação a Requerida identifica a questão a decidir nos seguintes moldes: “a questão central a analisar nos presentes autos é a de saber se as partes do mesmo prédio inscrito sob o artigo ... da freguesia de ... destinadas a “colégio” e a “residência universitária” podem aproveitar da isenção de IMI prevista na alínea f) do n.º 1do artigo 44.º do EBF” 

iv            E conclui: “... não ficou provado que as suprarreferidas partes desse prédio são diretamente afetas aos fins da Requerente de assistência social e de solidariedade, havendo mesmo evidências de que nas mesmas é exercida uma atividade de natureza lucrativa (comercial, industrial e de prestação de serviços), não estão reunidos os requisitos legais para o reconhecimento da isenção”.

v             Quanto ao fundo da questão, refere o seguinte: “... o âmbito pessoal da isenção prevista na alínea f) do n.º 1do artigo 44.º do estatuto dos benefícios fiscais (EBF) aplica-se não só às instituições particulares de solidariedade social, mas também às pessoas coletivas a elas legalmente equiparáveis, às igrejas paroquiais e outras pessoas jurídicas canónicas”. 

vi            “Contudo o âmbito de aplicação tem uma dupla condicionante cumulativa quer quanto aos fins estatutários das entidades, quer quanto e à afetação dos imóveis”. “Ou seja, por forma do estabelecido no n.º 4 do art.º 44.º do EBF para que seja reconhecida a isenção de IMI é necessário que: (1) As entidades equiparadas a IPSS`S, nomeadamente pessoas jurídicas canónicas, prossigam fins de assistência e solidariedade; (2) Os imóveis têm de estar diretamente destinados aos fins de assistência e de solidariedade”.

vii           “Com efeito para que haja lugar à isenção de IMI não basta que o prédio, parte, seja propriedade do ora sujeito passivo, mas sim, que prossiga diretamente os seus fins, conforme preceituado no nº 4 do artigo 44.º do EBF”. “Ora, retomando o caso em apreço, a atividade principal do colégio é o alojamento de alunos universitários (não sendo lecionado qualquer tipo de disciplina nessas instalações), disponibilizando vários serviços mediante o pagamento de uma mensalidade”.

viii          “Consultando o enquadramento do ora contribuinte, verificamos que está coletado com a atividade de organizações religiosas, CAE 94910, desde 2008/01/02 e com a atividade de Ensinos Secundário Tecnológico, Artístico e Profissional desde 27/01/2015”.  “Ora a atividade de alojamento a estudantes universitários mediante o pagamento de um preço, uma mensalidade, não corresponde a uma atividade de assistência social ou de solidariedade”.

ix              “As IPSS e as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa e as de mera utilidade pública, não têm fins lucrativos, requisito fundamental à instituição destas entidades”.

x             “Verifica-se assim que os fins prosseguidos pela Requerente neste âmbito não se equiparam aos fins prosseguidos pelas instituições particulares de solidariedade social e pessoas coletivas de utilidade pública”. “Em conclusão, a isenção de IMI a conceder ao caso concreto deve apenas compreender os espaços que se reconduzam à alínea c) e, eventualmente, à alínea f) do n.º 1do artigo 44.º EBF”. 

xi            E conclui que “não foi reconhecida a isenção de IMI prevista na alínea f) do n.º 1do artigo 44.º do EBF em relação às partes do prédio destinadas a “colégio” e a “residência universitária” por se ter concluído que o sujeito passivo (tem fins lucrativos, já que dos estudantes que acolhe recebe uma mensalidade”

xii           Explica e questiona: “será, então, que o recebimento de uma mensalidade é suficiente para desvirtuar os fins de assistência e solidariedade prosseguidos pela pessoa jurídica canónica, reconhecida nos termos do artigo 10º da Concordata?”. “Não seria, se a requerente, no âmbito dos serviços que presta (alojamento, alimentação, tratamento de roupas, espaços para estudar e praticar desporto), tivesse escalões definidos em contratos de associação ou de parceria com a Segurança Social ou a Ação Social Escolar que fixassem os custos imputáveis aos estudantes em função do seu agregado familiar e respetivos rendimentos”. “Mas, o que se verifica de consultas efetuadas aos sistemas informáticos da Autoridade Tributária e Aduaneira é que a requerente está registada, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), com atividade mista desenvolvida no âmbito do setor social (sem finalidade lucrativa) e no setor comercial, industrial e de prestação de serviços (com finalidade lucrativa), e, em sede de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), está enquadrada no regime normal mensal, revelando um fluxo de bens e serviços com muita expressão”. 

xiii          Termina referindo: “é concluir que as partes do prédio destinadas a “colégio” e a “residência universitária” não estão diretamente destinadas à realização dos fins de assistência e solidariedade proclamados pela requerente”. “Por não tenha sido provado que esses prédios estão a ser destinados diretamente à prossecução dos fins da instituição conexos com a qualidade de IPSS, não há suporte ao reconhecimento da isenção prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF, desde logo, porque este benefício fiscal não é apenas de natureza subjetiva. Donde, não se mostrando verificados os pressupostos da isenção constante da alínea f) do nº 1 do artigo 44.º do EBF, não pode ser reconhecida a mesma em relação a essas partes do prédio (“colégio” e “residência universitária”)”

xiv            Propugna no sentido de que “... o ato em crise não padece de qualquer ilegalidade pelo que se impugna por infundado todo o alegado no Pedido de Pronúncia Arbitral que contrarie o supra exposto, devendo decidir-se a final que o ato impugnado não padece dos vícios que lhe foram assacados nem de nenhuns outros”.

 

j)             A Requerente foi convidada a exercer o direito ao contraditório, face à questão prévia e à excepção, aduzidas pela Requerida na oposição, o que fez, apenas quanto à excepção, por requerimento de 03.12.2020, pugnando pela sua improcedência.

 

k)            O TAS, por despacho de 15 de Dezembro de 2020, dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

 

II – SANEAMENTO

 

a)            As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

b)           Tempestividade - o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD em 24 de Julho de 2020. A Requerente impugna o acto de liquidação de IMI cujo pagamento voluntário da 1ª prestação terminava em 30 de Junho de 2020.

c)            A AT não alegou a extemporaneidade da apresentação do PPA. Assim, nos termos conjugados dos artigos 102º, nº 1, alínea a), do CPPT e 10º, nº 1, alínea a), do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral configura-se como sendo tempestivo.

d)           O processo arbitral não padece de nulidades.

 

Cumpre apreciar.

III - MÉRITO

 

III-1- MATÉRIA DE FACTO

 

Factos considerados provados

 

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

 

a)            A Requerente é uma pessoa jurídica religiosa, moral e canonicamente ereta, registada em Portugal no então Governo Civil de Lisboa e nos termos dos respetivos estatutos é uma Congregação Missionária, como tal reconhecida conforme despacho de 22 de Janeiro de 1941 do então Diretor-geral da Administração Política e Civil, que se dedica à missionação da fé católica e a ajuda aos mais carenciados, possuindo em Portugal os bens móveis e imóveis necessários à prossecução dos seus fins religiosos e caritativos – conforme artigos 3º e 4º do PPA, artigo 12º da Resposta e documentos 2 e 8 juntos com o PPA;

b)           A Requerente desenvolve ainda uma missão evangelizadora no quadro do serviço integral à pessoa humana, quer em Portugal, quer em Angola e em São Tomé e Príncipe. Nestes países africanos, além da assistência a numerosas pessoas carenciadas, promove a afirmação e difusão da língua portuguesa – conforme artigo 18º do PPA e não impugnação especificada apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT;

c)            A Requerente possui obras de natureza social em todo o país, que visam actuar em vários sectores carenciados da sociedade trabalhando designadamente nas seguintes áreas:

(1)          Setúbal – ..., na qual existe um Centro Social Paroquial com

apoio a idosos e crianças e as Conferencias Vicentinas, com cerca de 350 utentes e 20 trabalhadores voluntários.

(2)          Lisboa –...- para apoio logístico à formação e acompanhamento de 160 alunos do ensino superior, provenientes de pontos afastados de Lisboa, bem como das regiões autónomas da Madeira e dos Açores e mesmo dos PALOP; nos seus espaços desenvolvem-se ainda acções de apoio a associações de emigrantes, apoio aos sem-abrigo e mais necessitados da cidade de Lisboa em saídas semanais e entrega de alimentos, roupa, calçado e material de higiene, a cerca de 120 pessoas; desenvolve ainda actividades culturais variadas.

(3)          Porto –..., que acolhe 130 crianças em risco e apoia famílias

carenciadas e famílias de acolhimento.

(4)          Colégio B...– frequentado por cerca de 1.500 alunos com ensino totalmente gratuito.

- conforme artigos 19º a 22º do PPA e não impugnação especificada apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT;

d)           A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito, actualmente, na matriz predial urbana sob o artigo ...º da freguesia de ..., com o VPT de 10 441 300,00 euros, que resultou do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...º da freguesia de ... – conforme segundo segmento do artigo 4º do PPA, documentos nº 3 e 5 juntos com o PPA e artigo 25º da Resposta da AT;

e)           Consta da inscrição na matriz predial urbana do artigo ...º da freguesia de ... (o anterior ao actual artigo ...º -...), tendo o prédio um valor patrimonial total de 8 001 250,00 euros determinado em 2015, o seguinte:

 

- conforme caderneta predial urbana do artigo ...º - ..., junta pela Requerente em 23.10.2020;

f)            Consta do Registo Predial, um averbamento 4 à apresentação 12/20020628 quanto à desanexação de uma área de 1.488,20 m2 retirada do logradouro – conforme alínea d) do artigo 5º do PPA e certidão da CRP junta com o PPA.

g)            Em 17.03.2017 a Requerida enviou à Requerente, quanto ao prédio com o artigo matricial ... - ..., o ofício nº... com o seguinte teor: “Assunto: NOTIFICAÇÃO PARA ENTREGA DE DECLARAÇÃO MODELO 1 DE IMI, NA SEQUÊNCIA DO DIREITO DE AUDIÇÃO. Na sequência do direito de audição exercido no âmbito da notificação efectuada nos termos do artigo 60º da Lei Geral Tributária, relativamente ao projecto de cessação de isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) do prédio urbano inscrito sob o artigo ...º da freguesia de ..., concelho de Lisboa e sito na Avenida ... ..., em Lisboa, constatou-se que o prédio anteriormente descrito não está correctamente avaliado, pois consta inscrito como prédio total sem partes susceptíveis de utilização independentes. Ora dos elementos aduzidos na mencionada audição, uma proporção do prédio, sendo lugar de culto e conexos, deveria estar avaliada como "Outros", de harmonia com o disposto na alínea d) do nº 1 conjugado com o nº 4, ambos do artigo 6º, no artigo 7º e no artigo 460º todos do CIMI e a outra proporção, que se deduz que seja maior dos elementos carreados na participação, deveria estar avaliada com prédio com partes susceptíveis de utilização independente ao abrigo da alínea b) do nº 2 do artigo 8º do Código de Imposto.

Face ao exposto, fica notificado(a) para que, no prazo de 30 dias, contados a partir da data da assinatura do aviso de recepção, apresentar ou remeter a este Serviço de Finanças as declarações Modelo 1 de IMI devidas, acompanhadas dos elementos referidos no artigo 37º do CIMI, para correcção da matriz predial urbana da freguesia de ... e de forma a possibilitar a apreciação da exposição entregue, na qual invoca percentagens, nomeadamente de 47,38% e 52,62%, do prédio total sem partes” – conforme artigo 26º da Resposta da AT e documento nº 1 que integra o PA.

h)           Em 04.05.2017, na sequência da notificação atrás referida, a Requerente procedeu à entrega de pedido de alteração dos elementos constantes da matriz correspondente ao artigo ...º da freguesia de ..., tendo, subsequentemente, a AT procedido à avaliação do prédio, apurando um VPT de € 10.441.300,00 e criado um novo artigo matricial, o artigo ... da mesma freguesia, considerando isento apenas o valor de €2.808.709,70 – conforme artigos 6º, 7º e 8º do PPA e documentos nºs 3 e 5 juntos com o PPA.

i)             Na ficha de avaliação do imóvel  referido em d), realizada em 2018, consta o seguinte: “Prédio em propriedade total com unidades independentes de natureza “outros” (igreja: Área de implantação de 561,33 m2, área bruta privativa de 1122,66 m2 e área bruta dependente de 561,33 m2 / Centro de apoio à juventude: Área de implantação de 860 m2, área bruta privativa de 1175 m2 e área bruta dependente de 860 m2) / Serviços (colégio): Área de implantação de 1102,21 m2, área bruta privativa de 3306,63 m2 e área bruta dependente de 1102,21 / Residência universitária: Área de implantação de 490 m2, área bruta privativa de 2940 m2 e área bruta dependente de 490 m2. Aplicou-se a idade média dos edifícios de serviços, uma vez que o colégio é de 1955 e a residência de 1971, ou seja, 55 anos de idade média, o que dá uma vetustez de 0,55” – conforme artigo 26º da Resposta da AT;

j)             A Requerente também é proprietária do prédio urbano inscrito, actualmente, na matriz predial urbana sob o artigo ...º da União das Freguesias de ... e ..., com o valor patrimonial tributário (VPT) de 596 190,00 euros, que resultou do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...º da mesma freguesia, constituindo o conjunto edificado o Colégio B..., instituição de ensino gratuito que acolhe jovens carenciados de todo o país e até do estrageiro, sendo uma das instituições de ensino de referência na região norte – conforme artigo 4º, 10º, 11º e 12 do PPA, documentos 4 e 7 juntos com o PPA e falta de impugnação especificada apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT.

k)            Consta da parte final da caderneta predial urbana artigo ...º da União das Freguesias de ... e ... (artigo anterior ao actual artigo ...º da mesma freguesia, com um VPT de 93 240,00 euros, fixado em 1998, o seguinte:

 

- conforme caderneta predial do prédio urbano que integra o artigo matricial 11091º junta pela Requerente em 23.10.2020;

l)             Na descrição predial do prédio urbano descrito na CRP de ... sob o nº ... (a que corresponde parcialmente o artigo ...º da União das Freguesias de ... e...), consta o seguinte:

“MATRIZ nº: ...-P NATUREZA: Urbana FREGUESIA: ... e ... .

MATRIZ nº: ... NATUREZA: Urbana FREGUESIA: ... e ... .

MATRIZ nº: ...-P NATUREZA: Urbana FREGUESIA: ... e ... .

MATRIZ nº: ... NATUREZA: Urbana FREGUESIA: ... e ... .

MATRIZ nº: ... NATUREZA: Rústica FREGUESIA: ... e ... .

COMPOSIÇÃO E CONFRONTAÇÕES: Prédio composto por 4 prédios, com terreno junto, sendo:

a) Pavilhões gimnodesportivos e logradouro. Áreas: coberta - 2.225,50m2 e s.d. - 4.703,42m2. - Artigo - U-P-...; b) de seis pisos e logradouro. Áreas: coberta - 1.836,33m2 e s.d. - 6.769,31m2. Artigo - U- ...; c) Igreja com logradouro. Áreas: coberta - 2.264m2 e s.d. - 6.044,60m2. Artigo - U-P-... d) de um piso. Área coberta - 1.535,50m2. Artigo –...; e) Terreno junto com 16.211,29m2. Artigo –... .

m)          Em data não determinada de 2020, a Requerente foi notificada para pagar o IMI de 2019 quanto aos dois prédios referidos em d) e j) no valor total de 32 608,91 euros – conforme nota de liquidação junta pela Requerente com o PPA;

n)           Em 24 de Julho de 2020 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral (PPA).

 

Factos considerados não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.

 

III-2- DO DIREITO

 

III-2-1 - Quanto ao mérito

 

A)           Questão prévia aduzida pela Requerida.

 

A AT suscitou como “questão prévia” que a Requerente fosse notificada para vir aos autos esclarecer se impugnou o acto de cancelamento da isenção de IMI.

 

Notificada a Requerente para se pronunciar, nada referiu quanto ao tema.

 

Configura-se que a existência ou não de um processo judicial interposto pela Requerente contra a Requerida, pelo tempo decorrido após a notificação da liquidação do IMI, constituirá facto que deve ser do conhecimento pessoal da Requerida.

 

Por outro lado, o objecto deste processo é a impugnação da liquidação de IMI, ainda que o fundamento da ilegalidade apontada à liquidação seja a pré-existência da isenção de IMI anteriormente conferida e averbada na matriz predial, pelo que, a existência ou não de uma acção judicial tendente a atacar um acto administrativo em concreto que tenha decidido pela cessação das isenções de IMI anteriores, será, no plano imediato, desinteressante para este processo.

 

Acrescente-se que as partes não referem sequer, em lado algum, a existência desse acto administrativo-fiscal.

 

Ou seja, a invocação da pré-existência de isenção de IMI, que foi desconsiderada na liquidação é, no fundo, o cerne do dissídio, tal como foi colocado pela Requerente (ver os nºs 9) a 14) das conclusões do PPA).

 

Improcede, pois, a invocada questão prévia.

 

B)           A excepção invocada pela Requerida.

 

A Requerida invocou a ineptidão do PPA invocando que o pedido não é inteligível, uma vez que (1) “não indica qual a norma que pretende que não seja aplicada, pelo que não pode a Requerida refutar cabalmente este pedido”; (2) “não fundamenta ou explicita, em concreto de que forma é que se manifesta a invocada violação dos princípios constitucionais, limitando-se a enuncia-los exaustivamente” , pelo que (3) “fica coartada a defesa da Requerida pois não é possível identificar quais as normas em concreto violam os princípios constitucionais e de que forma consiste ou se materializa essa violação”.

 

Ouvida a Requerente veio pugnar pela improcedência da excepção referindo o seguinte: “a Requerente fundamenta a ilicitude do acto tributário de liquidação em violação dos artigos 12º e 26º da concordata que é um tratado internacional que vigora no ordenamento jurídico nacional por via do artigo 8º da CRP, a requerente deve, para efeito de atribuição de direitos e benefícios, ser equiparada a IPSS, devendo beneficiar, nomeadamente, da isenção de IMI, reconhecida oficiosamente àquelas entidades. 

Fundamenta ainda o seu pedido de anulação da referida liquidação na violação por parte da requerida do artigo 1º n.º1 e 40º do Dec. Lei 119/83 de 25/2 alterado pelo DL 172-A/2014 de 14/11, que regula o regime jurídico das IPSS,  porquanto as actividades prosseguidas pela requerente, enquadram-se, claramente, nas alíneas a), c) e f) do n.º 1 do art.º 1º do Dec. Lei 119/83, de 25/2, alterado pelo Dec Lei n.º 172-A/2014 de 14/11, pelo que, apesar de não ter, formalmente, o estatuto de IPSS, prossegue materialmente os fins destas entidades, encontrando-se o prédio objecto do presente requerimento afecto directamente à realização dos seus fins de assistência e solidariedade, já que, nos termos da alínea f) do n.º 1 do art.º 44 do EBF, estão isentas de impostos “as instituições particulares de solidariedade social e as pessoas colectivas a ela legalmente equiparadas., em relação aos prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins (…)” sendo esta isenção de reconhecimento oficioso.

Em reforço da sua posição a requerente invocou ainda o despacho n.º283/2005, de 9/3, exarado na sequência do relatório elaborado pelo grupo de trabalho constituído por despacho do Sr. Ministro das Finanças e da Administração Publica, com vista à análise “das implicações tributárias decorrentes da aplicação da nova Concordata e do restante quadro jurídico tributário aplicável à Conferência Episcopal Portuguesa, às Dioceses e demais jurisdições eclesiásticas, bem como às demais pessoas jurídicas canonicamente erectas”, no seu ponto 3.9, segundo o qual “podem as pessoas jurídicas canónicas que preencham a hipótese normativa 12º e 26º n.º 5 da Concordata de 2004, independentemente de não possuírem outro estatuto jurídico, requerer (se elas não forem automáticas) as isenções que o direito interno estatui para (…) as pessoas colectivas de pera utilidade publica (…) e para as IPSS e entidades anexas.”

 

Configura-se que a Requerente indicou suficientemente o conjunto de normas jurídicas que entende não terem sido respeitadas na liquidação que impugna, mormente a norma isentiva da alínea f) do nº 1 do artigo 44º do EBF.

 

O facto da Requerente ter articulado os princípios constitucionais da forma como o fez, em defesa do seu ponto de vista, não parece ser susceptível de integrar quaisquer das situações previstas nas alíneas a) a c) do nº 2 do artigo 186º do CPC.

 

O pedido e a causa de pedir, constantes do PPA, foram identificados pela Requerida na oposição que deduziu, tendo-os interpretado convenientemente, pelo que não se vislumbram razões que permitam a este Tribunal considerar a existência de alegada ineptidão da petição inicial, a qual se julga improcedente.

 

C)           Quanto à questão de fundo, face aos factos provados.

 

O QUADRO LEGAL-FISCAL DE ISENÇÕES DE IMI DAS IPSS E DAS PCUP

 

Em primeiro lugar, cumprirá referir quais as normas que este Tribunal considera ter relevância para a composição deste litígio.

 

Ambas as partes estão de acordo com a integração jurídico-fiscal da Requerente:

 

1.            É uma entidade religiosa erecta segundo o direito canónico;

2.            É equiparada a Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) por força do 12º da Concordata com a Santa Sé e do artigo 40º do Estatuto das IPSS (Decreto-lei nº 119/83 de 25.02).

 

Há uma aspecto fulcral que é conveniente abordar, quanto à equiparação da Requerente, não só a IPSS como também a Pessoa Colectiva de Utilidade Pública (PCUP).

 

Quanto a este aspecto a Requerente não invoca, expressamente, a sua qualidade ex lege de “pessoa coletiva de utilidade pública” (PCUP) que lhe advém do facto de ser equiparada a IPSS e estar registada nos termos em que isso é exigível para as entidades religiosas criadas segundo o direito canónico. Ou seja, o artigo 8º do Estatuto das IPSS é-lhe aplicável, uma vez que “automaticamente” por força do seu registo, adquire também a natureza de PCUP.

 

O Tribunal não está vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (nº 3 do artigo 5º do CPC).

Em bom rigor, a Requerente até invoca a qualidade de PCUP, ainda que indirectamente, porquanto reproduz no artigo 30º do PPA o despacho nº 283/2005 de 09.03 de Sua Excelência o SEAF, onde se diz que as entidades como a Requerente podem “requerer as isenções ... das pessoas colectivas de mera utilidade pública ...”.

 

A AT também parece reconhecer, v.g. no artigo 24º da Resposta, que a Requerente tem essa natureza quando afirma que “a Requerente goza dos direitos e benefícios atribuídos às pessoas colectivas privadas com fins da mesma natureza, sendo equiparada a IPSS”.

 

A Requerente é, pois, automaticamente uma Pessoa Colectiva de Utilidade Pública (PCUP), porque é uma entidade equiparada a uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS). E isto faz toda a diferença porque o que aqui está em causa não é só a aplicação à Requerente da norma

1.            da alínea f) do nº 1 do artigo 44º do EBF – isenção de IMI das IPSS; mas também e sobretudo

2.            da alínea e) do nº 1 do artigo 44º do EBF – isenção de IMI das PCUP aos prédios que sejam instalações próprias; e

3.            da alínea d) do nº 1 da Lei 151/99, de 14.09 – isenção de IMI aos prédios que sirvam para obtenção de rendimentos para financiar os fins as PCUP.

 

A alínea f) do nº 1 do artigo 44º do EBF, que se refere a isenção de IMI das IPSS, tem a seguinte redacção: “as instituições particulares de solidariedade social e as pessoas colectivas a elas legalmente equiparadas, quanto aos prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins, salvo no que respeita às misericórdias, caso em que o benefício abrange quaisquer imóveis de que sejam proprietárias;

 

Face à parte final desta norma, dir-se-ia que só as Misericórdias beneficiam de isenção total de IMI, quer quanto aos prédios destinados a instalações, quer quanto aos prédios destinados a obter rendimentos para financiar a realizações dos seus fins, e as demais IPSS e PCUP não beneficiariam. Mas não é isso que resulta da lei fiscal vista no seu todo.

 

É que, em princípio, todas as IPSS são PCUP e por isso é-lhes aplicável o disposto, quer da alínea e) do nº 1 do artigo 44º do EBF (que para o caso não adianta muito como a seguir se vai demonstrar) quer o disposto na alínea d) do artigo 1º da Lei 151/99, de 14.09.

 

E repare-se que a norma isentiva das PCUP que consta da alínea e) do nº 1 do artigo 44º do EBF tem exactamente a mesma redacção que tem o primeiro segmento da norma isentiva da alínea f) do nº 1 do artigo 44º do EBF, a saber:

 

Estão isentas de IMI “as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e as de mera utilidade pública, quanto aos prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins”.

 

O que se mostra necessário é apurar o alcance da expressão “directamente”, como elemento delimitador da isenção de IMI.

 

O STA tem abundante jurisprudência sobre a isenção de IMI das PCUP, ou seja, sobre a aplicação da alínea e) do nº 1 do artigo 44º do EBF (o que é que a lei quer dizer com a expressão “directamente”) versus aplicação da norma isentiva de IMI das PCUP constante da alínea d) do artigo 1º da Lei 151/99 de 14.09.

 

É que a norma isentiva da alínea d) do artigo 1º da Lei 151/99, de 14.09, tem uma importante diferença de redacção, a saber “podem ser concedidas às PCUP a isenção de IMI (onde está contribuição autárquica entende-se que a lei diz IMI) de prédios urbanos destinados à realização dos seus fins estatutários”.

 

Como se vê, aqui, o legislador não usou, na redacção desta norma, a expressão “directamente” e fê-lo com uma intenção bem definida, como resulta da muita jurisprudência do STA sobre esta matéria.

 

Vejamos, a título de exemplo, o sumário do acórdão do STA – 2ª Secção, lavrado no processo 0734/13.0BEPNF 0922/16, com data de 03-10-2018:

“I - A isenção a que alude o artigo 44º, n.º 1, al. e) do EBF, apenas respeita aos prédios que estão directamente afectos aos fins estatutários da pessoa colectiva de utilidade pública, v.g., os necessários à instalação da sua sede, delegações e serviços indispensáveis aos fins estatutários, sendo o seu reconhecimento oficioso nos termos do disposto no artigo 44º, n.º 4 do mesmo EBF.

II - A isenção prevista no artigo 1º, al. d) da Lei n.º 151/99 mantém-se presentemente em vigor e abrange apenas os prédios urbanos que pertençam às pessoas colectivas de utilidade pública, que se encontrem destinados à realização dos fins estatutários e carece de reconhecimento por parte do órgão competente, dependente de pedido expressamente formulado nesse sentido pela interessada”.

 

Como atrás já referimos o facto da jurisprudência do STA se ter debruçado sobre a norma contida na alínea e) do nº 1 do artigo 44º do EBF (aplicável às PCUP) este entendimento jurisprudencial tem que aplicar-se, por paridade de razão, na interpretação do primeiro segmento da norma contida na alínea f) do nº 1 do artigo 44º do EBF (aplicável às IPSS), porque as redacções são iguais.

 

Para o caso, tal configurar-se-á irrelevante, porque, não estando o Tribunal vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito e sendo a Requerente uma IPSS e automaticamente, ope legis por força do seu registo, uma PCUP, nada impede que este TAS considere o quadro geral, ao nível das normas legais aplicáveis, diferente daquele que as partes consideraram no seu pleiteio.

 

Em face do exposto, verifica-se que as normas legais-fiscais, ao nível da isenção de IMI, aplicáveis à Requerente são:

1.            Quanto aos imóveis que sirvam para instalação da sua sede, delegações e serviços indispensáveis aos fins estatutários – a norma isentiva da alínea f) do nº 1 do artigo 44º do EBF na interpretação que consta dos acórdãos do STA sobre a aplicação da alínea e) do nº 1 do artigo 44º do EBF. Ou seja, esta isenção é oficiosa. A IPSS e PCUP só tem que, após a aquisição do bem imóvel, inscrever na matriz o prédio. É a AT, depois, que tem o dever de impulso procedimental promovendo tudo o que for necessário para a verificação oficiosa da isenção (nº 4 do artigo 44º do EBF). É uma isenção que nem a própria Requerente pode a ela renunciar nos termos do nº 8 do artigo 14º do EBF e por isso tem o dever, a obrigação legal, de pleitear, sempre que a mesma lhe não esteja reconhecida.

2.            Quanto aos imóveis que estejam arredados ou cedidos e sirvam para obtenção de rendimentos para financiar os fins estatutários (imóveis de rendimento) – é aplicável a norma isentiva da alínea d) do artigo 1º da Lei nº 151/88, de 14.09. Esta isenção é obtida através do procedimento geral de reconhecimento dos benefícios fiscais (nº 3 do artigo 5º do EBF e artigo 65º do CPPT).

 

Naturalmente há que ter em conta o princípio geral do artigo 160º do Código Civil, segundo qual a admissão de que uma entidade prossegue determinado fim (fim teleológico) tal comporta a aceitação dos meios necessários e convenientes para a sua prossecução.

 

Ou seja, um determinado imóvel que seja propriedade de uma IPSS, tanto serve a realização dos seus fins estatutários (os fins mediatos, o fim teleológico, a razão de ser da entidade):

1.            quando nele se instalam os serviços da sua estrutura organizativa (instalações da sede e dos seus serviços); como

2.            quando serve para gerar proveitos (rendas) que são aplicados para custear, sustentar e promover a concretização dos seus fins estatutários (fins mediatos, fim teleológico). Não se consegue promover fins de solidariedade sem recursos, venham eles de subsídios do Estado ou de autofinanciamento das próprias IPSS. Neste caso, fomentando-se o autofinanciamento (pelo imposto que a IPSS deixa de pagar e que constitui uma ajuda indirecta de Estado) evita-se o recurso a subsídios directos do Estado com origem nos impostos pagos pelos cidadãos em geral.

 

A propósito do que deve considerar-se “realização dos fins” ou “realização dos fins estatutários” das IPSS ou PCUP, verificamos que a AT na sua resposta, na interpretação que faz da alínea f) do nº 1 do artigo 44º do EBF, parece lavrar em equívoco, porquanto considera, pelo menos implicitamente, como fim, a actividade exercida no imóvel, ou por outras palavras a utilização do imóvel (que está ligada ao objecto).

 

O objecto de uma entidade (as suas actividades), também designado por fim imediato, não é aquele a que se refere a lei fiscal. A lei refere-se, naturalmente, os fins mediatos, ao fim teleológico, ao fim último e supremo (a razão de ser da entidade), que no caso são fins de “assistência e a solidariedade”.

 

Refere a AT na Resposta: “A Requerente goza dos direitos e benefícios atribuídos às pessoas coletivas privadas com fins da mesma natureza, sendo equiparada a IPSS, podendo aproveitar da isenção de IMI constante da alínea f) do n.º 1do artigo 44.º do EBF, desde que as partes do prédio afetas a “colégio” e a “residência universitária” estejam diretamente afetas à realização desses fins de assistência e solidariedade” e mais adiante:

“Ou seja, por forma do estabelecido no n.º 4 do art.º 44.º do EBF para que seja reconhecida a isenção de IMI é necessário que:

•             As entidades equiparadas a IPSS`S, nomeadamente pessoas jurídicas canónicas, prossigam fins de assistência e solidariedade;

•             Os imóveis têm de estar diretamente destinados aos fins de assistência e de solidariedade.

 Com efeito para que haja lugar à isenção de IMI não basta que o prédio, parte, seja propriedade do ora sujeito passivo, mas sim, que prossiga diretamente os seus fins, conforme preceituado no nº 4 do artigo 44.º do EBF.

Ora, retomando o caso em apreço, a atividade principal do colégio é o alojamento de alunos universitários (não sendo lecionado qualquer tipo de disciplina nessas instalações), disponibilizando vários serviços mediante o pagamento de uma mensalidade”.

 

Ou seja, parece confundir-se a actividade que se desenvolve no imóvel (ligada ao objecto ou fim imediato) com o fim da entidade (o fim teleológico, o fim último e supremo da entidade que no caso, é concretizar, realizar, fins de solidariedade e assistência).

 

Se num imóvel pertencente a uma IPSS (ou PCUP) se desenvolve uma actividade económica que lhe é lícito exercer (v.g. arrendamento), face aos seus estatutos e face às normas legais de exercício de actividades, tutelada que é essa entidade, pelas entidades competentes, só há que apurar se os proveitos daí resultantes estão ou não a ser dirigidos para a realização, a concretização efectiva, dos seus fins estatutários (o fim mediato, o fim último e supremo). A isenção de IMI, neste caso, deve ser apreciada ao abrigo da alínea d) do artigo 1º da Lei nº 151/88, de 14.09, uma vez que estamos perante um bem imóvel que constitui, ele mesmo, a aplicação financeira (um bem de investimento ou de rendimento) que gera proveitos ou meios financeiros, sem os quais, a entidade não consegue realizar os seus fins estatutários.

 

O CASO CONCRETO

 

•             O prédio urbano que integra o artigo ...º da União das Freguesias de ... e ..., que resultou do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...º da mesma freguesia.

 

Passando agora para o caso concreto aqui em apreciação e face aos factos provados, verifica-se que a Requerida não contestou o que a Requerente alegou quanto ao prédio a que se referem as alíneas j), k) e l) dos factos provados, ou seja, o prédio urbano inscrito, actualmente, na matriz predial urbana sob o artigo ...º da União das Freguesias de ... e ..., que resultou do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...º da mesma freguesia.

 

Parece ocorrer desarmonia entre o que consta na caderneta predial do prédio e o que consta no seu registo predial, mas tal não invalida que se aprecie a questão de fundo aqui em discussão.

 

Provou-se ainda na alínea j) dos factos assentes que afinal o prédio a que corresponde o actual artigo ...º da União das Freguesias de ... e ... (mau grado os desajustamentos face à realidade no terreno do que se escreve na caderneta predial) constitui “o Colégio B..., instituição de ensino gratuito que acolhe jovens carenciados de todo o país e até do estrageiro, sendo uma das instituições de ensino de referência na região norte”.

 

Provou-se ainda que que Colégio B... é frequentado por cerca de 1.500 alunos com ensino totalmente gratuito – (4) da alínea c) dos factos assentes.

 

Ou seja, trata-se então, mesmo em termos de utilização, de uma situação que cabe perfeitamente na previsão normativa da alínea f) do nº 1 do artigo 44º do EBF, uma vez que esta isenção abrange os prédios onde funcionam as instalações e serviços da Requerente que tenham a ver com a sede e com o exercício dos seus fins estatutários, na vertente de ajuda aos mais carenciados, ou seja, é um local onde se procede à concretização dos seus fins de assistência e de solidariedade. Não é um prédio de rendimento.

 

Não há qualquer justificação para que a simples mudança de artigo matricial (o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...º da União das Freguesias de ... e ..., passou a integrar o prédio urbano artigo ...º da União das Freguesias de ... e ...) possa ter conduzida à cessação da isenção de IMI.

 

Ou seja, provou-se que a isenção de IMI deste imóvel teve início em 2008 e foi atribuída ao abrigo da Concordata de 2004: Santa Sé, conforme alínea k) dos factos provados.

 

E nem a própria AT alegou que a isenção em causa foi cancelada por acto expresso e impugnável, pelo que, não tendo sido afastada, mantém-se vigente na data actual e deveria ter sido levada em conta na liquidação aqui impugnada, porque vigora na ordem jurídica, para efeitos de não tributação em sede de IMI (facto interruptivo da tributação).

 

Procede, pois, nesta parte, o pedido de pronúncia arbitral, porquanto a liquidação de IMI não teve em conta a isenção de que beneficia a Requerente quanto a este imóvel e que não foi afastada por qualquer acto válido, nem tal foi invocado pela AT (alínea f) do nº 1 do artigo 44º do EBF).

 

•             O prédio urbano inscrito, actualmente, na matriz predial urbana sob o artigo ...º da freguesia de ..., que resultou do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...º da freguesia de ... .

 

Relativamente a este prédio provou-se conforme alínea e) dos factos assentes que, desde 2015, consta da inscrição na matriz predial urbana do artigo ...º da freguesia de ... (o anterior ao actual artigo ...º - ...), tendo o prédio um valor patrimonial total de 8 001 250,00 euros, uma isenção de IMI com base em “acordos celebrados com o Estado”, ou seja, refere-se à Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé.

 

Também se provou que o que ocorreu, desde 2015 e até 2018, foi uma desanexação de uma parcela do logradouro, passando o actual artigo ...º -..., a ter menos área, conforme alínea f) dos factos assentes.

 

Muito embora se refira no ofício citado na alínea g) dos factos assentes “relativamente ao projecto de cessação de isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) do prédio urbano inscrito sob o artigo ...º da freguesia de ..., concelho de Lisboa e sito na Avenida ..., ..., em Lisboa”, o certo é que não foi junto qualquer projecto de decisão com essa finalidade, nem o teor da decisão final, presumindo-se que inexiste, em termos de acto expresso impugnável.

 

Assim, ressalta à vista que não foi apresentada qualquer justificação plausível para que a isenção que foi atribuída à Requerente pela Requerida, em 2015, e que foi averbada na caderneta predial, deixasse de vigorar em 2018, apenas pela razão de ter sido desanexada uma parcela no logradouro do prédio urbano anterior, o artigo ...º - .... Nem foi apresentada ou alegada a existência de qualquer acto expresso impugnável que revogasse a isenção averbada na caderneta predial.

 

Mas mesmo que assim não fosse, provou-se que, independentemente do que consta na ficha de avaliação do imóvel  - alínea i) dos factos assentes – na verdade, a utilização das diversas partes do imóvel, denominado ..., é de “apoio logístico à formação e acompanhamento de 160 alunos do ensino superior, provenientes de pontos afastados de Lisboa, bem como das regiões autónomas da Madeira e dos Açores e mesmo dos PALOP; nos seus espaços desenvolvem-se ainda acções de apoio a associações de emigrantes, apoio aos sem-abrigo e mais necessitados da cidade de Lisboa em saídas semanais e entrega de alimentos, roupa, calçado e material de higiene, a cerca de 120 pessoas; desenvolve ainda actividades culturais variadas”. Ou seja, tudo actividades associadas à concretização dos fins de solidariedade e de assistência da Requerente (além da parte da Igreja – múnus espiritual) que preenchem os requisitos da isenção de IMI da alínea f) do nº 1 do artigo 44º do EBF.

 

Mesmo que em certos casos ocorra a cobrança de serviços prestados e de propinas aos discentes, tal não pode representar que esta realidade deixe de integrar-se nos fins da Requerente, porquanto há que custear os custos inerentes aos alojamentos, alimentação e docência.

 

O que poderia questionar-se, mas a AT não o fez, é a situação da Requerente eventualmente cobrar pelos serviços prestados, incluindo as propinas, valores superiores ao mercado do sector privado lucrativo, sendo certo que, esta circunstância, levaria a que a isenção de IMI da Requerente já não poderia ser apreciada ao abrigo da alínea f) do nº 1 do artigo 44º do EBF, mas sim ao abrigo da alínea d) do artigo 1º da Lei 151/99 de 14.09. Apenas alterava a disposição legal que confere o benefício fiscal.

 

Nos termos expostos, procede o PPA, porquanto o prédio urbano em causa beneficia da isenção de IMI desde 2015, averbada na caderneta predial, isenção que não foi afastada da ordem jurídica por qualquer acto expresso impugnável, e por isso, deveria ter sido levada em conta na liquidação, enquanto facto interruptivo da tributação.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que, com os fundamentos expostos, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, pelo que, consequentemente, anula-se ato de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis correspondente ao documento de cobrança nº 2019..., com data de 2020.04.08. de que resultou um valor a pagar de 32 608,91 euros, por estar em desconformidade com a alínea f) do nº 1 do artigo 44º do EBF.

 

V - VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 32 608,91, nos termos do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI – CUSTAS

 

Custas de € 1 836,00, a suportar pela Requerida, conforme o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

Lisboa, 02 de Janeiro de 2021

 

Tribunal Arbitral Singular,

Augusto Vieira