SUMÁRIO:
I. Na medida em que a norma do artigo 22.º, n.º 1, do EBF impõe aos organismos de investimento colectivo um regime de tributação consideravelmente mais gravoso do que o aplicável aos organismos de investimento colectivo constituídos segundo a legislação nacional portuguesa, tem potencialidade para «dissuadir os não residentes de investirem num Estado Membro», desde logo porque têm de enfrentar a concorrência das entidades que usufruem do benefício fiscal, que ficam em melhores condições para comercialização dos seus produtos de investimento.
II. Os nºs. 1 e 10 do artigo 22.º do EBF, ao limitarem o regime neles previsto a organismos de investimento colectivo constituídos segundo a legislação nacional, estabelecem uma discriminação arbitrária, que é de molde a conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais no espaço da União Europeia, proibida pelo artigo 63.º do TFUE.
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro-presidente), Nuno Maldonado de Sousa e Elisabete Flora Louro Martins Cardoso (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
1. Relatório
A... (A...), com número de contribuinte em Portugal..., veio, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º e com a alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, requerer a constituição de Tribunal Arbitral em 30-12-2019, tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação dos actos de liquidação de retenção na fonte de IRC sobre dividendos obtidos em território português nos períodos de tributação de 2015 e 2016, no montante, respectivamente, de € 76.694,91 e € 114.556,00 – num total de € 191.250,91. A Requerente pediu ainda a restituição da quantia paga, acrescida de juros indemnizatórios, contados à taxa de 4%, sobre as quantias indevidamente pagas.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação no prazo aplicável.
As partes devidamente notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 17 de Março de 2020.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido.
Por despacho, de 16/7/2020, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegacões, só a Requerente as tendo apresentado. Posteriormente o prazo inicial de prolação da Decisão Arbitral (17 de Setembro de 2020), foi prorrogado tendo-se fixado a data da prolação da Decisão Arbitral o dia 17 de Janeiro de 2021.
2. Saneamento
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
Não foi suscitada matéria de excepção.
Nada impede, portanto, a apreciação do pedido.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
A) A Requerente é uma entidade constituída nos termos do direito do Grão-Ducado do Luxemburgo, com o n.º ..., e residente para efeitos fiscais naquele país, com sede em ..., ... ..., Grão-Ducado do Luxemburgo, sem estabelecimento estável em Portugal e com o número de contribuinte nacional ...;
B) A Requerente segue, quanto à sua constituição e funcionamento, as regras previstas na Lei de 13 de fevereiro de 2007 relativa aos fundos de investimento especializados e adopta a forma de uma Sociedade de Investimento de Capital Variável (“Société d'Investissement à Capital Variable” - “SICAV”), sendo dotada de personalidade jurídica;
C) Uma SICAV é definida pelo ordenamento jurídico luxemburguês como uma empresa que tenha adotado a forma de sociedade
- cujo único objetivo é investir os seus fundos em valores mobiliários e/ou outros activos financeiros líquidos a fim de repartir os riscos de investimento e assegurar aos seus participantes o beneficio do resultado da gestão de seus ativos; e
- cujas unidades são reservadas a investidores bem informados; e
- cujos estatutos preveem que o montante do capital seja, em todos os momentos, igual ao valor do património líquido da empresa,
correspondendo àquilo que no direito português é designado como organismo de investimento coletivo sob forma societária (artigos 5.º, 6.º, n.º 3, 11.º, e 49.º e seguintes do Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro).
D) De acordo com o artigo 3.º dos respetivos Estatutos, o objeto social da A… compreende o investimento em valores mobiliários de todos os tipos, bem como em Organismos de Investimento Coletivo (OIC) e quaisquer outros activos idênticos, com vista a dispersar os riscos de investimento e permitir aos seus accionistas beneficiar dos resultados da sua gestão;
E) Estatutariamente, a Requerente pode tomar quaisquer medidas e realizar quaisquer operações que considere adequadas para alcançar ou desenvolver o seu objeto, de acordo com o regime jurídico luxemburguês relativo a Fundos de Investimento Especializados (a Lei de 13 de Fevereiro de 2017), e também do regime jurídico luxemburguês dos Fundos de Investimento Alternativos (Lei de 12 de Julho de 2013, que transpôs a Directiva 2011/61/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011), que prevê a sua gestão por um gestor autorizado (“Alternative Investment Fund Manager” - “AIFM”), in casu, a B..., LLP;
F) Este gestor autorizado é qualificado como uma Limited Liability Partnership, constituída de acordo com as Leis do Estado do Delaware (Estados Unidos da América) e, por isso, é um AIFM extracomunitário, nos termos da referida Lei de 12 de Julho de 2013;
G) Enquanto fundo de investimento especializado constituído à luz da legislação luxemburguesa, a Requerente é uma entidade regulada no Grão-Ducado do Luxemburgo pela entidade local competente, a Comission de Surveillance du Secteur Financier (CSSF);
H) No âmbito do respetivo objeto social, a Requerente efectuou investimentos na sociedade C..., SGPS, S.A. (NlPC...), entidade residente em território português, através da aquisição, em momentos diversos, de participações sociais nesta entidade;
I) Participações essas que, em 2015 e 2016, geraram rendimentos a título de dividendos, e as correspectivas retenções na fonte, conforme o quadro abaixo:
J) Em face do disposto no artigo 10.º, n.º 2, da Convenção celebrada entre a Republica Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Património (CDT), ex vi artigo 98.º, n.º 1, do Código do IRC, os referidos rendimentos foram objecto de retenções na fonte à taxa reduzida de 15% (em vez de à taxa normal de 25% prevista no artigo 87.º, n.º 4, do Código do IRC), em virtude da obtenção dos formulários para aplicação da CDT Portugal-Luxemburgo, em momento prévio à retenção na fonte (cfr. pontos 64 do Pedido e 16 e 38 da Resposta, bem como o doc. 5 junto ao PA e, ainda, documentos mencionados pelo SP no pedido de revisão oficiosa ( artigo 16.º) “Declarações de Retenção na Fonte de IRS/IRC e Imposto de Selo n.º ... e n.º ...”- PA) ;
K) Em 28 de Maio de 2019, a Requerente apresentou o Pedido de Revisão Oficiosa contra os actos de liquidação de retenção na fonte de IRC sobre dividendos obtidos em território português nos períodos de tributação de 2015 e 2016, no montante de € 191.250,91;
M) A Administração Tributária não apreciou o referido pedido durante o prazo legalmente previsto (cfr. n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT), tendo-se, em consequência, formado indeferimento tácito;
N) Em 27 de Dezembro de 2019 a Requerente apresentou no CAAD o pedido de pronúncia arbitral.
3.2. Factos não provados
Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide.
3.3. Fundamentação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil [CPC], aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.
Não obstante a Requerida alegar no ponto 58 da resposta que a Requerente alega mas não demonstra que não consegue recuperar o imposto retido na fonte (Portugal) no seu Estado de residência, incumprindo o ónus de prova, a verdade é que como melhor será analisado mais adiante estamos perante uma questão de direito e não de matéria de facto que coubesse à Requerente fazer prova.
4. Matéria de direito
4.1. Normativos nacionais e extra-nacionais aplicáveis
Enunciam-se de seguida as normas jurídicas relevantes para a apreciação da causa. No caso das nacionais e da União Europeia, incumbe ao Tribunal o seu apuramento. No caso das normas do Grão-Ducado do Luxemburgo, em certa medida também (dispõe o n.º 1 do artigo 348.º do Código Civil que “Àquele que invocar direito […] estrangeiro compete fazer a prova da sua existência e conteúdo; mas o tribunal deve procurar, oficiosamente, obter o respectivo conhecimento.”):
O n.º 1 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de Janeiro, estabelece o seguinte:
«Artigo 22.º
Organismos de Investimento Coletivo
1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.
4 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos 12 períodos de tributação posteriores, aplicando-se o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC.
5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica-se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.
6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.
7 – Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.
8 – As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.
9 – O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo no entanto ser inferior a um ano civil:
a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil;
b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade.
10 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.
11 - A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código.
12 - O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC.
13 - As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC.
14 - O disposto no n.º 7 aplica-se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.
15 - As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.
16 - No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro.»
Por sua vez, o artigo 63.º do TFUE estabelece o seguinte:
«1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as retenções aos pagamentos entre Estados-Membros e países terceiros.»
E o artigo 65.º do mesmo Tratado determina o seguinte:
«1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.
2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.
3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º».
Por sua vez, o direito aplicável na sede da Requerente em matéria de tributação – o
artigo 173. da Lei de 17 de Dezembro de 2010
(consultada em http://legilux.public.lu/eli/etat/leg/loi/2010/12/17/n9/jo na versão francesa ) – dispõe o seguinte:
«Art. 173.
(1) Sans préjudice de la perception des droits d’enregistrement et de transcription et de l’application de la législation nationale portant sur la taxe sur la valeur ajoutée, il n’est dû d’autre impôt par les OPC situés ou établis au Luxembourg au sens de la présente loi, en dehors de la taxe d’abonnement mentionnée ci-après aux articles 174 à 176.
(2) Les distributions effectuées par ces organismes se font sans retenue à la source et ne sont pas imposables dans le chef des contribuables non résidents.»
4.2. Argumentos das Partes
4.2.1. Posição da Requerente
A Requerente considera, em síntese, que:
a) A entidade registadora das acções procedeu à retenção na fonte dos rendimentos à taxa reduzida de 15%, conforme a CDT, que estabelece um limite máximo, para o imposto cobrado no Estado da fonte, de 15% do montante bruto dos dividendos;
b) Se, em vez de uma entidade constituída e estabelecida no Grão-Ducado do Luxemburgo, a Requerente fosse um Organismo de Investimento Coletivo constituído e a operar de acordo com a legislação portuguesa, não teria sido sujeita a tributação em território nacional relativamente ao mesmo tipo de rendimento, beneficiando de dispensa de retenção na fonte;
c) Isso configura um caso de discriminação no tratamento fiscal entre contribuintes domiciliados na União Europeia em função da residência fiscal do beneficiário dos rendimentos, já que, por razões de ordem estritamente fiscal, o investimento efectuado por um não residente em Portugal acaba por ser menos atractivo, menos competitivo ou vantajoso que um investimento do mesmo tipo realizado por uma entidade comparável residente;
d) Não tendo a Requerente beneficiado, na sua jurisdição de residência, de qualquer crédito de imposto respeitante ao IRC retido na fonte em Portugal, tal discriminação afronta de forma direta e injustificada a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
4.2.2. Posição da AT
A AT considera, em síntese, que:
a) A análise da comparabilidade entre a carga fiscal a que se encontra sujeita a Requerente relativamente aos dividendos pagos por uma sociedade residente em território português e a carga fiscal que pode incidir sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF exige que sejam tidas em consideração todas as formas de tributação que podem ser aplicadas aos dividendos e às correspondentes acções;
b) O regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma (sujeita a uma taxa de 23%), seja em imposto do selo quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos;
c) Atendendo a esta diferença de enquadramento tributário, não pode afirmar-se, em abstracto, que as situações em que se encontram aqueles OIC sejam mais favoráveis do que as dos Fundos de Investimentos constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal;
d) E assim, não pode concluir-se que o regime fiscal dos OIC – que não se contém em exclusivo no artigo 22.º do EBF – esteja em desconformidade com as obrigações que decorrem do artigo 63.º do TFUE;
e) Acresce que a AT se encontra subordinada ao princípio da legalidade, pelo que não poderia aplicar de forma directa e automática decisões do TJUE proferidas sobre casos concretos que não relevam do direito nacional, ainda para mais quando não estão em causa situações materialmente idênticas;
f) Por conseguinte, uma vez que a retenção na fonte efectuada sobre os dividendos pagos à Requerente respeita o disposto na legislação nacional e na convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e o Luxemburgo, não poderia a AT ter assumido qualquer outro entendimento.
3.2. A questão decidenda e a sua resolução na jurisprudência
O que está em causa é saber se é admissível, para efeito de tributação de dividendos e retenção na fonte em IRC, a existência de uma diferença de tratamento entre organismos de investimento colectivo residentes e não residentes em Portugal.
Caso se entenda admissível tal diferenciação de regime, importará então saber se há de facto um tratamento mais favorável dispensado às entidades residentes em sede de IRC (tendo sido invocadas duas linhas argumentativas diferentes para o recusar: a de tal ilusão resultar de não se ter em conta a totalidade do regime fiscal a que estão sujeitos os organismos de investimento colectivo residentes; e a de tal resultar de se desconsiderar que os organismos de investimento colectivo não residentes, ou os seus beneficiários, podem recuperar o valor do imposto retido).
Antes de se ponderarem essas questões, porém, e uma vez que o parâmetro invocado para a aferição da legislação nacional é o direito da União Europeia, é preciso aclarar a questão prévia de saber se podem os Tribunais desaplicar normas regularmente aprovadas pelo legislador interno porque elas chocam com normas ou princípios de direito da União.
Esta questão tem sido resolvida em sentido positivo designadamente nos Processos n.ºs 194/2019-T e 926/2019-T, que se debruçaram sobre questão idêntica ao caso em análise.
3.2.1. O dever de os Tribunais apreciarem a compatibilidade do direito nacional com o direito da União Europeia
Como se notou na decisão do Proc. n.º 194/2019-T, ainda que a AT esteja limitada na sua capacidade de actuar em conformidade com o direito da União Europeia quando isso implique afastamento da legislação interna – como a própria invoca nos presentes autos –, tal limitação não se estende aos tribunais que, tal como se escreveu nessa decisão, estão vinculados ao disposto no artigo 204.º da CRP («nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados») e, portanto, estão sujeitos também ao preceituado no seu artigo 8.º, n.º 4 (que estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático»).
Quer dizer que cabe aos Tribunais aferir da compatibilidade do seu direito nacional com o direito da União, até também pela obrigação de a última instância decisional de cada Estado-Membro estar obrigada a suscitar perante o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) uma apreciação, prévia à decisão, do sentido do direito da União quando tal sentido não esteja jurisdicionalmente estabelecido, ou não seja claro. (Como resulta do artigo 267.º do TFUE – «O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial: a) Sobre a interpretação dos Tratados; b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União. / Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie. / Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.» – e do parágrafo 6 das Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2016/C 439/01) – «Quando for suscitada uma questão no âmbito de um processo pendente perante um órgão jurisdicional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão jurisdicional é no entanto obrigado a submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça (v. artigo 267.º, terceiro parágrafo, TFUE), exceto quando já existir uma jurisprudência bem assente na matéria ou quando a forma correta de interpretar a regra de direito em causa não dê origem a nenhuma dúvida razoável.»).
O facto de nenhuma das partes ter, no caso dos autos, suscitado a questão do reenvio é indiferente: como se escreve no parágrafo 3 das referidas Recomendações, «A competência do Tribunal de Justiça para se pronunciar, a título prejudicial, sobre a interpretação ou a validade do direito da União é exercida por iniciativa exclusiva dos órgãos jurisdicionais nacionais, independentemente de as partes no processo principal terem ou não exprimido a intenção de submeterem uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça.»
Assim, tendo em conta a jurisprudência nacional e do TJUE sobre esta matéria (a que adiante se fará referência), entende-se não ser de suscitar uma questão prévia quanto à conformidade do direito nacional com o direito da União, mas fica claro que o que a AT não pode fazer (desaplicar o direito nacional) é uma obrigação dos tribunais quando tal direito seja incompatível com a primazia do direito da União.
3.2.3. A jurisprudência do CAAD sobre a incompatibilidade do disposto no artigo 22.º do EBF com o direito da União Europeia
Numa decisão do CAAD de 19 de Outubro de 2020 – que a Requerente solicitou que fosse junta aos autos –, em que um fundo de investimento especializado constituído à luz da legislação luxemburguesa impugnava os montantes de retenção na fonte de IRC decorrentes da distribuição de dividendos por empresas residentes em território nacional referentes ao ano de 2017, e em que argumentos utilizados em ambos os pedidos de pronúncia arbitral foram iguais – até na sua formulação literal (como resulta da sua transcrição feita nessa decisão) –, foi a pretensão da então Requerente deferida.
Tendo a Requerente nos presentes autos sido a mesma desse outro processo, isso torna os dois casos idênticos e especialmente adequada a reiteração da argumentação adoptada pelo Tribunal Arbitral que decidiu o Proc. n.º 926/2019-T, já que a uniformidade na aplicação do direito é um valor em si. O que também nesses autos já fora entendido, ao seguir-se de perto uma anterior decisão sobre a mesma matéria – de resto conforme com a jurisprudência estabilizada do STA e do TJUE.
Na decisão do referido Proc. n.º 926/2019-T escreveu-se o seguinte :
«A Requerente, sendo uma entidade de direito luxemburguês, é, em comparação com as figuras jurídicas de direito português, o que se designa como organismo de investimento coletivo (OIC) sob forma societária (artigos 5.º, 6.º, n.º 3, 11.º, 49.º e seguintes da Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, que aprovou o Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo.
Face à similitude da questão de fundo que se discute neste processo, em relação à que subjaz no processo CAAD nº 194/2019-T, este TAC, adere ao que aí se refere (…)»:
(…)
«3.2.2. Interpretação do artigo 22.º, n.º 1, do EBF
O artigo 22.º do EBF estabelece um regime consideravelmente mais favorável que o regime geral de tributação em IRC, pois, nos termos do seu n.º 3, «para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1» e isenção de derramas estadual e municipal (n.º 6).
O n.º 1 do artigo 22.º do EBF estabelece que «são tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional», pelo que exclui do âmbito do regime aí previsto as sociedades como a Requerente, que não foram constituídas de acordo a legislação nacional, mesmo que operem de acordo com a legislação nacional, como sucede com a Requerente”.
Tal como refere a Requerente nos artigos 53º a 55º do PPA (e a Requerida não refere que assim não seja): “... um OIC constituído e a operar de acordo com a legislação portuguesa beneficia da isenção de tributação relativamente aos dividendos recebidos, bem como da dispensa de retenção na fonte sobre os mesmos, em condições substancialmente mais favoráveis do que os OIC não residentes beneficiários do mesmo tipo de rendimentos de fonte nacional.
“De facto, sendo uma sociedade residente para efeitos fiscais no Grão-Ducado do Luxemburgo, a Requerente foi sujeita a retenção na fonte em Portugal relativamente aos rendimentos que lhe foram distribuídos por uma entidade residente para efeitos fiscais em Portugal, em face do disposto no artigo 87.º, n.º 4, do Código do IRC, ex vi artigo 94.º, n.º 5, do mesmo diploma e, bem assim, em resultado de uma interpretação a contrario sensu do n.º 1 do artigo 22.º do EBF”.
“Situação diferente se verificaria caso a Requerente fosse residente para efeitos fiscais em Portugal, caso em que os dividendos recebidos seriam excluídos de tributação na sua esfera, inclusivamente beneficiando de uma dispensa de retenção na fonte”.
Mais se expressa no processo CAAD nº 194/2019-T:
(…)
3.2.3.1. Violação da proibição de restrições à circulação de capitais (artigo 63.º do TFUE)
Afigura-se que há jurisprudência do TJUE que esclarece a aplicação do artigo 63.º do TFUE.
Refere-se no acórdão do TJUE de 10-04-2014, proferido no processo n.º C-190/12:
38 Importa recordar, antes de mais, que, embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C 338/11 a C 347/11, n.º 14 e jurisprudência referida).
39 A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são de molde a dissuadir os não residentes de investirem num Estado Membro ou a dissuadir os residentes desse Estado Membro de investirem noutros Estados (acórdãos de 18 de dezembro de 2007, A, C-101/05, Colet., p. I-11531, n.º 40; de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C-436/08 e C-437/08, Colet., p. I-305, n.º 50; e Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.º 15).
40 No caso vertente, a isenção fiscal prevista pela legislação fiscal nacional em causa no processo principal era concedida unicamente aos fundos de investimento que exerciam a sua atividade em conformidade com a Lei sobre os fundos de investimento.
41 Resulta igualmente da decisão de reenvio que, nos termos da legislação nacional em causa no processo principal, os fundos de investimento só beneficiam da isenção na condição de a sua sede se situar em território polaco. Por conseguinte, os dividendos pagos a fundos de investimento não residentes não podiam beneficiar, apenas devido ao local de estabelecimento desses fundos, da isenção da retenção na fonte, mesmo que esses dividendos pudessem eventualmente ser objeto de uma redução da taxa de tributação ao abrigo de uma convenção preventiva da dupla tributação.
42 Ora, uma tal diferença de tratamento fiscal dos dividendos entre os fundos de investimento residentes e os fundos de investimento não residentes é suscetível de dissuadir, por um lado, os fundos de investimento estabelecidos num país terceiro de adquirirem participações em sociedades estabelecidas na Polónia e, por outro, os investidores que residem nesse Estado Membro de adquirirem participações em fundos de investimento não residentes (v., neste sentido, acórdão Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.º 17).
43 Daqui resulta que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é de molde a conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE.
Afigura-se ser claro que à situação que se depara nestes autos se aplica, por paridade ou mesmo maioria de razão, esta jurisprudência do TJUE, pois, à face do artigo 22.º, n.º 1, do EBF, o benefício fiscal não se aplica à Requerente exclusivamente por a sua constituição não ter sido feita segundo a legislação nacional.
Na verdade, as sociedades constituídas noutro Estado Membro serão tendencialmente não residentes em Portugal (como sucede no caso em apreço), pelo que este artigo 22.º, n.º 1, impondo-lhes um regime de tributação consideravelmente mais gravoso do que o aplicável às sociedades constituídas segundo a legislação nacional, tem potencialidade para «dissuadir os não residentes de investirem num Estado Membro», desde logo porque tem de enfrentar a concorrência das de sociedades que usufruem do benefício fiscal, ficam em melhores condições para comercialização os seus produtos de investimento.
É certo que, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, «a alínea a) do n. 1 do Art.º 65.º do TFUE, permite que os Estados-membros apliquem "(...) as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido", tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que, verificado o n.º 3 da mencionada disposição legal».
Mas, como se refere no n.º 3 deste artigo 65.º, «as medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º».
Neste caso, está-se perante uma discriminação arbitrária, pois não se vislumbra qualquer fundamento para a fazer, ... como resulta da posição assumida no presente processo pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em que não é aventada qualquer justificação para a diferença de tratamento”.
Com efeito, o argumento de que a referência à aplicação aos OIC nacionais (sujeitos ao regime do artigo 22º do EBF) da tributação em Imposto do Selo da verba 29º da TGIS, porquanto a própria norma de incidência visa apenas aqueles OIC que “exclusivamente invistam em instrumentos de mercado monetário e depósitos”, o que não tem a ver com o investimento em acções de empresas portuguesas (valores mobiliários).
Mais refere a decisão CAAD nº 194/2019-T:
“Por outro lado, se é certo que, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, «o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes (...)", também o é que no caso presente, actuando a Requerente segundo a legislação nacional, encontra-se, quanto à sua actividade geradora de tributação em IRC, em situação idêntica à das sociedades constituídas segundo o direito nacional.
Como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 08-02-2017, proferido no processo n.º 0678/16, «para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral», se «aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação».”
Neste caso, não há qualquer norma da Convenção entre a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo para Evitar as Duplas Tributações e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Património (aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 56/2000 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 29/2000 e publicada no Diário da República I-A, n.º 149, de 30/06/2000, modificada pelo Protocolo e Protocolo Adicional, assinados no Luxemburgo em 7 de Setembro de 2010 e aprovados pela Resolução da Assembleia da República n.º 45/2012 - DR I, n.º 73, de 12/04/2012)
Termina-se na decisão CAAD nº 194/2019-T:
“Pelo exposto, afigura-se ser claro e resulta de precedentes na jurisprudência europeia a interpretação dos artigos 63.º e 65.º do TFUE, pelo que não se justifica o reenvio prejudicial sobre esta questão.
De harmonia com o exposto, declara-se ilegal o artigo 22.º, n.º 1, do EBF na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia”.
Assim, tal como se concluiu no Processo CAAD nº 194/2019-T, também aqui se terá que concluir, no sentido de que a liquidação ora impugnada, enferma de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.»
*
Não foi apenas nos referidos Procs. 194/2019-T e 926/2019-T que a jurisprudência do CAAD tomou posição neste sentido (permanecendo isolada a decisão, em sentido inverso – ainda que com base no regime de transparência fiscal da entidade aí requerente – tomada no Proc. n.º 96/2019-T). Também no Proc. n.º 90/2019-T se decidiu que o regime do artigo 22.º do EBF era contrário ao disposto no direito da União, abordando-se cuidadosamente a comparabilidade das situações de organismos de investimento colectivo que são sujeitos a diferentes exigências fiscais em diferentes jurisdições, referindo-se então, designadamente, o seguinte:
«35. Consagrada no artigo 63.º do TFUE, a liberdade de circulação de capitais estabelece uma íntima relação com as demais liberdades fundamentais, a saber, de circulação de pessoas, de estabelecimento e de prestação de serviços, diferenciando-se delas na medida em que se[] estende a terceiros Estados. A liberdade de circulação de capitais implica a proibição de discriminação entre capitais do Estado-Membro e capitais provenientes de fora. Os Estados-Membros podem regular em alguma medida a circulação de capitais, mas não podem discriminar. Quando se trata de densificar conceitualmente o âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais observa-se a inexistência de uma definição deste conceito. Por este motivo, o TJUE tem sucessivamente acolhido e sublinhado o valor enumerativo e indicativo, mas não exaustivo, da Diretiva n.º 88/361/CEE, incluindo o respetivo Anexo I, nomeadamente o número IV, onde se subsumem ao conceito uma vasta constelação de operações e transações transfronteiriças sobre certificados de participação em organismos de investimento coletivo, em que se incluem as relevantes in caso . Com efeito, a distribuição de dividendos efetuada por sociedades residentes em Portugal ao ora Requerente é passível de ser qualificada como movimento de capital na aceção do artigo 63.º do TFUE e da própria Diretiva 88/361/CEE, de 24 de junho de 1988.
36. Devem ser salientados, porque se revestem de grande relevância hermenêutica e metódica, pelo menos quatro aspetos fundamentais de regime jurídico. O primeiro diz respeito à aplicabilidade direta do artigo 63.º TFUE e da inerente proibição de restrições injustificadas da liberdade de circulação de capitais. O segundo refere-se ao facto de as liberdades fundamentais do mercado interno terem como principais destinatários os Estados-Membros, que devem abster-se de adotar medidas legislativas, administrativas e jurisdicionais de restrição das mesmas. O terceiro aspeto prende-se com a relação de complementaridade – e por vezes de sobreposição – que a liberdade de circulação de capitais estabelece com as liberdades de circulação de mercadorias e de pessoas, a liberdade de estabelecimento e a liberdade de prestação de serviços. O quarto aspeto tem que ver com o reforço progressivo da importância da liberdade de circulação de capitais no mercado interno, especialmente a partir da criação da União Económica e Monetária (UEM) . Um dos principais objetivos da UEM consiste, precisamente, em facilitar a livre transferência de capital entre os Estados-Membros no quadro do mercado interno e das relações económicas e financeiras com Estados terceiros. A criação de um mercado interno supõe, por definição, a gradual e efetiva abolição dos diferentes mercados nacionais, em favor de um único mercado interno, de forma a potenciar o crescimento económico à escala europeia através da mais fácil disponibilização de capital.
Âmbito normativo e tributação
37. O âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais do artigo 63.º do TFUE abrange vários domínios (v.g. movimento físico da moeda; investimento em propriedade imobiliária e títulos de crédito), sendo um deles, justamente, o do tratamento fiscal dos movimentos de capitais, que cai sob alçada da respetiva aplicabilidade direta . Embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados-Membros, a mesma deve ser exercida no respeito do direito da União Europeia, sem de qualquer discriminação em razão da nacionalidade ou da residência.
38. O problema específico do tratamento fiscal da distribuição de dividendos tem ocupado um lugar central na jurisprudência europeia, incluindo não apenas o TJUE, mas também o Tribunal EFTA . Tanto este último órgão, no caso Focus Bank , como o TJUE, em casos como ACT GLO , Denkavit , Amurta , Truck Center , Aberdeen Property , Comissão v. Países Baixos , Comissão v. Portugal , Santander Asset Management e Sofina SA , para citar apenas alguns dos mais relevantes exemplos, pese embora algumas diferenças factuais e jurídicas nas respetivas decisões, apontam globalmente no sentido de dever considerar-se que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes – v.g. imputando aos investidores residentes um crédito de imposto e sujeitando as entidades não residentes a retenção de imposto sem imputação; retendo imposto sobre dividendos pagos a não residentes e não retendo no caso de dividendos pagos a residentes – configurar, em princípio, uma violação da liberdade de circulação de capitais e nalguns casos também da liberdade de estabelecimento, pondo em causa o funcionamento do mercado interno.
39. Embora não estejam sempre numa situação comparável, residentes e não residentes são colocados nessa posição a partir do momento em que o Estado-Membro que se considere, unilateralmente ou por convenção, opte por tributar os acionistas não residentes de maneira menos favorável que os residentes, relativamente aos dividendos que uns e outros recebam de sociedades residentes. Especialmente relevante, em sede das liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais, é o facto de o tratamento fiscal menos favorável dos não residentes os dissuadir, na qualidade de acionistas, de investirem no Estado da residência das empresas distribuidoras de dividendos, e constituir, igualmente, um obstáculo à obtenção de capital no exterior por parte dessas empresas.
40. Por outro lado, a jurisprudência europeia tem insistido na noção de que um Estado-Membro não pode deixar de cumprir as suas obrigações jurídicas decorrentes das liberdades fundamentais do mercado interno por considerar que outro Estado-Membro se encarregará de compensar de alguma maneira o tratamento desfavorável gerado pela sua própria legislação . Neste domínio vale o princípio geral de que as liberdades de circulação de capitais e de estabelecimento requerem a igualdade de tratamento fiscal dos dividendos pagos a residentes e não residentes pelo Estado-Membro anfitrião, no caso de ambos estarem sujeitos a tributação de dividendos .
41. Quando se trata de interpretar e aplicar as liberdades fundamentais do mercado interno, prevalece o entendimento, amplamente sufragado pelo TJUE, segundo o qual a liberdade é a regra e as restrições à liberdade são a exceção. Estas últimas compreendem, quer as limitações ao exercício da liberdade, quer as discriminações no exercício da liberdade. Atento o caráter excecional das restrições, devem as mesmas ser devidamente fundamentadas e objeto de interpretação restritiva. A admissibilidade de restrições à liberdade de circulação de capitais por parte dos Estados-Membros encontra-se prevista no artigo 65.º do TFUE, na senda das derrogações à liberdade de circulação de capitais já previstas na Diretiva n.º 88/361/CEE. A análise do caso concreto deve ser levada a cabo com base nas premissas normativas acima sintetizadas.
Comparabilidade das situações
42. O artigo 65.º alínea a) do TFUE prevê a possibilidade de os Estados-Membros aplicarem disposições pertinentes de direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao lugar de residência ou ao lugar onde o capital é investido. No entanto, essa previsão deve ser atenuada pelo requisito do artigo 65.º, n.º 3, do mesmo Tratado, segundo o qual qualquer exceção não pode constituir um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida pelo artigo 63.º. Ou seja, as restrições têm como limite a garantia da própria liberdade de circulação de capitais . Importa, pois, para este efeito, saber se a situação dos fundos de investimento residentes e não residentes em Portugal é objetivamente comparável.
43. Recorde-se que, no caso de fundos de investimento residentes na Alemanha, o artigo 10.º da relevante CDT , permite que o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, seja limitado à taxa de 15%. No entanto, como os fundos de investimento em causa gozam de uma isenção à luz do direito alemão, sendo considerados fiscalmente transparentes, não podem beneficiar do referido artigo. Numa primeira análise, poder-se-ia dizer que essa impossibilidade resulta do facto de gozarem de uma vantagem fiscal, a isenção, de que os seus congéneres portugueses não usufruem. Estes, beneficiam da isenção de retenção, ao mesmo tempo que estão sujeitos a dois impostos – IRC e Imposto do Selo – cujo efeito cumulativo pode, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos.
44. Por outro lado, o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera dos investidores individualmente considerados. Num caso e noutro, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos fundos alemães. Estas diferenças podem ser invocadas, prima facie, para sustentar que não se trata de situações comparáveis.
45. Porém, em causa está saber se a determinação da comparabilidade da situação dos fundos residentes e não residentes em Portugal deve entrar em linha de conta com a situação fiscal em que se encontram os fundos de investimento não residentes em Portugal no respetivo Estado de residência – tendo em conta pertinente regime jurídico e as CDT’s entre Portugal e esses Estados – especialmente no caso dos Estados-Membros da União Europeia ou integrantes do Espaço Económico Europeu, ou ainda levar em conta a situação concreta dos respetivos investidores . Soluções normativas que obrigassem a ter em conta, para efeitos de comparação, a situação concreta dos fundos de investimento dos 28 Estados-Membros, a partir das relevantes CDT’s, se os houver, ou a indagar do impacto fiscal da retenção e das medidas de mitigação da dupla tributação económica na situação fiscal de cada investidor individualmente considerado seriam extremamente complexas, mesmo numa situação em que os acionistas fossem, eles próprios, pessoas coletivas, cada qual residente numa jurisdição diferente.
46. Por outras palavras, se se quiser fazer uma determinação caso a caso para cada fundo de investimento não residente ou investidor individual, o trabalho administrativo envolvido, embora possa compensar os Estados-Membros por via de um aumento das receitas, acaba por ser, tendo em conta o grande número de investidores de alguns fundos, administrativamente impraticável. Tanto os fundos residentes em Portugal como os não residentes podem ter acionistas institucionais e individuais de todos os Estados da União Europeia e de terceiros Estados. Em causa estão, na prática, diferenças significativas de facilidade e praticabilidade administrativa. Diferentemente, se se circunscrever a análise ao nível da situação fiscal dos fundos residentes e não residentes a quem são distribuídos dividendos, uma única determinação será suficiente.
47. Neste contexto, o que deve relevar é o impacto direto que as normas tributárias têm na atividade dos fundos e não na situação fiscal dos investidores individualmente considerados. Estes não têm necessariamente a mesma nacionalidade dos fundos, já que hoje é extremamente fácil levar a cabo investimentos transfronteiriços, sendo que esse mesmo é um dos objetivos do mercado interno e da liberdade de circulação de capitais. O rastreamento de investidores individuais espalhados por todo o mundo e a aplicação de um conjunto diferente de regras a cada um deles, dependendo de seu país de domicílio, apresentaria uma situação impraticável para os tribunais que, no futuro, fossem chamados a analisar a conformidade da legislação fiscal nacional em causa com as liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais.
48. O fundo Requerente, residente na Alemanha, pode ter investidores estrangeiros, incluindo portugueses, e os fundos fiscalmente residentes em Portugal podem ter investidores estrangeiros, incluindo alemães. A presente ação não foi intentada pelos investidores nem os mesmos são partes nela, nem é lícito chamar à colação a posição (para efeitos fiscais) dos referidos investidores. O artigo 22.º do EBF não estabelece nenhuma ligação entre o tratamento fiscal dos dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC —residentes ou não residentes — e a situação fiscal dos seus detentores de participações. Da mesma forma, a AT não afere da posição dos investidores em OIC estabelecidos (e residentes para efeitos fiscais) em Portugal para reconhecer a estes o regime fiscal previsto no artigo 22.º do EBF.
49. Deve, por conseguinte, considerar-se decisivo, para efeitos de comparabilidade, o facto de a lei portuguesa diferenciar expressamente, para efeitos de retenção na fonte, entre fundos de investimento residentes e não residentes – e não a situação fiscal, mais ou menos vantajosa, que os fundos não residentes possam gozar nos respetivos Estados da residência ou ainda a situação fiscal individual dos respetivos investidores. Do ponto de vista do Estado-Membro que se considere, fundos residentes e não residentes estão numa situação comparável se ambos estão sujeitos à respetiva tributação . Como sublinhou o TJUE no caso Santander Asset Management , quando um Estado-Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OIC beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do caráter discriminatório ou não da referida regulamentação. Também não parece a este Tribunal Arbitral ser relevante aferir do impacto fiscal que, nas mais variadas situações individuais e concretas, a sujeição da Imposto de Selo dos OIC residentes em Portugal possa produzir neste ou naquele fundo de investimento, visto tratar-se aí de um imposto sujeito a uma lógica patrimonial totalmente distinta da tributação do rendimento. O critério a ter em conta é, em primeira linha, o da letra do artigo 22.º do EBF, só depois havendo que tomar em consideração outros fatores.
50. Como se sublinhou acima, os fundos residentes e não residentes são colocados numa posição comparável a partir do momento em Portugal opta por tributar os não residentes de maneira menos favorável do que os residentes, dissuadindo aqueles, na qualidade de acionistas, de investirem das empresas residentes distribuidoras de dividendos e dificultando a obtenção de capital no exterior por parte destas mesmas empresas. Por outro lado, Portugal não pode deixar de cumprir as obrigações jurídicas decorrentes das liberdades fundamentais do mercado interno por considerar que os outros Estados-Membros se encarregarão, de alguma forma, de compensar de tratamento desfavorável gerado pela sua própria legislação .»
3.2.4. A jurisprudência do STA sobre a incompatibilidade do disposto no artigo 22.º do EBF com o direito da União Europeia
Também nos tribunais estaduais foi abordada e decidida a questão em epígrafe, nem sempre de forma uniforme, é verdade, mas actualmente estabilizada. No Acórdão do STA de 3 de Junho de 2020 (que se abona, designadamente, nos Acórdãos da sua Secção de Contencioso Tributário de “29.02.2012 processo n° 1017/11; 28.11.2012 processo n° 482/10; 29.05.2013 processo n° 322/13; 27.11.2013 processo nº 654/13; 18.12.2013 processo nº 568/13; 9.04.2014 processo nº 1318/13; 21.05.2014 processo n° 1192/13; 12.11.2014 processo nº 461/14; 7.10.2015 processo n° 768/13; 31.05.2017 processo n° 738/16” e ainda no “acórdão pronunciado em 7.10.2015 no processo n° 768/13”) reproduziu-se, entre o mais, o seguinte trecho da sentença então recorrida, proferida em 27 de Setembro de 2017 no Tribunal Tributário de Lisboa:
«Nos termos do art.56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, na versão coeva dos factos/art.63º do Tratado redenominado, de instituição da União Europeia, estabelece-se uma proibição de restrição ao movimento de capitais na, ora, União Europeia, seja ela transferência no sentido chão do termo, seja no sentido da criação de óbices, alcavalas, ou mecanismos que dissuadam a sua movimentação no interior do espaço europeu, nomeadamente enquanto instrumento de investimento económico, ou até da livre circulação e estabelecimento de pessoas. É certo que nos termos do mesmo instrumento, seu art.58º nº 1 corpo e alínea a) – hoje art.65º – essa proibição não contende com distinções de regime, mesmo se baseadas no local do estabelecimento do beneficiário ou investidor, diversos do da origem do capital, desde que para essa distinção haja um fundamento atendível em razão da própria especificidade da situação em causa, citado art.58º nº 3.
Ora, como escalpelizado pela Impugnante, fosse ela residente em Portugal, tanto pelo lapso de tempo durante o qual vinha detendo as participações sociais cujos frutos foram objeto da tributação impugnada, como pelo montante desse seu investimento, nos termos do art.90º nº 1 corpo e alínea c) [e 46º nº 1 corpo e alíneas] do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas na versão coeva, ela seria pura e simplesmente, e ex lege, isentada de tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas sobre os dividendos aqui em causa.
Sucede, porém, que ao invés desse regime para as situações localizadas unicamente no território nacional, não só o direito interno paralelamente previa a tributação desses mesmos rendimentos, se auferidos por entidades não residentes, como a Impugnante, como o fator de distinção entre os dois regimes não era outro senão o facto de o beneficiário do rendimento não ser residente. Em clara oposição, portanto, àquele regime previsto para as situações localizadas só em Portugal, o daquele art.90º nº 1 corpo e alínea c). Acresce que, como se tal diferenciação não bastasse, o art.14º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, pelo seu nº 3 estabelecia um regime de isenção para situações plurilocalizadas como a que aqui subjaz, contudo dependente da verificação de requisitos mais exigentes que aqueles necessários para as situações do art.90 nº 1 corpo e alínea c), para os respetivos casos de isenção, quer quanto à proporção no capital social detido na entidade situada em Portugal, geradora dos dividendos, quer quanto ao tempo de permanência na detenção dessa participação social.
Pensamos não ser necessária grande elucubração mental para aceder à conclusão de que os três regimes de tributação coexistentes no Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, coevo da tributação dos autos, se referiam sempre à tributação de rendimentos de capitais perfeitamente análogos na sua génese e frutificação – regime de isenção no plano interno, de não isenção no plano plurilocalizado e de isenção no plano plurilocalizado – e que estabeleciam as suas diferenças assentes apenas na localização em Portugal ou no estrangeiro da residência do investidor/beneficiário do rendimento, sendo que a entidade geradora, a sua fonte, era sempre residente em território nacional. E, isso, independentemente de a posteriori, no segundo e terceiro regimes, essa tributação poder vir a ser a final minorada pela operatividade própria de mecanismos para evitar a dupla tributação, ou por intervenção de instrumentos convencionais que a reduziam, como aliás ocorreu in casu.
Como se disse já, em abstrato e in linime as diferenciações não são contrárias nem ao direito interno, nem ao Direito Comunitário, desde que haja uma justificação razoável e atendível para ela. Contudo, visivelmente, esse suporte normativo não existia, pois não se enxerga, designadamente tendo presente a intervenção de mecanismos para evitar uma dupla tributação, fosse qual fosse a sua origem, qual a razão para a tributação diferenciada dos rendimentos em causa. E o fundamento que surge, rectius: a causa da diferenciação de regimes não é, senão, ser a localização do beneficiário em Portugal ou no estrangeiro, o que nos remete para um fundamento de diferenciação de regimes que não é, de todo, aceitável, desde logo pelo Direito Comunitário quanto ao respetivo espaço de vigência, em que Portugal se insere. E não só pelo entrave e dissuasão significativos em que se constitui e que cria à livre circulação de capitais no espaço da União, como sobretudo pela arbitrariedade com que a diferenciação é criada. E não se invoque que essa diferenciação de regimes é justificada porque opera sobre tributação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas que não é igual na sua natureza, já que no caso da retenção dos autos, ela opera a título definitivo, e o regime diverso invocado opera por retenção por conta, nos casos localizados só em Portugal. Assim é, efetivamente. Mas essa diferenciação não impede a comparabilidade de regimes, porque não só ocorre sobre rendimentos com uma génese e natureza inteiramente iguais, como sobretudo porque a diferença em apreço tem que ver não com a natureza do rendimento, ou com a sua tributação, mas apenas e só com o modo da efetivação desta. Com efeito, a retenção a título definitivo justifica-se não porque o rendimento ou o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas no caso do não residente sejam diversos do rendimento igual e do correspetivo imposto devido pelo residente, mas porque nos casos das entidades não residentes sem estabelecimento estável a tributação, em Portugal, se restringe a rendimentos obtidos no território nacional e opera tendencialmente de forma cedular, como se do único rendimento da entidade não residente se tratasse, como aliás sói ocorrer com a tributação de rendimentos de não residentes, em sede de Impostos sobre o Rendimento, arts.4º nº 1 versus nº 2 e 51º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas. Daí que a retenção possa e normalmente opere a título definitivo e não meramente como pagamento por conta de uma tributação final, global, ou sujeitos a englobamento, de todos os rendimentos sujeitos a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, pois essa tributação global, et pour cause, não é levada a cabo por Portugal… mas pelo Estado da residência!, segundo um correspondente Imposto sobre o Rendimento desse Estado. Não há, pois, qualquer diferença objetiva na tributação da tipologia de rendimentos em causa, quando obtidos por uma entidade residente e outra não residente, que suporte a diferenciação.
Por outra parte, ao nível interno, a isenção das situações só em Portugal localizadas não se contrapõe a outra imposição de que os não residentes estejam libertos, reequacionando assim os termos de um equilíbrio aparentemente ausente. E acresce que no caso presente a intervenção do instrumento para evitar a dupla tributação introduz inclusive um desequilíbrio adicional, ou não permite repor um equilíbrio ou equivalência finais entre a tributação em Portugal e no Estado da residência, porque ao proceder a uma imputação normal do crédito de imposto que for reconhecido, e não global ou por inteiro, esbarra no direito holandês com uma isenção (simétrica aliás da existente no direito interno português, uma participation exemption, portanto) em que aquele crédito não poderá, pois, ser deduzido. E tudo isto quando, in limine, aliás, esse mesmo instrumento delega no Estado da residência a eventual tributação do rendimento, art.10º da Convenção. Deste modo, nem mesmo pela intervenção deste instrumento bilateral se acede a uma tributação equivalente àquela que logo em Portugal teria lugar se a entidade que aufere os rendimentos aqui residisse. Pelo que definitivamente se fixa uma situação de desigualdade de tratamento do prisma do regime português, que não poderá ser sanada com a intervenção da Convenção, desigualdade essa que, como já acima dito, não se suporta senão uma diferenciação segundo a residência e, precisamente em concreto, no caso específico da Impugnante, residente nos Países Baixos, não pode ela aceder a final ao reembolso que a poria em situação equivalente à isenção portuguesa para residentes, ou àquela da lei holandesa.
Em face do todo exposto, não se encontrando razões válidas para as diferenciações de regime mencionadas, entre residentes e não residentes, conclui-se que o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas na versão aplicanda, de 2005, nomeadamente pelas disposições citadas, mesmo em conjugação com a Convenção para Evitar a Dupla Tributação, celebrada entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos, obstava à livre circulação de capitais no espaço comunitário, compreendendo-se nela a aplicação e investimento por entidade de um Estado membro numa entidade radicada em Portugal e, subsequentemente, a tributação dos frutos daí advindos. E isso sucedia porque a tributação dos respetivos rendimentos era feita de modo diverso e mais gravoso que a respeito dos residentes em igual situação, os quais simultaneamente isentava de tributação sobre esses rendimentos. Donde que opunha entrave sem justificação à liberdade de circulação de capitais, em violação do disposto no art.56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, hoje 63º do Tratado que Institui a União Europeia, como em termos análogos foi decidido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia nos seus acórdãos tirados nos casos Denkavit II, processo nº C-170/05, Amurta, processo nº C-379/05, Secilpar, processo nº C-199/10, inter alia, bem como decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 9VII2014, tirado no processo nº 1435/12 (Pleno), ou por acórdão de 12XI2014, no processo nº 461/14, ou de 7X2015, tirado no processo nº 768/13, in www.dgsi.pt.».
3.2.5. A jurisprudência do TJUE sobre a incompatibilidade do disposto no artigo 22.º do EBF com o direito da União Europeia
A propósito da jurisprudência nacional a que acima se aludiu, foram sendo referidas decisões do TJUE (ACT GLO , Denkavit , Amurta , Truck Center , Aberdeen Property , Comissão v. Países Baixos , Comissão v. Portugal , Santander Asset Management , Sofina SA e Secilpar ) que se ocuparam da questão da discriminação, em razão da residência, de entidades que auferem rendimentos gerados em diferentes Estados-Membros da União Europeia.
No Acórdão de 21 de Junho de 2018, proferido no processo C-480/16 (Fidelity Funds -http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=203226&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=20046416) escreveu-se o seguinte:
«43. Ao fazer uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OICVM não residentes e ao reservar aos OICVM residentes a possibilidade de obter a isenção de tal retenção na fonte, a regulamentação nacional em causa nos processos principais procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OICVM não residentes.
44. Tal tratamento desfavorável é suscetível de dissuadir, por um lado, os OICVM não residentes de investir em sociedades com sede na Dinamarca e, por outro, os investidores que residem na Dinamarca de adquirir participações em OICVM não residentes (Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C 338/11 a C 347/11, EU:C:2012:286, n.o17).
45. Por conseguinte, a regulamentação em causa nos processos principais constitui uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.o TFUE.»
Também no processo C-190/12 (Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company), decidido pelo TJUE em 20 de Abril de 2014
(http://curia.europa.eu/juris/document/document_print.jsf?docid=150785&text=&dir=&doclang=PT&part=1&occ=first&mode=lst&pageIndex=0&cid=19109699), se ponderou a mesma questão:
«38 Importa recordar, antes de mais, que, embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C 338/11 a C 347/11, n.º 14 e jurisprudência referida).
39 A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n. 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são de molde a dissuadir os não residentes de investirem num Estado Membro ou a dissuadir os residentes desse Estado Membro de investirem noutros Estados (acórdãos de 18 de dezembro de 2007, A, C 101/05, Colet., p. I 11531, n. 40; de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C 436/08 e C 437/08, Colet., p. I 305, n.°50; e Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n. 15).
40 No caso vertente, a isenção fiscal prevista pela legislação fiscal nacional em causa no processo principal era concedida unicamente aos fundos de investimento que exerciam a sua atividade em conformidade com a Lei sobre os fundos de investimento.
41 Resulta igualmente da decisão de reenvio que, nos termos da legislação nacional em causa no processo principal, os fundos de investimento só beneficiam da isenção na condição de a sua sede se situar em território polaco. Por conseguinte, os dividendos pagos a fundos de investimento não residentes não podiam beneficiar, apenas devido ao local de estabelecimento desses fundos, da isenção da retenção na fonte, mesmo que esses dividendos pudessem eventualmente ser objeto de uma redução da taxa de tributação ao abrigo de uma convenção preventiva da dupla tributação.
42 Ora, uma tal diferença de tratamento fiscal dos dividendos entre os fundos de investimento residentes e os fundos de investimento não residentes é suscetível de dissuadir, por um lado, os fundos de investimento estabelecidos num país terceiro de adquirirem participações em sociedades estabelecidas na Polónia e, por outro, os investidores que residem nesse Estado Membro de adquirirem participações em fundos de investimento não residentes (v., neste sentido, acórdão Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.º 17).
43 Daqui resulta que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é de molde a conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE.»
No despacho do TJUE de 18 de Junho de 2012
(http://curia.europa.eu/juris/document/document_print.jsf?docid=125761&text=&dir=&doclang=PT&part=1&occ=first&mode=lst&pageIndex=0&cid=19921919), proferido no processo C-38/11 (Amorim Energia BV) na sequência de um pedido de decisão prejudicial suscitado pelo STA, escreveu-se o seguinte quanto à possibilidade de compensação do imposto cobrado em Portugal com um crédito de imposto no país de sede da entidade que foi sujeita ao pagamento da retenção na fonte:
«62 O Tribunal de Justiça já declarou, relativamente ao método de imputação para a prevenção da dupla tributação, que a aplicação desse método deve permitir que o imposto sobre os dividendos cobrado no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição desses dividendos seja totalmente imputado ao imposto devido no Estado de residência da sociedade beneficiária, de modo a que, se sobre os dividendos recebidos por essa sociedade incidir, no final, uma tributação superior à que incide sobre os dividendos pagos a sociedades residentes no primeiro Estado Membro, essa carga fiscal superior já não seja imputável ao Estado de residência da sociedade distribuidora, mas ao Estado de residência da sociedade beneficiária, que exerceu o seu poder tributário (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Comissão/Espanha, n. 60, e Comissão/Alemanha, n. 67).
63 Por conseguinte, a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição dos dividendos só pode ser neutralizada através deste método de imputação se os dividendos provenientes do Estado Membro de residência da sociedade que procede à distribuição forem suficientemente tributados no outro Estado Membro. Ora, se esses dividendos não forem tributados ou não o forem num montante suficiente, não é possível imputar o montante de imposto cobrado no Estado Membro de residência da sociedade que procede à distribuição, ou uma fração dele (v. acórdãos, já referidos, Comissão/Itália, n.º 38; Comissão/Espanha, n. 62; e Comissão/Alemanha, n.º 68).»
E no que diz respeito à possibilidade de os detentores de participações na entidade sujeita ao pagamento da retenção na fonte poderem deduzir o imposto pago por esta, escreveu-se o seguinte na decisão de 10 de Maio de 2012 do TJUE, proferida nos processos
C-338/11 a C-347/11 - Santander Asset Management SGIIC SA (http://curia.europa.eu/juris/document/document_print.jsf?docid=122645&text=&dir=&doclang=PT&part=1&occ=first&mode=lst&pageIndex=0&cid=19917148):
«28 (…) apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela regulamentação em causa devem ser tidos em conta para efeitos de apreciar se a diferença de tratamento resultante de tal regulamentação reflete uma diferença de situações objetiva. Portanto, quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OICVM beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do caráter discriminatório ou não da referida regulamentação.
29. Quanto à regulamentação fiscal em causa nos processos principais, importa constatar que estabelece um critério de distinção fundado no lugar de residência do OICVM ao submeter apenas os OICVM não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.
30. Acresce que a ligação evocada pelo Governo francês entre a não tributação dos referidos dividendos recebidos pelos OICVM residentes e a tributação dos referidos dividendos aos detentores de participações destes últimos não existe. Com efeito, a isenção fiscal de que beneficiam os OICVM residentes não está subordinada à tributação dos rendimentos distribuídos aos seus detentores de participações.
31. Importa assinalar para este efeito que, tratando se dos OICVM que procedem à capitalização dos dividendos recebidos, não se produzirá nenhuma redistribuição dos dividendos suscetível de ulterior tributação a cargo dos detentores de participações. A regulamentação nacional em causa nos processos principais não estabelece assim nenhuma ligação entre o tratamento fiscal dos dividendos de origem nacional recebidos pelos OICVM de capitalização — sejam estes residentes ou não residentes — e a situação fiscal dos seus detentores de participações.
32. Quanto aos OICVM que procedem à distribuição dos dividendos recebidos, a regulamentação em causa também não tem em conta a situação fiscal dos seus detentores de participações.
33. A este respeito, cumpre observar que a argumentação do Governo francês se baseou na premissa segundo a qual os detentores de participações dos OICVM residentes têm eles próprios a sua residência fiscal em França, ao passo que os detentores de participações dos OICVM não residentes têm a sua residência fiscal no Estado em que o OICVM em causa está sedeado. As convenções bilaterais de prevenção da dupla tributação celebradas entre a República Francesa e o Estado Membro ou o Estado terceiro em causa garantiriam assim, segundo o Governo francês, um tratamento fiscal similar aos detentores de participações dos OICVM residentes e não residentes.
34. No entanto, pela generalização que contém, tal premissa é inexata. Com efeito, não é inabitual que um detentor de participações de um OICVM não residente em França tenha a sua residência fiscal em França ou que um detentor de participações de um OICVM residente em França tenha a sua residência fiscal noutro Estado Membro ou num Estado terceiro.»
Por tudo o quanto vai exposto, temos de concluir que a questão dos autos está suficientemente tratada e que tanto a jurisprudência nacional quanto a do TJUE fornecem indicações seguras quanto à desconformidade com o direito da União da disparidade do regime de tributação dos dividendos auferidos por organismos de investimento colectivo residentes e não residentes, que tem consagração nos n.ºs 1 e 10 do artigo 22.º do EBF.
Resulta também da argumentação expendida que não constituem fundamento bastante para se afastar a condenação da disparidade de tratamento fiscal em razão da residência dos veículos de investimento sujeitos a retenção:
- nem a possibilidade de a consideração da globalidade das imposições fiscais sobre os organismos de investimento colectivo residentes (veja-se o parágrafo 42 da decisão no processo C-190/12 - Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, e tenha-se em conta que, até para a AT, o argumento da convocação das demais imposições fiscais que incidiam sobre organismos de investimento colectivo residentes só se tornou aparente ao fim de muitos casos de litigância);
- nem a possibilidade de os organismos de investimento colectivo não residentes poderem recuperar os montantes retidos (veja-se o parágrafo 63 da decisão no processo C-38/11 - Amorim Energia BV e os parágrafos 45-47 do processo 90/2019-T), ou os seus investidores (vejam-se os parágrafos 31-34 da decisão no processo Santander Asset Management SGIIC SA e, de novo, e os parágrafos 45-47 do processo 90/2019-T). De resto, resulta da legislação aplicável à Requerente – tal como foi por ela invocado – que os organismos de investimento colectivo que correspondem à sua incontestada natureza estão isentas de impostos sobre o rendimento, nos termos do disposto no artigo 173. da Lei de17 de Dezembro de 2010 (cfr. supra, 3.1.). Assim, fica legalmente excluída uma eventual compensação, no seu país de sede, dos montantes retidos pelo Fisco nacional.
5. Questões de conhecimento prejudicado
Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vício que assegura estável e eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil o conhecimento das restantes questões colocadas, de harmonia com o disposto nos artigos 130.º e 680.º, n.º2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º1, alínea e) do RJAT.
6. Restituição das quantias pagas e juros indemnizatórios
Como ficou dito, a Requerente solicita o pagamento dos juros indemnizatórios sobre os montantes indevidamente pagos, calculados à taxa legal desde o trânsito em julgado que declare a ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação impugnada, nos termos dos n.ºs. 1 e 3 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 61.º do CPPT, ex vi do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
«Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
(…)
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
(...)
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
(…)»
Neste caso, independentemente de a ilegalidade ser ou não ser imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, há direito da Requerente a juros indemnizatórios nos termos mencionados.
Como consignado, no Acórdão do STA de 14/10/2020, processo n.º 01273/08-6BELRS01364/17, perfeitamente transponível para o caso em apreço, “Ora, no caso concreto, verificado o erro e ordenada judicialmente a sua anulação, é manifesto que, para além da devolução dos montantes ilegalmente retidos, a Recorrida tem direito a que lhe sejam pagos os juros vencidos sobre esses valores (ilegalmente retidos) até integral restituição, sendo indiferente, ao reconhecimento desse direito, que o erro decorra especialmente da violação de normas comunitárias e não apenas de normas nacionais. Ou seja, não é o facto do erro de violação de lei resultar da desconformidade do ordenamento nacional com o Direito da União que sustenta o afastamento do direito a juros indemnizatórios uma vez que o que releva é a imputabilidade do seu cometimento à Administração Fiscal, como é o caso. As normas de direito comunitário porque vigoram directamente na ordem jurídica interna, prevalecem sobre as normas do direito interno, não podendo ser afastadas pelos Estados Membros através de imposição de normas de direito interno, que, como se viu, foram aplicadas pela Administração Fiscal.”
Por sua vez, quanto ao momento a partir do qual devem ser calculados tais juros, constitui jurisprudência uniforme do STA, consolidada no Acórdão do Pleno de 4 de Março de 2020 Processo n.º 08/19, o seguinte:
“A questão da medida no tempo dos juros indemnizatórios devidos em caso de revisão da liquidação por iniciativa do contribuinte tem-se colocado diversas vezes e mereceu resposta uniforme, desde logo, do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, orientação jurisprudencial essa que actualmente está consolidada (cfr. ac. S.T.A., Pleno da 2ª.Secção, 23/05/2018, rec.1201/17; ac. S.T.A., Pleno da 2ª.Secção, 24/10/2018, rec. 99/18.3BALSB; ac. S.T.A., Pleno da 2ª.Secção, 27/02/2019, rec.22/18.5BALSB; ac. S.T.A., Pleno da 2ª.Secção, 8/05/2019, rec. 116/18.7BALSB; ac. S.T.A., Pleno da 2ª.Secção, 3/07/2019, rec. 4/19.0BALSB; ac. S.T.A., Pleno da 2ª.Secção, 11/12/2019, rec. 51/19.1BALSB) (Em três dos citados arestos do Pleno o acórdão fundamento identificado pelo recorrente é idêntico ao do presente processo, a saber, o exarado pela Secção do S.T.A., em 28/01/2015, no âmbito do rec.722/14).
Porque concordamos com essa orientação jurisprudencial, remetemos para a fundamentação expendida num desses acórdãos do Pleno, o proferido em 27 de Fevereiro de 2019 no processo n.o 22/18.5BALSB:
"(...)
O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte.
Impondo a lei constitucional ao Estado a obrigação de reparar os danos causados pelos seus actos ilegais, tem vindo a lei ordinária a estabelecer limites a essa reparação, sejam os decorrentes da valorização da maior ou menor diligência do lesado, seja do tempo que faculta para a Administração Tributária decidir.
A decisão arbitral recorrida atribuiu a indemnização a partir da ocorrência do evento danoso, sendo que face às normas de direito tributário vigente tal indemnização não tem assento legal, pelo menos sob a égide do processo de impugnação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação.». É certo que o contribuinte se viu forçado a recorrer ao tribunal arbitral em virtude de os serviços da Administração não terem procedido à solicitada revisão do acto de liquidação ilegal, e que isso constitui uma circunstância que tem sido esgrimida para afastar a aplicação da alínea c) do n.º 3 do art.º 43º da LGT.
Todavia, importa não esquecer que o princípio da igualdade impõe um tratamento semelhante entre os contribuintes cujos pedidos de revisão obtêm êxito (para além do prazo de um ano) junto da Administração, e os contribuintes que obtêm idêntico resultado (também para além desse prazo) junto do Tribunal. Em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à Administração e deriva da prática de acto ilegal: ou porque tardou a dar razão ao contribuinte ou porque não lha deu e veio a revelar-se que o devia ter feito. Nestes casos, o direito de indemnização deriva da prática de acto ilegal e não do incumprimento de um prazo procedimental para os serviços decidirem favoravelmente a pretensão do contribuinte, já que o prazo de um ano fixado nesse normativo nem sequer coincide com o prazo de quatro meses que a LGT fixa para a emissão de decisão (art. 57.º, n.o 1).
(...)".
Ante o exposto, no que concerne a juros indemnizatórios, nos casos de pedidos de revisão oficiosa, apenas são devidos juros depois de decorrido um ano a partir da iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, como decorre da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.
No caso em apreço, decorre dos factos dados como provados, que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado 28 de Maio de 2019, logo menos de um ano antes da apresentação deste PPA em 30 de Dezembro de 2019, pelo que a Requerente não tem direito, no âmbito deste processo, a juros indemnizatórios. Qualquer atraso na reposição da situação original da Requerente, decorrente da anulação, apenas pode ser apreciado e decido em sede de execução de sentença.
7. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Declarar ilegais os nºs. 1 e 10 do artigo 22.º do EBF, na parte em que limitam o regime nele previsto a organismos de investimento colectivo constituídos segundo a legislação nacional e excluindo os constituídos segundo legislações de Estados Membros da União Europeia;
b) Conceder provimento ao pedido de anulação do acto de liquidação da retenção na fonte de IRC, no montante de € 76.694,91, referente aos dividendos de 2015 auferidos pela Requerente;
c) Conceder provimento ao pedido de anulação do acto de liquidação da retenção na fonte de IRC, no montante de € 114.556,00, referente aos dividendos de 2016 auferidos pela Requerente;
d) Julgar procedente o pedido de restituição das quantias pagas, no montante total de € 191.250,91;
e) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios, nos termos referidos no ponto 6 da presente Decisão Arbitral.
8. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 191.250,91.
9. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Lisboa, 11 de Janeiro de 2020
Notifique-se.
Os Árbitros
(Fernanda Maçãs-presidente)
(Nuno Maldonado de Sousa- vogal)
(Elisabete Flora Louro Martins Cardoso-vogal)