Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 901/2019-T
Data da decisão: 2020-11-30  IRC  
Valor do pedido: € 5.533.542,70
Tema: Incompetência do Tribunal Arbitral em razão do valor da causa – art.4.º, n.º1 do RJAT; art.º 3.º, n.º 1 da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.3; art. 97.º-A, n.º 1 al. b) do CPPT.
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SUMÁRIO:

I.             Nos tribunais arbitrais tributários organizados sob a égide do CAAD, o valor dos litígios nos termos e para os efeitos do artigo 3.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011, é calculado nos termos do art.º 97.º-A do CPPT;

II.            Quando esteja em causa a impugnação da fixação da matéria coletável ou tributável, o valor do litígio, para os efeitos referidos, é igual ao valor contestado.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Dr. José Pedro Carvalho (árbitro-presidente), Professor Doutor Eduardo Paz Ferreira e João Menezes Leitão (árbitros-vogais), que constituem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. Relatório

1. A..., S.A., sociedade aberta, com sede no Porto, na ..., n.º..., matriculado na Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o número único de matrícula e de identificação fiscal ..., adiante designado por “Requerente”, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral e subsequente pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro e do artigo 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações posteriores (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a seguir “RJAT”), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir, Requerida ou AT), que visa, conforme consta do petitório final, “como objeto imediato da presente ação, a anulação das decisões que recaíram sobre o Pedido de Revisão e sobre o consequente Recurso Hierárquico interposto e, bem assim, como objeto mediato da mesma, a anulação parcial do ato de liquidação de IRC (2003), reduzindo-se o lucro tributável pelo montante de €18.445.142,31 , tudo com as legais consequências”, indicando como “Valor da ação: €5.533.542,70”.

 

2. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 11.º, n.º 1, al. a) do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo o Dr. José Pedro Carvalho, como árbitro-presidente, o Professor Doutor Eduardo Paz Ferreira e João Menezes Leitão, como árbitros-vogais, que aceitaram o encargo.

 

3. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

4. Por força do preceituado na al. c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 13.3.2020 (sem prejuízo da aplicação do disposto no art. 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19.3, na redação da Lei n.º 4-A/2020, de 6.4).

 

5. No requerimento de pronúncia arbitral (a seguir petição inicial ou PI), o Requerente impugna o ato que indeferiu expressamente o recurso hierárquico apresentado contra o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente ao exercício de 2003, que formulou por considerar que “foi por si conferido, nas declarações entregues, um tratamento fiscal incorreto no que respeita às provisões para riscos gerais de crédito, resultando do mesmo um acréscimo indevido, ao resultado líquido do exercício de 2003, no montante de € 18.445.142,34” (cfr. arts. 4.º e 107.º da PI).

Alega o Requerente, em sustentação da sua impugnação, o seguinte, em síntese:

a) verificou-se preterição da audição prévia em sede de prolação da decisão do recurso hierárquico, o que viola o artigo 267.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e o artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e teve como consequência imediata a não inclusão, na fundamentação do ato emanado, da análise dos argumentos que seriam apresentados naquela sede e, ainda, a consagração das razões da sua eventual rejeição, do que decorre que “a Administração Tributária praticou um ato ferido de preterição de formalidade essencial e, ainda, de falta de fundamentação, por não incluir as razões que levariam, eventualmente, à desconsideração dos argumentos trazidos ao processo pelo Requerente” (arts. 14.º a 32.º da PI);

b) o pedido de revisão oficiosa previsto no art. 78.º da LGT é legalmente adequado à impugnação da autoliquidação de imposto, pelo que a interpretação contrária subjacente ao ato impugnado é manifestamente ilegal e inconstitucional por violação, para além do n.º 2 do referido art. 78.º da LGT, das normas do n.º 2 do art. 266.º da CRP e do art. 55.º da LGT dado que a AT deve “proceder às correções que se mostrem devidas face aos erros praticados pelos contribuintes na autoliquidação, quer esses erros lhe sejam favoráveis ou desfavoráveis” (arts. 33.º a 78.º da PI);

c) a decisão do recurso hierárquico e do pedido de revisão é ilegal por erro quanto aos respetivos pressupostos dado que “a autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2003, tinha subjacente uma incorreta aplicação do regime da provisão para riscos gerais de crédito” porquanto “tal provisão deverá ser analisada numa base anual, dado o seu caráter genérico e abstrato, devendo, consequentemente, ser somente considerada, em cada exercício, ou uma constituição/dotação da provisão em apreço (caso o saldo final da provisão a 31 de dezembro do exercício n seja superior ao seu saldo a 31 de dezembro do exercício n-1), ou uma anulação/reposição dessa provisão (caso se verifique o oposto)”, tendo sido indevidamente acrescido na declaração Modelo 22 de IRC o valor de € 18.445.142,34, pois apenas deveria ter acrescido o montante de € 25.924.990,11, referente ao reforço da provisão para riscos gerais de crédito e adicionalmente a transferência da provisão para riscos gerais de crédito no montante de € 1.551.706,46, tributada em exercícios anteriores, deveria ter sido deduzida para efeitos fiscais  (arts. 79.º a 108.º da PI).

Peticiona, em consequência, o Requerente, como se referiu acima, “como objeto imediato da presente ação a anulação das decisões que recaíram sobre o Pedido de Revisão e sobre o consequente Recurso Hierárquico interposto e, bem assim, como objeto mediato da mesma, a anulação parcial do ato de liquidação de IRC (2003), reduzindo-se o lucro tributável pelo montante de € 18.445.142,31, tudo com as legais consequências”.

 

6. A AT, na sequência de pedido de prorrogação do prazo para a resposta por 10 dias que o Presidente do Tribunal Arbitral, em atenção especialmente à situação de pandemia, deferiu por 5 dias, apresentou, em 7.7.2020, ao abrigo do disposto no art. 17.º do RJAT, a sua resposta (a seguir R.), na qual se defendeu por exceção e por impugnação, nos seguintes termos, em síntese:

a) por exceção, invoca a incompetência do Tribunal Arbitral em razão do valor do pedido, sustentando que:

- o valor de €5.533.542,70, que foi atribuído pelo Requerente, sem indicar, porém, como chegou a esse montante, é “um valor artificialmente criado pelo mesmo e que não corresponde ao que este pretende impugnar que é o ato de fixação da matéria coletável” (art. 18 da R.), pois “no caso, vem impugnado o ato de fixação da matéria coletável pretendendo o requerente que seja anulado, na fixação da matéria coletável, o montante de €18.445.142,31  desconhecendo-se o impacto de tal valor na liquidação de imposto” (art. 17 da R.) e “qualquer aplicação de uma taxa de IRC ao valor quantitativo de tal montante não terá qualquer correspondência com a liquidação reportada ao ano/exercício de 2003 em causa” (art. 20 da R.);

- “é esse montante que considera estar incorretamente acrescido na matéria coletável” que é “a utilidade económica do pedido, o valor da causa corresponde, pois, ao montante da matéria coletável que é impugnada no presente p.p.a.”, ou seja, “a utilidade económica do pedido não corresponde ao valor indicado pelo requerente, que não tem correspondência real com qualquer ato de liquidação, mas antes deve corresponder ao valor de €18.445.142,31, e que é o que o requerente contesta no presente p.p.a.” (arts. 19 e 21 da R.);

- “sendo o valor do litígio superior a € 10.000.000,00 valor que de acordo com o artigo 3.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 se indica como o limite da vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, tem de se concluir que o Tribunal Arbitral é incompetente, em razão do valor da causa, para conhecer do litígio que é objeto do pedido de pronúncia arbitral”, pelo que “deve ser julgada procedente a exceção da incompetência (...) invocada e a AT ser absolvida da instância, cfr. artigos 66.º e 577.º al. a) ambos do Código de Processo Civil [CPC], aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT” (arts. 22 e 23 da R.);

b) também por exceção, invoca a incompetência do Tribunal Arbitral para a condenação da AT a proceder à anulação da decisão de recurso hierárquico por vícios próprios imputáveis à referida decisão/erro na forma de processo, porquanto:

- tendo o Requerente imputado vícios próprios e exclusivos da decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico, eles próprios conducentes, só por si, à anulação de tal decisão, o recurso à instância arbitral, bem como à impugnação judicial não são meios processuais próprios, antes cabendo, conforme art. 97.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), a ação administrativa a apresentar nos termos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), dado que não está em causa ato que comporte a apreciação do ato de liquidação, mas o que se ataca é a ilegalidade da decisão de indeferimento do recurso hierárquico por vícios próprios;

- “há que concluir que o requerente fez uso de meio inadequado à pretensão que pretende fazer valer” o que “leva à incompetência, em razão da matéria, do Tribunal Arbitral, uma vez que, pretendendo a Arbitragem em Matéria Tributária ser um meio alternativo de resolução de litígios, a AT só se encontra vinculada nos estritos termos e condições consagradas na Portaria 112-A/2011 (...)” que “não inclui a apreciação de atos administrativos em matéria tributária que não comportem a apreciação da legalidade do imposto”;

- verifica-se, assim, “a existência de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT” (arts. 24 a 33 da R.);

c) ainda por exceção, invoca a incompetência do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de revisão do ato por não estar em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação, dado que:

- trata-se da “apreciação de (duas) decisões administrativas que indeferiram pedido de revisão oficiosa apresentado pelo requerente por entenderem que o mesmo era intempestivo, que não estavam reunidos os pressupostos do art. 78.º da LGT para a AT apreciar o mérito do pedido de revisão do ora requerente”, sendo que “o indeferimento do pedido de revisão oficiosa assentou na consideração de que o mesmo não podia já mais ser apreciado por intempestividade, por não ter sido apresentado no prazo de reclamação previsto no art. 131º do CPPT e por também não se poder aplicar o prazo de 4 anos face à inexistência de erro imputável aos Serviços” - “Donde, a AT não apreciou de fundo, de mérito, o pedido de revisão oficiosa formulado pelo requerente”;

- “o requerente pretende que o Tribunal Arbitral emita uma decisão condenatória, relativamente aos pressupostos de aplicação do mecanismo da revisão oficiosa prevista no art. 78ª da LGT” – “Donde, não há qualquer dúvida que o pedido formulado pelo requerente reclamaria a apreciação por parte do Tribunal Arbitral de uma questão relativa ao controle dos pressupostos de aplicação do art. 78º da LGT, a fim de determinar se o ato administrativo, quando se recusou, por o considerar intempestivo, a apreciar de fundo o pedido de revisão oficiosa, está correto e conforme à lei”;

- “o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se estão reunidos os pressupostos de aplicação do mecanismo de revisão oficiosa e de determinar se a AT tinha ou não que apreciar, de fundo, o pedido de revisão oficiosa apresentado” e “inexiste no âmbito do RJAT, qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas pelos tribunais arbitrais condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no mesmo RJAT: poderes declaratórios com fundamento em ilegalidade”, reconduzindo-se a pretensão jurídica formulada pelo Requerente “ao pedido de condenação à prática de um ato devido, que só pode ser a condenação da AT a apreciar o pedido de revisão oficiosa, e que não poder ser obtida por esta via”;

- “o pedido de pronúncia arbitral não consubstancia o meio próprio, o que, no caso, redunda na própria incompetência do Tribunal Arbitral para, em alternativa, à ação administrativa que é o meio próprio, condenar a AT à prática de um ato devido” pelo que se verifica “a existência de uma exceção dilatória, o erro na forma de processo que no caso consubstancia incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT” (arts. 34 a 66 da R.);

d) por impugnação, sustenta a Requerida, caso não se acolha, sem conceder, a matéria excetiva invocada, que não se verifica a alegada preterição de audição do Requerente, porquanto o direito de audição não se aplica necessariamente aos chamados procedimentos de 2.º grau, incluindo o recurso hierárquico, especificamente quando a Administração Tributária se limita a concluir, ao decidir o recurso, face aos factos e argumentos invocados pelo contribuinte e a lei aplicável, pela improcedência da sua pretensão, como sucedeu no caso, em que o Requerente foi notificado para o direito de audição em sede de processo de revisão oficiosa, que não exerceu, e os factos que trouxe ao processo de recurso hierárquico foram os mesmos trazidos ao processo precedente e submetidos à sua audição, pelo que sempre se afiguraria inútil à formação da decisão a tomar nova audição sobre os mesmos factos já anteriormente submetidos a audição, sendo ainda certo que a lei não permitiria decisão específica no caso,  pelo que sempre se imporia o aproveitamento do ato (arts. 76 a 102 da R.);

e) quanto à adequação do pedido de revisão oficiosa e à verificação dos seus pressupostos, alega a Requerida que:

- “a utilização da expressão “sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte” , constante do n.º 2 do art. 78º da LGT, tem que se interpretar no sentido de impor ao sujeito passivo a obrigação de seguir o procedimento constante do art. 131º do CPPT, para pedir a revisão da autoliquidação”, “interpretação do nº 2 do art. 78º da LGT [que] não esvazia de conteúdo a norma, uma vez que se entende que o interesse prático da mesma é possibilitar, em casos em que é desenvolvida ação de inspeção dirigida contra o contribuinte dentro do prazo de caducidade do imposto, que a AT reveja o ato de autoliquidação praticado pelo mesmo, tendo em conta as correções feitas, quer a favor da AT quer, por razões de  equidade, a favor do próprio sujeito passivo”;

- tratando-se, no caso, pura e simplesmente, de um erro de autoliquidação nos termos em que está previsto no artigo 131.º, n.º 1 do CPPT, “não só o requerente não reclamou previamente, nos termos do art. 131º do CPPT, como também não está evidenciado qualquer erro de direito imputável à AT no tratamento que aquele deu às provisões, face ao quadro legal aplicável”, pelo que o “ato de indeferimento quer da revisão quer do recurso hierárquico que decidiram não ser possível a revisão tanto nos termos da primeira parte do nº 1 do artº 78º da LGT, como nos termos da 2ª parte, está correto e conforme à lei” (arts. 103 a 138 da R.);

f) quanto à alegação do Requerente de que foi indevidamente acrescido na declaração Modelo 22 de IRC o valor de € 18.445.142,34, verificando-se, assim, uma errónea quantificação do lucro tributável no montante de € 18.445.142,34, invoca a AT:

- primeiramente, que esta questão “se refere ao mérito do pedido, mérito este que não foi apreciado pela AT, pelo que o Tribunal arbitral não pode conhecer do mesmo, uma vez que isto significaria uma substituição do Tribunal à AT, mais inadmissível tanto quanto é certo que, no caso, estamos perante uma jurisdição arbitral a que a AT só se vinculou nos estritos termos da Portaria de Vinculação” e mais ainda quando “o deferimento da pretensão do requerente implicaria apurar /comprovar se o saldo transitado da provisão em questão a 01 de Janeiro de 2003 já não inclui valores aceites como custo fiscal, e portanto não tributados, em exercícios anteriores, ou, incluindo, que os mesmos não são suficientes para cobrir a totalidade do montante a repor, o que pressupõe a realização de uma ação inspetiva da exclusiva competência da AT, não tendo o Tribunal Arbitral os meios para suprir a falta de realização da mesma;

- depois, que “o entendimento do Requerente explanado no artigo 96º do PPA é válido e conforme à melhor interpretação da alínea d), do n.º 1 e n.º 3 do artigo 34.º do Código do IRC, se os montantes das anulações/reposições das provisões para riscos gerais de crédito ocorridas no exercício de 2003 já tivessem sido tributados na sua totalidade”, ou seja, “os movimentos ocorridos na provisão para riscos gerais de crédito só podem ser considerados numa base agregada, para efeitos do cálculo do respetivo impacto fiscal em IRC, se as reposições/anulações respeitarem a valores que, nos termos do n.º 3 do artigo 34.º do Código do IRC “tenham sido custo fiscal no exercício da respetiva constituição”; ora, “valores que constam do quadro inserido no artigo 99.º do PPA revelam que ocorreram reposições da provisão e “transferências para ...”, mas, sem que seja identificado se, quer os valores objeto de reposição quer os valores transferidos, foram considerados como custos fiscais nos anos anteriores”, sendo que caso “tenham sido deduzidos ao lucro tributável de exercícios anteriores, e é provável que tal tenha sucedido, porque o regime transitório, que previa a tributação de 50% da variação positiva da provisão para riscos gerais de crédito, vigorou em 2001 e 2002, então, não pode a correção ao lucro tributável do exercício de 2003 ser efetuada numa base líquida, pelo montante de € 25.924.990,11, adicionado do montante da transferência de € 1.551.706,46, como pretende o Requerente”, pelo que “a correção negativa ao lucro tributável, no montante de € 18.445.142,31, que o Requerente peticiona, por não ter suporte no artigo 34.º do Código do IRC, em concreto no seu n.º 3, não pode ser considerada procedente” (arts. 139 a 173 da R.).

 

7. Por despacho do Presidente do Tribunal Arbitral de 13.7.2020, o Requerente foi notificado para exercer, querendo, o contraditório em relação à matéria excetiva alegada pela Requerida, o que foi realizado pelo requerimento de 9.9.2020 de resposta às exceções e incidente de ampliação do valor do pedido, no qual – para além de se juntarem como docs. 1 a 4, a contestação da AT apresentada no processo n.º .../10...BEPRT, a liquidação de IRC, a informação da Autoridade Tributária quanto à revisão oficiosa efetuada no exercício de 2005 e o mapa com o valor do benefício do Requerente – se alega o seguinte:

a) “o valor subjacente à presente ação - e discutido no ato de autoliquidação contestado pelo Requerente - é o valor da matéria tributável, não estando, por isso, em discussão o ato de fixação da matéria coletável”, conceitos que “são bem distintos e têm decorrências específicas do ponto de vista da sua arbitrabilidade”, pois “matéria tributável em IRC será o lucro tributável e, por outro lado, matéria coletável é, grosso modo, igual ao lucro tributável deduzido de prejuízos fiscais e de benefícios fiscais”, sendo que “no caso sub judice o Requerente, com o pedido de pronúncia arbitral, pretende ver anulado um montante correspondente a uma autoliquidação de imposto que, por referência ao exercício de 2003, não deu lugar ao pagamento do mesmo, apenas por não haver matéria coletável, devido à dedução de prejuízos fiscais à matéria tributável, o que, naturalmente, tem impacto nos exercícios posteriores (nomeadamente no exercício de 2005), por via do incremento da dedução de prejuízos fiscais” e, assim, “no presente pedido de pronúncia arbitral o Requerente veio, através da contestação do ato de autoliquidação de IRC, solicitar as correções ao lucro tributável, isto é, à matéria tributável e não, como alega a Autoridade Tributária, à matéria coletável (apurada, nos termos do artigo 15.º do Código do IRC, depois da dedução dos prejuízos fiscais e dos benefícios fiscais ao lucro tributável)” (n.ºs 9 a 12 do referido requerimento);

b) A alínea b) do número 1 do artigo 97.º do [CPPT], aplicável por força da alínea a) do número 1 do artigo 29.º do [RJAT], não é aplicável ao caso em análise, porquanto o que é contestado pelo Requerente na presente ação é a matéria tributável apurada na sua autoliquidação, a qual, naturalmente, está a montante do apuramento do quantum da matéria coletável que, no caso em análise, foi e será zero (“0”), seja qual for a perspetiva, pelo que “não estando contemplada a situação da “impugnação da matéria tributável” (ainda que em discussão no âmbito da contestação de uma autoliquidação) no [CPPT] para a determinação do valor do processo, o intérprete terá de se socorrer das regras subsidiárias, designadamente as previstas no [CPTA] e no [CPC], aplicáveis por força respetivamente, das alíneas c) e e), do número 1 do artigo 29.º do [RJAT]”, sendo que “nos termos do número 2 do mesmo artigo 32.º do [CPTA], aplicável por força da alínea c), do número 1 do artigo 29.º do [RJAT], “quando pela ação se pretenda obter um benefício diverso do pagamento de uma quantia, o valor da causa é a quantia equivalente a esse benefício” [e idêntica previsão legal se encontra no número 1 do artigo 297.º do [CPC], aplicável ex vi alínea e) do número 1 do artigo 29.º do [RJAT]],” do que decorre que “no caso concreto, por não haver imposto a pagar o benefício (i.e., a utilidade económica) do Requerente com o presente pedido de pronúncia arbitral é o valor do benefício económico a retirar do reporte dos prejuízos fiscais a deduzir nos exercícios posteriores (designadamente no exercício de 2005)”, concluindo-se, assim, que “tendo o Requerente contestado o valor da matéria tributável apurada na sua autoliquidação (e não a matéria coletável), são aplicáveis ao caso sub judice, para efeitos do seu apuramento, os critérios gerais de determinação do valor da causa previstos no artigo 32.º do [CPTA], por força da alínea c), do número 1 do artigo 29.º do [RJAT], designadamente o seu número 2 - que estabelece o critério de benefício (i.e., utilidade económica) - e não, como alega a Autoridade Tributária, o disposto na alínea b) do número 1 do artigo 97.º do [CPPT] (onde se prevê o valor do ato de fixação da matéria coletável)” e, por isso, “o Requerente indicou, em sede de petição inicial, à semelhança do que sucedeu no processo judicial número .../10...BEPRT que correu seus termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, o valor de € 5.533.542,70, o qual corresponde à aplicação da taxa de IRC vigente em 2003 (30%) à matéria tributável de € 18.445.142,31 (declarada excessivamente pelo Requerente na sua autoliquidação), porquanto o mesmo entendia ser este o valor que refletia a utilidade económica que pretendia obter com o pedido de pronúncia” (n.ºs 13 a 18);

c) Da “mera análise da decisão do Recurso Hierárquico verifica-se que foi apreciado o mérito do Pedido de Revisão (e, consequentemente, o ato de autoliquidação reclamado) apresentado pelo Requerente - que, note-se, não havia sido apreciado na decisão recorrida -, tendo a Autoridade Tributária invocado, em suma, que a interpretação do Requerente não é correta, já que apenas por referência a 2001 e 2002 o legislador considerou relevantes as variações positivas das provisões, pelo que, tratando-se in casu do exercício de 2003, tal entendimento não pode ser aplicado”, pelo que se verifica “estar-se perante um ato administrativo que apreciou a legalidade da (auto)liquidação referente ao exercício de 2003, pelo que a Impugnação Judicial - e, consequentemente, a presente instância arbitral - afigura-se o meio processualmente adequado para contestar o mesmo, podendo essa contestação, naturalmente, abarcar todos os vícios (inclusivamente formais) da decisão contestada”, do que decorre que “a exceção invocada pela Autoridade Tributária, no que concerne à alegada incompetência do Tribunal Arbitral para condenar a Autoridade Tributária a anular a decisão do recurso hierárquico por vícios imputáveis à própria decisão (por erro na forma do processo) não deve proceder, por infundada, devendo, em consequência, conhecer-se do mérito do presente Pedido Arbitral (n.ºs 38, 39 e 41 do requerimento);

d) Dado que “no caso sub judice verifica-se que (i) a decisão contestada no presente Pedido Arbitral é a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico interposto contra a decisão de indeferimento do Pedido de Revisão apresentado pelo Requerente (e não a própria decisão de indeferimento do Pedido de Revisão, com base na sua intempestividade) e (ii) a Autoridade Tributária conheceu, efetivamente, do mérito do Pedido de Revisão no âmbito do Recurso Hierárquico” e “considerando que a jurisprudência dos Tribunais superiores tem expressamente admitido a competência do Tribunal Arbitral para o conhecimento do mérito de ações que tenham por base o indeferimento de pedidos de revisão oficiosa e, ainda, que está subjacente à presente ação uma decisão de um Recurso Hierárquico onde foi conhecido do mérito do pedido de revisão (...), conclui-se pela competência do Tribunal Arbitral para o conhecimento do mérito da presente ação (cfr. alínea a) do número 1 do artigo 2.º e parte final da alínea a) do número 1 do artigo 10.º do [RJAT])”, pelo que “a exceção invocada pela Autoridade Tributária, no que concerne à alegada incompetência do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de revisão, por não estar em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação, não deve proceder, por infundada, devendo, em consequência, conhecer-se do mérito do presente Pedido Arbitral” (n.ºs 47 a 49 do requerimento).

 

8. Neste seu requerimento de 9.9.2020, para além da resposta às exceções invocadas pela Requerida, o Requerente, na decorrência do transcrito acima nos pontos I) e II), requer a ampliação do pedido, nos seguintes termos:

i) O “Requerente indicou, em sede de petição inicial, à semelhança do que sucedeu no processo judicial número .../10...BEPRT que correu seus termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, o valor de € 5.533.542,70, o qual corresponde à aplicação da taxa de IRC vigente em 2003 (30%) à matéria tributável de € 18.445.142,31 (declarada excessivamente pelo Requerente na sua autoliquidação), porquanto o mesmo entendia ser este o valor que refletia a utilidade económica que pretendia obter com o pedido de pronúncia”, mas “em face do entretanto tempo decorrido, o Requerente pode, nesta fase, concretizar a efetiva utilidade económica do seu pedido em € 5.761.103,55, correspondente ao valor do IRC e respetivos juros compensatórios apurados em resultado dos prejuízos fiscais adicionais que, em caso de ganho da presente ação, serão deduzidos no exercício de 2005”, que explica e justifica do seguinte modo:

“- Na liquidação de IRC de 2005 (após várias correções) foi apurada uma matéria coletável de € 163.384.616,18 e, em conformidade, um valor a pagar de € 49.406.124,68;

- Para o apuramento dessa matéria coletável concorre a dedução de um prejuízo fiscal no valor de € 220.861.002,33 (valor identificado na página 12 do citado Documento 3, que incorpora a revisão oficiosa, por parte da Autoridade Tributária, da liquidação adicional de IRC de 2005, na parte em que reconhece que haveria que ser deduzido um valor adicional de prejuízos fiscais);

- A dedução do valor de € 220.861.002,33 inclui, por referência ao exercício de 2000, um valor de prejuízo fiscal € 54.624.024,02;

- Por sua vez, a dedução do valor de € 54.624.024,02 relativo ao prejuízo fiscal de 2000, depende da dedução de um valor de € 19.380.236,51, também relativo ao prejuízo fiscal de 2000, no exercício de 2003 (e de um valor relativo ao IRC de 2004 que não é relevante para efeitos deste processo);

- Se o lucro tributável (i.e., a matéria tributável) do exercício de 2003 for reduzido, conforme pretendido pelo Requerente na presente ação, em € 18.445.142,31, então o referido valor de € 19.380.236,51 reduz-se para € 935.094,20 (novo valor do prejuízo fiscal de 2000 a ser deduzido ao lucro tributável de 2003). A matéria coletável relativa ao IRC de 2003 mantém-se nula.

- O referido valor de € 54.624.024,02 aumenta para € 73.069.166,33 (novo valor do prejuízo fiscal de 2000 a ser deduzido ao lucro tributável de 2005) e, em termos finais, a dedução de um prejuízo fiscal no valor de €220.861.002,33 deve ser retificada para um valor de € 239.306.144,64;

- A matéria coletável apurada de € 163.384.616,18 reduz-se para € 144.939.473,87.

- Dos cálculos efetuados pelo Requerente, sem alterar quaisquer outros pressupostos ou valores, o valor do IRC a pagar no exercício de 2005 reduz-se de € 49.406.124,58 para € 43.645.021,22.

A redução ascende, pois, a € 5.761.103,35, que é a utilidade económica do Requerente com a presente ação” (n.ºs 18 e 19 e nota 1);

ii) “por estar em tempo (...) ao abrigo do princípio pro actione e da economia processual, desde já se requer (...) se dignem admitir a ampliação do pedido (valor da causa) para € 5.761.103,55, por se tratar do benefício económico do Requerente, o que se requer nos termos do número 2 do artigo 265.º do [CPC], aplicável por força da alínea e), do número 1 do artigo 29.º do [RJAT], onde se determina que o pedido pode ser ampliado até ao encerramento da discussão da causa em 1.ª instância “(...) se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo” , devendo o Requerente ser notificado para proceder ao pagamento da taxa de justiça arbitral que se mostre devida na sequência da ampliação ora requerida (n.º 22 do requerimento).

 

9. Por despacho do Presidente do Tribunal Arbitral de 15.9.2020, a Requerida foi notificada para exercer, querendo, o contraditório em relação ao incidente de ampliação do valor do pedido suscitado pelo Requerente, o que foi concretizado por requerimento de 29.9.2020, no qual se sustenta que não está em causa uma verdadeira ampliação do pedido, mas trata-se antes de um incidente de fixação de valor da causa que, no caso em concreto, pode levar à incompetência do tribunal arbitral, contestando-se, igualmente, que o novo valor em concreto achado pelo Requerente corresponda à utilidade económica do pedido.

Declara, então, a Requerida que, pelas razões já invocadas na sua resposta, não aceita que, por via de um artifício, qual seja o de que se estará a proceder à ampliação do pedido, se possibilite conferir ao pedido de pronúncia arbitral o valor de € 5.761.103,55, pois o valor pertinente é €18.445.142,31, que é o que o Requerente contesta no presente processo, pelo que, sendo o valor do litígio superior a € 10.000.000,00, valor que, de acordo com o artigo 3.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011, se indica como o limite da vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, tem de se concluir que o Tribunal Arbitral é incompetente, em razão do valor da causa, para conhecer do litígio que é objeto do pedido de pronúncia arbitral.

 

10. Em atenção à suspensão de prazos determinada entre 09.03.2020 e 03.06.2020 pelo art. 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19.3, na redação da Lei n.º 4-A/2020, de 6.4., o dia 3.12.2020 constitui a data final para a prolação da decisão arbitral nos termos do art. 21.º, n.º 1 do RJAT.

 

11. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, não se detetando nulidades de que caiba conhecer.

 

12. Foi invocada a incompetência do Tribunal Arbitral, pelo que importa principiar pela apreciação de tal exceção, dado que se trata de questão cujo conhecimento precede o de qualquer outra e de conhecimento oficioso, conforme disposto no artigo 13.º do CPTA, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, segundo o qual o “âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria”, acarretando a incompetência do Tribunal o dever de abstenção do conhecimento do mérito da causa e a absolvição do réu da instância, conforme estabelecido nos artigos 102.º, 104.º, n.º 2, , 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC, disposições aplicáveis ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

Para apreciação desta questão prioritária, e tendo presente que a competência se afere em função da relação jurídica controvertida tal como é configurada pelo autor em termos do pedido e da causa de pedir, o que igualmente assume relevância quando se trata do apuramento do valor da causa, é conveniente fixar a factualidade pertinente.

 

II. Fundamentação

 

II.1. Matéria de facto

 

13. Examinadas as alegações constantes das peças processuais apresentadas, a prova documental produzida e o processo administrativo (a seguir PA) junto (constituído pelo processo instrutor, não paginado, anexo ao processo n.º .../10...BEPRT e que foi restituído, nos termos do n.º 4 do art. 442.º do CPC, ao Serviço de Finanças do Porto ...), o Tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

 

I. O Requerente, instituição de crédito que desenvolve a atividade bancária correspondente, apresentou em 31.5.2004 a declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC respeitante ao exercício de 2003, na qual apurou imposto a recuperar no valor de €1.280.599,80, conforme doc. n.º 1 à PI, que se dá por reproduzido.

 

II. Após a apresentação da mencionada declaração, por ter constatado certas incorreções, o Requerente procedeu à entrega de duas declarações Modelo 22 de IRC de substituição, respetivamente em 29.11.2004 e em 6.12.2004, conforme declarações juntas agregadamente como doc. n.º 2 à PI, que se dão por reproduzidas.

 

III. Por ter considerado que, nestas declarações entregues, conferiu um tratamento fiscal incorreto relativamente às provisões para riscos gerais de créditos, de que resultou um acréscimo indevido, ao resultado líquido do exercício de 2003, no montante de €18.445.142,34, a Requerente procedeu à formulação de pedido de revisão oficiosa do ato de autoliquidação do IRC referente a 2003, remetido à Direção de Finanças do Porto em 30.5.2008 e nesta rececionado em 2.6.2008 (cfr. doc. n.º 3 à PI), no qual invocou, em síntese, o seguinte:

- “Considerando que, a partir do exercício de 2003, as provisões para riscos gerais de crédito deixaram de configurar provisões dedutíveis  para efeitos fiscais,  nos termos  da alínea  d) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC, o Requerente - atendendo, por um lado, à (errónea) interpretação que fez nessa altura a este preceito legal e, por outro, ao que entendia ser o procedimento praticado pela generalidade das demais Instituições de Crédito/Sociedades Financeiras, e pela própria administração tributária, neste âmbito - aplicou o seguinte procedimento para efeitos do apuramento do seu lucro tributável relativo ao exercício de 2003:

•             não aceitou fiscalmente (acrescendo ao quadro 07 da declaração Modelo 22 de IRC) a totalidade do montante de constituições da provisão para riscos gerais de crédito, de acordo com o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC. Para este efeito, considerou as transferências de outras rubricas de provisões para a provisão para riscos gerais de crédito como constituições;

•             considerou que as reposições ou anulações da provisão para riscos gerais de crédito respeitavam a provisões aceites fiscalmente na data da constituição, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 34.º do Código do IRC. De igual modo, considerou as transferências desta provisão para outras rubricas de provisões como reposições” (n.º 16);

- “no entender do Requerente - o qual é atualmente corroborado pela administração tributária -, os movimentos ocorridos na provisão em apreço deverão ser agregados para efeitos do cálculo do respetivo impacto fiscal em IRC, pois, em substância (...), haverá uma constituição/reforço líquido (caso o valor total da provisão mínima a 31 de Dezembro do exercício de 2003 seja superior ao seu montante reportado a 31 de Dezembro do ano de 2002) ou uma reposição/anulação líquida (caso o saldo dessa provisão diminua  em termos absolutos, quando comparado com o respetivo saldo do exercício imediatamente anterior)”, pois “[e]fetivamente, e em termos genéricos, deve ser registada como custos do exercício, a título de constituições/reforços de provisões, a variação positiva da estimativa dos riscos, em cada espécie de provisão, entre dois períodos contabilísticos consecutivos, sendo que, no caso de tal variação ser negativa, deverá ser aferido se a mesma respeita a utilizações (realidade que não se verifica no âmbito da provisão para riscos gerais de credito) ou reposições/anulações de provisões, sendo, no último caso, tal variação registada como proveitos do exercício” (n.ºs 27 e 28);

- como este procedimento não foi adotado pelo Requerente, na declaração Modelo 22 de IRC foi acrescido o montante de € 42.818.425,00 no regime geral, referente às constituições do exercício e, por outro lado, o montante de € 1.551.706,46 referente a transferências já tributadas não foi objeto de qualquer ajustamento, uma vez que foi considerado como dotação que deveria ter sido tributada (n.ºs 31 e 32);

- não obstante, se se atender ao movimento líquido, o montante líquido da provisão foi positivo em € 25.924.990,11, pelo que apenas deveria ter sido acrescido o montante de € 25.924.990,11, referente ao reforço da provisão para riscos gerais de crédito e, adicionalmente, a transferência da provisão para riscos gerais de crédito no montante de € 1.551.706,46, tributada em exercícios anteriores, deveria ter sido deduzida para efeitos fiscais, pelo que se entende que foi indevidamente acrescido na declaração Modelo 22 de IRC o valor de € 18.445.142,34 (n.ºs 33 a 36);

- a revisão do ato tributário pode ser desencadeada por iniciativa da administração tributária, após o termo dos prazos gerais de reclamação graciosa ou impugnação judicial  do ato tributário da liquidação, que eventualmente caibam do ato a rever, nomeadamente  a pedido do contribuinte, sendo que qualquer erro na autoliquidação será imputável aos serviços, considerando o Requerente ser este o caso subjacente, uma vez que é inequívoca a existência de erro na autoliquidação (n.ºs 39 e 45), tendo a administração tributária o dever de corrigir a favor do contribuinte, ao abrigo do princípio de justiça material, da imparcialidade, da igualdade e da legalidade e do princípio da tributação pelo lucro real (n.ºs 52 e 53);

- no que respeita à tempestividade do pedido de revisão do ato tributário de autoliquidação o prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT conta-se a partir da data de entrega da primeira declaração Modelo 22 de IRC do exercício, ou seja, 31.5.2004 (n.ºs 55 e 56).

 

IV. Após notificação para o exercício do direito de audição, que não foi concretizado, por despacho proferido em 2.2.2009, de que o Requerente foi notificado pelo Ofício n.º..., de 18.2.2009, foi indeferido o pedido formulado de revisão da liquidação de IRC do ano de 2003, conforme doc. n.º 4 junto ao PI e fls. do PA, o qual se sustentou em Informação de 29.9.2008, de que se transcrevem os seguintes fundamentos:

i) “se é um facto que o n.º 2 do artº 78° da LGT considera imputável aos serviços o erro na autoliquidação, a realidade é que isto é uma ficção que tem como objetivo, unicamente, admitir a possibilidade de revisão quer se esteja em presença de liquidação oficiosa ou de autoliquidação”, pois “tendo sido o próprio sujeito passivo, através da autoavaliação, a cometer o erro, a revisão só tem razão de ser, se ele tiver sido induzido em erro pela Administração fiscal”, pelo que “para que possa haver revisão da autoliquidação nos termos da 2ª parte do nº 1 do artº 78º da LGT, é imperioso que o ato tributário tenha sido afectado por erro, de facto ou de direito, verdadeiramente imputável à Administração tributária” como sucede se “o procedimento incorreto do contribuinte derivou de informação vinculativa prestada por aquela, ou, perante divergências de interpretação da lei, tenha havido clarificação por posterior lei interpretativa”;

ii) “o que o contribuinte alegou foi que, recentemente, tomou  conhecimento  do entendimento preconizado pela Administração fiscal relativamente ao enquadramento fiscal das provisões para riscos gerais de crédito decorrente das alterações introduzidas pela Lei nº 30-G/2000 de 29 de Dezembro”, “[a]tribuindo o incorreto tratamento das provisões para riscos gerais  de  crédito  dado  até então à interpretação feita pelo requerente e pela generalidade das instituições financeiras às alterações legislativas introduzidas no artº 34º do CIRC, pela Lei nº 30-G/2000 de 29 de Dezembro” pelo que “[n]ão parece, pois, que esteja verificado o pressuposto da atuação do contribuinte ter sido induzida em erro pela Administração tributária, pois, não decorre dos elementos dos autos que tenha sido prestada ao contribuinte qualquer informação vinculativa sobre o tratamento destas provisões, nem foi promulgada qualquer lei interpretativa das alterações introduzidas ao regime de provisões pela Lei nº 30-G/2000 de 29 de Dezembro”;

iii) “Logo, não havendo erro imputável aos serviços, não tem fundamento legal a revisão da autoliquidação nos termos da 2ª parte do nº 1 do artº 78º da LGT, desencadeada  por iniciativa do contribuinte no prazo de 4 anos de que a Administração fiscal dispõe para tal”, sendo que “[p]ara corrigir o seu erro na autoliquidação, a requerente deveria ter apresentado  reclamação nos termos do nº 1 do artº 131° do CPPT” e “tendo a declaração de rendimentos sido apresentada em 2004/05/31, a reclamação da autoliquidação deveria ter sido apresentada até 2006/05/31”.

 

V. O Requerente apresentou em 23.3.2009 recurso hierárquico do indeferimento do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IRC de 2003, conforme doc. n.º 5 à PI, que se dá por reproduzido, no qual, censurando a posição assumida pelo órgão decisor, por limitar ilegal e inconstitucionalmente o alcance do instituto da revisão oficiosa nos casos de autoliquidação, o qual “não pode depender de uma prévia análise da legalidade do ato tributário, mediante outro instituto tutelar (administrativo ou judicial) sob pena de perder a sua primordial função” nem do facto de o “contribuinte apresentar reclamação, no caso, no prazo de dois anos, nos termos do artigo 131.º do [CPPT]”, requereu “a anulação da decisão que indeferiu o conhecimento do mérito do pedido de revisão apresentado, ordenando o seu conhecimento, por a mesma ser ilegal à luz do artigo 78.º da Lei Geral Tributária” e, para o caso de se entender conhecer do objeto mediato do recurso, que sejam “considerados todos os argumentos aduzidos pelo Recorrente no pedido de revisão”.

 

VI. Sem prévia notificação para o exercício do direito de audição, por despacho da Subdiretora Geral dos Impostos, por subdelegação, de 07.05.2010, comunicado ao Requerente pelo Ofício n.º..., de 26.05.2010, conforme doc. n.º 6 à PI, que se dá por reproduzido, foi indeferido o recurso hierárquico, o que se sustentou na Informação n.º 360/10, de que se transcrevem os seguintes trechos:

i) “Após análise de todos os elementos constantes dos autos, somos de opinião de que, para se atender ao solicitado, a recorrente teria de apresentar razões plausíveis e justificar porque não reclamou do erro na autoliquidação dentro do prazo normal estipulado no artº 131° do CPPT ou não deduziu impugnação em tempo, assim como concretizar quais os factos de que dispôs que só lhe permitiram apresentar o pedido de revisão em 30.05.2008”;

ii) “A parte inicial [do n.º 2 do art. 78.º da LGT] determina (...) que a consideração do erro na autoliquidação como erro imputável aos Serviços, para efeitos de revisão oficiosa, não prejudica os ónus legais de reclamação ou impugnação. Ou seja, a requerente ao pretender a revisão da autoliquidação está obrigada a seguir o procedimento definido no nº 1 do artº 131° do CPPT.  Reclamar no prazo de dois anos após a apresentação da declaração, o que no caso presente não foi observado. Deste modo foi indeferido por extemporâneo o pedido de revisão da autoliquidação, apresentado após o termo do prazo de dois anos, sob pena de inutilidade da expressão "sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte", referida no nº 2 do artº 78º da LGT”;

iii) “a recorrente não veio demonstrar se no decurso de alguma ação de inspeção, ao exercício em análise, solicitou a correção a nível das provisões para riscos gerais de crédito, de modo a se determinar eventuais correções a seu favor aos valores declarados. Por conseguinte, não estão abrangidas no âmbito da norma as situações como a presente, em que estamos perante um alegado erro, praticado pela recorrente, no apuramento do lucro tributável na sua declaração mod. 22 do exercício de 2003. Conclui-se assim que o prazo de 4 anos é dirigido à administração tributária para efeitos de revisão oficiosa por sua iniciativa, e pressupõe a existência de erro dos Serviços, o que, no caso concreto, não ocorre”;

iv) “Verifica-se assim não ser possível a revisão tanto nos termos da primeira parte do nº 1 do artº 78° da LGT, por extemporânea, como nos termos da 2ª parte, por não se poder entender que se trate de erro dos Serviços”;

v) “Convém ainda referir que a recorrente menciona, sem qualquer dado objectivo, basear o seu novo entendimento sobre o tratamento das Provisões para riscos gerais de crédito, em informação prestada sobre o assunto pela administração fiscal.

Relativamente às Provisões para riscos gerais de crédito, apenas se conhece a Informação nº 814/02 proferida no âmbito do Procº nº 770/02 (...). Confrontado o conteúdo da citada informação, com a posição que a recorrente diz ser a da administração fiscal, conclui-se que a recorrente não fez a adequada interpretação do conteúdo da mesma. A recorrente entendeu que o valor da provisão a acrescer no quadro 07 da declaração mod. 22 corresponde apenas à variação positiva das provisões (diferença entre o valor das provisões de exercício e o valor inscrito na conta Reposições e anulações de provisões). Todavia, só no regime transitório referido no nº 6 do artº 7° da Lei nº 30-G/2000, de 29/12, é que o legislador faz referência à variação positiva das provisões. Este regime transitório vigorou nos exercícios de 2001 e 2002. Nos presentes autos está em causa a constituição da provisão do exercício de 2003, pelo que não é aceite fiscalmente o valor da provisão constituída. As reposições e anulações da provisão ocorridas no exercício só seriam de deduzir para efeitos do apuramento do resultado fiscal se tivessem sido tributadas anteriormente”.

vi) “Tendo em conta que a decisão ora tomada se baseia nos mesmos factos sobre os que já foi o sujeito passivo notificado para exercer o direito de audição, e não tendo sido trazidos ao processo quaisquer dados novos, é de dispensar nova audição nos termos do nº 3 do artº 60° da LGT e da alínea c) do nº 3 do Cap. II da Circular nº 13/99 de 8 de Julho”.

 

VII. O Requerente deduziu, relativamente ao ato de indeferimento expresso do recurso hierárquico apresentado contra o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IRC do exercício de 2003, impugnação judicial que correu termos pelo processo número .../10...BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, conforme respetiva petição inicial a fls. do PA, que aqui se dá por reproduzida, onde, depois de se invocar que “o Impugnante constatou que foi por si conferido, nas declarações entregues, um tratamento fiscal incorreto no que respeita às provisões para riscos gerais de crédito, resultando do mesmo um acréscimo indevido, ao resultado líquido do exercício de 2003, no montante de €18.445.142,34” (art. 4.º), se sustenta, em síntese, a preterição da audição prévia antes da prolação da decisão do recurso hierárquico (arts. 14.º a 32.º), a adequação do pedido de revisão oficiosa formulado pela verificação dos seus pressupostos (arts. 33.º a 78.º), a ilegalidade da decisão do recurso hierárquico e do pedido de revisão por erro quanto aos seus pressupostos relativamente à incorreta aplicação do regime da provisão para riscos gerais de crédito (arts. 79.º a 108.º), concluindo-se peticionando “como objeto imediato da presente ação, a anulação das decisões que recaíram sobre o Pedido de Revisão e sobre o consequente Recurso Hierárquico interposto e, bem assim, como objeto mediato da mesma, a anulação parcial do ato de liquidação de IRC (2003), reduzindo-se o lucro tributável pelo montante de €18.445.142,31 ” e indicando-se como valor da ação €5.533.542,70.

 

VIII. Ao abrigo do disposto do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15.10, em 18.12.2019 foi requerida a extinção da referida instância de impugnação judicial que correu termos sob o processo n.º .../10...BEPRT, para submissão da pretensão aí formulada à apreciação de tribunal arbitral tributário deste CAAD, conforme certidão judicial eletrónica do requerimento que consta do sistema de gestão processual do CAAD.

 

14. Não se descortina outra factualidade que assuma relevância para a presente decisão julgar como não provada. 

 

15. A convicção do Tribunal sobre os factos, ocorrências e elementos processuais dados como provados resultou do exame dos documentos carreados para os autos com a PI, constantes do PA ou patentes no sistema de gestão processual do CAAD, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.

 

II.2. Do Direito: da competência do Tribunal Arbitral

 

a) Competência da arbitragem tributária em razão do valor máximo dos litígios abrangidos

 

16. Em sede de apreciação da matéria suscitada pela Requerida sobre a incompetência deste Tribunal Arbitral, principia-se pela questão atinente à medida da jurisdição atribuída aos tribunais arbitrais organizados sob a égide do CAAD no que concerne ao valor máximo dos litígios abrangidos (vd. supra al. a) do n.º 6).

 

17. Antes de mais, recorde-se que este processo se encontra cometido à arbitragem tributária ao abrigo do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15.10, que, subordinado à epígrafe “Cometimento de processos tributários pendentes para a arbitragem”, previa o seguinte:

“1 - Os sujeitos passivos podem, até 31 de dezembro de 2019, submeter aos tribunais arbitrais tributários, dentro das respetivas competências, as pretensões que tenham formulado em processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais tributários, e que nestes tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2016, com dispensa de pagamento de custas processuais.

2 - As pretensões a submeter aos tribunais arbitrais devem coincidir com o pedido e a causa de pedir do processo a extinguir, apenas se admitindo a redução do pedido.

3 - O pedido de constituição de tribunal arbitral, a submeter ao Centro de Arbitragem Administrativa, é necessariamente acompanhado de certidão judicial eletrónica do requerimento apresentado para a extinção da instância judicial nos termos do presente artigo”.

Resulta, então, desta disposição que o cometimento à arbitragem tributária de pretensões que tenham sido formuladas em processo de impugnação judicial pendente de decisão em primeira instância nos tribunais tributários se tem de verificar no âmbito das competências dos tribunais arbitrais tributários organizados pelo CAAD – como se consigna no n.º 1 deste art. 11.º “dentro das respetivas competências”.

Deste modo, é naturalmente indispensável nestes processos provindos dos tribunais (estaduais) tributários, assim como sucede nos processos originariamente submetidos à arbitragem tributária, que se observem os critérios que, legal e regulamentarmente, delimitam a competência dos tribunais arbitrais tributários que funcionam sob a égide do CAAD.

 

 18. A este respeito, cabe ter presente, relativamente ao enquadramento normativo, que, para além da delimitação material das pretensões suscetíveis de submissão à arbitragem tributária que é estabelecida pelo n.º 1 do art. 2.º do RJAT, a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais, por força do previsto pelo art. 4.º, n.º 1 do RJAT, está na dependência de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

Em execução desse art. 4.º, n.º 1 foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22.3 (alterada pela Portaria n.º 287/2019, de 3.9), pela qual se procedeu à vinculação de serviços do Ministério das Finanças – presentemente, a Autoridade Tributária e Aduaneira – à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam, nos termos do RJAT, no CAAD, mediante a definição do âmbito e termos dessa vinculação “atendendo à especificidade e valor das matérias em causa” (para citar o preâmbulo desta Portaria).

Esta Portaria n.º 112-A/2011, dita Portaria de Vinculação – que ao constituir um mero regulamento de execução, não pode ir além do estabelecido na lei quanto ao âmbito de competência material dos tribunais arbitrais, mas pode estabelecer restrições quanto ao âmbito da vinculação à arbitragem tributária, nomeadamente por referência ao tipo de litígios e ao valor do processo – satisfaz, como se refere, inter alia, nos acórdãos arbitrais proferidos nos processos n.ºs 138/2019-T e 182/2019-T, “uma finalidade semelhante à que decorre do n.º 2 do artigo 187.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos para a arbitragem administrativa. Nos termos desta disposição, a partir do momento em que cada ministério assume, por portaria, a sua vinculação à jurisdição dos centros de arbitragem, ele fica vinculado a submeter-se a uma decisão arbitral, relativamente aos tipos de litígios compreendidos no âmbito da portaria. Trata-se de um instrumento colocado na livre disponibilidade dos ministérios, que são livres de assumirem, por portaria, a sua vontade de se submeterem à arbitragem dos centros institucionalizados relativamente a certos tipos de litígios e dentro de certos limites, sendo essa opção da Administração que confere aos interessados o direito potestativo de se dirigirem a um centro de arbitragem para dirimirem litígios que possam ser submetidos aos tribunais arbitrais”.

Justamente, no que importa para a resolução da questão aqui em apreciação, cabe destacar que a Portaria de Vinculação estabeleceu no n.º 1 do seu art. 3.º que: “A vinculação dos serviços e organismos referidos no artigo 1.º está limitada a litígios de valor não superior a € 10 000 000”, assim delimitando, em razão do valor do litígio, a competência dos tribunais arbitrais tributários.   

 

19. Constituindo, então, este art. 3.º, n.º 1 da Portaria de Vinculação o enunciado fulcral a apreciar para a definição in casu da competência deste Tribunal Arbitral, a sua adequada hermenêutica não prescinde da convocação do disposto no art. 97.º-A do CPPT, epigrafado “Valor da causa”, de que releva transcrever o teor do n.º 1, als. a) e b):

“1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:

a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;

b) Quando se impugne o ato de fixação da matéria coletável, o valor contestado (...)”.

 

20. Em face deste quadro normativo, para a Requerida, conforme acima retratado no n.º 6, al. a), é o montante que o Requerente considera estar incorretamente acrescido na matéria coletável que é a utilidade económica do pedido, pelo que o valor da causa corresponde, não ao montante de €5.533.542,70, que foi indicado como valor da ação, mas ao montante da matéria coletável que é impugnada no presente pedido de pronúncia arbitral, ou seja, €18.445.142,34, do que decorre a ultrapassagem do limite de € 10.000.000,00 estabelecido pelo art. 3.º, n.º 1 da Portaria de Vinculação, o que implica a incompetência do Tribunal em razão do valor da causa para apreciação do presente litígio.

Segundo o Requerente, conforme acima descrito no n.º 7, als. a) e b), o valor subjacente à presente ação é o valor da matéria tributável, não estando em discussão o ato de fixação da matéria coletável, pretendendo o Requerente ver anulado um montante correspondente a uma autoliquidação de imposto que, por referência ao exercício de 2003, não deu lugar ao pagamento de IRC apenas por não haver matéria coletável, devido à dedução de prejuízos fiscais, o que tem impacto nos exercícios posteriores pelo incremento da dedução de prejuízos fiscais. Para o Requerente, dado que o que é contestado no pedido de pronúncia arbitral é a matéria tributável apurada na sua autoliquidação, o que está a montante do apuramento do quantum da matéria coletável, que, no caso foi e será zero, a alínea b) do número 1 do artigo 97.º do CPPT não é aplicável, pelo que, para aferição do valor da causa relativamente a situação de impugnação da matéria tributável, ainda que em discussão no âmbito da impugnação de uma autoliquidação, deve-se recorrer à regra subsidiária, aplicável por força da al. c), do n.º 1 do art. 29.º do RJAT, do n.º 2 do art. 32.º do CPTA segundo a qual “[q]uando pela ação se pretenda obter um benefício diverso do pagamento de uma quantia, o valor da causa é a quantia equivalente a esse benefício”.

 

21. Deste modo, é fulcral proceder à fixação do valor processual da presente causa para efeitos da verificação da suscetibilidade da sua submissão à arbitragem tributária organizada no CAAD.

Pois bem, cabe salientar que esta questão da determinação do valor do processo para efeitos de aferir da competência de tribunais arbitrais tributários do CAAD em atenção aos “termos da vinculação” definida na Portaria n.º 112-A/2011, que restringe, no art. 3.º, n.º 1, essa competência aos litígios de valor não superior a €10.000.000, já foi objeto de apreciação na jurisprudência arbitral, designadamente no acórdão arbitral proferido no processo n.º 579/2018-T, assim como teve proficiente análise no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17.1.2019, proc. n.º 62/18.4BCLSB, tendo merecido mesmo, muito recentemente, exame minucioso no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.10.2020, proc. n.º 062/18.4BCLSB, proferido em recurso de revista excecional daquele acórdão do TCA Sul, em atenção à “relevância jurídica e social fundamental atendendo sobretudo aos seus possíveis efeitos no que concerne a limitação, em razão do valor, da competência material dos tribunais arbitrais em matéria tributária”.

Diga-se, então, ab ovo, que, para além do que sempre cumpriria observar tendo presente que incorre em vício de pronúncia indevida (cfr. art. 28.º, n.º 1, al. c) do RJAT) o acórdão de tribunal arbitral tributário do CAAD que se arrogue competência para causa cujo valor ultrapasse o limite previsto no art. 3.º, n.º 1 da Portaria de Vinculação, este Tribunal Arbitral acompanha globalmente a orientação, assumida por estes arestos, de que a referência ao valor dos litígios constante do referido artigo 3.°, n.º 1 reporta-se ao valor da causa tal como definido pelo artigo 97.°-A do CPPT, pelo que, quando não esteja em impugnação imposto liquidado a pagar, o valor atendível da impugnação da fixação da matéria coletável ou da matéria tributável (quando, em modo mais rigoroso ou apenas mais especioso dada a habitual sinonímia , se queira distinguir os conceitos, distinção que não se verifica no CPPT  - cfr. a al. b) do n.º 1 do art. 97.º em face da al. b) do n.º 1 do art. 97.º-A ) é, nos termos da alínea b) do n.º 1 do referido art. 97.º-A,  o valor dos montantes contestados, não sendo possível configurar, por aplicação de uma taxa de IRC, um valor hipotético de liquidação.

Exponham-se, mais de pormenor, as razões que justificam a adequação jurídico-normativa desta solução.

 

22. Antes de mais, esclareça-se, muito embora o ponto não seja discutido pelas partes, que, para a determinação do valor da causa para efeitos da aferição da competência do tribunal arbitral em atenção ao art. 3.º, n.º 1 da Portaria de Vinculação, não é pertinente o art. 3.º, n.ºs 2 e 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, pois, tal como facultado pelo art. 12.º, n.º 1 do RJAT, este Regulamento, nos termos do seu art. 1.º, limita-se, no seu “objecto e âmbito”, a “estabelece[r] as taxas de arbitragem aplicáveis nos processos arbitrais em matéria tributária organizados no âmbito do CAAD”. Assim, como se nota no acórdão proferido no processo arbitral tributário n.º 579/2018-T, este “Regulamento em tudo o que esteja para além do estabelecimento da taxa de arbitragem, ou seja, das custas do processo arbitral (cfr. artigos 1.º e 2.º do Regulamento e 12.º, n.º 1, do RJAT), não tem norma habilitante para regular o  valor da causa dos litígios sujeitos à jurisdição arbitral e entra em contradição com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea b), do CPPT, que é subsidiariamente aplicável, por efeito do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, na ausência de disposições específicas, nesse diploma, sobre o valor da causa”. Do mesmo modo, já o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17.1.2019, proc. n.º 62/18.4BCLSB afirmara certeiramente que “para efeitos do valor da causa do processo arbitral tributário é irrelevante o regime constante do Regulamento de Custas em Matéria Tributária. O que releva são as normas de processo tributário, relativas à determinação do valor da causa, para as quais remete o artigo 29.º do RJAT, que prevê a aplicação subsidiária das “normas de natureza procedimental ou processual dos códigos e demais normas tributárias” (artigo 29.º do RJAT)”, pelo que “o valor da causa é determinado segundo os critérios plasmados no artigo 97.º-A, do CPPT”.

O disposto no art. 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária vale, então, estritamente para o seu domínio próprio, abaixo enfrentado: a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas conforme previsto no art. 22.º, n.º 4 do RJAT.

 

23. Deste modo, como acima antecipado (n.º 19), é a disposição do art. 97.º-A, n.º 1 do CPPT, nas suas alíneas a) e b), que se tem de ponderar, no que aqui importa, para a aplicação do art. 3.º, n.º 1 da Portaria de Vinculação relativamente ao limite máximo da vinculação à jurisdição arbitral organizada pelo CAAD.

Recuperando a análise desenvolvida no acórdão proferido no processo n.º 579/2018-T sobre os critérios objetivos de determinação do valor da causa estabelecidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT, diga-se que “é possível discernir que a primeira hipótese, a da alínea a), se aplica às situações em que esteja em causa a ilegalidade de uma liquidação, caso em que o valor da causa corresponde ao valor da liquidação ou ao valor da parte impugnada, e que pressupõe, por conseguinte, que, na sequência da fixação da matéria coletável, haja imposto liquidado. A segunda hipótese, a da alínea b), reporta-se aos casos em que são impugnados atos de fixação da matéria tributável sem liquidação de imposto, caso em que o valor da causa é o valor contestado, ou seja, é o próprio valor da correção à matéria coletável que tenha sido fixada pela Administração Tributária”. Deste modo, no “caso da alínea a), a utilidade económica do pedido corresponde ao montante de imposto impugnado e já liquidado, ou seja, a quantia certa e líquida que na procedência da impugnação o sujeito passivo deixará de pagar ou lhe será devolvida. Ao passo que no caso da alínea b), o legislador pretendeu consagrar como valor da causa uma realidade com expressão monetária que possa ter-se como indiscutível: o valor contestado da matéria tributável”.

A configuração destes diferentes critérios para a fixação dos “valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei”, tem justificação bastante em razão da exigência de atribuir um valor certo ao processo na base da utilidade económica imediata do pedido (cfr. art. 296.º, n.º 1 do CPC), pois, como se referencia no citado acórdão do processo n.º 579/2018-T: “Se na hipótese da alínea a) está em causa a impugnação de uma liquidação vigente na ordem jurídica e que se baseia em factos tributários concretos, assim se compreendendo que a utilidade económica imediata do pedido se traduza no montante da liquidação a que  se pretende obstar, no caso da alínea b) a determinação do valor da causa por referência ao imposto que deixaria de ser cobrado com a procedência da ação - por analogia com o critério estabelecido para o caso em que tenha sido liquidado imposto - corresponderia a uma presuntiva liquidação futura baseada em factos tributários eventuais e incertos. Basta notar - como resulta do disposto no artigo 52.º do Código do IRC - que, havendo prejuízos fiscais apurados num determinado período de tributação, o regime de reporte mediante a dedução nos lucros tributáveis em períodos posteriores está sujeito a limites quantitativos e temporais que dificultam ou inviabilizam a mensuração do benefício ou utilidade económica que poderá resultar da anulação da correção à matéria tributável. (...) Assim sendo, nas situações em que a matéria tributável for negativa, torna-se inviável a determinação da utilidade económica do litígio por referência ao imposto que deixa de ser cobrado, pois que os prejuízos apurados poderão nunca ser relevantes para a prática de qualquer ato de liquidação, que sempre dependerá de, em algum ou alguns dos períodos de tributação em que for admissível fazer o reporte dos prejuízos, vir a ser apurado lucro tributável e não existirem prejuízos referentes a períodos de tributação anteriores que excedam esse lucro tributável. Além de que a medida dessa relevância depende também da taxa aplicável em IRC, que poderá ser diversa da que vigorava nos anos em que ocorreram os prejuízos fiscais, e encontra-se conexionada com outros tributos, como é o caso da derrama municipal e da derrama estadual, e quaisquer outros que venham a ser fixados ulteriormente por razões de política legislativa”.

Deste modo, em face dos dados do Direito Positivo, há que rejeitar a ideia de que, quando esteja em causa a fixação da matéria tributável sem que haja lugar a liquidação de imposto, o valor da causa, correspondendo à utilidade económica do pedido, equivale ao imposto que hipoteticamente deixaria de ser cobrado por força da alteração da matéria coletável que tenha sido contestada, configurado mediante a aplicação de uma qualquer taxa à matéria coletável.

Antes, impõe-se considerar, atento o disposto na al. b) do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT, que, como se escreve no acórdão do processo n.º 579/2018-T, o “hipotético montante do imposto que o sujeito passivo deixaria de pagar no futuro não corresponde ao benefício económico que possa imediatamente retirar da anulação da correção da matéria tributável, em caso de procedência do pedido arbitral, e, pelo contrário, a utilidade económica imediata do pedido só pode ser aferida pelo valor das correções que tenham sido  impugnadas, na medida em que é a vantagem resultante da declaração de ilegalidade do ato tributário consistente na fixação da matéria tributável que passa a integrar a esfera jurídica do sujeito passivo, e é a essa vantagem a que pode ser atribuído um valor certo (correspondente à matéria coletável impugnada) que pode servir de base para a determinação do valor da causa”.

Já era esta a lição do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17.1.2019, proc. n.º 62/18.4BCLSB, como se retira das seguintes razões que foram condensadas nos pontos do respetivo sumário que se transcrevem:

- “Quando é unicamente impugnado o valor das correções à matéria coletável, a utilidade económica do pedido, e por consequência, o valor da causa, não equivale ao montante de imposto que o impugna[nte] poderá hipoteticamente deixar de pagar com a procedência da impugnação, porque tal montante apenas representa uma utilidade económica futura e hipotética, dado que a posterior utilização, para efeitos fiscais, dos montantes corrigidos está dependente da produção de factos e circunstâncias contingentes, imprevisíveis e incertas por natureza”.

- “A utilidade económica imediata, neste caso, corresponde ao valor das correções impugnadas, o qual passa a integrar imediatamente a esfera de direitos do contribuinte se este obtiver ganho de causa, sendo este o valor da causa”.

- “Nesta situação o valor da causa não corresponde ao montante que o requerente deixará de pagar no futuro a título de IRC, por aplicação de uma taxa de 23%”.

Este acórdão bem nota, na verdade, que, nestes casos, “o que se pretende evitar é que as correções não permaneçam na ordem jurídica, com o fito do respetivo montante poder, eventualmente, ser fiscalmente usado a favor do impugnado no futuro, diminuindo o lucro tributável e evitando assim o pagamento do imposto correspondente ao seu valor. Por conseguinte, a utilidade económica que resulta da anulação das correções não é imediata. Donde, a utilidade económica imediata só poder ser aferida pelo valor das correções impugnadas, na medida em que o prejuízo que as mesmas representam passa a integrar imediatamente o leque de direitos do impugna[nte] se este obtiver ganho de causa. Dito de outro modo, a utilidade económica imediata não é nem pode ser o hipotético valor do imposto futuro, que nem se sabe se vai ser liquidado”. Por isso, conclui-se que “para resolver o problema do valor da causa relativo a impugnações da matéria coletável em que não haja imposto a pagar ou em que a liquidação (do imposto) não seja impugnada (...) deve aplicar-se a b), do artigo 97.º-A, do CPPT e não (...) a alínea a)”, e como esta alínea b) “impõe que a determinação do valor da causa se faça segundo o critério objetivo nela consagrado, fica arredada a possibilidade dessa determinação ser feita em função de um critério subjetivo na disponibilidade do contribuinte”.

 

24. Convoque-se também especificamente o mencionado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.10.2020, proc. n.º 062/18.4BCLSB que apreciou, em detalhe, a questão de saber “se quando é impugnado um ato tributário de liquidação ou se peticiona a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, que não apuram imposto a pagar na decorrência das correções à matéria tributável que são controvertidas, o valor da causa deve corresponder ao valor das correções contestadas nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT (...) ou se (...) deve fazer-se apelo ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, conjugado com o disposto nos artigos 296.º e 297.º do CPC e nos artigos 31.º e 32.º do CPTA, e considerar-se como “importância cuja anulação se pretende” o montante do imposto que se deixará previsivelmente de pagar nos exercícios seguintes”.

Pois bem, neste aresto firmou-se a seguinte orientação, genericamente aplicável à situação dos presentes autos, que, por isso, importa respeitar:

“o critério contemplado na alínea a) do nº 1 do artigo 97º-A do CPPT pressupõe que da fixação da matéria tributável resulte imposto a pagar, de jeito a poder determinar-se a importância que se pretende ver anulada, o que não é cotejável com a situação dos autos.

É que, o que se questionavam no processo arbitral eram as correções feitas à matéria coletável que não se refletiram em qualquer imposto a pagar, pois apenas relevaram no plano dos prejuízos fiscais, diminuindo o valor dos mesmos a reportar.

Por assim ser, (...) a utilidade económica do pedido não é aferível pelo valor que a recorrente encontrou mediante a aplicação de uma taxa ao montante das correções impugnadas o qual sempre seria meramente hipotético porquanto não corresponde efetivamente a uma qualquer liquidação que lhe venha a ser efetuada no futuro, uma vez que as correções que lhe foram efetuadas apenas tiveram reflexo na diminuição dos prejuízos fiscais declarados e eventualmente a reportar que podem, ou não, ser utilizados nos próximos anos/exercícios.

De resto, é por demais evidente que os prejuízos apurados até poderão nunca vir a ser relevantes para a prática de qualquer ato de liquidação, ficando a sua eventual relevância dependente de em algum ou alguns dos períodos de tributação em que for legalmente admissível fazer o reporte dos prejuízos vir a ser apurado lucro tributável sem recurso a métodos indiretos e não existirem prejuízos referentes a outros períodos de tributação anteriores que excedam esse lucro tributável (cfr. artigo 52.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CIRC).

Não subsistem, pois, quaisquer dúvidas de que na situação em que o contribuinte vem impugnar as correções que lhe foram efetivadas e que não deram origem a qualquer liquidação de imposto deve ser aplicada a al. b) do nº 1 do art. 97º-A do CPPT, dado que é o valor das correções impugnadas que vem contestado.

Significa o antedito que estava vedado ao Tribunal Arbitral fixar um valor da causa que é simplesmente imaginário por corresponder ao valor de uma hipotética liquidação encontrada pela aplicação da taxa de IRC ao valor das correções.

Isso traz implicado que o RJAT não congloba um critério de determinação do valor dos litígios visando os casos de pedidos de declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável, por não ser possível confinar a utilidade económica desses pedidos, sendo forçoso concluir que a menção ao valor dos litígios que é feita no artigo 3.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 visou conformar o valor dos litígios segundo as regras constantes do CPPT, mormente a ínsita na al. b) do art. 97º-A do CPPT da qual resulta que a atribuição ao valor da causa corresponde ao das correções impugnadas”.

“Destarte, estabelecendo o artigo 97º-A do CPPT uma norma específica que indica o critério de determinação do valor da ação nos casos em que é contestado o ato de fixação da matéria coletável, não pode o julgador recorrer-se de outros critérios previstos noutros normativos em que está em causa a impugnação de outros atos, sob pena de violação flagrante das normas e princípios relativos à interpretação das normas consagrados no artigo 9º do Código Civil”.

 

25. Nesta sequência, cabe referir que não pode acolher-se a tese do Requerente da falta de previsão específica no CPPT para a fixação do valor da causa nos casos de impugnação da matéria tributável, que conduziria à aplicação da regra constante do art. 32.º, n.º 2 do CPTA – como se refere certeiramente no já várias vezes mencionado acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17.1.2019, proc. n.º 62/18.4BCLSB, “o quadro normativo enunciado fornece uma solução razoável que dispensa a convocação do artigo 32.º do CPTA na colmatação de uma inexistente lacuna”.

Em suma, ainda e sempre, para estes casos em que a fixação da matéria tributável não deu origem a qualquer liquidação de imposto, deve ser aplicada a al. b) do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT. Aliás, como bem se consigna no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, a acolher-se aquela tese, “a alínea b) do artigo 97º-A do CPPT simplesmente ficaria esvaziada na sua aplicação, uma vez que não se vislumbra que outras situações poderia o legislador ter em mente que não sejam as similares à dos autos, ou seja, aqueles casos em que do ato de liquidação não resulta imposto a pagar”.

 

26. A exposição realizada conduz à necessária conclusão de que, para os efeitos do art. 3.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 e da limitação, aí estabelecida, da vinculação à jurisdição arbitral dos serviços e organismos da Administração Tributária a litígios de valor não superior a €10.000.000, se deve recorrer, em conformidade com a determinação do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT sobre a subsidiariedade das disposições do CPPT, aos critérios expressos para a determinação do valor da causa, especificamente, sempre que não seja possível fixar o valor da causa por referência ao imposto liquidado (al. a) do art. 97.º-A), ao valor contestado no tocante à matéria coletável ou tributável (al. b) do art. 97.º-A).

Em consequência, quando se impugna a fixação da matéria coletável ou tributável que não consequenciou liquidação de imposto a pagar, como não é possível apurar um resultado seguro mediante uma liquidação hipotética incidente sobre essa matéria coletável, atenta a sua dependência de fatores incertos, a fixação do valor da causa e da utilidade económica do pedido (art. 10.º, n.º 2, al. e) do RJAT) tem como critério o valor contestado da matéria coletável.

 

b) aplicação aos autos

 

27. Isto posto, veja-se agora o caso dos autos, tendo presente que o Requerente indica como “Valor da ação: € 5.533.542,70”, mas referencia simultaneamente que “foi indevidamente acrescido na declaração Modelo 22 de IRC o valor de € 18.445.142,34” (cfr. supra n.ºs 1 e 5), conforme o seguinte quadro:

 ,

sustentando, pois, que “para efeitos do apuramento do seu lucro tributável referente ao exercício de 2003, apenas deveria ter procedido (por referência ao regime geral) ao acréscimo de € 25.924.990,11 e à dedução da transferência no montante de € 1.551.706,46, referente à transferência tributada”, pelo que do “erro descrito resultou uma errónea quantificação do lucro tributável do Requerente no montante de € 18.445.142,3[4]” (arts. 105.º, 106.º e 107.º da PI).

Como está fácil de ver, e o Requerente explicita no seu requerimento de 9.9.2020 (vd. supra n.º 7, al. b)) a indicação do valor de € 5.533.542,70 corresponde à aplicação da taxa de IRC vigente em 2003 (30%) à matéria tributável de €18.445.142,34, sendo este último o valor apurado na autoliquidação de IRC, da qual não resultou imposto liquidado a pagar, que o Requerente contesta e em relação ao qual pretende, como objeto mediato da presente ação, “a anulação parcial do ato de liquidação de IRC (2003), reduzindo-se o lucro tributável pelo montante de € 18.445.142,3[4], tudo com as legais consequências”.

Não será aqui, julga-se, de conceder relevância à circunstância de a eventual procedência da ação se poder repercutir em imposto devido pela Requerente em anos subsequentes, designadamente no exercício de 2015, porquanto, desde logo, o objeto da presente ação arbitral é o ato de fixação/apuramento da matéria tributável/coletável, e é por referência a tal ato que devem ser aplicadas as normas legais, nos termos anteriormente expostos, aplicáveis à determinação do valor do litígio.

 

28. Pois bem, como da fixação da matéria tributável não resultou o apuramento de imposto a pagar, de harmonia com o art. 97.º-A, n.º 1, al. b) do CPPT, é aquele montante contestado do lucro tributável de €18.445.142,34, correspondente ao alegado acréscimo, em excesso, da provisão para riscos gerais de crédito, que constitui o valor da causa, o qual ultrapassa o limite máximo de €10.000.000,00 estabelecido pelo art. 3.º, n.º 1 da Portaria n.º 112-A/2011 para a vinculação da AT à arbitragem tributária organizada pelo CAAD e, correspondentemente, o âmbito de competência dos tribunais arbitrais tributários, estando, pois, o litígio reservado à jurisdição dos tribunais (estaduais) tributários.

Desta forma, há que decidir que, em conformidade com o disposto nos arts. 102.º, 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, al. a) do CPC, aplicáveis por força da al. e) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT, este Tribunal Arbitral é incompetente em razão do valor da causa para a apreciação do litígio.

 

II.3. Questões prejudicadas

 

29. Em face da verificação, acima realizada, da incompetência do Tribunal Arbitral em razão do valor da causa, fica, consequentemente, nos termos do art. 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT, prejudicada a apreciação das demais questões, excetivas, de mérito ou incidentais, suscitadas nos autos, incluindo a admissibilidade, designadamente em atenção ao prescrito no n.º 2 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15.10 (vd. supra n.º 17), da ampliação do pedido (valor da causa) para €5.761.103,55, peticionada pelo Requerente no seu requerimento de 9.9.2020 (vd. supra n.º 8).

 

III. Decisão

 

Termos em que se decide, atento o disposto no art. 3.º, n.º 1 da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.3 e do artigo 97.º-A, n.º 1, al. b) do CPPT, declarar a incompetência do Tribunal em razão do valor da causa e, em consequência, absolver a Requerida da instância.

 

IV. Valor do processo para efeitos de custas

 

De harmonia com o disposto no n.º 3 do art. 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, que estabelece que o valor da causa nos casos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT é o da liquidação a que o sujeito passivo, no todo ou em parte, pretenda obstar, fixa-se ao processo o valor de €5.533.542,70 (cinco milhões quinhentos e trinta e três mil quinhentos e quarenta e dois euros e setenta cêntimos), que corresponde ao valor originário a esse respeito indicado pelo Requerente no pedido de pronúncia arbitral.

 

V. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 69.462,00, de harmonia com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente, dada a absolvição da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de Novembro de 2020.

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro vogal

(Eduardo Paz Ferreira)

 

O Árbitro vogal

(João Menezes Leitão)