Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 777/2019-T
Data da decisão: 2020-04-08  ISV  
Valor do pedido: € 23.260,55
Tema: Imposto Sobre Veículos – ausência da componente ambiental na tributação de veículos importados no estado de usados – Decisão de Reenvio Prejudicial (anexa à decisão).
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

1.            Elementos gerais do processo

 

A..., casado, com a morada na ..., Lisboa, portador do cartão de cidadão número ..., válido até 31 de Outubro de 2028, e do número de identificação fiscal..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para declaração de ilegalidade de atos de liquidação n.º 2019/...e n.º 2019/..., praticados pelo Diretor da Alfândega do Jardim do Tabaco. Os atos são resultantes da apresentação da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2019/... de 16.09.2019 referem-se ao Imposto Sobre Veículos (ISV) aplicado à operação de importação do veículo ligeiro de passageiros ..., matriculado na Alemanha com a matrícula alemã ... e com a matrícula nacional ..., número do quadro ... .

2.            Posição do Requerente

O Requerente alicerça o seu pedido de pronúncia arbitral em vício de ilegalidade das liquidações no que respeita ao cálculo da componente ambiental, por entender que a AT não contemplou a dedução na determinação do quantum referente àquela componente, quando deveria ter considerado a dedução no cálculo de ambas as componentes, cilindrada e ambiental. O Requerente fundamenta a sua posição, genericamente, na decisão proferida pelo CAAD no âmbito do Processo n.º 572/2018-T, de 30.04.2019.

Em consequência da procedência da impugnação, pede a restituição da quantia de € 3.124,98, acrescida de juros indemnizatórios.

3.            Posição da Requerida

Notificada para contestar, a AT apresentou a sua Resposta, onde sustenta a improcedência do pedido.

Começa por referir, relativamente ao valor da causa, que o Requerente não atribui valor à causa e não obstante o pedido arbitral se refira a ato de liquidação cujo montante total é de € 23.260,55, sendo peticionada a anulação parcial da liquidação e consequente restituição parcial no valor de € 3.124,98, deverá ser este o valor a atender para este efeito nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

Em segundo lugar, afirma não existirem dúvidas de que o ora Requerente é sujeito passivo do imposto, que, no caso concreto, procedeu à admissão do veículo em questão no território nacional, tendo processado a DAV respetiva através do sistema eletrónico, com vista à regularização fiscal, de acordo com os procedimentos que se encontram estabelecidos, dando lugar, na sequência da apresentação da declaração supra identificada, à liquidação do imposto de acordo com o direito constituído, atualmente em vigor, em conformidade também com o estatuído no n.º 3 do artigo 103.º da CRP .

Tratando-se de um veículo usado, encontra-se sujeito à taxa de imposto aplicável na introdução no consumo, que é a que resulta da aplicação dos artigos 7.º, n.º 1, alínea a) e 11.º do CISV.

Tratando-se de veículo ligeiro de passageiros, usado, movidos a gasóleo, com emissão de gases CO2 indicado na respetiva DAV, os serviços aduaneiros efetuaram o cálculo do imposto devido, por aplicação da tabela A prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea a), recorrendo igualmente à aplicação da redução por anos de uso prevista na tabela D no n.º 1 do artigo 11º do CISV para a componente cilindrada.

O Requerente não põe em causa a liquidação, que foi efetuada de acordo com a lei em vigor, o artigo 11.º, na sua atual redação, que lhe foi dada pelo artigo 217.º da Lei n.º 42/2016, de 28.12.2016, diploma que aprovou o Orçamento de Estado para 2017, mas a conformidade daquele preceito com o artigo 110.º do TFUE.

Sobre a questão concretamente colocada pelo Requerente, entende a AT que não pode estabelecer-se uma equiparação entre a componente cilindrada e a componente ambiental, nem, por isso, consequentemente, ver-lhe aplicados os mesmos critérios, até porque no caso da vertente ambiental, as razões que lhe estão subjacentes não coincidem com as que determinam a tributação que atende à cilindrada do veículo.

Face ao previsto no n.º 1, do artigo 11.º do CISV, constata-se que o legislador teve em consideração que a componente ambiental representa o custo do impacto ambiental, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 11.º do CISV, também suportada pelos veículos novos, devendo a mesma ser entendida como um montante que os sujeitos passivos pagam ao Estado, destinado a compensar os efeitos nefastos que o veículo automóvel causa ao ambiente, sendo que esse montante é progressivo em função das emissões de dióxido de carbono.

Isto porque, quanto maior for o nível de emissões de dióxido de carbono do veículo, maior será o montante de imposto relativo à componente ambiental, no estrito cumprimento do princípio do poluidor pagador, como já se aludiu, estando esta filosofia do imposto em conformidade com o referido princípio da equivalência, consagrado no artigo 1.º do Código do Imposto Sobre Veículos.

Pelo que, em nome da unidade e da coerência do modelo de tributação automóvel vigente em Portugal, a não aplicação da totalidade da componente ambiental aos veículos usados violaria os princípios suprarreferidos, tornando-se fonte de graves injustiças, já que beneficiaria claramente os veículos usados em detrimento dos novos, sem que, para tal, se encontrem razões válidas.

Em suma, destinando-se a componente ambiental a compensar os efeitos nefastos de qualquer redução em função da depreciação comercial ou dos anos de uso do automóvel, dado que o potencial poluidor do automóvel não diminui com a sua idade, muito pelo contrário, agrava-se, como é do conhecimento comum, a mesma não deve ser objeto de qualquer redução pois representa o “custo de impacte ambiental”, sendo o seu objetivo orientar a escolha dos consumidores para uma maior seletividade na compra dos automóveis, em função do seu grau poluidor.

No que concerne aos automóveis usados, não existem dúvidas que, quanto mais antigos, mais poluentes se tornam, e maiores serão as consequências nefastas para o meio ambiente, pretendendo-se orientar os consumidores na escolha de veículos com menores emissões de dióxido de carbono.

Assim, a interpretação do disposto no artigo 110.º do TFUE não poderá deixar de ter em consideração os objetivos ambientais acima referidos, sob pena de se gerarem incoerências insustentáveis entre a política fiscal e a política ambiental.

O pagamento da componente ambiental na totalidade não tem, pois, em vista restringir a entrada de veículos usados em Portugal, mas tão somente selecionar essa entrada, mediante a aplicação de critérios exclusivamente ambientais, não estando em causa a proteção da produção nacional, mas a proteção do ambiente, património do mundo e do qual depende a sobrevivência da espécie humana.

O modelo de fiscalidade automóvel vigente em Portugal está em perfeita sintonia com o disposto no artigo 191.º, n.º 2 do TFUE, na medida em que a tributação das emissões de dióxido de carbono nos veículos novos e usados pode entender-se como uma ação preventiva, destinada a evitar a degradação do ambiente, sujeitando os consumidores ao pagamento de um montante de imposto que depende do grau poluidor do automóvel, no estrito cumprimento do princípio do poluidor–pagador.

A aplicação do disposto no artigo 11.º do CISV não obsta à admissão de veículos usados em território nacional, nem tampouco visa impedir a realização de negócios jurídicos de compra e venda de veículos automóveis pois são processadas, diariamente, inúmeras declarações aduaneiras de veículos (DAV), de regularização fiscal de veículos em território nacional, provenientes de outros Estados-membros.

A componente ambiental do ISV existe para compensar um conjunto vasto de emissões poluentes dos veículos, incluindo o dióxido de carbono (CO2), o monóxido de carbono (CO), o óxido de azoto (NOx), hidrocarbonetos (HC), partículas (PM), hidrofluorocarboneto 134ª (HFC-134ª), metano (CH4), e protóxido de azoto (N2O).

Em suma, não se trata de criar nenhum obstáculo ao regular funcionamento do mercado único, mas sim de respeitar os compromissos nacionais e internacionais assumidos pelo Estado Português em matéria de defesa do ambiente, bem como pelos Estados-Membros, no acordo de Paris sobre as alterações climáticas, designadamente a neutralidade carbónica em 2050.

Assim, atribuir a mesma percentagem à componente ambiental que é aplicada à componente cilindrada resulta num verdadeiro contrassenso, atenta a natureza diferente daquelas componentes, equivalendo a defender que, não obstante os veículos sejam mais velhos e emitam mais agentes poluentes, devem ter uma redução, que até é progressiva, em função dos anos, e que, consequentemente, apesar de mais poluentes, pagam menos imposto. Tal interpretação deve considerar-se inconstitucional face ao disposto no n.º 2 do artigo 103.º da CRP. A mesma interpretação levaria ainda à violação do disposto nas alíneas f) e h) do n.º 2 do artigo 66.º da Constituição, onde se prevê que incumbe ao Estado assegurar o direito ao ambiente, a obrigação de prevenir e controlar a poluição e seus efeitos, promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito setorial, bem como assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida. Do mesmo modo, é incompatível com os princípios relativos à tributação do consumo, que visam adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo, conforme o consagrado no n.º 4 do artigo 104.º da CRP.

A Requerida sustenta ainda que exigir da administração fiscal a desaplicação da lei vigente implicaria, da parte desta, uma violação do disposto no artigo 266.º, n.º 2 da CRP.

Por outro lado, advoga ainda a violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva na medida em que, tendo o Requerente recorrido à arbitragem tributária para impugnar a liquidação, a administração encontra-se coartada no seu direito de reação face aos limitados meios de recurso perante a prolação de uma decisão arbitral desfavorável, em geral e, concretamente, quanto ao recurso de decisão que desaplica norma nacional com fundamento em violação de princípio de direito da União Europeia. Porque em sede arbitral não existe o clássico recurso de direito e de facto, em princípio a interpor para o Tribunal Central Administrativo competente, dado que as partes envolvidas, neste ponto específico, expressamente renunciaram ao auxílio dos Tribunais superiores, defendendo o Requerente a violação de um princípio do TFUE no caso concreto, e prevendo o RJAT que o recurso para o Tribunal Constitucional só pode ter como fundamento as alíneas a) e b) do artigo 70.º da Lei do TC, entende a AT que, a vingar tal interpretação, estamos perante uma violação do princípio do livre acesso aos tribunais.

Acrescenta ainda que a interpretação pugnada pelo Requerente configura uma desaplicação do direito internacional, mais precisamente do artigo 191.º do TFUE, do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris – que vincula o Estado Português, por força do artigo 8.º da CRP, bem como uma violação do disposto no n.º 1, e alíneas a), f) e h), do n.º 2, do artigo 66.º e do n.º 2 do artigo 103.º da CRP.

Finaliza, relativamente ao pedido de juros indemnizatórios, defendendo que este pressupõe que se apure a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido, o que não aconteceu no caso concreto na medida em que a liquidação em causa nos presentes autos decorreu exclusivamente da aplicação da lei em vigor, tendo aquela sido efetuada nos termos das normas aplicáveis, previstas no CISV, que determinam a exigibilidade e consequente liquidação do imposto e que, estando a AT e os seus órgãos, vinculados, na sua atuação, ao princípio da legalidade, a Requerida AT agiu sempre em obediência àquele e em conformidade com o direito em vigor, não podendo ter agido de modo diverso, não devendo, consequentemente, ser-lhe atribuído qualquer erro que lhe seja imputável, nos termos do artigo 43.º da LGT.

4. Decurso do processo

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 10 de fevereiro de 2020.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e ordenada a notificação das partes para, caso pretendessem, produzirem alegações. A Requerente não apresentou alegações e a Requerida manteve o que havia alegado na sua Resposta.

 

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

1.            Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

A)           No dia 23 de Agosto de 2019, o Requerente apresentou, por transmissão eletrónica de dados, a Declaração Aduaneira de Veículo para introdução no consumo do veículo ligeiro de passageiros, da marca ..., modelo ..., movido a gasóleo, número do quadro ..., cilindrada 2993cc3, emissão de partículas 0,0001 g/Km, emissão de gases CO2 189g/Km, com a matrícula definitiva ... proveniente da Alemanha, com 16.695 km percorridos.

B)           Tendo em consideração a data da primeira matrícula no país de origem, foi o veículo em questão considerado como um veículo com mais de um ano de uso (e até dois anos), para efeitos dos escalões da Tabela D, prevista no n.º 1, do artigo 11.º do Código do ISV, ao qual corresponde uma percentagem de redução de 20%.

C)           Na sequência da apresentação da DAV, foi o Requerente notificado do pagamento do ISV, ao abrigo da qual se fixava o dia 6 de Setembro de 2019 como data limite para o pagamento voluntário do imposto liquidado.

D)           No Quadro R da DAV, relativo ao cálculo do ISV, foi efetuado o cálculo deste imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, com recurso à aplicação da tabela aplicável aos veículos ligeiros de passageiros (Tabela A), pelo valor total de € 23.260,55.

E)            Do valor total de imposto, € 9.544,58 são relativos à componente cilindrada e € 15.624,89 são relativos à componente ambiental.

F)            No que diz respeito à componente cilindrada, foi calculada a quantia correspondente a 20% do seu montante, no total de € 1.908,92, aplicável em virtude da redução resultante do número de anos do veículo, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no nº 1 do artigo 11º do Código do ISV aplicável aos veículos usados.

G)           No Quadro E da DAV, atinente às características do veículo, consta, na casa 50, relativa à Emissão de Gases CO2, o valor de 189g/Km emitidos pelo veículo.

H)           Relativamente ao montante de € 15.624,89, respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental, não foi aplicada qualquer percentagem de dedução.

I)             As liquidações do imposto relativas ao veículo identificado na DAV foram efetuadas na data indicada nos Quadros T e V da declaração (23.08.2019), constando desta, igualmente, a identificação da liquidação e data, o montante e termo final do prazo de pagamento, bem como a identificação do autor do ato.

J)            A liquidação de imposto foi efetuada de acordo com as normas ínsitas nos artigos 7.º, n.º 1, alínea a) e 11.º, n.º 1 e n.º 3.º do CISV, em vigor.

K)           O Requerente foi notificado da liquidação n.º 2019/... e da liquidação n.º 2019/..., de 23 de Agosto de 2019, relativas ao montante de ISV liquidado pela Alfândega de Jardim do Tabaco, no valor total de € 23.260,55, tendo o Requerente pago a totalidade do imposto dentro do prazo estipulado.

 

2.            Factos não provados

 

Não existem factos relevantes para a causa que não tenham sido considerados provados.

 

3.            Fundamentação da matéria de facto considerada provada e não provada

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e constantes do processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e na alegação de factos não questionados.

 

II. Matéria de direito

 

A questão que se coloca perante o Tribunal neste processo diz respeito à legalidade da liquidação de ISV efetuada ao Requerente na sequência da introdução no consumo do veículo identificado na matéria dada como provada.

 

De acordo com o Requerente, a liquidação está ferida de um vício de ilegalidade, no que concerne ao cálculo da componente ambiental, por não ter sido aplicada qualquer redução em virtude de anos de uso. Em seu entender, a não aplicação da redução constitui uma violação do artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), de acordo com o qual “Nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros, imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares. Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indiretamente outras produções.”

 

Para o Requerente, a aplicação do ISV nos termos em que ocorreu implica uma violação da liberdade de circulação de mercadorias entre Estados membros da UE.

 

O ISV tem por base as componentes referentes aos centímetros cúbicos por cilindrada (cm3) (componente cilindrada) e aos gramas de CO2 por quilómetro (componente ambiental), às quais são aplicadas as taxas previstas nos artigos 7.º a 11.º do CISV. Estas taxas não incidem sobre o valor do automóvel, tendo antes por base os centímetros cúbicos por cilindrada (cm3) (componente cilindrada) e os gramas de CO2 por quilómetro (componente ambiental), permitindo-se, através desta, uma tributação progressiva em função do nível de CO2g/km.

 

Nos termos o n.º 1 do artigo 11.º do Código do ISV “o imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional (…)”.

 

Nota o Requerente que, na redação do n.º 1 do artigo 11.º do Código do ISV, aplicado na liquidação do ISV em causa nos presentes autos, está especificamente excluída a redução por depreciação da componente ambiental e que, ao não prever esta redução, à luz da jurisprudência referida, o montante do ISV calculado excede o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados matriculados no território nacional. Em consequência, os veículos importados sofrem de uma carga fiscal mais elevada, resultando numa clara discriminação de veículos importados dos outros estados-membros da UE, em violação do artigo 110.º do TFUE.

 

Refere ainda a jurisprudência do TJUE segundo a qual “este artigo (110º do TFUE) é violado sempre que a imposição que incide sobre o artigo importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculados de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam (…) a uma imposição superior do produto importado (…)”, sendo que “(…) um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares, disponíveis no mercado nacional (…)” .

 

Conclui o Requerente que o ISV liquidado com base nas normas do Código do ISV em vigor à data da DAV, com redução por amortização da componente da cilindrada, mas sem redução por amortização da componente ambiental do imposto, ultrapassa o montante do ISV contido no valor residual dos veículos usados similares, matriculados no território nacional. Aliás, a amortização dos veículos matriculados no território nacional é aplicada à totalidade do custo de aquisição dos mesmos, sem distinção de quaisquer componentes do custo na aplicação de redução por amortização. Com efeito, o ISV incidente sobre o veículo importado dos Estados-Membros da UE resulta numa imposição superior sobre estes veículos, que constitui, na opinião do Requerente, uma inequívoca violação do Direito Europeu. Adicionalmente, refere ainda que a Comissão Europeia iniciou o procedimento de infração contra Portugal porque “considera que a legislação portuguesa não é compatível com o artigo 110.º do TFUE, na medida em que os veículos usados importados de outros Estados-Membros são sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado português, uma vez que a sua depreciação não é plenamente tida em conta”.

 

Em consequência da ilegalidade da liquidação na parte em que não considerou aplicável a redução de ISV relativa à componente ambiental, em conformidade com o disposto no artigo 110º do TFUE, sustenta o Requerente que o mesmo deve ser anulado (parcialmente), e o ISV reduzido pela parcela de amortização, que para os veículos entre um e dois anos de idade se iguala aos 20%, aplicada à componente ambiental.

 

A AT sustenta que, em nome da unidade e da coerência do modelo de tributação automóvel vigente em Portugal, a não aplicação da totalidade da componente ambiental aos veículos usados violaria o princípio da equivalência e seria fonte de graves injustiças, já que beneficiaria claramente os veículos usados em detrimento dos novos, sem que, para tal, se encontrem razões válidas. Ou seja, destinando-se a componente ambiental a compensar os efeitos nefastos de qualquer redução em função da depreciação comercial ou dos anos de uso do automóvel, dado que o potencial poluidor do automóvel não diminui com a sua idade, muito pelo contrário, agrava-se, a mesma não deve ser objeto de qualquer redução pois representa o “custo de impacte ambiental”, sendo o seu objetivo orientar a escolha dos consumidores para uma maior seletividade na compra dos automóveis, em função do seu grau poluidor.

 

O ISV é um imposto que incide uma única vez sobre os veículos, no momento do registo da matrícula em Portugal. Os veículos usados adquiridos em Portugal não são sujeitos a ISV, dado que este imposto já terá sido pago no momento em que lhes foi atribuída a primeira matrícula em Portugal. Ou seja, os veículos adquiridos em novo em Portugal são sujeitos a ISV e os veículos adquiridos no estrangeiro que sejam posteriormente matriculados em Portugal são também sujeitos a ISV. A comparação entre a compra de um veículo usado no estrangeiro e a compra de um veículo usado em Portugal não pode, por conseguinte, ser feita para efeitos de ISV.

 

A base da argumentação do Requerente, portanto, é uma comparação entre o ISV pago quando um veículo usado importado é registado em Portugal e o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados matriculados no território nacional. Em seu entender, o facto de, na tributação que ocorre sobre os veículos usados importados, estar especificamente excluída a redução por depreciação da componente ambiental redunda na circunstância de o montante do ISV calculado exceder o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados matriculados no território nacional. Em consequência, os veículos importados sofrem de uma carga fiscal mais elevada, resultando numa discriminação de veículos importados dos outros Estados membros da UE, em violação do artigo 110.º do TFUE.

 

A norma do artigo 11.º do Código do ISV aplicável ao presente caso dispõe que “O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional:”

 

Ou seja, o imposto é calculado de acordo com as regras gerais exceto no que respeita à componente cilindrada. Quanto a esta, é aplicada uma percentagem de redução associada à desvalorização comercial média dos veículos no mercado português. Sustenta o Requerente que também a componente ambiental deveria ser alvo de um cálculo específico no momento da compra do veículo usado importado de outro Estado membro para se obter uma equiparação entre essa situação e a de compra de um veículo usado em Portugal.

 

Na redação original do artigo 11.º do CISV, previa-se, diferentemente, o seguinte:

“Artigo 11.º

Taxas - veículos usados

1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-membros da União Europeia é objecto de liquidação provisória feita em função da desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional, ponderados factores como a respectiva marca, modelo, modo de propulsão, quilometragem, estado mecânico e de conservação, atentos os valores médios que resultam das publicações de referência no sector, apresentadas pelo interessado e reduzindo-se o imposto de acordo com a tabela seguinte:

TABELA D

(ver documento original)

2 - Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por «tempo de uso» o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respectivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.

3 - Sempre que o sujeito passivo entenda que o imposto resultante da aplicação da tabela referida no n.º 1 excede o imposto residual incorporado em veículo idêntico ou similar, introduzido no consumo no ano da primeira matrícula do veículo em apreço, pode requerer a sua avaliação ao director da alfândega até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto de acordo com a fórmula seguinte:

ISV = (V x IR)/VR

em que

ISV - representa o montante do imposto a pagar;

V - representa o valor comercial do veículo a determinar pelo director da alfândega, após avaliação concreta do seu estado de conservação, feita em função dos elementos referidos no n.º 1;

IR - representa o imposto sobre veículos incidente sobre o veículo de referência no ano da primeira matrícula do veículo a tributar;

VR - é o preço de venda ao público de um veículo de referência no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez.

4 - Na falta de pedido de avaliação formulado nos termos do número anterior presume--se que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1.

5 - A impugnação judicial da liquidação do imposto com o fundamento de que o respectivo montante excede o imposto residual incorporado em veículo usado idêntico ou similar introduzido no consumo no ano da primeira matrícula do veículo a que o imposto diz respeito depende de pedido prévio de avaliação do veículo apresentado nos termos do presente artigo.”

 

Após um primeiro processo por infração da Comissão Europeia, Portugal alterou a redação do artigo 11.º do CISV, em 2011, através do artigo 113.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, que estabelecia o seguinte:

“Artigo 11.º

[...]

1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objecto de liquidação provisória, com base na aplicação das percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respectiva, as quais estão associadas à desvalorização social média dos veículos no mercado nacional, calculada com referência à desvalorização comercial média corrigida do respectivo custo de impacte ambiental:

...

2 - ...

3 - Sem prejuízo da liquidação provisória efectuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado nos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao director da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do Artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto:

ISV = (V/VR) x (Y + C)

em que:

ISV representa o montante do imposto a pagar;

V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência indicado nas publicações especializadas do sector, apresentadas pelo interessado, ponderado, mediante avaliação do veículo, caso se justifique, em função de determinados factores concretos, como a quilometragem, o estado mecânico e a conservação;

VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez;

Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;

C é o 'custo de impacte ambiental', aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela.

4 - ...

5 - ...”

 

Mais tarde, no âmbito do processo 20122178, a Comissão Europeia teve oportunidade de se pronunciar sobre o ISV aplicável à importação de automóveis usados, tendo, na altura, instado formalmente Portugal a alterar a sua legislação sobre a tributação dos veículos usados importados pelo facto de o cálculo do valor tributável dos veículos usados introduzidos em Portugal provenientes de outro Estado-Membro não ter em conta o valor real do veículo. Para essa conclusão concorriam dois fatores: não ser tida em conta qualquer desvalorização antes de o veículo ter um ano de idade nem no caso de veículos com mais de cinco anos de idade. Nessa medida, a Comissão dirigiu à República Portuguesa, em 22 de novembro de 2012, uma notificação para cumprir na qual considerou que o artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos não observava o artigo 110.° TFUE. Salientou que do referido artigo 11.° resultava uma discriminação dos veículos automóveis usados provenientes de outros Estados‑Membros na medida em que o montante do referido imposto calculado nos termos deste último artigo não refletia a desvalorização real sofrida pelos veículos automóveis usados similares já matriculados em Portugal e, em particular, na medida em que, por um lado, nenhuma desvalorização dos veículos automóveis usados importados com menos de um ano era tida em conta e, por outro, que a desvalorização dos veículos com mais de cinco anos era limitada a 52%: “(…) devido ao artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos, os veículos automóveis usados da União, com menos de um ano, admitidos em Portugal, são tributados como veículos novos, o que constitui, segundo a Comissão, uma violação do artigo 110.° TFUE. (…) Além disso, os veículos automóveis continuam a desvalorizar‑se depois de decorridos cinco anos de utilização, facto de que resulta que os veículos automóveis usados provenientes de outros Estados‑Membros, utilizados há mais de cinco anos, são sujeitos a um imposto de montante mais significativo do que os veículos automóveis usados similares inicialmente introduzidos no mercado em Portugal, o que também é contrário ao artigo 110.° TFUE.”  Estes eram, portanto, os dois aspetos de fundo em causa para a Comissão: os veículos usados com menos de 1 ano e os veículos usados com mais de 5 anos .

 

O outro ponto da Comissão tinha a ver com o facto de “nos termos do artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos, na medida em que a liquidação provisória do montante desse imposto é efetuada com base na tabela de percentagens fixas prevista neste artigo, o sujeito passivo tem de pagar o imposto no prazo de dez dias úteis. Se este sujeito passivo considerar que este montante é excessivo, pode requerer, observando o mesmo prazo, uma avaliação do veículo tendo em vista a liquidação definitiva do montante do imposto. No entanto, a regulamentação portuguesa não prevê nenhum prazo para efetuar esta avaliação, pelo que a Administração nacional recebe o imposto em causa entre a data da sua liquidação provisória e a data da sua liquidação definitiva. Na prática, em todos os casos em que se trate de um veículo automóvel usado importado de outro Estado‑Membro para Portugal e com menos de um ano ou que tenha sofrido uma desvalorização superior a 52%, o sujeito passivo tem de requerer uma avaliação para verificar se o montante do imposto sobre veículos não excede o imposto residual incorporado no valor de veículos similares matriculados em Portugal e se este não é, assim, excessivo.” A este argumento Portugal respondeu que “ao contrário do que a Comissão afirma, o sujeito passivo não tem de pagar o imposto sobre veículos imediatamente, com base numa liquidação provisória do imposto. Esta última só se torna definitiva e este imposto só tem de ser pago se o sujeito passivo não requerer uma avaliação do veículo.”

A apreciação do Tribunal começa por identificar a potencial violação do Direito da União Europeia em causa:

“23 Conforme resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 110.° TFUE tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados‑Membros, em condições normais de concorrência, através da eliminação de qualquer forma de proteção que possa resultar da aplicação de imposições internas que sejam discriminatórias para os produtos originários de outros Estados‑Membros (v., designadamente, acórdãos de 18 de janeiro de 2007, Brzeziński, C‑313/05, EU:C:2007:33, n.° 27, e de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.° 34).

24  Este artigo é violado sempre que a imposição que incide sobre o produto importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculadas de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado (acórdãos de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, EU:C:2001:109, n.° 21; de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin, C‑101/00, EU:C:2002:505, n.° 53; e de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, EU:C:2007:534, n.° 25)

25  Assim, a cobrança, por um Estado‑Membro, de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro é contrária ao artigo 110.° TFUE, quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional (v., designadamente, acórdãos de 9 de março de 1995, Nunes Tadeu, C‑345/93, EU:C:1995:66, n.° 20, e de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, EU:C:2001:109, n.° 23).

26 Para efeitos da aplicação do artigo 110.° TFUE e, em especial, para efeitos da comparação entre o regime de tributação dos veículos usados importados e o dos veículos usados comprados no mercado nacional, que constituem produtos similares ou concorrentes, deve tomar‑se em consideração não apenas a taxa da imposição interna que incide direta ou indiretamente sobre os produtos nacionais e os produtos importados mas também a matéria coletável e as modalidades do imposto em causa. Mais precisamente, um Estado‑Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, EU:C:2007:534, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida).”

 

Após esta decisão do TJUE, Portugal introduziu uma alteração no Código do ISV, através do artigo 217.º da Lei n.º 42/2016, de 28.12, que alterou a redação do artigo 11.º para os seguintes termos:

“Artigo 11.º

[...]

1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional:

TABELA D

 

2 - ...

3 - Sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado dos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto:

ISV=((V/VR) x Y) + C

em que:

ISV representa o montante do imposto a pagar;

V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor, apresentadas pelo interessado;

VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez;

Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;

C é o «custo de impacte ambiental», aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela.

4 - ...

5 - ...”

 

Comparando o disposto no número 1 do artigo 11.º introduzido em 2017 com o número 1 do artigo 11.º que vigorava desde 2011, temos o seguinte:

•             2011 – o imposto é apurado de acordo com a tabela aplicável ao veículo em questão, sendo o valor apurado corrigido por aplicação das percentagens de redução previstas na tabela D. Estas percentagens de redução estão associadas à desvalorização social média dos veículos no mercado nacional calculadas com referência à desvalorização comercial média corrigida do custo de impacte ambiental.

•             2017 – o imposto é apurado nos termos das regras gerais do CISV com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D. Estas percentagens estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional.

 

Assim, desde 2017 que a parte do ISV que incide sobre a componente ambiental é igual para todos os veículos usados que tenham a mesma cilindrada. Ou seja, para o mesmo nível de emissões de CO2 os veículos pagam o mesmo, independentemente da sua idade.

 

O Requerente juntou ao pedido de pronúncia arbitral um comunicado da Comissão Europeia, datado de 24.01.2019, do qual consta o seguinte excerto relativamente à matéria que nos interessa:

“A Comissão decidiu hoje dar início a um procedimento de infração contra Portugal por este Estado-Membro não ter em conta a componente ambiental do imposto de matrícula aplicável aos veículos usados importados de outros Estados-Membros para fins de depreciação. A Comissão considera que a legislação portuguesa não é compatível com o artigo 110.º do TFUE, na medida em que os veículos usados importados de outros Estados-Membros são sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado português, uma vez que a sua depreciação não é plenamente tida em conta. Se Portugal não atuar no prazo de dois meses, a Comissão poderá enviar um parecer fundamentado sobre esta matéria às autoridades portuguesas.”

 

Encontram-se, portanto, em marcha procedimentos próprios para se aferir da eventual violação do Direito da União Europeia por parte da norma em causa no presente processo, isto é, o artigo 11.º do CISV. Por esta razão, entende este Tribunal que faz sentido suspender a instância e remeter a questão para o TJUE, através do mecanismo do reenvio prejudicial. Nestes termos, tendo em conta que «compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça» (acórdãos do TJUE Acórdão de 10 de julho de 2018, processo C-25/17, e de 02-10-2018 processo C-207/16), formula-se a seguinte questão em

 

 

Reenvio prejudicial:

 

O disposto no artigo 110.º do TFUE opõe-se a uma legislação nacional como a que se encontra vertida no artigo 11.º do Código do Imposto Sobre Veículos, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho, na sua redação atual, nos termos da qual os veículos importados para Portugal, no estado de usados, provenientes de outro Estado membro da União Europeia, são sujeitos a uma liquidação de ISV nos termos da qual este é apurado de acordo com as suas regras gerais à exceção apenas da componente cilindrada – à qual são aplicáveis percentagens de redução associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional –sem que seja tida em conta a componente ambiental do imposto?

 

Nestes termos, decide-se suspender a instância até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a questão referida, ordenando-se a passagem de carta, a dirigir pela secretaria do CAAD à daquele, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópias da presente decisão, do pedido de pronúncia arbitral e documentos juntos, da resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira e do processo administrativo.

 

Lisboa, 08 de abril de 2020

 

A Árbitro

Raquel Franco

 

2.ª DECISÃO Versão em PDF

 

Sumário:

1. A norma contida no artigo 11.º, n.º 1 do CISV, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, na medida em que sujeita os veículos usados importados de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior à que é aplicável aos veículos usados similares transacionados no mercado nacional, mostra-se incompatível com o direito da União Europeia, por violação do artigo 110º do TFUE.

2. Consequentemente, encontram-se feridos de ilegalidade os atos tributários praticados ao abrigo da citada norma.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

1.            Elementos gerais do processo

 

A..., casado, com morada na ..., Lisboa, portador do cartão de cidadão número ..., válido até 31 de Outubro de 2028, e do número de identificação fiscal ..., veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para declaração de ilegalidade de atos de liquidação n.º 2019/... e n.º 2019/..., praticados pelo Diretor da Alfândega do Jardim do Tabaco.

Os atos são resultantes da apresentação da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2019/... de 16.09.2019 e referem-se ao Imposto Sobre Veículos (ISV) aplicado à operação de importação do veículo ligeiro de passageiros ..., matriculado na Alemanha com a matrícula alemã ... e com a matrícula nacional ..., número do quadro ... .

2.            Posição do Requerente

O Requerente alicerça o seu pedido de pronúncia arbitral no vício de ilegalidade que imputa às liquidações em crise por força do cálculo da componente ambiental, mais precisamente por não ter sido aplicada qualquer dedução na determinação dessa componente (ao contrário do que sucede com a componente cilindrada). O Requerente fundamenta a sua posição, genericamente, na decisão proferida pelo CAAD no âmbito do Processo n.º 572/2018-T, de 30.04.2019.

Em consequência da procedência da impugnação, pede a restituição da quantia de € 3.124,98, acrescida de juros indemnizatórios.

3.            Posição da Requerida

Notificada para contestar, a AT apresentou a sua Resposta, onde sustenta a improcedência do pedido.

Começa por referir, relativamente ao valor da causa, que o Requerente não atribui valor à causa e não obstante o pedido arbitral se refira a ato de liquidação cujo montante total é de € 23.260,55, sendo peticionada a anulação parcial da liquidação e consequente restituição parcial no valor de € 3.124,98, deverá ser este o valor a atender para este efeito nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

Em segundo lugar, afirma não existirem dúvidas de que o ora Requerente é sujeito passivo do imposto, que, no caso concreto, procedeu à admissão do veículo em questão no território nacional, tendo processado a DAV respetiva através do sistema eletrónico, com vista à regularização fiscal, de acordo com os procedimentos que se encontram estabelecidos, dando lugar, na sequência da apresentação da declaração supra identificada, à liquidação do imposto de acordo com o direito constituído, atualmente em vigor, em conformidade também com o estatuído no n.º 3 do artigo 103.º da CRP.

Tratando-se de um veículo usado, encontra-se sujeito à taxa de imposto aplicável na introdução no consumo, que é a que resulta da aplicação dos artigos 7.º, n.º 1, alínea a) e 11.º do CISV.

Tratando-se de veículo ligeiro de passageiros, usado, movidos a gasóleo, com emissão de gases CO2 indicado na respetiva DAV, os serviços aduaneiros efetuaram o cálculo do imposto devido, por aplicação da tabela A prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea a), recorrendo igualmente à aplicação da redução por anos de uso prevista na tabela D no n.º 1 do artigo 11º do CISV para a componente cilindrada.

O Requerente não põe em causa a liquidação, que foi efetuada de acordo com o artigo 11.º do CISV, na redação que lhe foi dada pelo artigo 217.º da Lei n.º 42/2016, de 28.12.2016, diploma que aprovou o Orçamento de Estado para 2017, mas sim a conformidade daquele preceito com o artigo 110.º do TFUE.

Sobre a questão concretamente colocada pelo Requerente, entende a AT que não pode estabelecer-se uma equiparação entre a componente cilindrada e a componente ambiental, nem, por isso, consequentemente, ver-lhe aplicados os mesmos critérios, até porque no caso da vertente ambiental, as razões que lhe estão subjacentes não coincidem com as que determinam a tributação que atende à cilindrada do veículo.

Face ao previsto no n.º 1 do artigo 11.º do CISV, constata-se que o legislador teve em consideração que a componente ambiental representa o custo do impacto ambiental, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 11.º do CISV, também suportada pelos veículos novos, devendo a mesma ser entendida como um montante que os sujeitos passivos pagam ao Estado, destinado a compensar os efeitos nefastos que o veículo automóvel causa ao ambiente, sendo que esse montante é progressivo em função das emissões de dióxido de carbono.

Isto porque, quanto maior for o nível de emissões de dióxido de carbono do veículo, maior será o montante de imposto relativo à componente ambiental, no estrito cumprimento do princípio do poluidor pagador, como já se aludiu, estando esta filosofia do imposto em conformidade com o referido princípio da equivalência, consagrado no artigo 1.º do CISV.

Pelo que, em nome da unidade e da coerência do modelo de tributação automóvel vigente em Portugal, a não aplicação da totalidade da componente ambiental aos veículos usados violaria os princípios suprarreferidos, tornando-se fonte de graves injustiças, já que beneficiaria claramente os veículos usados em detrimento dos novos, sem que, para tal, se encontrem razões válidas.

Em suma, destinando-se a componente ambiental a compensar os efeitos nefastos de qualquer redução em função da depreciação comercial ou dos anos de uso do automóvel, dado que o potencial poluidor do automóvel não diminui com a sua idade, muito pelo contrário, agrava-se, como é do conhecimento comum, a mesma não deve ser objeto de qualquer redução pois representa o “custo de impacte ambiental”, sendo o seu objetivo orientar a escolha dos consumidores para uma maior seletividade na compra dos automóveis, em função do seu grau poluidor.

No que concerne aos automóveis usados, não existem dúvidas que, quanto mais antigos, mais poluentes se tornam e maiores serão as consequências nefastas para o meio ambiente, pretendendo-se orientar os consumidores na escolha de veículos com menores emissões de dióxido de carbono.

Assim, a interpretação do disposto no artigo 110.º do TFUE não poderá deixar de ter em consideração os objetivos ambientais acima referidos, sob pena de se gerarem incoerências insustentáveis entre a política fiscal e a política ambiental.

O pagamento da componente ambiental na totalidade não tem, pois, em vista restringir a entrada de veículos usados em Portugal, mas tão-somente selecionar essa entrada, mediante a aplicação de critérios exclusivamente ambientais, não estando em causa a proteção da produção nacional, mas a proteção do ambiente, património do mundo e do qual depende a sobrevivência da espécie humana.

O modelo de fiscalidade automóvel vigente em Portugal está em perfeita sintonia com o disposto no artigo 191.º, n.º 2 do TFUE, na medida em que a tributação das emissões de dióxido de carbono nos veículos novos e usados pode entender-se como uma ação preventiva, destinada a evitar a degradação do ambiente, sujeitando os consumidores ao pagamento de um montante de imposto que depende do grau poluidor do automóvel, no estrito cumprimento do princípio do poluidor–pagador.

A aplicação do disposto no artigo 11.º do CISV não obsta à admissão de veículos usados em território nacional, nem tampouco visa impedir a realização de negócios jurídicos de compra e venda de veículos automóveis pois são processadas, diariamente, inúmeras declarações aduaneiras de veículos (DAV), de regularização fiscal de veículos em território nacional, provenientes de outros Estados-membros.

A componente ambiental do ISV existe para compensar um conjunto vasto de emissões poluentes dos veículos, incluindo o dióxido de carbono (CO2), o monóxido de carbono (CO), o óxido de azoto (NOx), hidrocarbonetos (HC), partículas (PM), hidrofluorocarboneto 134ª (HFC-134ª), metano (CH4), e protóxido de azoto (N2O).

Em conclusão, não se trata de criar nenhum obstáculo ao regular funcionamento do mercado único, mas sim de respeitar os compromissos nacionais e internacionais assumidos pelo Estado Português em matéria de defesa do ambiente, bem como pelos Estados-Membros, no acordo de Paris sobre as alterações climáticas, designadamente a neutralidade carbónica em 2050.

Assim, atribuir a mesma percentagem à componente ambiental que é aplicada à componente cilindrada resulta num verdadeiro contrassenso, atenta a natureza diferente daquelas componentes, equivalendo a defender que, não obstante os veículos sejam mais velhos e emitam mais agentes poluentes, devem ter uma redução, que até é progressiva, em função dos anos, e que, consequentemente, apesar de mais poluentes, pagam menos imposto. Tal interpretação deve considerar-se inconstitucional face ao disposto no n.º 2 do artigo 103.º da CRP. A mesma interpretação levaria ainda à violação do disposto nas alíneas f) e h) do n.º 2 do artigo 66.º da Constituição, onde se prevê que incumbe ao Estado assegurar o direito ao ambiente, a obrigação de prevenir e controlar a poluição e seus efeitos, promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito setorial, bem como assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida. Do mesmo modo, é incompatível com os princípios relativos à tributação do consumo, que visam adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo, conforme o consagrado no n.º 4 do artigo 104.º da CRP.

A Requerida sustenta ainda que exigir da administração fiscal a desaplicação da lei vigente implicaria, da parte desta, uma violação do disposto no artigo 266.º, n.º 2 da CRP.

Por outro lado, advoga ainda a violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva na medida em que, tendo o Requerente recorrido à arbitragem tributária para impugnar a liquidação, a administração encontra-se coartada no seu direito de reação face aos limitados meios de recurso perante a prolação de uma decisão arbitral desfavorável, em geral e, concretamente, quanto ao recurso de decisão que desaplica norma nacional com fundamento em violação de princípio de direito da União Europeia. Porque em sede arbitral não existe o clássico recurso de direito e de facto, em princípio a interpor para o Tribunal Central Administrativo competente, dado que as partes envolvidas, neste ponto específico, expressamente renunciaram ao auxílio dos Tribunais superiores, defendendo o Requerente a violação de um princípio do TFUE no caso concreto, e prevendo o RJAT que o recurso para o Tribunal Constitucional só pode ter como fundamento as alíneas a) e b) do artigo 70.º da Lei do TC, entende a AT que, a vingar tal interpretação, estamos perante uma violação do princípio do livre acesso aos tribunais.

Acrescenta ainda que a interpretação pugnada pelo Requerente configura uma desaplicação do direito internacional, mais precisamente do artigo 191.º do TFUE, do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris – que vincula o Estado Português, por força do artigo 8.º da CRP, bem como uma violação do disposto no n.º 1, e alíneas a), f) e h), do n.º 2, do artigo 66.º e do n.º 2 do artigo 103.º da CRP.

Finaliza, relativamente ao pedido de juros indemnizatórios, defendendo que este pressupõe que se apure a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido, o que não aconteceu no caso concreto na medida em que a liquidação em causa nos presentes autos decorreu exclusivamente da aplicação da lei em vigor, tendo aquela sido efetuada nos termos das normas aplicáveis, previstas no CISV, que determinam a exigibilidade e consequente liquidação do imposto e que, estando a AT e os seus órgãos, vinculados, na sua atuação, ao princípio da legalidade, a Requerida AT agiu sempre em obediência àquele e em conformidade com o direito em vigor, não podendo ter agido de modo diverso, não devendo, consequentemente, ser-lhe atribuído qualquer erro que lhe seja imputável, nos termos do artigo 43.º da LGT.

4. Decurso do processo

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 10 de fevereiro de 2020.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e ordenada a notificação das partes para, caso pretendessem, produzirem alegações. A Requerente não apresentou alegações e a Requerida manteve o que havia alegado na sua Resposta.

 

O Tribunal entendeu, face às dúvidas que se colocavam quanto à conformidade da legislação nacional com a legislação europeia, apresentar um pedido de reenvio prejudicial ao TJUE, o que ocorreu em 02.07.2020. Após a tramitação normal do processo, o TJUE veio, em 07.09.2021, dar conhecimento a este Tribunal de uma decisão por si proferida num processo idêntico, a qual se mostra suficiente para este Tribunal Arbitral poder proferir uma decisão neste processo. Consequentemente, este Tribunal informou o TJUE da desnecessidade de prosseguir com o pedido de reenvio formulado, estando agora em condições de produzir uma decisão final neste processo.

 

II - Fundamentação

 

1.            Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

A)           No dia 23 de Agosto de 2019, o Requerente apresentou, por transmissão eletrónica de dados, a Declaração Aduaneira de Veículo para introdução no consumo do veículo ligeiro de passageiros, da marca ..., modelo ..., movido a gasóleo, número do quadro ..., cilindrada ..., emissão de partículas 0,0001 g/Km, emissão de gases CO2 189g/Km, com a matrícula definitiva ... proveniente da Alemanha, com 16.695 km percorridos.

B)           Tendo em consideração a data da primeira matrícula no país de origem, foi o veículo em questão considerado como um veículo com mais de um ano de uso (e até dois anos), para efeitos dos escalões da Tabela D, prevista no n.º 1, do artigo 11.º do Código do ISV, ao qual corresponde uma percentagem de redução de 20%.

C)           Na sequência da apresentação da DAV, foi o Requerente notificado do pagamento do ISV, ao abrigo da qual se fixava o dia 6 de Setembro de 2019 como data limite para o pagamento voluntário do imposto liquidado.

D)           No Quadro R da DAV, relativo ao cálculo do ISV, foi efetuado o cálculo deste imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, com recurso à aplicação da tabela aplicável aos veículos ligeiros de passageiros (Tabela A), pelo valor total de € 23.260,55.

E)            Do valor total de imposto, € 9.544,58 são relativos à componente cilindrada e € 15.624,89 são relativos à componente ambiental.

F)            No que diz respeito à componente cilindrada, foi calculada a quantia correspondente a 20% do seu montante, no total de € 1.908,92, aplicável em virtude da redução resultante do número de anos do veículo, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no nº 1 do artigo 11º do Código do ISV aplicável aos veículos usados.

G)           No Quadro E da DAV, atinente às características do veículo, consta, na casa 50, relativa à Emissão de Gases CO2, o valor de 189g/Km emitidos pelo veículo.

H)           Relativamente ao montante de € 15.624,89, respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental, não foi aplicada qualquer percentagem de dedução.

I)             As liquidações do imposto relativas ao veículo identificado na DAV foram efetuadas na data indicada nos Quadros T e V da declaração (23.08.2019), constando desta, igualmente, a identificação da liquidação e data, o montante e termo final do prazo de pagamento, bem como a identificação do autor do ato.

J)            A liquidação de imposto foi efetuada de acordo com as normas ínsitas nos artigos 7.º, n.º 1, alínea a) e 11.º, n.º 1 e n.º 3.º do CISV, em vigor.

K)           O Requerente foi notificado da liquidação n.º 2019/... e da liquidação n.º 2019/..., de 23 de Agosto de 2019, relativas ao montante de ISV liquidado pela Alfândega de Jardim do Tabaco, no valor total de € 23.260,55.

 

2.            Factos não provados

 

Não se provou que o Requerente tivesse efetuado o pagamento da quantia liquidada, pois embora alegue tê-lo feito, não apresentou qualquer prova (designadamente o documento que comprova o pagamento efetuado e não apenas a liquidação).

 

3.            Fundamentação da matéria de facto considerada provada e não provada

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e constantes do processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e na alegação de factos não questionados.

 

II. Matéria de direito

 

Antes de se entrar na questão de fundo, importa dar resposta ao suscitado pela AT relativamente ao valor da causa. Com efeito, verifica-se que o Requerente pede apenas a anulação parcial do ato de liquidação do ISV e não a sua anulação total. Apesar disso, atribui à causa o valor da totalidade do imposto liquidado (€ 23.260,55) e não apenas da parte que pretende ver anulada (€ 3.124,98). Ora, nos termos do disposto no artigo 97.º-A do CPPT, no seu n.º 1, alínea a), aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º, o valor atendível para efeitos de custas, quando seja impugnada a liquidação, é o da importância cuja anulação se pretende anular. No caso, portanto, o valor da causa deve ser apenas os € 3.124,98 e não os € 23.260,55.

 

A questão que se coloca perante o Tribunal neste processo diz respeito à legalidade da liquidação de ISV efetuada ao Requerente na sequência da introdução no consumo do veículo identificado na matéria dada como provada.

 

De acordo com o Requerente, a liquidação está ferida de um vício de ilegalidade, no que concerne ao cálculo da componente ambiental, por não ter sido aplicada qualquer redução em virtude de anos de uso. Em seu entender, a não aplicação da redução constitui uma violação do artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), de acordo com o qual “Nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros, imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares. Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indiretamente outras produções.”

 

Para o Requerente, a aplicação do ISV nos termos em que ocorreu implica uma violação da liberdade de circulação de mercadorias entre Estados membros da UE.

 

O ISV tem por base as componentes referentes aos centímetros cúbicos por cilindrada (cm3) (componente cilindrada) e aos gramas de CO2 por quilómetro (componente ambiental), às quais são aplicadas as taxas previstas nos artigos 7.º a 11.º do CISV. Estas taxas não incidem sobre o valor do automóvel, tendo antes por base os centímetros cúbicos por cilindrada (cm3) (componente cilindrada) e os gramas de CO2 por quilómetro (componente ambiental), permitindo-se, através desta, uma tributação progressiva em função do nível de CO2g/km.

 

Nos termos o n.º 1 do artigo 11.º do Código do ISV “o imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional (…)”.

 

Nota o Requerente que, na redação do n.º 1 do artigo 11.º do Código do ISV, aplicado na liquidação do ISV em causa nos presentes autos, está especificamente excluída a redução por depreciação da componente ambiental e que, ao não prever esta redução, à luz da jurisprudência referida, o montante do ISV calculado excede o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados matriculados no território nacional. Em consequência, os veículos importados sofrem de uma carga fiscal mais elevada, resultando numa clara discriminação de veículos importados dos outros estados-membros da UE, em violação do artigo 110.º do TFUE.

 

Refere ainda a jurisprudência do TJUE segundo a qual “este artigo (110º do TFUE) é violado sempre que a imposição que incide sobre o artigo importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculados de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam (…) a uma imposição superior do produto importado (…)”, sendo que “(…) um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares, disponíveis no mercado nacional (…)” .

 

Conclui o Requerente que o ISV liquidado com base nas normas do Código do ISV em vigor à data da DAV, com redução por amortização da componente da cilindrada, mas sem redução por amortização da componente ambiental do imposto, ultrapassa o montante do ISV contido no valor residual dos veículos usados similares, matriculados no território nacional. Aliás, a amortização dos veículos matriculados no território nacional é aplicada à totalidade do custo de aquisição dos mesmos, sem distinção de quaisquer componentes do custo na aplicação de redução por amortização. Com efeito, o ISV incidente sobre o veículo importado dos Estados-Membros da UE resulta numa imposição superior sobre estes veículos, que constitui, na opinião do Requerente, uma inequívoca violação do Direito Europeu. Adicionalmente, refere ainda que a Comissão Europeia iniciou o procedimento de infração contra Portugal porque “considera que a legislação portuguesa não é compatível com o artigo 110.º do TFUE, na medida em que os veículos usados importados de outros Estados-Membros são sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado português, uma vez que a sua depreciação não é plenamente tida em conta”.

 

Em consequência da ilegalidade da liquidação na parte em que não considerou aplicável a redução de ISV relativa à componente ambiental, em conformidade com o disposto no artigo 110º do TFUE, sustenta o Requerente que o mesmo deve ser anulado (parcialmente), e o ISV reduzido pela parcela de amortização, que para os veículos entre um e dois anos de idade se iguala aos 20%, aplicada à componente ambiental.

 

A AT sustenta que, em nome da unidade e da coerência do modelo de tributação automóvel vigente em Portugal, a não aplicação da totalidade da componente ambiental aos veículos usados violaria o princípio da equivalência e seria fonte de graves injustiças, já que beneficiaria claramente os veículos usados em detrimento dos novos, sem que, para tal, se encontrem razões válidas. Ou seja, destinando-se a componente ambiental a compensar os efeitos nefastos de qualquer redução em função da depreciação comercial ou dos anos de uso do automóvel, dado que o potencial poluidor do automóvel não diminui com a sua idade, muito pelo contrário, agrava-se, a mesma não deve ser objeto de qualquer redução pois representa o “custo de impacte ambiental”, sendo o seu objetivo orientar a escolha dos consumidores para uma maior seletividade na compra dos automóveis, em função do seu grau poluidor.

 

O ISV é um imposto que incide uma única vez sobre os veículos, no momento do registo da matrícula em Portugal. Os veículos usados adquiridos em Portugal não são sujeitos a ISV, dado que este imposto já terá sido pago no momento em que lhes foi atribuída a primeira matrícula em Portugal. Ou seja, os veículos adquiridos em novo em Portugal são sujeitos a ISV e os veículos adquiridos no estrangeiro que sejam posteriormente matriculados em Portugal são também sujeitos a ISV. A comparação entre a compra de um veículo usado no estrangeiro e a compra de um veículo usado em Portugal não pode, por conseguinte, ser feita para efeitos de ISV.

 

A base da argumentação do Requerente, portanto, é uma comparação entre o ISV pago quando um veículo usado importado é registado em Portugal e o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados matriculados no território nacional. Em seu entender, o facto de, na tributação que ocorre sobre os veículos usados importados, estar especificamente excluída a redução por depreciação da componente ambiental redunda na circunstância de o montante do ISV calculado exceder o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados matriculados no território nacional. Em consequência, os veículos importados sofrem de uma carga fiscal mais elevada, resultando numa discriminação de veículos importados dos outros Estados membros da UE, em violação do artigo 110.º do TFUE.

 

A norma do artigo 11.º do Código do ISV aplicável ao presente caso dispõe que “O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional:”

 

Ou seja, o imposto é calculado de acordo com as regras gerais exceto no que respeita à componente cilindrada. Quanto a esta, é aplicada uma percentagem de redução associada à desvalorização comercial média dos veículos no mercado português. Sustenta o Requerente que também a componente ambiental deveria ser alvo de um cálculo específico no momento da compra do veículo usado importado de outro Estado membro para se obter uma equiparação entre essa situação e a de compra de um veículo usado em Portugal.

 

Na redação original do artigo 11.º do CISV, previa-se, diferentemente, o seguinte:

“Artigo 11.º

Taxas - veículos usados

1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-membros da União Europeia é objecto de liquidação provisória feita em função da desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional, ponderados factores como a respectiva marca, modelo, modo de propulsão, quilometragem, estado mecânico e de conservação, atentos os valores médios que resultam das publicações de referência no sector, apresentadas pelo interessado e reduzindo-se o imposto de acordo com a tabela seguinte:

TABELA D

(ver documento original)

2 - Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por «tempo de uso» o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respectivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.

3 - Sempre que o sujeito passivo entenda que o imposto resultante da aplicação da tabela referida no n.º 1 excede o imposto residual incorporado em veículo idêntico ou similar, introduzido no consumo no ano da primeira matrícula do veículo em apreço, pode requerer a sua avaliação ao director da alfândega até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto de acordo com a fórmula seguinte:

ISV = (V x IR)/VR

em que

ISV - representa o montante do imposto a pagar;

V - representa o valor comercial do veículo a determinar pelo director da alfândega, após avaliação concreta do seu estado de conservação, feita em função dos elementos referidos no n.º 1;

IR - representa o imposto sobre veículos incidente sobre o veículo de referência no ano da primeira matrícula do veículo a tributar;

VR - é o preço de venda ao público de um veículo de referência no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez.

4 - Na falta de pedido de avaliação formulado nos termos do número anterior presume--se que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1.

5 - A impugnação judicial da liquidação do imposto com o fundamento de que o respectivo montante excede o imposto residual incorporado em veículo usado idêntico ou similar introduzido no consumo no ano da primeira matrícula do veículo a que o imposto diz respeito depende de pedido prévio de avaliação do veículo apresentado nos termos do presente artigo.”

 

Após um primeiro processo por infração da Comissão Europeia, Portugal alterou a redação do artigo 11.º do CISV, em 2011, através do artigo 113.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, que estabelecia o seguinte:

“Artigo 11.º

[...]

1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objecto de liquidação provisória, com base na aplicação das percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respectiva, as quais estão associadas à desvalorização social média dos veículos no mercado nacional, calculada com referência à desvalorização comercial média corrigida do respectivo custo de impacte ambiental:

...

2 - ...

3 - Sem prejuízo da liquidação provisória efectuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado nos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao director da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do Artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto:

ISV = (V/VR) x (Y + C)

em que:

ISV representa o montante do imposto a pagar;

V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência indicado nas publicações especializadas do sector, apresentadas pelo interessado, ponderado, mediante avaliação do veículo, caso se justifique, em função de determinados factores concretos, como a quilometragem, o estado mecânico e a conservação;

VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez;

Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;

C é o 'custo de impacte ambiental', aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela.

4 - ...

5 - ...”

 

Mais tarde, no âmbito do processo 20122178, a Comissão Europeia teve oportunidade de se pronunciar sobre o ISV aplicável à importação de automóveis usados, tendo, na altura, instado formalmente Portugal a alterar a sua legislação sobre a tributação dos veículos usados importados pelo facto de o cálculo do valor tributável dos veículos usados introduzidos em Portugal provenientes de outro Estado-Membro não ter em conta o valor real do veículo. Para essa conclusão concorriam dois fatores: não ser tida em conta qualquer desvalorização antes de o veículo ter um ano de idade nem no caso de veículos com mais de cinco anos de idade. Nessa medida, a Comissão dirigiu à República Portuguesa, em 22 de novembro de 2012, uma notificação para cumprir na qual considerou que o artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos não observava o artigo 110.° TFUE. Salientou que do referido artigo 11.° resultava uma discriminação dos veículos automóveis usados provenientes de outros EstadosMembros na medida em que o montante do referido imposto calculado nos termos deste último artigo não refletia a desvalorização real sofrida pelos veículos automóveis usados similares já matriculados em Portugal e, em particular, na medida em que, por um lado, nenhuma desvalorização dos veículos automóveis usados importados com menos de um ano era tida em conta e, por outro, que a desvalorização dos veículos com mais de cinco anos era limitada a 52%: “(…) devido ao artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos, os veículos automóveis usados da União, com menos de um ano, admitidos em Portugal, são tributados como veículos novos, o que constitui, segundo a Comissão, uma violação do artigo 110.° TFUE. (…) Além disso, os veículos automóveis continuam a desvalorizarse depois de decorridos cinco anos de utilização, facto de que resulta que os veículos automóveis usados provenientes de outros EstadosMembros, utilizados há mais de cinco anos, são sujeitos a um imposto de montante mais significativo do que os veículos automóveis usados similares inicialmente introduzidos no mercado em Portugal, o que também é contrário ao artigo 110.° TFUE.”  Estes eram, portanto, os dois aspetos de fundo em causa para a Comissão: os veículos usados com menos de 1 ano e os veículos usados com mais de 5 anos .

 

O outro ponto da Comissão tinha a ver com o facto de “nos termos do artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos, na medida em que a liquidação provisória do montante desse imposto é efetuada com base na tabela de percentagens fixas prevista neste artigo, o sujeito passivo tem de pagar o imposto no prazo de dez dias úteis. Se este sujeito passivo considerar que este montante é excessivo, pode requerer, observando o mesmo prazo, uma avaliação do veículo tendo em vista a liquidação definitiva do montante do imposto. No entanto, a regulamentação portuguesa não prevê nenhum prazo para efetuar esta avaliação, pelo que a Administração nacional recebe o imposto em causa entre a data da sua liquidação provisória e a data da sua liquidação definitiva. Na prática, em todos os casos em que se trate de um veículo automóvel usado importado de outro EstadoMembro para Portugal e com menos de um ano ou que tenha sofrido uma desvalorização superior a 52%, o sujeito passivo tem de requerer uma avaliação para verificar se o montante do imposto sobre veículos não excede o imposto residual incorporado no valor de veículos similares matriculados em Portugal e se este não é, assim, excessivo.” A este argumento Portugal respondeu que “ao contrário do que a Comissão afirma, o sujeito passivo não tem de pagar o imposto sobre veículos imediatamente, com base numa liquidação provisória do imposto. Esta última só se torna definitiva e este imposto só tem de ser pago se o sujeito passivo não requerer uma avaliação do veículo.”

A apreciação do Tribunal começa por identificar a potencial violação do Direito da União Europeia em causa:

“23 Conforme resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 110.° TFUE tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os EstadosMembros, em condições normais de concorrência, através da eliminação de qualquer forma de proteção que possa resultar da aplicação de imposições internas que sejam discriminatórias para os produtos originários de outros EstadosMembros (v., designadamente, acórdãos de 18 de janeiro de 2007, Brzeziński, C313/05, EU:C:2007:33, n.° 27, e de 7 de abril de 2011, Tatu, C402/09, EU:C:2011:219, n.° 34).

24  Este artigo é violado sempre que a imposição que incide sobre o produto importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculadas de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado (acórdãos de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C393/98, EU:C:2001:109, n.° 21; de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin, C101/00, EU:C:2002:505, n.° 53; e de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C74/06, EU:C:2007:534, n.° 25)

25  Assim, a cobrança, por um EstadoMembro, de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro EstadoMembro é contrária ao artigo 110.° TFUE, quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional (v., designadamente, acórdãos de 9 de março de 1995, Nunes Tadeu, C345/93, EU:C:1995:66, n.° 20, e de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C393/98, EU:C:2001:109, n.° 23).

26  Para efeitos da aplicação do artigo 110.° TFUE e, em especial, para efeitos da comparação entre o regime de tributação dos veículos usados importados e o dos veículos usados comprados no mercado nacional, que constituem produtos similares ou concorrentes, deve tomarse em consideração não apenas a taxa da imposição interna que incide direta ou indiretamente sobre os produtos nacionais e os produtos importados mas também a matéria coletável e as modalidades do imposto em causa. Mais precisamente, um EstadoMembro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C74/06, EU:C:2007:534, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida).”

 

Após esta decisão do TJUE, Portugal introduziu uma alteração no Código do ISV, através do artigo 217.º da Lei n.º 42/2016, de 28.12, que alterou a redação do artigo 11.º para os seguintes termos:

“Artigo 11.º

[...]

1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional:

TABELA D

 

2 - ...

3 - Sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado dos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto:

ISV=((V/VR) x Y) + C

em que:

ISV representa o montante do imposto a pagar;

V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor, apresentadas pelo interessado;

VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez;

Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;

C é o «custo de impacte ambiental», aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela.

4 - ...

5 - ...”

 

Comparando o disposto no número 1 do artigo 11.º introduzido em 2017 com o número 1 do artigo 11.º que vigorava desde 2011, temos o seguinte:

             2011 – o imposto é apurado de acordo com a tabela aplicável ao veículo em questão, sendo o valor apurado corrigido por aplicação das percentagens de redução previstas na tabela D. Estas percentagens de redução estão associadas à desvalorização social média dos veículos no mercado nacional calculadas com referência à desvalorização comercial média corrigida do custo de impacte ambiental.

             2017 – o imposto é apurado nos termos das regras gerais do CISV com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D. Estas percentagens estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional.

 

Assim, desde 2017 que a parte do ISV que incide sobre a componente ambiental é igual para todos os veículos usados que tenham a mesma cilindrada. Ou seja, para o mesmo nível de emissões de CO2 os veículos pagam o mesmo, independentemente da sua idade.

 

Conforme se referiu supra, enviado o pedido de reenvio prejudicial, veio o TJUE dar conta do acórdão proferido no processo C-169/20 (Comissão/Portugal), em que a Comissão Europeia pedia ao Tribunal de Justiça que declarasse que, ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado-membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE.

 

Na apreciação que faz do pedido, o TJUE começa por sublinhar a interpretação que tem sido feita, na sua jurisprudência, do objetivo subjacente ao artigo 110.º do TFUE, i.e., “assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados-Membros, em condições normais de concorrência, através da eliminação de qualquer forma de proteção que possa resultar da aplicação de imposições internas que sejam discriminatórias para os produtos originários de outros Estados-Membros. Este artigo é violado sempre que a imposição que incide sobre o produto importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculadas de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado (Acórdão de 16 de julho de 2016, Comissão/Portugal, C-200/15, não publicado, EU:C:2016:453, números 23 e 24 e jurisprudência referida).”

 

De seguida, o TJUE aduz os seguintes argumentos:

- a cobrança, por um Estado-Membro, de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-Membro é contrária ao artigo 110.º TFUE, quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional;

- para efeitos da comparação, deve tomar-se em consideração não apenas a taxa de imposição interna que incide direta ou indiretamente sobre os produtos nacionais e os produtos importados mas também a matéria coletável e as modalidades do imposto em causa. Um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração com base na tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional;

- para saber se um imposto cria uma discriminação indireta entre os veículos usados importados e os veículos usados similares já presentes no território nacional, importa examinar se tal imposto é neutro na comparação entre os dois tipos de veículos;

- o TJUE já especificou que, a partir do momento em que se paga um imposto de matrícula num Estado-Membro, o montante desse imposto é incorporado no valor do veículo. Deste modo, quando um veículo matriculado no Estado-Membro em causa é, em seguida, vendido como veículo usado nesse mesmo Estado-Membro, o seu valor de mercado, que inclui o montante residual de imposto de matrícula, será igual a uma percentagem, determinada pela desvalorização desse veículo, do seu valor inicial;

- de acordo com o regime de tributação de veículos que vigora em Portugal desde 2017, o imposto tem duas componentes – uma calculada em função da cilindrada e a outra em função do nível de emissões de dióxido de carbono desse veículo. O artigo 11.º do CIV prevê uma percentagem de redução do imposto calculado em função da cilindrada que depende da idade do veículo, mas não prevê qualquer redução para a componente ambiental.

- em consequência do ponto anterior, o montante do imposto de registo para os veículos usados importados em Portugal de outros Estados-Membros é calculado sem ter em conta a desvalorização real desses veículos. Por conseguinte, não garante que esses veículos sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre veículos usados similares que já se encontrem em território nacional – o que é contrário ao artigo 110.º TFUE.

 

Em resposta ao argumento aduzido pela República Portuguesa de que o que se pretende é apenas uma medida de proteção ambiental, o Tribunal responde que, embora os Estados-Membros sejam livres de prever formas de tributação diferenciada para certos produtos, não o podem fazer quando tal signifique uma discriminação entre produtos nacionais e os que sejam oriundos de outros Estados-Membros.

 

Quanto ao argumento de que, ao abrigo do disposto no artigo 11.º, n.º 3 do CIV, os contribuintes podem optar por um método alternativo de cálculo do imposto em causa, o Tribunal responde que a existência desse método alternativo não dispensa a obrigação de um Estado-Membro de respeitar os princípios fundamentais de uma normal essencial do TFUE, nem autoriza esse Estado-Membro a violar esse Tratado.

 

Tudo visto, o Tribunal termina declarando que, ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado-Membro, no âmbito do cálculo do imposto em causa previsto no Código do Imposto sobre Veículos, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE.

 

Aplicando a jurisprudência do TJUE ao caso concreto, e porque o que sucedeu foi justamente a aplicação das normas consideradas contrárias ao direito da União Europeia ao cálculo do imposto sobre veículos pago pelo Requerente na importação do veículo ligeiro de passageiros, da marca ..., modelo ..., movido a gasóleo, número do quadro ..., cilindrada..., emissão de partículas 0,0001 g/Km, emissão de gases CO2 189g/Km, com a matrícula definitiva ... proveniente da Alemanha, com 16.695 km percorridos, não pode este tribunal decidir doutra forma que não dando razão ao Requerente.

 

Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios

 

O Requerente pede ainda o reembolso parcial da quantia liquidada, no montante de € 3.124,98, acrescido de juros indemnizatórios.

 

Contudo, como resulta da matéria de facto fixada, não se provou que a Requerente tivesse efetuado o pagamento da quanta liquidada.

 

O reembolso de quantia paga por força de ato anulado e os juros indemnizatórios dependem, naturalmente, do pagamento indevido e da data em que ele tiver sido efetuado, pelo que não há fundamento factual para se decidir neste processo se o Requerente tem ou não direito a reembolso e a juros indemnizatórios.

 

A ter ocorrido pagamento, o Requerente, como consequência da anulação da liquidação, terá direito ao reembolso da quantia paga, na parte em a liquidação de imposto tem como pressuposto a não aplicação de uma desvalorização à componente ambiental, tendo também direito a juros indemnizatórios calculados sobre essa quantia, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, já que a anulação da liquidação se baseia em erro imputável aos serviços, pois as liquidações foram geradas, em exclusivo, por força do entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira. 

 

No tendo sido feita prova do pagamento, aqueles pedidos têm de ser julgados improcedentes, sem prejuízo dos direitos ao reembolso e ao pagamento dos juros indemnizatórios poderem ser reconhecidos à Requerente em execução de julgado, que é o meio processual adequado para os definir, quando não há elementos para esse efeito no processo declarativo (artigo 609.º, n.º 2, do CPC e 61.º, n.º 2, do CPPT).

 

4. Decisão

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

 

a) Julgar procedente o pedido de anulação parcial dos atos de liquidação n.º 2019/... e n.º 2019/..., praticados pelo Diretor da Alfândega do Jardim do Tabaco. Os atos são resultantes da apresentação da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2019/... de 16.09.2019 e referem-se ao Imposto Sobre Veículos (ISV) aplicado à operação de importação do veículo ligeiro de passageiros ..., matriculado na Alemanha com a matrícula alemã ... e com a matrícula nacional..., número do quadro ... .

b) Condenar a AT no pagamento das custas devidas;

c) Notificar o Ministério Público da decisão aqui proferida, nos termos do n.º 3 do artigo 17.º do RJAT.

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 3.124,98.

 

6. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00, de harmonia com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 20 de outubro de 2021

 

A Árbitro

Raquel Franco

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

4.            Elementos gerais do processo

 

A..., casado, com a morada na ..., Lisboa, portador do cartão de cidadão número ..., válido até 31 de Outubro de 2028, e do número de identificação fiscal..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para declaração de ilegalidade de atos de liquidação n.º 2019/...e n.º 2019/..., praticados pelo Diretor da Alfândega do Jardim do Tabaco. Os atos são resultantes da apresentação da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2019/... de 16.09.2019 referem-se ao Imposto Sobre Veículos (ISV) aplicado à operação de importação do veículo ligeiro de passageiros ..., matriculado na Alemanha com a matrícula alemã ... e com a matrícula nacional ..., número do quadro ... .

5.            Posição do Requerente

O Requerente alicerça o seu pedido de pronúncia arbitral em vício de ilegalidade das liquidações no que respeita ao cálculo da componente ambiental, por entender que a AT não contemplou a dedução na determinação do quantum referente àquela componente, quando deveria ter considerado a dedução no cálculo de ambas as componentes, cilindrada e ambiental. O Requerente fundamenta a sua posição, genericamente, na decisão proferida pelo CAAD no âmbito do Processo n.º 572/2018-T, de 30.04.2019.

Em consequência da procedência da impugnação, pede a restituição da quantia de € 3.124,98, acrescida de juros indemnizatórios.

6.            Posição da Requerida

Notificada para contestar, a AT apresentou a sua Resposta, onde sustenta a improcedência do pedido.

Começa por referir, relativamente ao valor da causa, que o Requerente não atribui valor à causa e não obstante o pedido arbitral se refira a ato de liquidação cujo montante total é de € 23.260,55, sendo peticionada a anulação parcial da liquidação e consequente restituição parcial no valor de € 3.124,98, deverá ser este o valor a atender para este efeito nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

Em segundo lugar, afirma não existirem dúvidas de que o ora Requerente é sujeito passivo do imposto, que, no caso concreto, procedeu à admissão do veículo em questão no território nacional, tendo processado a DAV respetiva através do sistema eletrónico, com vista à regularização fiscal, de acordo com os procedimentos que se encontram estabelecidos, dando lugar, na sequência da apresentação da declaração supra identificada, à liquidação do imposto de acordo com o direito constituído, atualmente em vigor, em conformidade também com o estatuído no n.º 3 do artigo 103.º da CRP .

Tratando-se de um veículo usado, encontra-se sujeito à taxa de imposto aplicável na introdução no consumo, que é a que resulta da aplicação dos artigos 7.º, n.º 1, alínea a) e 11.º do CISV.

Tratando-se de veículo ligeiro de passageiros, usado, movidos a gasóleo, com emissão de gases CO2 indicado na respetiva DAV, os serviços aduaneiros efetuaram o cálculo do imposto devido, por aplicação da tabela A prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea a), recorrendo igualmente à aplicação da redução por anos de uso prevista na tabela D no n.º 1 do artigo 11º do CISV para a componente cilindrada.

O Requerente não põe em causa a liquidação, que foi efetuada de acordo com a lei em vigor, o artigo 11.º, na sua atual redação, que lhe foi dada pelo artigo 217.º da Lei n.º 42/2016, de 28.12.2016, diploma que aprovou o Orçamento de Estado para 2017, mas a conformidade daquele preceito com o artigo 110.º do TFUE.

Sobre a questão concretamente colocada pelo Requerente, entende a AT que não pode estabelecer-se uma equiparação entre a componente cilindrada e a componente ambiental, nem, por isso, consequentemente, ver-lhe aplicados os mesmos critérios, até porque no caso da vertente ambiental, as razões que lhe estão subjacentes não coincidem com as que determinam a tributação que atende à cilindrada do veículo.

Face ao previsto no n.º 1, do artigo 11.º do CISV, constata-se que o legislador teve em consideração que a componente ambiental representa o custo do impacto ambiental, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 11.º do CISV, também suportada pelos veículos novos, devendo a mesma ser entendida como um montante que os sujeitos passivos pagam ao Estado, destinado a compensar os efeitos nefastos que o veículo automóvel causa ao ambiente, sendo que esse montante é progressivo em função das emissões de dióxido de carbono.

Isto porque, quanto maior for o nível de emissões de dióxido de carbono do veículo, maior será o montante de imposto relativo à componente ambiental, no estrito cumprimento do princípio do poluidor pagador, como já se aludiu, estando esta filosofia do imposto em conformidade com o referido princípio da equivalência, consagrado no artigo 1.º do Código do Imposto Sobre Veículos.

Pelo que, em nome da unidade e da coerência do modelo de tributação automóvel vigente em Portugal, a não aplicação da totalidade da componente ambiental aos veículos usados violaria os princípios suprarreferidos, tornando-se fonte de graves injustiças, já que beneficiaria claramente os veículos usados em detrimento dos novos, sem que, para tal, se encontrem razões válidas.

Em suma, destinando-se a componente ambiental a compensar os efeitos nefastos de qualquer redução em função da depreciação comercial ou dos anos de uso do automóvel, dado que o potencial poluidor do automóvel não diminui com a sua idade, muito pelo contrário, agrava-se, como é do conhecimento comum, a mesma não deve ser objeto de qualquer redução pois representa o “custo de impacte ambiental”, sendo o seu objetivo orientar a escolha dos consumidores para uma maior seletividade na compra dos automóveis, em função do seu grau poluidor.

No que concerne aos automóveis usados, não existem dúvidas que, quanto mais antigos, mais poluentes se tornam, e maiores serão as consequências nefastas para o meio ambiente, pretendendo-se orientar os consumidores na escolha de veículos com menores emissões de dióxido de carbono.

Assim, a interpretação do disposto no artigo 110.º do TFUE não poderá deixar de ter em consideração os objetivos ambientais acima referidos, sob pena de se gerarem incoerências insustentáveis entre a política fiscal e a política ambiental.

O pagamento da componente ambiental na totalidade não tem, pois, em vista restringir a entrada de veículos usados em Portugal, mas tão somente selecionar essa entrada, mediante a aplicação de critérios exclusivamente ambientais, não estando em causa a proteção da produção nacional, mas a proteção do ambiente, património do mundo e do qual depende a sobrevivência da espécie humana.

O modelo de fiscalidade automóvel vigente em Portugal está em perfeita sintonia com o disposto no artigo 191.º, n.º 2 do TFUE, na medida em que a tributação das emissões de dióxido de carbono nos veículos novos e usados pode entender-se como uma ação preventiva, destinada a evitar a degradação do ambiente, sujeitando os consumidores ao pagamento de um montante de imposto que depende do grau poluidor do automóvel, no estrito cumprimento do princípio do poluidor–pagador.

A aplicação do disposto no artigo 11.º do CISV não obsta à admissão de veículos usados em território nacional, nem tampouco visa impedir a realização de negócios jurídicos de compra e venda de veículos automóveis pois são processadas, diariamente, inúmeras declarações aduaneiras de veículos (DAV), de regularização fiscal de veículos em território nacional, provenientes de outros Estados-membros.

A componente ambiental do ISV existe para compensar um conjunto vasto de emissões poluentes dos veículos, incluindo o dióxido de carbono (CO2), o monóxido de carbono (CO), o óxido de azoto (NOx), hidrocarbonetos (HC), partículas (PM), hidrofluorocarboneto 134ª (HFC-134ª), metano (CH4), e protóxido de azoto (N2O).

Em suma, não se trata de criar nenhum obstáculo ao regular funcionamento do mercado único, mas sim de respeitar os compromissos nacionais e internacionais assumidos pelo Estado Português em matéria de defesa do ambiente, bem como pelos Estados-Membros, no acordo de Paris sobre as alterações climáticas, designadamente a neutralidade carbónica em 2050.

Assim, atribuir a mesma percentagem à componente ambiental que é aplicada à componente cilindrada resulta num verdadeiro contrassenso, atenta a natureza diferente daquelas componentes, equivalendo a defender que, não obstante os veículos sejam mais velhos e emitam mais agentes poluentes, devem ter uma redução, que até é progressiva, em função dos anos, e que, consequentemente, apesar de mais poluentes, pagam menos imposto. Tal interpretação deve considerar-se inconstitucional face ao disposto no n.º 2 do artigo 103.º da CRP. A mesma interpretação levaria ainda à violação do disposto nas alíneas f) e h) do n.º 2 do artigo 66.º da Constituição, onde se prevê que incumbe ao Estado assegurar o direito ao ambiente, a obrigação de prevenir e controlar a poluição e seus efeitos, promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito setorial, bem como assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida. Do mesmo modo, é incompatível com os princípios relativos à tributação do consumo, que visam adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo, conforme o consagrado no n.º 4 do artigo 104.º da CRP.

A Requerida sustenta ainda que exigir da administração fiscal a desaplicação da lei vigente implicaria, da parte desta, uma violação do disposto no artigo 266.º, n.º 2 da CRP.

Por outro lado, advoga ainda a violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva na medida em que, tendo o Requerente recorrido à arbitragem tributária para impugnar a liquidação, a administração encontra-se coartada no seu direito de reação face aos limitados meios de recurso perante a prolação de uma decisão arbitral desfavorável, em geral e, concretamente, quanto ao recurso de decisão que desaplica norma nacional com fundamento em violação de princípio de direito da União Europeia. Porque em sede arbitral não existe o clássico recurso de direito e de facto, em princípio a interpor para o Tribunal Central Administrativo competente, dado que as partes envolvidas, neste ponto específico, expressamente renunciaram ao auxílio dos Tribunais superiores, defendendo o Requerente a violação de um princípio do TFUE no caso concreto, e prevendo o RJAT que o recurso para o Tribunal Constitucional só pode ter como fundamento as alíneas a) e b) do artigo 70.º da Lei do TC, entende a AT que, a vingar tal interpretação, estamos perante uma violação do princípio do livre acesso aos tribunais.

Acrescenta ainda que a interpretação pugnada pelo Requerente configura uma desaplicação do direito internacional, mais precisamente do artigo 191.º do TFUE, do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris – que vincula o Estado Português, por força do artigo 8.º da CRP, bem como uma violação do disposto no n.º 1, e alíneas a), f) e h), do n.º 2, do artigo 66.º e do n.º 2 do artigo 103.º da CRP.

Finaliza, relativamente ao pedido de juros indemnizatórios, defendendo que este pressupõe que se apure a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido, o que não aconteceu no caso concreto na medida em que a liquidação em causa nos presentes autos decorreu exclusivamente da aplicação da lei em vigor, tendo aquela sido efetuada nos termos das normas aplicáveis, previstas no CISV, que determinam a exigibilidade e consequente liquidação do imposto e que, estando a AT e os seus órgãos, vinculados, na sua atuação, ao princípio da legalidade, a Requerida AT agiu sempre em obediência àquele e em conformidade com o direito em vigor, não podendo ter agido de modo diverso, não devendo, consequentemente, ser-lhe atribuído qualquer erro que lhe seja imputável, nos termos do artigo 43.º da LGT.

4. Decurso do processo

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 10 de fevereiro de 2020.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e ordenada a notificação das partes para, caso pretendessem, produzirem alegações. A Requerente não apresentou alegações e a Requerida manteve o que havia alegado na sua Resposta.

 

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

4.            Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

L)            No dia 23 de Agosto de 2019, o Requerente apresentou, por transmissão eletrónica de dados, a Declaração Aduaneira de Veículo para introdução no consumo do veículo ligeiro de passageiros, da marca ..., modelo ..., movido a gasóleo, número do quadro ..., cilindrada 2993cc3, emissão de partículas 0,0001 g/Km, emissão de gases CO2 189g/Km, com a matrícula definitiva ... proveniente da Alemanha, com 16.695 km percorridos.

M)          Tendo em consideração a data da primeira matrícula no país de origem, foi o veículo em questão considerado como um veículo com mais de um ano de uso (e até dois anos), para efeitos dos escalões da Tabela D, prevista no n.º 1, do artigo 11.º do Código do ISV, ao qual corresponde uma percentagem de redução de 20%.

N)           Na sequência da apresentação da DAV, foi o Requerente notificado do pagamento do ISV, ao abrigo da qual se fixava o dia 6 de Setembro de 2019 como data limite para o pagamento voluntário do imposto liquidado.

O)           No Quadro R da DAV, relativo ao cálculo do ISV, foi efetuado o cálculo deste imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, com recurso à aplicação da tabela aplicável aos veículos ligeiros de passageiros (Tabela A), pelo valor total de € 23.260,55.

P)           Do valor total de imposto, € 9.544,58 são relativos à componente cilindrada e € 15.624,89 são relativos à componente ambiental.

Q)           No que diz respeito à componente cilindrada, foi calculada a quantia correspondente a 20% do seu montante, no total de € 1.908,92, aplicável em virtude da redução resultante do número de anos do veículo, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no nº 1 do artigo 11º do Código do ISV aplicável aos veículos usados.

R)           No Quadro E da DAV, atinente às características do veículo, consta, na casa 50, relativa à Emissão de Gases CO2, o valor de 189g/Km emitidos pelo veículo.

S)            Relativamente ao montante de € 15.624,89, respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental, não foi aplicada qualquer percentagem de dedução.

T)            As liquidações do imposto relativas ao veículo identificado na DAV foram efetuadas na data indicada nos Quadros T e V da declaração (23.08.2019), constando desta, igualmente, a identificação da liquidação e data, o montante e termo final do prazo de pagamento, bem como a identificação do autor do ato.

U)           A liquidação de imposto foi efetuada de acordo com as normas ínsitas nos artigos 7.º, n.º 1, alínea a) e 11.º, n.º 1 e n.º 3.º do CISV, em vigor.

V)           O Requerente foi notificado da liquidação n.º 2019/... e da liquidação n.º 2019/..., de 23 de Agosto de 2019, relativas ao montante de ISV liquidado pela Alfândega de Jardim do Tabaco, no valor total de € 23.260,55, tendo o Requerente pago a totalidade do imposto dentro do prazo estipulado.

 

5.            Factos não provados

 

Não existem factos relevantes para a causa que não tenham sido considerados provados.

 

6.            Fundamentação da matéria de facto considerada provada e não provada

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e constantes do processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e na alegação de factos não questionados.

 

II. Matéria de direito

 

A questão que se coloca perante o Tribunal neste processo diz respeito à legalidade da liquidação de ISV efetuada ao Requerente na sequência da introdução no consumo do veículo identificado na matéria dada como provada.

 

De acordo com o Requerente, a liquidação está ferida de um vício de ilegalidade, no que concerne ao cálculo da componente ambiental, por não ter sido aplicada qualquer redução em virtude de anos de uso. Em seu entender, a não aplicação da redução constitui uma violação do artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), de acordo com o qual “Nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros, imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares. Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indiretamente outras produções.”

 

Para o Requerente, a aplicação do ISV nos termos em que ocorreu implica uma violação da liberdade de circulação de mercadorias entre Estados membros da UE.

 

O ISV tem por base as componentes referentes aos centímetros cúbicos por cilindrada (cm3) (componente cilindrada) e aos gramas de CO2 por quilómetro (componente ambiental), às quais são aplicadas as taxas previstas nos artigos 7.º a 11.º do CISV. Estas taxas não incidem sobre o valor do automóvel, tendo antes por base os centímetros cúbicos por cilindrada (cm3) (componente cilindrada) e os gramas de CO2 por quilómetro (componente ambiental), permitindo-se, através desta, uma tributação progressiva em função do nível de CO2g/km.

 

Nos termos o n.º 1 do artigo 11.º do Código do ISV “o imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional (…)”.

 

Nota o Requerente que, na redação do n.º 1 do artigo 11.º do Código do ISV, aplicado na liquidação do ISV em causa nos presentes autos, está especificamente excluída a redução por depreciação da componente ambiental e que, ao não prever esta redução, à luz da jurisprudência referida, o montante do ISV calculado excede o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados matriculados no território nacional. Em consequência, os veículos importados sofrem de uma carga fiscal mais elevada, resultando numa clara discriminação de veículos importados dos outros estados-membros da UE, em violação do artigo 110.º do TFUE.

 

Refere ainda a jurisprudência do TJUE segundo a qual “este artigo (110º do TFUE) é violado sempre que a imposição que incide sobre o artigo importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculados de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam (…) a uma imposição superior do produto importado (…)”, sendo que “(…) um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares, disponíveis no mercado nacional (…)” .

 

Conclui o Requerente que o ISV liquidado com base nas normas do Código do ISV em vigor à data da DAV, com redução por amortização da componente da cilindrada, mas sem redução por amortização da componente ambiental do imposto, ultrapassa o montante do ISV contido no valor residual dos veículos usados similares, matriculados no território nacional. Aliás, a amortização dos veículos matriculados no território nacional é aplicada à totalidade do custo de aquisição dos mesmos, sem distinção de quaisquer componentes do custo na aplicação de redução por amortização. Com efeito, o ISV incidente sobre o veículo importado dos Estados-Membros da UE resulta numa imposição superior sobre estes veículos, que constitui, na opinião do Requerente, uma inequívoca violação do Direito Europeu. Adicionalmente, refere ainda que a Comissão Europeia iniciou o procedimento de infração contra Portugal porque “considera que a legislação portuguesa não é compatível com o artigo 110.º do TFUE, na medida em que os veículos usados importados de outros Estados-Membros são sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado português, uma vez que a sua depreciação não é plenamente tida em conta”.

 

Em consequência da ilegalidade da liquidação na parte em que não considerou aplicável a redução de ISV relativa à componente ambiental, em conformidade com o disposto no artigo 110º do TFUE, sustenta o Requerente que o mesmo deve ser anulado (parcialmente), e o ISV reduzido pela parcela de amortização, que para os veículos entre um e dois anos de idade se iguala aos 20%, aplicada à componente ambiental.

 

A AT sustenta que, em nome da unidade e da coerência do modelo de tributação automóvel vigente em Portugal, a não aplicação da totalidade da componente ambiental aos veículos usados violaria o princípio da equivalência e seria fonte de graves injustiças, já que beneficiaria claramente os veículos usados em detrimento dos novos, sem que, para tal, se encontrem razões válidas. Ou seja, destinando-se a componente ambiental a compensar os efeitos nefastos de qualquer redução em função da depreciação comercial ou dos anos de uso do automóvel, dado que o potencial poluidor do automóvel não diminui com a sua idade, muito pelo contrário, agrava-se, a mesma não deve ser objeto de qualquer redução pois representa o “custo de impacte ambiental”, sendo o seu objetivo orientar a escolha dos consumidores para uma maior seletividade na compra dos automóveis, em função do seu grau poluidor.

 

O ISV é um imposto que incide uma única vez sobre os veículos, no momento do registo da matrícula em Portugal. Os veículos usados adquiridos em Portugal não são sujeitos a ISV, dado que este imposto já terá sido pago no momento em que lhes foi atribuída a primeira matrícula em Portugal. Ou seja, os veículos adquiridos em novo em Portugal são sujeitos a ISV e os veículos adquiridos no estrangeiro que sejam posteriormente matriculados em Portugal são também sujeitos a ISV. A comparação entre a compra de um veículo usado no estrangeiro e a compra de um veículo usado em Portugal não pode, por conseguinte, ser feita para efeitos de ISV.

 

A base da argumentação do Requerente, portanto, é uma comparação entre o ISV pago quando um veículo usado importado é registado em Portugal e o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados matriculados no território nacional. Em seu entender, o facto de, na tributação que ocorre sobre os veículos usados importados, estar especificamente excluída a redução por depreciação da componente ambiental redunda na circunstância de o montante do ISV calculado exceder o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados matriculados no território nacional. Em consequência, os veículos importados sofrem de uma carga fiscal mais elevada, resultando numa discriminação de veículos importados dos outros Estados membros da UE, em violação do artigo 110.º do TFUE.

 

A norma do artigo 11.º do Código do ISV aplicável ao presente caso dispõe que “O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional:”

 

Ou seja, o imposto é calculado de acordo com as regras gerais exceto no que respeita à componente cilindrada. Quanto a esta, é aplicada uma percentagem de redução associada à desvalorização comercial média dos veículos no mercado português. Sustenta o Requerente que também a componente ambiental deveria ser alvo de um cálculo específico no momento da compra do veículo usado importado de outro Estado membro para se obter uma equiparação entre essa situação e a de compra de um veículo usado em Portugal.

 

Na redação original do artigo 11.º do CISV, previa-se, diferentemente, o seguinte:

“Artigo 11.º

Taxas - veículos usados

1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-membros da União Europeia é objecto de liquidação provisória feita em função da desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional, ponderados factores como a respectiva marca, modelo, modo de propulsão, quilometragem, estado mecânico e de conservação, atentos os valores médios que resultam das publicações de referência no sector, apresentadas pelo interessado e reduzindo-se o imposto de acordo com a tabela seguinte:

TABELA D

(ver documento original)

2 - Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por «tempo de uso» o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respectivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.

3 - Sempre que o sujeito passivo entenda que o imposto resultante da aplicação da tabela referida no n.º 1 excede o imposto residual incorporado em veículo idêntico ou similar, introduzido no consumo no ano da primeira matrícula do veículo em apreço, pode requerer a sua avaliação ao director da alfândega até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto de acordo com a fórmula seguinte:

ISV = (V x IR)/VR

em que

ISV - representa o montante do imposto a pagar;

V - representa o valor comercial do veículo a determinar pelo director da alfândega, após avaliação concreta do seu estado de conservação, feita em função dos elementos referidos no n.º 1;

IR - representa o imposto sobre veículos incidente sobre o veículo de referência no ano da primeira matrícula do veículo a tributar;

VR - é o preço de venda ao público de um veículo de referência no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez.

4 - Na falta de pedido de avaliação formulado nos termos do número anterior presume--se que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1.

5 - A impugnação judicial da liquidação do imposto com o fundamento de que o respectivo montante excede o imposto residual incorporado em veículo usado idêntico ou similar introduzido no consumo no ano da primeira matrícula do veículo a que o imposto diz respeito depende de pedido prévio de avaliação do veículo apresentado nos termos do presente artigo.”

 

Após um primeiro processo por infração da Comissão Europeia, Portugal alterou a redação do artigo 11.º do CISV, em 2011, através do artigo 113.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, que estabelecia o seguinte:

“Artigo 11.º

[...]

1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objecto de liquidação provisória, com base na aplicação das percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respectiva, as quais estão associadas à desvalorização social média dos veículos no mercado nacional, calculada com referência à desvalorização comercial média corrigida do respectivo custo de impacte ambiental:

...

2 - ...

3 - Sem prejuízo da liquidação provisória efectuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado nos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao director da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do Artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto:

ISV = (V/VR) x (Y + C)

em que:

ISV representa o montante do imposto a pagar;

V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência indicado nas publicações especializadas do sector, apresentadas pelo interessado, ponderado, mediante avaliação do veículo, caso se justifique, em função de determinados factores concretos, como a quilometragem, o estado mecânico e a conservação;

VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez;

Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;

C é o 'custo de impacte ambiental', aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela.

4 - ...

5 - ...”

 

Mais tarde, no âmbito do processo 20122178, a Comissão Europeia teve oportunidade de se pronunciar sobre o ISV aplicável à importação de automóveis usados, tendo, na altura, instado formalmente Portugal a alterar a sua legislação sobre a tributação dos veículos usados importados pelo facto de o cálculo do valor tributável dos veículos usados introduzidos em Portugal provenientes de outro Estado-Membro não ter em conta o valor real do veículo. Para essa conclusão concorriam dois fatores: não ser tida em conta qualquer desvalorização antes de o veículo ter um ano de idade nem no caso de veículos com mais de cinco anos de idade. Nessa medida, a Comissão dirigiu à República Portuguesa, em 22 de novembro de 2012, uma notificação para cumprir na qual considerou que o artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos não observava o artigo 110.° TFUE. Salientou que do referido artigo 11.° resultava uma discriminação dos veículos automóveis usados provenientes de outros EstadosMembros na medida em que o montante do referido imposto calculado nos termos deste último artigo não refletia a desvalorização real sofrida pelos veículos automóveis usados similares já matriculados em Portugal e, em particular, na medida em que, por um lado, nenhuma desvalorização dos veículos automóveis usados importados com menos de um ano era tida em conta e, por outro, que a desvalorização dos veículos com mais de cinco anos era limitada a 52%: “(…) devido ao artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos, os veículos automóveis usados da União, com menos de um ano, admitidos em Portugal, são tributados como veículos novos, o que constitui, segundo a Comissão, uma violação do artigo 110.° TFUE. (…) Além disso, os veículos automóveis continuam a desvalorizarse depois de decorridos cinco anos de utilização, facto de que resulta que os veículos automóveis usados provenientes de outros EstadosMembros, utilizados há mais de cinco anos, são sujeitos a um imposto de montante mais significativo do que os veículos automóveis usados similares inicialmente introduzidos no mercado em Portugal, o que também é contrário ao artigo 110.° TFUE.”  Estes eram, portanto, os dois aspetos de fundo em causa para a Comissão: os veículos usados com menos de 1 ano e os veículos usados com mais de 5 anos .

 

O outro ponto da Comissão tinha a ver com o facto de “nos termos do artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos, na medida em que a liquidação provisória do montante desse imposto é efetuada com base na tabela de percentagens fixas prevista neste artigo, o sujeito passivo tem de pagar o imposto no prazo de dez dias úteis. Se este sujeito passivo considerar que este montante é excessivo, pode requerer, observando o mesmo prazo, uma avaliação do veículo tendo em vista a liquidação definitiva do montante do imposto. No entanto, a regulamentação portuguesa não prevê nenhum prazo para efetuar esta avaliação, pelo que a Administração nacional recebe o imposto em causa entre a data da sua liquidação provisória e a data da sua liquidação definitiva. Na prática, em todos os casos em que se trate de um veículo automóvel usado importado de outro EstadoMembro para Portugal e com menos de um ano ou que tenha sofrido uma desvalorização superior a 52%, o sujeito passivo tem de requerer uma avaliação para verificar se o montante do imposto sobre veículos não excede o imposto residual incorporado no valor de veículos similares matriculados em Portugal e se este não é, assim, excessivo.” A este argumento Portugal respondeu que “ao contrário do que a Comissão afirma, o sujeito passivo não tem de pagar o imposto sobre veículos imediatamente, com base numa liquidação provisória do imposto. Esta última só se torna definitiva e este imposto só tem de ser pago se o sujeito passivo não requerer uma avaliação do veículo.”

A apreciação do Tribunal começa por identificar a potencial violação do Direito da União Europeia em causa:

“23 Conforme resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 110.° TFUE tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os EstadosMembros, em condições normais de concorrência, através da eliminação de qualquer forma de proteção que possa resultar da aplicação de imposições internas que sejam discriminatórias para os produtos originários de outros EstadosMembros (v., designadamente, acórdãos de 18 de janeiro de 2007, Brzeziński, C313/05, EU:C:2007:33, n.° 27, e de 7 de abril de 2011, Tatu, C402/09, EU:C:2011:219, n.° 34).

24  Este artigo é violado sempre que a imposição que incide sobre o produto importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculadas de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado (acórdãos de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C393/98, EU:C:2001:109, n.° 21; de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin, C101/00, EU:C:2002:505, n.° 53; e de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C74/06, EU:C:2007:534, n.° 25)

25  Assim, a cobrança, por um EstadoMembro, de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro EstadoMembro é contrária ao artigo 110.° TFUE, quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional (v., designadamente, acórdãos de 9 de março de 1995, Nunes Tadeu, C345/93, EU:C:1995:66, n.° 20, e de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C393/98, EU:C:2001:109, n.° 23).

26 Para efeitos da aplicação do artigo 110.° TFUE e, em especial, para efeitos da comparação entre o regime de tributação dos veículos usados importados e o dos veículos usados comprados no mercado nacional, que constituem produtos similares ou concorrentes, deve tomarse em consideração não apenas a taxa da imposição interna que incide direta ou indiretamente sobre os produtos nacionais e os produtos importados mas também a matéria coletável e as modalidades do imposto em causa. Mais precisamente, um EstadoMembro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C74/06, EU:C:2007:534, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida).”

 

Após esta decisão do TJUE, Portugal introduziu uma alteração no Código do ISV, através do artigo 217.º da Lei n.º 42/2016, de 28.12, que alterou a redação do artigo 11.º para os seguintes termos:

“Artigo 11.º

[...]

1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional:

TABELA D

 

2 - ...

3 - Sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado dos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto:

ISV=((V/VR) x Y) + C

em que:

ISV representa o montante do imposto a pagar;

V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor, apresentadas pelo interessado;

VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez;

Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;

C é o «custo de impacte ambiental», aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela.

4 - ...

5 - ...”

 

Comparando o disposto no número 1 do artigo 11.º introduzido em 2017 com o número 1 do artigo 11.º que vigorava desde 2011, temos o seguinte:

             2011 – o imposto é apurado de acordo com a tabela aplicável ao veículo em questão, sendo o valor apurado corrigido por aplicação das percentagens de redução previstas na tabela D. Estas percentagens de redução estão associadas à desvalorização social média dos veículos no mercado nacional calculadas com referência à desvalorização comercial média corrigida do custo de impacte ambiental.

             2017 – o imposto é apurado nos termos das regras gerais do CISV com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D. Estas percentagens estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional.

 

Assim, desde 2017 que a parte do ISV que incide sobre a componente ambiental é igual para todos os veículos usados que tenham a mesma cilindrada. Ou seja, para o mesmo nível de emissões de CO2 os veículos pagam o mesmo, independentemente da sua idade.

 

O Requerente juntou ao pedido de pronúncia arbitral um comunicado da Comissão Europeia, datado de 24.01.2019, do qual consta o seguinte excerto relativamente à matéria que nos interessa:

“A Comissão decidiu hoje dar início a um procedimento de infração contra Portugal por este Estado-Membro não ter em conta a componente ambiental do imposto de matrícula aplicável aos veículos usados importados de outros Estados-Membros para fins de depreciação. A Comissão considera que a legislação portuguesa não é compatível com o artigo 110.º do TFUE, na medida em que os veículos usados importados de outros Estados-Membros são sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado português, uma vez que a sua depreciação não é plenamente tida em conta. Se Portugal não atuar no prazo de dois meses, a Comissão poderá enviar um parecer fundamentado sobre esta matéria às autoridades portuguesas.”

 

Encontram-se, portanto, em marcha procedimentos próprios para se aferir da eventual violação do Direito da União Europeia por parte da norma em causa no presente processo, isto é, o artigo 11.º do CISV. Por esta razão, entende este Tribunal que faz sentido suspender a instância e remeter a questão para o TJUE, através do mecanismo do reenvio prejudicial. Nestes termos, tendo em conta que «compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça» (acórdãos do TJUE Acórdão de 10 de julho de 2018, processo C-25/17, e de 02-10-2018 processo C-207/16), formula-se a seguinte questão em

 

Reenvio prejudicial:

 

O disposto no artigo 110.º do TFUE opõe-se a uma legislação nacional como a que se encontra vertida no artigo 11.º do Código do Imposto Sobre Veículos, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho, na sua redação atual, nos termos da qual os veículos importados para Portugal, no estado de usados, provenientes de outro Estado membro da União Europeia, são sujeitos a uma liquidação de ISV nos termos da qual este é apurado de acordo com as suas regras gerais à exceção apenas da componente cilindrada – à qual são aplicáveis percentagens de redução associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional –sem que seja tida em conta a componente ambiental do imposto?

 

Nestes termos, decide-se suspender a instância até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a questão referida, ordenando-se a passagem de carta, a dirigir pela secretaria do CAAD à daquele, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópias da presente decisão, do pedido de pronúncia arbitral e documentos juntos, da resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira e do processo administrativo.

 

Lisboa, 08 de abril de 2020

  

A Árbitro

Raquel Franco