Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 161/2013-T
Data da decisão: 2014-03-10  IRC  
Valor do pedido: € 763.917,59
Tema: IRC - Eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos; Princípio da irrepetibilidade das inspecções e a sua inaplicabilidade às inspeções internas; Caducidade do direito de liquidação
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Processo arbitral n.º 161/2013-T

Requerente: A..., Lda.

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros, Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Dr. António Moura Portugal e Dr. Luís Manuel Pereira da Silva (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 10 de Setembro de 2013, acordam no seguinte:

 

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.            A sociedade A..., Lda., Pessoa Colectiva n.º …, com sede na Avenida …, …, doravante designada por “Requerente”, requereu a constituição do Tribunal Arbitral, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), e artigo 10.º, ambos do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

1.2.      O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a anulação dos seguintes actos tributários:

 

(a)                liquidação de IRC n.º 2013 ..., que fixou os prejuízos fiscais do exercício de 2007 em € 4.612.816,08;

(b)               liquidação de IRC n.º 2013 ..., que fixou o IRC a pagar relativamente ao exercício de 2009 no montante de € 57.022,72, em resultado da correcção dos prejuízos fiscais de 2007; e

(c)                liquidação de IRC n.º 2013 ..., que fixou o IRC a pagar relativamente ao exercício de 2010 no montante de € 706.894,87, também em consequência da correcção dos prejuízos fiscais de 2007.

 

1.3.      Para fundamentar esse pedido, alega a Requerente que a Autoridade Tributária abriu duas inspecções sobre a mesma matéria (determinação do lucro fiscal de 2007), tendo tomado sucessivamente duas decisões diferentes e aberto novo procedimento inspectivo sem autorização do dirigente máximo do serviço. Circunstâncias que, em seu entender, invalidam os actos tributários em causa, decorrentes da segunda inspecção, por preterição de formalidades legalmente exigidas.

 

Considera também ter ocorrido a caducidade do direito a efectivar correcções à matéria colectável de 2007 e ao montante dos prejuízos a reportar em exercícios subsequentes, por ter sido ultrapassado o prazo geral de caducidade (de quatro anos) aplicável à situação concreta. Preconiza que uma vez que o prejuízo fiscal foi deduzido no decurso dos quatro anos (normais) de caducidade não é aplicável a extensão de prazo (até seis anos) prevista no artigo 45.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária (LGT), donde resulta a ilegalidade das liquidações contestadas.

 

Por fim, suscita a errónea quantificação e qualificação do facto tributário e vício de fundamentação. Neste âmbito, entende que o acréscimo ao lucro tributável de 2007, no montante de € 2.883.297,11, e a consequente redução do prejuízo fiscal reportável, nesse e nos exercícios subsequentes, violam o disposto no artigo 46.º do Código do IRC (actual artigo 51.º do mesmo Código), pois estão em causa lucros distribuídos que foram sujeitos a tributação efectiva, pelo que esses rendimentos não podem deixar de ser deduzidos no âmbito da determinação do seu lucro tributável de 2007.

 

Aduz que o facto de a distribuição de lucros em causa ter tido a sua origem numa reserva de reavaliação constituída ao abrigo do Decreto-lei n.º 430/78, de 27 de Dezembro, não lhe retira a natureza de lucros distribuídos, tendo em conta que os bens reavaliados foram entretanto alienados e, por conseguinte, extinta a reserva associada à reavaliação, por transferência para resultados transitados, pelo que passou a ser um “lucro de exercícios anteriores”. Considera que o Decreto-lei n.º 430/78 se refere a formas de utilização da reserva, enquanto tal, e não à sua realização ou extinção.

 

Peticiona a anulação das liquidações com as consequências legais, incluindo a anulação dos juros compensatórios liquidados.

1.4.      A Requerida apresentou Resposta e juntou o Processo Administrativo (PA). Alega, em primeiro lugar, que não existem limites à realização de acções inspectivas de natureza interna, como as que estão aqui em causa, para o que invoca o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da LGT, para além de que a última acção inspectiva foi precedida de autorização do dirigente máximo de serviço.

 

No que se refere ao prazo de caducidade, sustenta que este não pode deixar de ser o prazo mais alargado (do exercício do direito) conforme previsto na lei, que não estabelece qualquer distinção para as situações em que o sujeito passivo procede ao reporte de prejuízos em prazo inferior ao de caducidade (geral), conforme já sufragado pelo Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS).

 

Adicionalmente, considera que a distribuição de resultados não foi sujeita a tributação efectiva e que não se subsume no conceito de lucro distribuído, pois a mesma correspondeu a uma distribuição de reservas de reavaliação criadas ao abrigo de legislação fiscal e, como tal, não distribuíveis. Invoca, ainda, que a Requerente não concretizou nem provou os factos relativos à invocada alienação dos bens reavaliados. Conclui que, para efeitos fiscais, a distribuição de resultados com origem na reserva de reavaliação constituída ao abrigo do disposto no Decreto-lei n.º 430/78 não pode enquadrar-se no conceito de lucros distribuídos e constitui rendimento tributável na esfera do accionista, de acordo com o artigo 20.º, n.º 1, alínea c) do Código do IRC, ao qual não é aplicável o mecanismo para eliminar a dupla tributação económica previsto no artigo 46.º (actual 51.º) deste Código. 

 

Salienta, por fim, que a Requerente suscitou o vício de falta de fundamentação sem concretizar em parte alguma tal alegação e pugna pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e absolvição do pedido.

 

1.5.      Em 7 de Janeiro de 2014, teve lugar, na sede do CAAD, a primeira reunião do Tribunal Arbitral Colectivo, de acordo com o artigo 18.º do RJAT. Não foram identificadas excepções, prescindiu-se da produção de prova testemunhal e da realização de alegações e definiu-se o dia 10 de Março para prolação da decisão arbitral.

 

 

2.      QUESTÕES A DECIDIR

 

São essencialmente três as questões a resolver:

 

(a)               saber se a sucessão de acções inspectivas internas (duas) sobre a mesma matéria, o mesmo imposto e o mesmo ano é susceptível de invalidar, por vício formal, as liquidações que resultaram da segunda inspecção e que são objecto da acção arbitral;

 

(b)               determinar se o prazo de caducidade, em caso de dedução e de reporte de prejuízos, é o prazo geral (de quatro anos) ou o prazo especial previsto no artigo 45.º, n.º 3 da LGT, ou seja, o do exercício do direito em causa (de seis anos), no caso em que os referidos prejuízos sejam utilizados dentro do prazo de quatro anos, como sucede na situação vertente; 

 

(c)               saber se a distribuição à Requerente de resultados (transitados) que tiveram origem em reservas de reavaliação efectuadas ao abrigo de legislação fiscal (em concreto, do Decreto-lei n.º 430/78, de 27 de Dezembro) pode ser enquadrada no regime de eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos previsto no artigo 46.º, n.º 1 (actual artigo 51.º, n.º 1) do Código do IRC.

 

 

3.      FACTOS PROVADOS

 

Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, dão-se por provados os seguintes factos alegados pelas partes:

 

A)  A sociedade A..., Lda., ora Requerente, tem por objecto a construção e venda de edifícios (promoção imobiliária) – CAE 41200 –e é sujeita a IRC pelo regime geral de tributação (cf. Segundo Relatório de Inspecção Tributária, PA, 7ª parte e fundamentação da decisão do Recurso Hierárquico, PA, 8ª parte).

 

B)  Em 16 de Julho de 2002 foi celebrado entre a Requerente e as promitentes vendedoras, B... e C..., o contrato promessa para venda da totalidade das acções representativas do capital social da sociedade de direito português D..., Imobiliária, S.A., doravante referida por “D...”, no expresso pressuposto de que o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º ..., sito da Rua ..., freguesia e concelho de …, inscrito na matriz da freguesia de … sob o n.º ..., fosse propriedade da D... no momento da transmissão das acções (cf. Segundo Relatório de Inspecção Tributária, PA, 7ª parte e cópia do contrato promessa, PA, 3ª parte).

 

C)  Em 30 de Dezembro de 2003, a Requerente adquiriu a totalidade do capital social da D... pelo valor de € 15.600.000,00 (cf. Segundo Relatório de Inspecção Tributária, PA, 7ª parte).

 

D)  Nesta data, fazia parte do património da D... o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º ..., sito da Rua ..., inscrito na matriz da freguesia de … sob o n.º ..., composto por instalações fabris e administrativas (cf. Segundo Relatório de Inspecção Tributária, PA, 7ª parte).

 

E)  A Requerente vendeu aos seus administradores duzentas acções da D... (cf. Segundo Relatório de Inspecção Tributária, PA, 7ª parte).

 

F)  Em 23 de Dezembro de 2004, a D..., foi transformada em sociedade por quotas, passando a designar-se por D... – Imobiliária, Lda., ficando a Requerente com uma participação correspondente a 99,98% do capital social, correspondente a uma quota com o valor nominal de € 1.474.000,00, e os outros dois sócios –  E... e F... – com uma participação de 0,01% cada um, correspondente a duas quotas de € 500,00 cada (cf. Segundo Relatório de Inspecção Tributária, PA, 7ª parte).

 

G)  Em 21 de Dezembro de 2005, a Requerente adquiriu à D... o terreno anteriormente referido (alínea D) supra), que teve origem no artigo matricial n.º ..., pelo valor de € 25.297.500,00, tendo contabilizado a compra do mesmo na conta de 3211701 – mercadorias – Terreno Rua ... (cf. Segundo Relatório de Inspecção Tributária, PA, 7ª parte e cópia da escritura, PA, 3ª parte).

 

H)  Em 28 de Fevereiro de 2007, a Assembleia Geral da D... deliberou por unanimidade distribuir aos sócios o saldo da conta de Resultados Transitados, que era do montante de € 3.863.189,03 (cf. acta n.º 21 da Assembleia Geral relativa à aprovação de contas e distribuição de resultados do exercício de 2006 junto como Doc. 1 ao pedido arbitral e Segundo Relatório de Inspecção Tributária, PA, 7ª parte).

 

I)  Coube à Requerente, que detinha uma quota representativa de 99,98% do capital social, uma distribuição de € 3.860.569,91 (cf. acta n.º 21 da Assembleia Geral relativa à aprovação de contas e distribuição de resultados do exercício de 2006 junto como Doc. 1 ao pedido arbitral e Segundo Relatório de Inspecção Tributária, PA, 7ª parte).

 

J)  O resultado transitado distribuído pela D... ao seus sócios em 2007 tinha a sua origem:

 

(i)        Numa reserva de reavaliação no montante de € 2.885.253,21, criada ao abrigo do Decreto-lei n.º 430/78, de 27 de Dezembro;

(ii)       Numa reserva de reavaliação no montante de € 953.743,01, criada ao abrigo do Decreto-lei n.º 31/98, de 11 de Fevereiro;

(iii)      No resultado líquido positivo de 2006, no montante de € 30.192,81.

 

(cf. Segundo Relatório de Inspecção Tributária, PA, 7ª parte).

 

L)  A diferença verificada entre estas três verbas, que totalizam € 3.869.189,03, e o montante distribuído, respeita ao valor pago a mais, por lapso, pela D... em 2006 aos seus sócios, a título de distribuição de lucros (cf. Segundo Relatório de Inspecção Tributária, PA, 6ª parte).

 

M)  As duas reservas de reavaliação [mencionadas nas alíneas J), i) e ii)], tinham sido criadas por uma empresa denominada G..., a partir da qual a D... se criou por cisão, tendo transitado para esta última o saldo das duas reservas de reavaliação (cf. Segundo Relatório de Inspecção Tributária, PA, 7ª parte).

 

N)  Tais reservas de reavaliação criadas pela G... diziam respeito a ajustamentos efectuados no terreno para construção, situado na Rua ..., freguesia e concelho de …, inscrito na matriz sob o n.º ..., que foi alienado em 2005, conforme alínea G) supra (cf. Primeiro Relatório de Inspecção Tributária, PA, 1ª parte).

 

O)  A Requerente considerou que essa distribuição do saldo da conta de Resultados Transitados, tendo-lhe cabido o montante de € 3.860.569,91, era enquadrável no disposto no artigo 46.º, n.º 1 do Código do IRC (actual artigo 51.º, n.º 1), tendo deduzido tais rendimentos na determinação do lucro tributável do exercício de 2007 (cf. Relatório de Inspecção Tributária, PA, partes 7ª e 8ª, provado por acordo).

 

P)  No exercício de 2007, e após a distribuição acima mencionada, a Requerente procedeu à dissolução e liquidação da D..., da qual resultou uma menos-valia fiscal declarada de €7.014.413,53 (cf. Primeiro Relatório de Inspecção Tributária, PA, 1ª parte, e Segundo Relatório de Inspecção Tributária PA, 7ª parte).

 

Q)  A Requerente declarou esta menos-valia na declaração de substituição entregue em 29 de Maio de 2009, tendo aí alterado o prejuízo fiscal declarado de € 481.699,66 para € 7.496.113,19 (cf. Primeiro Relatório de Inspecção Tributária, PA, 1ª parte e Segundo Relatório de Inspecção Tributária PA, 7ª parte).

 

            R)  Os prejuízos fiscais declarados pela Requerente foram por esta utilizados com referência aos exercícios de 2008, 2009 e 2010 (cf. provado por acordo).

 

S)  A Requerente foi objecto de uma primeira acção inspectiva, interna, de âmbito parcial – IRC, ao abrigo das Ordens de Serviço internas OI... e OI2..., relativas aos exercícios de 2006 e 2007, respectivamente, da qual resultou o Primeiro Relatório de Inspecção Tributária comunicado à Requerente pela Direcção de Finanças do …, através do Ofício n.º …/…, de 27 de Maio de 2010 (cf. Primeiro Relatório de Inspecção Tributária, PA, 1ª parte).

 

T)  Neste âmbito, a Autoridade Tributária e Aduaneira corrigiu os prejuízos fiscais declarados pela Requerente, no montante de € 7.496.113,19, para o valor de € 5.571.387,59, sendo que esta redução do valor dos prejuízos fiscais se ficou essencialmente a dever, no valor de € 1.915.198,79, à não aceitação parcial, em 50%, da dedução pela Requerente dos lucros que lhe haviam sido distribuídos (cf. Primeiro Relatório de Inspecção Tributária, PA, 1ª parte).

 

U)  Como fundamento para a referida redução de prejuízos fiscais, menciona este Primeiro Relatório que os rendimentos distribuídos à Requerente provinham de lucros que não haviam sido sujeitos a tributação efectiva, pelo que, face ao estipulado no artigo 20.º, n.º 1, alínea c) do Código do IRC, em conjugação com o disposto no artigo 46.º, n.º 11 (actual artigo 51.º, n.º 10) do mesmo diploma, teriam de ser acrescidos ao lucro tributável na proporção de 50% (cf. Primeiro Relatório de Inspecção Tributária, PA, 1ª parte).

 

V) Refere, com efeito, o Primeiro Relatório de Inspecção (pp. 10-11) sobre a não tributação efectiva que:

 

“(…) podemos concluir que as reservas de reavaliação criadas ao abrigo de legislação fiscal associadas a terrenos não são efectivamente tributadas, dado que estes não estão sujeitos a depreciação. É, no entanto, para o cálculo das mais e menos valias fiscais expurgado o valor dos ajustamentos (actualizações efectuadas), não porque estes não sejam aceites fiscalmente, mas para que não se aplique duas vezes os coeficientes de correcção monetária: uma pela reavaliação ao abrigo de legislação fiscal e outra por aplicação do art. 44.º do CIRC.

 

Voltando ao caso em questão, conforme referido no ponto III, tratam-se de reservas de reavaliação criadas pela G..., ao abrigo dos já mencionados diplomas legais que transitaram para a D... aquando da cisão. Estas reservas dizem respeito a ajustamentos efectuados no terreno para construção, situado na Rua ..., freguesia e concelho de …, inscrito na respectiva matriz sob o n.º ... e alienado no exercício de 2005.

 

Dado que a D..., no ano de 2005, encontrava-se enquadrada no regime simplificado previsto no art. 53.º do CIRC, o proveito resultante da alienação do referido terreno foi tributado não pelo resultado contabilístico (Resultado líquido = €20.644.926,68), mas pelo valor de venda do terreno e tratado como venda de existências, aplicando-se o coeficiente de 0,2 ao valor de venda, conforme previsto no n.º 4 do art. 53.º do CIRC. Apurou-se, assim, um lucro fiscal de € 5.059.500,00 = €25.297.500,00*0,2, após a intervenção da inspecção tributária, conforme relatório de conclusões elaborado em 03 de Dezembro de 2009.

 

Ora, para que a reserva de reavaliação em causa fosse tributada, ao Resultado Líquido apurado pela contabilidade de 2005 no total de €20.644.926,68 a B… teria ainda que acrescer os ajustamentos associados às reservas de reavaliação de € 3.830.397,58, donde resultaria o lucro de € 24.475.324,26 (€20.644.926,68 + € 3.830.397,58) e não o lucro efectivamente declarado e tributado de € 5.059.500,00.

 

Fica, assim, demonstrado que o valor distribuído pela D..., no montante de € 3.830.397,58, não foi sujeito a tributação na esfera da D..., pelo que terá que ser tributado na esfera da A..., por força do estipulado na alínea c) do n.º 1 do art. 20.º, em conjugação com o disposto no n.º 11 (actual 10) do art. 46º (actual 51.º) CIRC.”

 

X)  A Requerente apresentou Reclamação Graciosa opondo-se à correcção dos prejuízos fiscais de 2007 resultante desta primeira acção inspectiva, com consequente impacto nos exercícios seguintes, e solicitou a respectiva anulação. A Reclamação foi indeferida em 15 de Abril de 2011 (cf. PA, 6ª parte, procedimento de Reclamação Graciosa n.º ...).

 

Z) A Requerente recorreu hierarquicamente, vindo o Recurso a ser integralmente deferido por Despacho, datado de 4 de Dezembro de 2012, do Subdirector-Geral, substituto legal do Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, que adere aos termos propostos na Informação n.º …/2012 da Direcção de Serviços do IRC (cf. PA, partes 6.ª e 7.ª, procedimento de Reclamação Graciosa n.º ...).

 

AA)  Segundo a citada Informação n.º …/2012, de 17 de Setembro de 2012, da Direcção de Serviços do IRC, que contém os fundamentos do Recurso Hierárquico:

 

30. Alega a recorrente, que as reservas de reavaliação, nunca relevam para efeitos de cálculo das mais-valias decorrentes da alienação dos bens a que respeitam, porquanto o cálculo das mais-valias fiscais, não é influenciado pelo valor de reavaliação do bem.

31. De facto, a questão suscitada pela recorrente, relativamente de apuramento das mais-valias e menos-valias fiscais, não releva na apreciação da presente matéria, porquanto, como é sabido, o apuramento do resultado fiscal resulta da diferença entre o valor de realização deduzido dos encargos que lhe sejam inerentes e o custo histórico do activo, corrigido pelo coeficiente de desvalorização da moeda.

32. Para determinar o ganho ou perda, em termos fiscais, não são tidos em conta os valores resultantes da reavaliação, pelo que a alegação do contribuinte, não permite inferir pela efectiva tributação destas reservas.

33. A mesma questão já tinha sido colocada na reclamação, sendo objecto de apreciação, pela Direcção de Finanças do …, resultando na informação n.º …/2011, a qual se pronunciou sobre o enquadramento contabilístico e fiscal das reservas de reavaliação, em vigor à data dos factos.

34. Deste modo, procederemos ao enquadramento das reservas de reavaliação, para efeitos do disposto no art.º 46º (actual art.º 51) do CIRC, tendo presente entendimentos já anteriormente produzidos por esta Direcção de Serviços, sancionados superiormente.

Do enquadramento contabilístico

35. De acordo com a directriz contabilística n.° 16/95 “reavaliar um activo significa ajustar, geralmente por acréscimo, a quantia assentada do mesmo; este acréscimo, depois de ajustadas as correspondentes amortizações acumuladas, se for caso disso, dá origem a um excedente, ainda não realizado, a inscrever no capital próprio.

36. A referida Directriz determina que a reavaliação pode ser efectuada com base na variação do poder aquisitivo da moeda ou com base no justo valor. Estabelecendo no respectivo ponto 3.3., que o excedente obtido na sequência do processo de actualização e contabilizado no capital próprio não pode servir de base, do ponto de vista estritamente contabilístico, a aumento do capital ou cobertura de prejuízos.

37. A reserva de reavaliação não pode ser utilizada para aumentar o capital ou cobrir prejuízos

senão na medida em que seja realizada, considerando-se que a realização ocorre com o uso, ou seja, com a amortização ou com a alienação dos respectivos bens.

38. Só a realização, parcial ou total, deste excedente que implica a transferência correspondente para a conta 59 – Resultados Transitados, poderá permitir as aplicações referidas ou outras, sendo que esse excedente, que implica a transferência correspondente para a conta 59 - Resultados Transitados, poderá permitir as aplicações referidas ou outras, sendo que esse excedente só se considera realizado pelo uso ou alienação dos bens a que respeita (Cf. Ponto 2.4.).

39. Salienta ainda a Directriz Contabilística n.º 16/95 que, os diplomas que têm permitido as denominadas reavaliações fiscais extravasam o âmbito fiscal e intrometeram-se na área societária, ao estabelecerem o destino a dar à reserva de reavaliação – a saber, a cobertura de prejuízos acumulados até à data a que se reporta a reavaliação, e a incorporação no capital

social da parte remanescente.

40. Com efeito, os diplomas que permitem a constituição de reservas de reavaliação ao abrigo de legislação fiscal, em particular os Decretos-Lei n.º 429/78 [430/78] e 31/98, estatuem que a utilização destas reservas apenas seja possível para a cobertura de prejuízos acumulados até à data da reavaliação ou para aumentos de capital. Por outro lado, estes dois diplomas estabelecem as consequências em caso de utilização indevida da reserva de reavaliação.

Do Enquadramento Fiscal

41. O mecanismo para eliminar a dupla tributação económica encontra-se previsto no n.º 1 do art.º 51º do Código do IRC, o qual permite que sejam deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos, desde que sejam verificados os respectivos requisitos, designadamente, a sociedade que distribui os lucros esteja sujeita e não isenta de IRC. Porém, o actual n.º 10 do art.º 51° do Código do IRC dispõe que a dedução por dupla tributação económica, prevista no n.º 1, só é aplicável quando os rendimentos provenham de lucros que tenham sido sujeitos a tributação efectiva.

42. Conforme se refere na Circular 24/11, o requisito da tributação efectiva previsto no n.º 10 do art.º 51º do Código do IRC deve ser interpretado no sentido de exigir que os rendimentos provenham de lucros que tenham suportado IRC, ou outro imposto sobre lucros idêntico ou análogo, e que dele não se encontrem excluídos nem isentos.

43. Acrescenta-se na referida Circular, que o requisito de tributação efectiva deve considerar-se verificado quando a sociedade que gerou os lucros distribuídos não beneficie de isenção e tais lucros tenham origem em rendimentos que não beneficiem de qualquer isenção nem ocorra, em resultado da legislação aplicável, a respectiva desconsideração em definitivo para efeitos do apuramento do imposto a pagar.

44. Adicionalmente, também se devem considerar os lucros efectivamente tributados, quando não exista encargo de imposto em resultado, por exemplo, da dedução de prejuízos fiscais, de deduções à colecta, ou, ainda, de diferenças de carácter temporário entre o lucro tributável e o resultado líquido contabilístico, uma vez que esses lucros provêm de rendimentos que são integrados no lucro tributável.

45. Logo, para efeitos de apreciação do requisito de tributação efectiva, apenas são de considerar como relevantes os encargos suportados a final com o imposto, independentemente da forma como seja arrecadado, tornando-se irrelevantes os montantes suportados a título de pagamento por conta, pagamento especial por conta, retenções na fonte ou tributações autónomas.

Tributação de lucros de 2007

46. A distribuição de lucros realizada pela D... a favor da A... no exercício de 2007 pelo valor de € 3.860.569,91, determinada pelos Serviços de Inspecção que atrás se encontram descritas, atentas as diferenças entre as várias componentes é necessário proceder a uma análise individualizada.

47. A reserva de reavaliação constituída ao abrigo do Decreto-Lei n.º 430/78, resulta dos n.ºs 2 e 3 do art.º 5º desse preceito legal, que a reserva de reavaliação pode ser utilizada para cobertura de prejuízos acumulados até 31 de Dezembro e para aumento do capital. Por outro lado, o incumprimento quanto à utilização da reserva encontra-se sujeito a aplicação de multa em montante correspondente a 30% do valor da reserva de reavaliação indevidamente utilizada, sendo este o único efeito previsto em resultado de incumprimento.

48. Assim, atendendo à formulação adoptada pelo legislador, temos então que esta reserva de reavaliação, efectuada ao abrigo da legislação fiscal, não pode ser utilizada para outros fins que não a cobertura de prejuízos ou aumento de capital, pelo que constitui uma reserva não distribuível, não pode, para efeitos fiscais, corresponder ao conceito de lucro distribuído, não beneficiando, na esfera do accionista, do regime para eliminar a dupla tributação económica, previsto no então art.º 46º (actual art.º 51°) do Código do IRC.

49. No que respeita às importâncias com origem numa reserva de reavaliação criada ao abrigo do Decreto-Lei n.º 31/98, o respectivo n.º 2 do art.º 5º determina, igualmente, que a reserva constituída apenas seja susceptível de movimentação para cobertura de prejuízos e incorporação no capital social. Adicionalmente, o art.º 11 do mesmo diploma estabelece que, caso a reserva de reavaliação seja utilizada para fins diferentes dos previstos no n.º 2 do art.º 5º, esta seja considerada nula, para efeitos fiscais, devendo proceder-se à adição ao valor de IRC ou IRS liquidado relativamente ao exercício em que tal utilização se verifique do IRC ou IRS que em resultado da reavaliação deixou de ser liquidado nos exercícios anteriores, acrescido dos juros compensatórios correspondentes.

50. Ora se a utilização indevida da mesma (apenas) para efeitos fiscais, temos então que estas reservas devem subsumir-se em reservas livres, aplicando-se directamente as disposições previstas na Directriz Contabilística n.º 16/95, ao abrigo das quais só a realização, parcial ou total, da reserva poderá permitir a sua utilização para cobertura de prejuízos, aumento do capital social ou outras, designadamente, distribuição de lucros.

51. Deste modo, podendo ser lucro distribuível, importa verificar se esses lucros se encontram efectivamente tributados, para efeitos de aplicação do n.º 11 do art.º 46º (actual art.º 51º) do CIRC, na redacção em vigor no exercício de 2007. Logo, em consonância com o predito nos pontos 21 e 22, na situação controvertida ao se verificar que no período de realização da reserva de reavaliação (2005) o sujeito passivo apresenta colecta, pode considerar-se que estes lucros se encontram sujeitos a tributação efectiva, pelo que o beneficiário dos lucros distribuídos pode utilizar o mecanismo para evitar a dupla tributação económica, previsto no então art.º 46º (actual art.º 51º) do CIRC, desde que cumpridos os respectivos requisitos.

52. De notar que, se não se verificar a realização da reserva de reavaliação, a mesma não é distribuível, não se subsumindo no conceito de lucro distribuído, pelo que não será aplicável o regime previsto no então art.º 46º (actual art.º 51º) do CIRC.

53. De salientar que, em qualquer caso, as importâncias auferidas pela A..., accionista da H..., constituem uma componente positiva da formação do respectivo lucro tributável.

54. Vem ainda a Direcção de Finanças solicitar esclarecimento sobre se os lucros do período de 2006 distribuídos em 2007, os quais beneficiaram de reporte de prejuízos de períodos anteriores, podem considerar-se efectivamente tributados.

55. A este respeito, foi emitida recentemente pela DGCI a Circular 24/2011, a qual visa esclarecer o conceito de “tributação efectiva de lucros distribuídos”. E de acordo com o ponto 5 da referida Circular, os lucros distribuídos consideram-se efectivamente tributados quando não exista encargo do imposto em resultado, entre outros, da dedução de prejuízos fiscais.

56. Assim, quando seja efectuado o reporte de prejuízos, estamos perante a mera aplicação do princípio da solidariedade dos períodos de tributação, não podendo afirmar-se que se verifica uma ausência de tributação efectiva. Logo, os lucros distribuídos relativos a um período em que foi utilizado o mecanismo de reporte de prejuízos fiscais, nos termos do antigo art.º 47º (actual art.º 52º) do CIRC, não podem deixar de ser considerados efectivamente tributados para efeitos de aplicação do n.º 11 do art.º 46º (actual art.º 51º).

57. Em resumo, temos,

 

i) No que tange à reserva constituída ao abrigo do Decreto-Lei n.º 430/78, no montante de € 2.885.253,21, esta não pode ser utilizada para outros fins que não a cobertura de prejuízos ou aumento de capital, pelo que, não pode, para efeitos fiscais, corresponder ao conceito de lucro distribuído, não beneficiando, na esfera do accionista, do regime para eliminação da dupla tributação económica, prevista no então art.º 46º (actual art.º 51º) do Código do IRC. Resulta do Relatório de Inspecção, que a correcção efectuada pelos SIT, apenas corrigiu 50% do valor da reserva, considerando que esta tinha a natureza de lucro distribuído, não sujeito a tributação efectiva.

A reserva de reavaliação criada ao abrigo do Decreto-Lei n.º 430/78, no montante de € 2.885.253,21, é insusceptível de ser equiparada a reserva livre, não podendo ser utilizada para fins diferentes daqueles que se encontram expressos, no referido diploma legal, e consequentemente ser equiparada a lucro distribuído, pelo que não haveria lugar à dedução prevista no art.º 46º (actual art.º 51º) do CIRC. Porém nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 20º do CIRC, o montante recebido com origem nesta rubrica está sujeito na totalidade a tributação, pelo que terá que integrar o lucro tributável da A.... Reconhecendo-se, que a correcção deveria ter abrangido a totalidade do rendimento obtido, de € 2.885.253,21.

 

ii) No que respeita, às importâncias com origem na reserva de reavaliação criada ao abrigo do Decreto-Lei n.º 31/98, este diploma impede, igualmente, a utilização das reservas para outros fins que não a cobertura de prejuízos ou aumento de capital, sob pena de ser considerada nula para efeitos fiscais. Se a utilização indevida da reserva de reavaliação resulta na nulidade da mesma, para efeitos fiscais, temos então que, por aplicação da Directriz Contabilística n.º 16/95, a realização, parcial ou total, da reserva poderá permitir a sua utilização para cobertura de prejuízos, aumento de capital social ou outras. Assim, admitindo-se a distribuição dessas reservas ao sócio, podemos admitir que se trata de lucro distribuível, que se encontrava sujeito a tributação, pelo que o beneficiário dos lucros distribuídos pode utilizar o mecanismo para evitar a dupla tributação económica, previsto no então art.º 46º (actual art.º 51º) do CIRC.

Verifica-se que relativamente a esta rubrica, estão reunidos os pressupostos para a dedução, na totalidade, do montante de € 953.743,01, podendo beneficiar do mecanismo para evitar a dupla tributação económica.

 

iii) Entende-se de acordo com o conceito de “tributação efectiva de lucros distribuídos” preconizado na Circular 24/2011, que o requisito de tributação efectiva previsto no n.º 10 do art.º 51º do Código do IRC deve ser interpretado no sentido de exigir que os resultados distribuídos provenham de lucros que tenham suportado IRC, ou outro imposto sobre lucros idêntico, e que dele não se encontrem excluídos nem isento

Deste modo, deverá dar-se por verificado o requisito de tributação efectiva, na esfera da sociedade geradora de rendimentos, porquanto a mesma não se encontra abrangida por regime de isenção, nem ocorreu, em resultado de legislação aplicável qualquer desconsideração em definitivo para efeitos do imposto a pagar. Deste modo, os lucros por esta distribuídos, não podem deixar de ser considerados efectivamente tributados para efeitos de aplicação no n.º 11 do art.º 46º (actual n.º 10 do art.º 51º) do CIRC.

59. Em resumo, a correcção do montante de € 3.960.569,91 obtido pela A..., a título de distribuição de resultados, ao considerar que a totalidade deste montante, é equiparável a lucros distribuídos não sujeitos a tributação efectiva, para efeitos do previsto no então n.º 11 do art.º 46º (actual art.º 51º) do CIRC, não deve prosseguir, porquanto a fundamentação assentou no pressuposto, que se tratavam de lucros distribuídos, não sujeitos a tributação efectiva, o que se mostra desconforme, com o que atrás se expôs.

58. Nos termos do n.º 1 e 2 do art.º 77º da LGT resulta, o dever de fundamentação expressa e inequívoca do acto tributário, a que a Administração Tributária está vinculada na prática dos seus actos.

 59. Considerando que o acto tributário da liquidação, aqui controvertido, decorre de acção de inspecção realizada ao sujeito passivo, cujas conclusões se encontram expressas no relatório final que identifica e sistematiza os factos detectados e a sua qualificação jurídico tributária, de acordo com o disposto no art.º 62º do RCPIT e, que os actos tributários que resultem do relatório podem fundamentar-se nas suas conclusões.

60. Encontra-se em doutrina publicada, sobre a oportunidade da fundamentação “É uma fundamentação contextual, ou seja materialmente associada à decisão, não sendo admitida em Portugal, ao contrário de outros ordenamentos jurídicos, a fundamentação posterior ou sucessiva, a requerimento do interessado, mas apenas a mera comunicação dos fundamentos omitidos na notificação da decisão, nos termos da lei. A fundamentação deve, pois, ser contemporânea do acto e figurar, directamente ou por remissão, no mesmo instrumento formal de decisão, sem prejuízo da possibilidade legal de ratificação/sanação do vício da falta de fundamentação, devendo também ser expressa. (sublinhado nosso)

61. Atendendo, a que estamos perante o exercício de 2007, nesta data, já se mostra ultrapassado o prazo de caducidade de quatro anos previsto no n.º 1 do art.º 45º da Lei Geral Tributária. No entanto, o contribuinte apurou no exercício de 2007 prejuízo fiscal, sendo desta forma aplicável, o alargamento do prazo de caducidade previsto no n.º 3 do art.º 45º da LGT.

(…)

 

III – Conclusão e Proposta de Decisão

 

Face ao exposto, somos de parecer que o presente recurso hierárquico deverá ser deferido, de acordo com o que resumidamente, passamos a expor:

 

A) Distribuição de dividendos

 

Parece-me, ser de deferir o pedido contribuinte, anulando-se a correcção efectuada pelos SIT, por inaplicabilidade do n.º 11 (actual n.º 10) do art.º 46º (actual art.º 51º) do CIRC, aos lucros distribuídos pela participada, no montante de € 1.915.198,79.

 

Propondo-se, no entanto, a correcção ao montante de prejuízos apurado em 2007, acrescendo ao resultado tributável da A..., o proveito relativo à distribuição de resultados com origem na reserva de reavaliação, no montante de € 2.885.253,213, constituída ao abrigo do disposto no Decreto-lei n.º 430/78, de 27 de Dezembro, devendo constituir-se como rendimento tributável, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 20º do CIRC, ao qual não é aplicável o mecanismo para eliminar a dupla tributação económica previsto no actual art.º 51º do CIRC.

 

A A... apurou no período de tributação de 2007, prejuízo fiscal, deduzido nos períodos de 2008 e 2009, pelo que ainda está em curso o prazo de caducidade de seis anos, que resulta da conjugação do n.º 3 da art.º 45º da LGT, com o n.º 1 do art.º 46º do CIRC (numeração e redacção em vigor à data dos factos), pelo que será de propor a abertura de nova ordem de serviço, para corrigir as omissões do contribuinte.” (cf. PA, partes 6.ª e 7.ª).

 

BB)  A correcção dos prejuízos fiscais de 2007 resultante do Primeiro Relatório de Inspecção foi anulada (provado por acordo).

 

CC) Em 28 de Janeiro de 2013 foi emitida a Ordem de Serviço Interna OI..., de âmbito parcial – IRC, relativa ao exercício de 2007, da qual resultou o Segundo Relatório de Inspecção, comunicado à Requerente pelo Ofício n.º …/…, datado de 2 de Abril de 2013 (cf. PA, partes 7ª e 8ª), no qual se conclui:

 

“Em resumo, a DSIRC conclui que a correção do montante de € 1.915.198,79, efetuada por se ter considerado que os rendimentos obtidos pela A..., a título de distribuição de resultados, no montante de € 3.830.397,58, são equiparáveis a lucros distribuídos não sujeitos a tributação efetiva, para efeitos do previsto no então nº 11 do art. 46º (atual 51º) do CIRC, não deve prosseguir, porquanto a fundamentação assentou no pressuposto, que se tratavam de lucros distribuídos não sujeitos a tributação efetiva, o que se mostra desconforme com o mencionado na Circular 24/2011.

(…)

 

Verificou-se, no entanto, uma correção a efetuar aos prejuízos fiscais apurados em 2007, do proveito relativo à distribuição de resultados com origem na reserva de reavaliação, no montante de € 2.883.297,11 (€2.885.253,21*€ 1474.000,00/€1475.000,00), constituída ao abrigo do disposto do Decreto-Lei n.º 430/78, de 27 de Dezembro, devendo este constituir-se como rendimento tributável, de acordo com o disposto na alínea c) do nº 1 o art. 20º do CIRC, ao qual não é aplicável o mecanismo para eliminar a dupla tributação económica previsto no atual art. 51.º do CIRC.

(…)

 

A correção proposta encontra-se devidamente fundamentada na resposta dada ao recurso hierárquico interposto pelo s.p., através da informação nº …/2012, emitida pela DSIRC (…)” (cf. PA, 8ª parte).

 

DD) Na sequência desta segunda acção inspectiva interna ao exercício de 2007 e do Segundo Relatório de Inspecção foram efectuadas correcções à Requerente – acréscimo ao lucro tributável de 2007 de € 2.883.297,11 – as quais estão na origem das liquidações contestadas, que infra se identificam:

 

(a)               liquidação de IRC n.º 2013 ..., de 8 de Abril de 2013, que fixou os prejuízos fiscais do exercício de 2007 no valor de € 4.612.816,08;

(b)               liquidação de IRC n.º 2013 ..., de 10 de Abril de 2013, que fixou o IRC a pagar, relativamente ao exercício de 2009, no montante de € 57.022,72, em resultado da correcção dos prejuízos fiscais de 2007; e

(c)                liquidação de IRC n.º 2013 ..., de 10 de Abril de 2013, que fixou o IRC a pagar, relativamente ao exercício de 2010, no montante de € 706.894,87, também em consequência da correcção dos prejuízos fiscais de 2007.

(cf. demonstrações de liquidação de IRC juntas com o pedido de pronúncia arbitral e PA, partes 7ª e 8ª).

 

EE)     Em 8 de Julho de 2013 a Requerente apresentou o requerimento de constituição do Tribunal Arbitral (cf. requerimento eletrónico no sistema do CAAD).

 

 

4.      FactoS não provados

 

Não existem factos com relevo para a decisão de mérito que não se tenham provado.

 

 

5.      FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

A factualidade provada teve por base a análise crítica dos documentos acima discriminados, que não foram impugnados pelas partes e o conteúdo do processo administrativo junto aos autos.

 

De salientar que no articulado de Resposta (ponto 83.º) a Requerida alega que a Requerente não concretizou os factos relativos à operação de alienação dos bens do imobilizado corpóreo que haviam sido reavaliados em 1978, parecendo ignorar que o próprio Relatório de Inspecção Tributária, produzido na sequência da primeira acção inspectiva (interna), afirma que as reservas de reavaliação originariamente criadas na esfera da G... (e transferidas no âmbito de uma operação de cisão para a D...) diziam respeito a terrenos, em concreto ao terreno para construção situado na Rua ..., Matosinhos, inscrito na matriz sob o n.º ..., que foi alienado pela D... à Requerente em 2005 nos termos da escritura junta (alíneas G), M) e N) da matéria de facto).

 

 

6.      DO MéRITO

 

6.1.      O princípio da irrepetibilidade das inspecções e a sua inaplicabilidade às inspecções internas


            A primeira questão em apreciação reconduz-se a saber se o procedimento de inspecção interno está abrangido pelo princípio vertido no artigo 63.º, n.º 3 da LGT (actual n.º 4) relativo à proibição de dois procedimentos inspectivos sucessivos, quando estejamos perante uma identidade de factos, de imposto, de período de tributação e do mesmo sujeito passivo.

 

            Dispõe a citada norma da LGT que “o procedimento da inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se a fiscalização visar apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas”. (sublinhado nosso)

 

            Do elemento literal retira-se que a limitação de sucessão de procedimentos se refere apenas ao procedimento externo de fiscalização, que o artigo 13.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) caracteriza como aquele em que os actos de inspecção se efectuam, total ou parcialmente em “instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso” (alínea b)), por contraposição ao procedimento interno, no qual os actos de inspecção se efectuam “exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos” (alínea a)).

 

            Com efeito, o sentido assente na interpretação literal conduz-nos à exclusão deste tipo de procedimento inspectivo [interno] da previsão do artigo 63.º, n.º 3 da LGT, não resultando proibida a sua repetição, presumindo-se que o “legislador […] soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (cf. artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil).

 

            Compreende-se esta solução, pois o principal objectivo do preceito delimitador dos poderes de fiscalização da Autoridade Tributária e Aduaneira é o de evitar “que um mesmo contribuinte ou obrigado tributário seja sobrecarregado com os incómodos que as acções de fiscalização externas são susceptíveis de lhes provocar”, conforme salientado por Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 4ª edição, Encontro da Escrita, 2012, p. 271, em consonância com o princípio da proporcionalidade acolhido de forma expressa pelos artigos 5.º e 7.º do RCPIT.

 

            Ora, as inspecções internas efectuadas exclusivamente no seio da Autoridade Tributária e Aduaneira “através da análise formal e de coerência dos documentos”, ao contrário das externas, não implicam a perturbação e ingerência na esfera dos sujeitos passivos que são inerentes à prática dos actos de inspecção externa. O procedimento interno contém menores exigências em sede de garantias dos sujeitos passivos inspeccionados, revestindo um carácter menos formal e mais célere, dadas as suas características menos intrusivas na vida e actividade comercial dos sujeitos passivos inspeccionados.

 

            Os dois tipos de procedimentos de inspecção tributária comportam, pois, importantes diferenças de regime, sendo de destacar, designadamente a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação que se encontra previsto durante o “desenrolar dos actos de inspecção externa, bastando para tal que o sujeito passivo seja notificado do início do procedimento”, de acordo com o artigo 46.º, n.º 1 da LGT, suspensão essa que não se verifica nos casos de inspecção interna – cf. Nuno de Oliveira Garcia, Rita Carvalho Nunes, “Inspecção Tributária Externa e a Relevância dos Actos Materiais de Inspecção”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano IV, n.º 1, Março de 2011, p. 249-268.

 

            Uma outra diferença prende-se com o regime específico plasmado no artigo 36.º do RCPIT, segundo o qual o procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses, apenas podendo ser ampliado por mais dois períodos de três meses, conjugado com o seu artigo 64.º, cuja aplicabilidade se circunscreve ao procedimento de inspecção externa como afirmado no Acórdão Arbitral, processo n.º 14/2012-T, já citado.

 

 

            A interpretação suportada no elemento literal tem correspondência com a ratio da norma (artigo 63.º, n.º 3 da LGT) ao reflectir uma tutela reforçada dos contribuintes no caso do procedimento externo, dado o seu acrescido potencial de lesividade.

 

            Assim, a não ser que surjam factos novos, os contribuintes não devem ser alvo de uma segunda acção inspectiva externa. Já no que se refere às inspecções internas, não se projectando estas na prática de actos materiais de fiscalização junto dos sujeitos passivos (pois de outro modo, devem passar a ser qualificadas de externas), não se verifica a razão de ser que subjaz ao princípio da irrepetibilidade (das acções inspectivas externas), sendo que a restrição dos procedimentos inspectivos internos poderia inclusivamente representar uma limitação excessiva e inibidora da realização das atribuições de fiscalização da Administração Tributária. 

 

            Neste sentido refere António Lima Guerreiro que o “referido princípio da irrepetibilidade é aplicável apenas às inspecções externas, não incluindo, assim, as inspecções internas que podem ser repetidas as vezes necessárias” – cf. Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, 2001, p. 293.

 

            Na situação concreta, é manifesto que estamos perante dois procedimentos inspectivos internos, quer formalmente, pois foram como tal classificados nas respectivas ordens de serviço – OI2... e OI ... [que versam sobre o exercício de 2007, de âmbito parcial (IRC), relativos aos mesmos factos (resultados distribuídos com origem em reservas de reavaliação criadas ao abrigo de legislação fiscal)] –, quer do ponto de vista substantivo, pois não foi deduzida qualquer alegação de que tenham sido praticados actos fora dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira para obtenção dos elementos relevantes (cf. sobre a possibilidade de dissonância entre a classificação formal da inspecção e a realidade, Nuno de Oliveira Garcia e Rita Carvalho Nunes, “Inspecção Tributária Externa e a Relevância dos Actos Materiais de Inspecção”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano IV, n.º 1, Março de 2011, p. 254; Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 14/2012-T, de 29 de Junho de 2012 e Acórdão do TCAS, processo n.º 5303,12, de 10 de Julho de 2012).

 

            Como foi acima referido, inexiste um princípio de proibição de inspecções internas sucessivas ou de irrepetibilidade de inspecções internas, pelo que se conclui não ter ocorrido o alegado vício formal de “preterição de formalidades legalmente exigidas”.

 

            Nem tão-pouco é de convocar (como fez a Requerente) o requisito de o segundo procedimento ter de ser precedido de uma decisão do dirigente máximo do serviço (com base em factos novos). Este requisito encontra-se previsto no artigo 63.º, n.º 3 da LGT para situação diversa: a de sucessão de (duas) inspecções de natureza externa, pelo que não é aplicável ao caso em análise.

             

            No entanto, sempre se dirá que deriva com clareza do encadeamento da matéria de facto que a segunda Ordem de Serviço Interna para o exercício de 2007 é uma consequência directa da decisão (de deferimento) do Recurso Hierárquico, que propõe correcções ulteriores ao IRC da Requerente, nos termos da Informação n.º …/2012 (cf. alínea AA da matéria de facto). Decisão que é tomada pelo Subdirector-Geral, na qualidade de substituto legal do Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, ou seja, pelo dirigente máximo do serviço (cf. alínea Z da matéria de facto). 

 

            Um outro ponto é que o procedimento inspectivo e o de liquidação são distintos entre si, ainda que aquele tenha carácter preparatório ou acessório deste, e nem todos os vícios do procedimento produzem necessariamente efeitos sobre a validade da liquidação (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo – “STA”, processo n.º 955/07, de 27 de Fevereiro de 2008, e processo n.º 103/08, de 4 de Junho de 2008).

 

            Salienta-se, de igual modo, que a tomada sucessiva de duas decisões diferentes sobre a mesma matéria, consubstanciada em actos de liquidação distintos, com diferentes fundamentos de direito, não se revela contrária à lei, ao contrário do que a Requerente parece pretender, pois nada impede a Administração de na sequência da emissão de um acto inválido o revogar, conquanto observe os prazos legalmente determinados, como sucedeu na situação vertente, e o substituir por outro (cf. artigos 138.º e 141.º do Código do Procedimento Administrativo –“CPA”).

 

            Esta possibilidade é, aliás, imposta pelo princípio da legalidade, pois de outra forma perante um qualquer vício do acto tributário a Autoridade Tributária e Aduaneira, na sequência da sua anulação, não poderia repetir esse acto (naturalmente expurgado dos respectivos vícios invalidantes) mesmo que aquele fosse materialmente devido (ou na medida em que o fosse) à luz das normas de incidência tributária.

 

            A ordem jurídica tem de assegurar a possibilidade de redefinição da situação jurídico-tributária do sujeito passivo por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira até ao termo do prazo de caducidade do direito à liquidação, sendo que a tal não obsta o princípio da segurança e certeza jurídicas, pois este princípio não pode ser impeditivo da tributação, caso se verifiquem validamente os pressupostos materiais de incidência, e tem por escopo a estabilidade das situações tributárias que é alcançada por uma outra via, a da consagração de um limite temporal razoável para o exercício dos direitos do credor tributário, in casu o mencionado prazo de caducidade.

 

            Pelas razões expostas, não procede o vício de preterição de formalidades legais suscitado pela Requerente. 

 

6.2.      Caducidade do direito de liquidação 

 

            A Requerente invoca ter decorrido o prazo geral de caducidade do direito à liquidação, de quatro anos, previsto no artigo 45.º, n.º 1 da LGT, segundo o qual “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”, pelo que, em seu entender, não assistia à Autoridade Tributária e Aduaneira o direito de proceder à alteração do lucro fiscal do exercício de 2007 em Abril de 2013 (data a que se reportam os actos tributários de liquidação). Em síntese, os actos tributários seriam ilegais, por caducidade do direito à liquidação ocorrida em 31 de Dezembro de 2011.

 

            Para concluir desta forma, a Requerente afasta a aplicação do artigo 45.º, n.º 3 da LGT (em conjugação com o artigo 46.º, n.º 1 do Código do IRC (actual artigo 52.º, n.º 1)), que determina que: “Em caso de ter sido efectuado reporte de prejuízos, bem como de qualquer outra dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito”, ou seja, o prazo especial alargado de seis anos em vigor à data dos factos.

 

            Em síntese, a Requerente faz uma leitura restritiva do campo de aplicação do citado artigo 45.º, n.º 3 da LGT, que implica que este somente abrangesse as situações em que os prejuízos fiscais tivessem sido utilizados para além do prazo ordinário de caducidade (como acima referido, de quatro anos), circunstância que não ocorreu no caso concreto, pois os prejuízos fiscais foram utilizados dentro daquele prazo geral de caducidade, ou seja, nos exercícios de 2008, 2009 e 2010, consumindo-se integralmente neste último ano.

 

            A Requerente apoia-se na posição de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 4ª edição, Encontro da Escrita, 2012, p. 190, que presentemente é a seguinte: “Nos termos do n.º 3, o prazo de caducidade, no caso de reporte de prejuízos, é coincidente com o prazo do exercício de tal direito. Tal prazo é de 6 anos para o IRC e de 5 anos para o IRS (46.º do C.I.R.C. e 54.º do C.I.R.S.).

Se o contribuinte deduz os prejuízos num prazo inferior a quatro anos, ou se o prazo legal for inferior, pode sustentar-se que é este o prazo de caducidade, por analogia com o disposto no n.º 3; ou se aplica o prazo geral (…)”. (sublinhado nosso)

 

            Neste sentido parece, de igual modo, inclinar-se Ricardo da Palma Borges, (cf. apresentação efectuada na Associação Fiscal Portuguesa em 28 de Fevereiro de 2013), que julga inconclusivo o elemento literal do artigo 45.º, n.º 3 da LGT, em particular pela falta de clareza da expressão “reporte de prejuízos” e considera a dedução de prejuízos facultativa, um direito subjectivo do sujeito passivo (por contraposição a uma dedução automática e obrigatória).

 

            Conclui este autor que “o prazo de caducidade do direito à liquidação é contado prospectivamente a partir do ano-base quer tenham sido apurados lucros quer tenham sido apurados prejuízos” (posição com a qual concordamos) e que “o prazo de caducidade do direito à liquidação só será diferente consoante sejam apurados no ano-base 0 lucros ou prejuízos se estes não forem deduzidos em 4 anos” (posição com a qual não concordamos).

           

            A condição que a Requerente introduz, e que alguma doutrina sufraga, de os prejuízos fiscais serem, ou terem de ser, utilizados fora do prazo ordinário de caducidade, para que se caia no âmbito da previsão do artigo 45.º, n.º 3 da LGT e se conclua pela aplicabilidade da extensão do prazo, não tem suporte no texto da norma.

 

            O mencionado artigo 45.º, n.º 3 da LGT não consagra essa condição nem postula tal destrinça, bastando-se com o requisito positivo de ter sido efectuado o reporte de prejuízos (“em caso de ter sido efectuado reporte de prejuízos”). O entendimento da Requerente pressupõe, assim, uma distinção que não foi manifestada pelo legislador, i.e., que tenha sido excedido o prazo de 4 anos no reporte de prejuízos. Adicionalmente, não só não se vislumbram razões para que o intérprete distinga, como se afigura que a introdução desse requisito adicional, desprovido de suporte e enquadramento legal, violaria o princípio da legalidade, uma vez que a caducidade integra o regime substantivo do crédito tributário (cf. artigo 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa – “CRP”).

 

            Além do mais, o instituto da caducidade ou dos prazos prefixos, por regra, não atribui efeitos à conduta do titular do direito. Como salienta Vaz Serra “Os prazos de caducidade, visto prescindirem da consideração da negligência do titular do direito, correm ainda que a este não seja imputável negligência alguma”. E noutro passo, “a lei ao fixar a caducidade, fá-lo por razões objectivas de segurança jurídica, sem atenção à negligência ou inércia do titular do direito, atendendo apenas à necessidade de definir com brevidade a situação jurídica” – cf. “Prescrição Extintiva e Caducidade”, in Boletim do Ministério da Justiça, n.ºs 105, 106 e 107, 1961 (pp. 177 e 178).

 

            No sentido do entendimento preconizado, compulsa-se o Acórdão do TCAS, no processo n.º 2857/09, de 22 de Janeiro de 2013:

 

            “(…) tanto na redação inicial, como na introduzida pela L. 55-B/2004 de 30.12. (OE para 2005), o mesmo [artigo 45.º, n.º 3 da LGT] objetiva estabelecer específico prazo de caducidade na hipótese de ter sido efetuado reporte de prejuízos (e/ou de qualquer outra dedução ou crédito de imposto), firmando a regra da equivalência ao prazo do exercício desse direito de reporte. Noutra formulação, o n.º 3 do art. 45.º LGT, à semelhança dos anteriores n.ºs 1 e 2, limita-se a prever, para determinado universo de casos um prazo de caducidade do direito à liquidação, sem qualquer determinação ao nível da respectiva contagem, pelo que, do seu teor somente se pode retirar o princípio de igual duração dos prazos fixados, nas leis dos diversos tributos, para exercer eventual reporte de prejuízos (…) registados na operação de cada imposto e do prazo de caducidade da correspondente liquidação. Por exemplo, no campo do IRC, atualmente (2), prejuízos registados pelos sujeitos passivos podem ser deduzidos, reportados, durante 6anos/períodos de tributação, do que decorre ser, também, de 6 anos, em vez dos 4 anos da regra geral, o competente prazo de caducidade do direito de liquidação desse tributo, nas situações do género. Em suma, o n.º 3 do art. 45.º LGT consubstancia a fixação, pela lei, de um período de caducidade com duração diferente do prazo normal, imposto no seu n.º 1 e tal como se estabelece ser possível, no respectivo segmento final.

Acolhida esta leitura e amplitude do dispositivo legal em análise, decorre óbvio, por consequente, afirmar que, nos casos de ser efetuado reporte de prejuízos, a contagem do competente prazo de caducidade do direito à liquidação tem de processar-se no estrito cumprimento da regras, comuns, aplicáveis a todos os prazos de caducidade tributária, positivadas no n.º 4 do mesmo art. 45.º LGT.

Deste modo, para os impostos periódicos como o IRC, o prazo de caducidade, casuisticamente relevante, há de ser, sempre, contado “a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário”.

Ou seja, as situações de reporte de prejuízos não pressupõem qualquer tipo de especificidade ao nível da forma de computar o prazo de caducidade, determinado por correspondência com o período de permissão do exercício da possibilidade de dedução protelada.” (sublinhado nosso)

 

            De igual modo, o Conselheiro Joaquim Gonçalves, salienta que:

 

            “A regra agora constante do n.º 3 do art.º 45.º da LGT implica que o prazo de caducidade seja, no caso de ter sido efectuado o reporte de prejuízos, coincidente com o prazo do exercício desse direito. O que se compreende.

            O prazo máximo de exercício de reporte de prejuízos é, actualmente, de 6 anos para o IRC (redacção dada ao artigo 46.º do CIRC, pelo n.º 1 do art.º 3.º do DL n.º 18/97, de 21/; v., também, o art.º 6.º, n.º 1 do DL n.º 14/98, de 28/1) e de 5 anos para o IRS (Art.º 54.º do CIRS).

            Todavia, fica em aberto saber se se aplica o prazo geral de 4 anos ou o do exercício (em concreto) do direito ao reporte quando o contribuinte proceda à dedução dos prejuízos num prazo inferior a quatro anos: por um lado, os n.ºs 2 e 3 do artigo configuram-se como desvios da regra geral constante do n.º 1; por outro lado, se o prazo geral só é aplicável quando a lei não fixar outro (n.º 1), não parece ser esse o caso, pois que logo é fixado aqui um novo prazo, equivalente ao do exercício do reporte. De todo o modo, temos para nós que o prazo de caducidade para a liquidação será, nestes casos, o prazo máximo abstractamente considerado na lei para o exercício da dedução – 6/5 anos – e não o prazo concreto utilizado efectivamente para esse fim. Até porque, em certos casos, o prazo máximo para reporte é inferior ao prazo geral da caducidade, como sucede na hipótese prevista no n.º 3 do art.º 54.º do CIRS” – cf. do autor “A caducidade face ao direito tributário”, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Lisboa, Vislis, 1999, p. 244. (sublinhado nosso)

 

            Bem assim António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária – anotada, Lisboa, Rei dos Livros, 2000, p. 215, segundo o qual:

 

O terceiro prazo especial de caducidade é o do exercício efectivo do reporte de prejuízos, caso em que coincide com o prazo legal de reporte.

Só em caso de o reporte (sobre o instituto, que visa atenuar os efeitos negativos derivados da necessidade de periodização do lucro tributável, ver Freitas Pereira, “Periodização do lucro tributável”, in “Ciência e Técnica Fiscal, número 349, pg. 47) ter sido efectivamente exercido – e não de mera faculdade não utilizada do referido direito – o prazo de caducidade do direito de liquidação coincide com o reporte, conforme prevê o número 3 do presente artigo.” (sublinhado nosso)

 

            À face do que foi acima exposto, conclui-se que o direito de liquidação apenas expiraria em 31 de Dezembro de 2013, pelo que não se verifica o vício de caducidade suscitado pela Requerente.

 

6.3.      Erro nos pressupostos (quantificação e qualificação do facto tributário) e vício da fundamentação legalmente exigida 

 

a)      Sobre o vício de fundamentação

 

            A alegação do vício de fundamentação não é concretizada pela Requerente que se resume a enunciá-lo como alicerce para a anulação das liquidações.

 

            A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) preconiza que a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de acto, visando responder às necessidades de esclarecimento do contribuinte, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro[1], e pode ser sucinta e per relationem, desde que se encontre garantida a função primordial de dar a conhecer o iter cognoscitivo e valorativo do acto.

 

            Os fundamentos de facto e de direito em que assentam os actos tributários em crise constam expressamente do segundo Relatório de Inspecção Tributária e da Informação n.º …/2012, da Direcção de Serviços de IRC que, por remissão expressa, faz parte integrante daquele. Tais fundamentos, independentemente de com eles se concordar, são inteligíveis e permitem a um destinatário normal apreender o raciocínio decisório, as causas e o sentido da decisão, em observância do disposto no artigo 77.º da LGT[2] e do artigo 125.º do CPA (cf. Acórdãos do STA, processo n.º 42180, de 20 de Novembro de 2002, e processo n.º 46796, de 14 de Março de 2001).

 

            Verifica-se que os actos tributários de correcção (redução) de prejuízos e de liquidação de IRC observam os parâmetros de fundamentação legalmente exigidos improcedendo o invocado vício de fundamentação.

           

            Questão diferente é a da discordância da Requerente quanto aos fundamentos das liquidações que constam do Relatório de Inspecção Tributária e da citada Informação n.º …/2012, que se analisa de seguida. Neste caso estar-se-á perante o vício de erro sobre os pressupostos de facto ou de erro sobre os pressupostos de direito e não de fundamentação (neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal Arbitral Colectivo, de 16 de Novembro de 2012, processo n.º 86/2012-T CAAD).

 

b)     Erro nos pressupostos

 

            A correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira radica no entendimento de que a distribuição à Requerente de resultados transitados provenientes de reservas de reavaliação sujeitas ao regime do Decreto-lei n.º 430/78, de 27 de Dezembro, não é subsumível ao conceito de “distribuição de lucros” e, por conseguinte, não pode ser enquadrada no regime de eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos previsto no artigo 46.º, n.º 1 do Código do IRC (actual artigo 51.º, n.º 1 do mesmo diploma), pelo que não poderia o valor em causa ter sido deduzido no apuramento dos resultados do exercício de 2007. 

 

            A preconizada desaplicação da disciplina do artigo 46.º, n.º 1 do Código do IRC provém do encadeamento de um conjunto de premissas. São elas:

           

ü  Que as reservas de reavaliação criadas ao abrigo do Decreto-lei n.º 430/78 só podem ser utilizadas para duas finalidades, a cobertura de prejuízos acumulados até 31 de Dezembro de 1976 e o aumento de capital, em conformidade com o disposto no artigo 5.º do respectivo regime, pelo que constituem reservas não distribuíveis;

ü  Que as reservas não distribuíveis não podem, para efeitos fiscais, corresponder ao conceito de lucro distribuído;

ü  E que não podem beneficiar, na esfera do accionista, do regime para eliminar a dupla tributação económica.

 

            Comecemos pela análise do regime de reavaliação consagrado pelo Decreto-Lei n.º 430/78, que no seu artigo 5.º dispõe:

 

 “1 – Os movimentos contabilísticos inerentes à reavaliação são registados a débito e a crédito de uma subconta denominada “Reserva de reavaliação – Decreto-lei n.º 430/78.

              2 – A reserva de reavaliação pode ser utilizada, total ou parcialmente, para a cobertura de prejuízos acumulados até 31 de Dezembro de 1976 que não tenham sido compensados por lucros posteriores obtidos até à data a que se reporta a reavaliação.

             3 – Salvo o disposto no número anterior e o caso de dissolução da empresa, a reserva de reavaliação só pode ser utilizada, na parte que não deva ser transferida para a conta de resultados, nos termos do artigo seguinte, para aumento de capital.”

 

            Como consequência do incumprimento (do disposto no n.º 3 do artigo 5.º que antecede), o artigo 11.º do Decreto-lei n.º 430/78 prevê a punição “com multa igual a 30% do valor da reserva de reavaliação indevidamente utilizada”.

 

            Este diploma insere-se num contexto histórico de inflação em que “A detenção de activos não monetários, isto é, de activos cujo valor em termos de poder de compra se mantém apesar da inflação (terrenos, equipamento, existências), quando contabilizados a custo de aquisição, está forçosamente subavaliada nos exercícios seguintes” e “O seu valor real não vem correctamente traduzido no balanço” – veja-se a este respeito Maria Teresa Barbot Veiga de Faria e Maria dos Prazeres Rito Lousa, “A Reavaliação dos Elementos do Activo Imobilizado das Empresas, in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 148, DGCI, 1986, p. 15.

 

            De acordo com as autoras citadas “o acréscimo líquido resultante da reavaliação é levado a crédito de uma conta de reservas – reserva de reavaliação –, cuja utilização normalmente é apenas autorizada para incorporação no capital social ou para cobertura de prejuízos acumulados. Independentemente de haver ou não tributação de reserva, a sua distribuição nunca é permitida, pois tal procedimento contrariava a própria lógica subjacente ao método de correcção” (ob.cit. p.20).

 

            O objectivo visado foi portanto o de que o valor resultante da reavaliação ficasse retido na empresa e não fosse distribuído aos sócios (pelo menos enquanto não fosse realizado o ganho que a reserva de reavaliação antecipou) e, sendo-o indevidamente, recaísse sobre o contribuinte uma penalização elevada, correspondente a 30% do valor da reserva utilizada quando fora do escopo previsto.

 

            De referir que a realização da reserva (considerando-se que a mesma ocorre com o uso, ou seja, com a reintegração ou com a alienação dos respectivos bens), implica a passagem obrigatória da reserva de reavaliação para resultados transitados, por força das Directrizes Contabilísticas n.ºs 16 e 28, a primeira de 1995 e a segunda de 2003, emanadas da Comissão de Normalização Contabilística, cuja vinculatividade decorre dos artigos 2.º e 17.º do Decreto-lei n.º 367/99, de 18 de Setembro, que estabelece as regras de organização e funcionamento da Comissão de Normalização Contabilística (CNC).

 

            Com efeito, a realização, total ou parcial, da reserva efectuada na “esteira de diplomas fiscais” implica a transferência correspondente para a conta 59 “Resultados transitados-Regularização de excedentes” (pontos 2.4 e 3.3 da Directriz n.º 16/95). De igual modo, a Directriz n.º 28 – Impostos sobre o Rendimento refere no seu exemplo a passagem de uma reserva de reavaliação legal para a conta resultados transitados na medida em que esteja realizada. Operação contabilística (débito da conta “56 – reservas de reavaliação”, por contrapartida da conta “59 – resultados transitados”) que se aplica a qualquer tipo de reavaliação.

 

            Só depois desta passagem podem os resultados ser aplicados e utilizados, na sequência do que vier a ser deliberado em assembleia geral, designadamente para cobertura de prejuízos ou aumento de capital.

 

            Nestes termos, a realização da reserva de reavaliação, designadamente em virtude de alienação do activo subjacente (leia-se bem reavaliado), implica uma operação contabilística de passagem da reserva de reavaliação para resultados transitados, conforme estipulado em normas vinculativas, as previstas na Directriz Contabilística n.º 16, e não colide com a disciplina constante do Decreto-lei n.º 430/78, pois, em nosso entender, a mesma [operação contabilística] por si só não configura uma utilização ou uma aplicação da reserva que, conforme acabado de salientar, apenas se irá concretizar com uma eventual deliberação da assembleia geral que decida sobre a aplicação desses resultados.

 

            Concluído que a reclassificação contabilística é conforme à lei, a ulterior distribuição aos sócios dos resultados (transitados) procedentes da reserva de reavaliação poderia revelar-se, porém, contrária ao regime instituído pelo Decreto-lei n.º 430/78, porquanto este veda expressamente a utilização ou aplicação desta reserva para outros fins que não sejam os da cobertura de prejuízos anteriores à constituição da reserva ou de aumento de capital[3].

 

             Sem prejuízo do que ficou dito, que confirma a primeira premissa de que partiu a Autoridade Tributária e Aduaneira – a reserva de reavaliação com a natureza de reserva legal deve ser utilizada para cobertura de prejuízos e para inclusão no capital –, a verdade é que daqui não se pode concluir que, sendo tais reservas realizadas e estando correctamente contabilizadas como resultados transitados, deixem de corresponder a lucros e que a sua posterior distribuição (ainda que porventura ilegal) não seja enquadrável no regime do artigo 46.º, n.º 1 do Código do IRC, na esfera do beneficiário [a Requerente].

 

            Por outro lado, é de relembrar, desde logo, que o diploma que institui esta reserva, prevê expressamente a possibilidade de incumprimento por parte dos contribuintes e estabelece a correspondente consequência jurídica. Verificando-se a hipótese do incumprimento, o contribuinte fica sujeito a um regime sancionatório que comina, para tal conduta, uma multa expressiva de 30% do valor da reserva de reavaliação indevidamente utilizada, na esfera da entidade a quem o incumprimento é imputável (no caso, a D... e não a Requerente, sem prejuízo de esta última ser detentora de 99,98% do capital daquela).

 

            Os efeitos jurídicos do incumprimento, previstos no próprio regime de reavaliação, correspondem, assim, à aplicação de uma sanção determinada por referência ao valor do incumprimento, na proporção de 30%. Esse encargo é a penalização pela antecipação indevida de pretender distribuir aos sócios um resultado efectivo a partir de um ganho meramente potencial (a dita reserva de reavaliação), o que foi condenável por atentar contra o princípio (entretanto abandonado) da intangibilidade do capital social.

 

            Acresce que o IRC é um imposto directo que incide sobre o rendimento acréscimo de todas as pessoas colectivas de direito público ou privado com sede ou direcção efectiva em território português. A tributação incide sobre a realidade económica constituída pelo lucro, sendo a contabilidade, como instrumento de medida e informação dessa realidade, chamada a desempenhar um papel essencial (veja-se o artigo 17.º, n.º 1 do Código do IRC[4]).

 

            Se contabilisticamente a reserva de reavaliação foi transformada num resultado é porque houve efectivamente um resultado decorrente de um evento de realização, com respeito ao qual fazia (todo o) sentido associar a reserva de reavaliação. No silêncio da lei (quer a lei especial que rege a reavaliação, quer a lei geral, i.e., Código do IRC), e seguindo-se a máxima interpretativa de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, impõe-se concluir que a distribuição dos resultados transitados não pode deixar de se qualificar como uma distribuição de lucros para efeitos de IRC, da qual a Requerente foi beneficiária e cuja eventual ilegalidade, a verificar-se, sempre teria ocorrido na esfera de uma outra entidade que não a Requerente.

 

            Sendo que é de duvidar de tal ilegalidade pois, se ponderarmos, não haveria razão justificadora para ser dado tratamento fiscal diferente a uma distribuição de lucros decorrente de um ganho inerente à venda de um imóvel que não tivesse sido reavaliado, face a um mesmo ganho (apurado e quantificado do mesmo modo) decorrente de um imóvel entretanto reavaliado legalmente. Tal discriminação não se afigura ter razão de ser. O que se afigura que o legislador pretendeu acautelar, afinal, com as limitações à utilização da reserva de reavaliação constantes do Decreto-Lei n.º 430/78 foi a distribuição antecipada de um resultado ainda não realizado, e que, no limite, poderia até nunca vir a ser realizado (nessa circunstância, a reserva de reavaliação nunca seria extinta).

 

            Na situação concreta, a reserva de reavaliação foi realizada, na sequência da venda, em 2005, do activo reavaliado (um terreno, não reintegrável portanto) sito na Rua ... em …, pelo que a mesma, por correcta aplicação das normas contabilísticas como acima se viu, foi transferida para resultados transitados. A afectação de resultados aos sócios e no que toca à Requerente não pode deixar de qualificar-se a título de distribuição de lucros.

 

            Tratando-se de uma distribuição de lucros e encontrando-se preenchidos os demais pressupostos do artigo 46.º, n.º 1 do Código do IRC, a mesma é enquadrável no regime de eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos.

           

            A verdade é que a extinção da reserva de reavaliação, por contrapartida de aumento dos “resultados transitados” a que se seguiu a distribuição dos mesmos, não poderia ter por consequência a desaplicação de um regime (o de eliminação da dupla tributação económica), relativamente ao qual se constata o preenchimento integral de todos os pressupostos (pois trata-se de lucros sujeitos a tributação efectiva), quando o diploma que rege a reserva e, bem assim, o próprio artigo 46.º do Código do IRC não o prescrevem em lado algum.

 

            De referir adicionalmente que na sua resposta (pontos 66.º e segs.) a Autoridade Tributária e Aduaneira considera que para além de não poder qualificar-se como distribuição de lucros [a afectação de resultados à Requerente], os mesmos não teriam sido sujeitos a tributação efectiva (na esfera da D...) pelo que não estaria preenchido um dos requisitos do regime do artigo 46.º (o que determinaria, per se, a sua desconsideração em 50%).

 

            Esta conclusão ignora (ou não percebe) a decisão de deferimento do Recurso Hierárquico interposto pela Requerente (quando da liquidação efectuada no seguimento da primeira inspecção interna de que foi alvo) que conclui claramente que se deverá dar por verificado “o requisito de tributação efectiva, na esfera da sociedade geradora de rendimentos, porquanto a mesma não se encontra abrangida por regime de isenção, nem ocorreu, em resultado de legislação aplicável qualquer desconsideração em definitivo para efeitos do imposto a pagar. Deste modo, os lucros por esta distribuídos, não podem deixar de ser considerados efectivamente tributados para efeitos de aplicação no n.º 11 do art.º 46º (actual n.º 10 do art.º 51º) do CIRC” numa interpretação baseada na Circular 21/2011 que esclarece o conceito de tributação efectiva de lucros distribuídos. 

 

            Foi a própria Autoridade Tributária que, na sequência desta sua decisão, procedeu (como lhe incumbia) à anulação da primeira correcção aos prejuízos fiscais de 2007, decisão que se consolidou e que constitui caso decidido, pelo que é incompreensível a posição agora assumida no articulado de resposta com base no fundamento da tributação efectiva.

 

            Acresce que a Autoridade Tributária e Aduaneira vem impugnar que a reserva de reavaliação tivesse sido realizada, qualificando a alegação da Requerente de “defesa meramente teórica sem que a Requerente tenha sequer concretizado os factos em que alegadamente se traduz a operação”, quando é manifesto que tais factos não só estão concretizados – trata-se da venda de um terreno identificado, tendo a Requerente juntado cópia da escritura notarial correspondente – como os mesmos são relevados no primeiro Relatório de Inspecção Tributária, que lhes faz referência expressa e reconhece que as reservas de reavaliação diziam respeito a ajustamentos efectuados no terreno para construção, situado na Rua ..., em … (cf. o artigo 76.º da LGT sobre o valor probatório das informações oficiais).

 

            À face do exposto, conclui-se nesta matéria assistir razão à Requerente, por estarmos na presença de lucros distribuídos que preenchem os pressupostos de aplicação do artigo 46.º, n.º 1 (actual artigo 51.º, n.º 1) do Código do IRC, devendo os actos tributários de correcção (redução) de prejuízos e de liquidação de IRC dos anos 2007, 2009 e 2010 ser anulados por vício de violação de lei por erro nos pressupostos, com as legais consequências, incluindo a anulação dos correspondentes juros compensatórios e a consideração dos prejuízos declarados pela Requerente.

 

* * *

 

            Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade e de anulação dos actos de liquidação de IRC e de juros compensatórios supra identificados, com as legais consequências.

 

* * *

 

            Fixa-se o valor do processo em 763.917,59, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC. 

 

            O montante das custas é fixado em Euro 11.016,00, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

            Notifique.

 

            Lisboa, 10 de Março de 2014

 

Os Árbitros,

 

 

 

Dra. Alexandra Coelho Martins

 

 

 

Dr. António Moura Portugal

 

 

 

Dr. Luís Manuel Pereira da Silva

 

 

Texto elaborado em computador nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com versos em branco e revisto.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.



[1]  Seguimos o Acórdão do STA, processo n.º 1114/05, de 2 de Fevereiro de 2006. 

[2] Referimo-nos em particular aos n.ºs 1 e 2 do artigo 77.º da LGT, que infra se transcrevem: 

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”

[3] Poder-se-ia dizer que uma interpretação actualista teria de levar em conta o facto de à data não ser possível a redução de capital sem intervenção judicial (i.e, sem autorização do tribunal), o que passou a ser permitido a partir de 2007. Na prática, estar-se-ia a impor a obrigatoriedade de aumentar o capital social com a reserva de reavaliação, podendo, logo de imediato, proceder-se à respectiva redução e assim tornar disponível a respectiva importância na esfera dos sócios. De notar que, independentemente da posição que se adopte a este respeito, a mesma não influi, a nosso ver, na questão central relativa à qualificação da distribuição de lucros.

[4] O amplo conceito de lucro, para efeitos fiscais, é determinado com base na contabilidade e eventualmente corrigido se a lei fiscal assim o estabelecer.