Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 297/2020-T
Data da decisão: 2020-12-22  ISV  
Valor do pedido: € 40.847,14
Tema: ISV – Admissão de veículo automóvel usado de outro Estado membro da EU – Incidência sobre a componente ambiental.
Versão em PDF

SUMÁRIO:

 

1.            A revisão do acto tributário com fundamento em erro imputável aos serviços deve ser efectuada pela administração tributária por sua própria iniciativa, nos termos do art. 78º da LGT, mas, como resulta do seu nº 7, o contribuinte tem o direito a pedir que seja cumprido esse dever dentro dos limites temporais em que a AT o pode exercer.

2.            A actual legislação portuguesa vertida no artigo 11º do Código de Imposto sobre Veículos não está em conformidade com o direito comunitário, designadamente, com o disposto no artigo nº 110º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (aplicável por força do artigo 8º, nº 4 da Constituição da República), ao não considerar aplicável a redução de ISV à componente ambiental, permitindo que o imposto calculado ultrapasse o montante de ISV contido no valor residual de veículos usados similares nacionais.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

A. – PARTES

A... UNIPESSOAL, LDA., a seguir designada por Requerente, com o NIPC..., e sede na Rua ..., nº ... –..., ...-... Lisboa, veio requerer em 8 de Junho de 2020 a constituição do tribunal arbitral singular em matéria tributária, ao abrigo do prescrito no art. 2º, nº 1, alínea a) do Decreto – Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico de Arbitragem Tributária - RJAT) e nos arts. 1º, alínea a) e 2º da Portaria nº 112 – A/2011, de 22 de Março, com a finalidade de ser dirimido o litígio que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, que doravante será designada por Requerida.

 

B. – CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL

1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerente e à Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira em 08/06/2020, Requerida esta que designou juristas para a representar por despacho comunicado em 29/07/2020, tendo o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designado o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto no art. 6º, nº 1, do RJAT, em 03/08/2020,  encargo este que foi aceite, nos termos legalmente estabelecidos.

2. Em 03/08/2020, as Partes foram notificadas dessa designação, nos termos das disposições combinadas do art. 11º, nº 1, alínea b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.

3. Nestas circunstâncias, o Tribunal foi constituído em 02/09/2020, nos termos do preceituado na alínea c), do nº 1, do art. 11º do Decreto – Lei nº 10/2011, o que foi notificado às Partes nessa data.

                                          

C. – PRETENSÃO

     A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral proceda à anulação parcial da liquidação de ISV, no valor de 40.847,14 euros, nos termos descritos no Pedido de Pronúncia Arbitral, e, em consequência

     Determine a restituição da quantia que foi paga pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal em vigor à data do pagamento, desde a data do pagamento do imposto até efectiva restituição.

 

D. – TRAMITAÇÃO DO PROCESSO

     Após a comunicação da data da constituição do Tribunal Arbitral, em 02/09/2020, seguiram-se os posteriores termos processuais na forma seguinte:

- Em 02/09/2020 – Foi notificada a Requerida para nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 17º do RJAT, apresentar Resposta no prazo de 30 dias e, querendo, solicitar produção de prova adicional e juntar o processo administrativo.

- Em 02/10/2020 – A Requerida apresentou Resposta ao Pedido de Pronúncia Arbitral e inseriu na “Plataforma” on line do CAAD o processo administrativo, tendo sido, de tudo, notificada a Requerente em 06/10/2020.

- Em 07/10/2020 – O Tribunal exarou um despacho arbitral, que foi notificado às Partes, visando:

    - Dispensar a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT, em aplicação dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade e da simplificação e das informalidades processuais (arts. 19, nº 2 e 29, nº 2 do RJAT), tendo em conta que a matéria de facto relevante para a decisão poderá ser fixada com base na prova documental.

    - Determinar o prosseguimento do processo, mediante a notificação das Partes, para apresentarem alegações escritas, no prazo sucessivo de quinze dias;

    - Solicitar, ao abrigo do princípio da colaboração, a remessa das peças processuais em formato word.

    - Fixar como data previsível para a prolação da decisão arbitral o dia 21 de Dezembro de 2020.

    - Em 26/10/2020 - A Requerente apresentou alegações escritas e respondeu à excepção de caducidade deduzida pela Requerida na Resposta.

 

    - Em 28/10/2020 - A Requerida apresentou alegações escritas

 

    - Em 22/12/2020 – Prolação da decisão.

 

E. – PRETENSÃO DA REQUERENTE E SEUS FUNDAMENTOS

      A fundamentar o Pedido de Pronúncia Arbitral, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

 

   - A Requerente importou com origem na Alemanha, o veículo automóvel de passageiros, usado, marca ..., modelo ..., ..., movido a gasolina, destinado ao seu uso próprio.

 

     - O referido veículo tinha sido matriculado pela primeira vez no seu país de origem, Alemanha, em 01/04/2005 e tinha, antes da sua entrada em território nacional, percorrido 20.700 Km.

 

      - A Requerente procedeu à declaração aduaneira do referido veículo, tendo a AT liquidado o ISV (Imposto Sobre Veículos) pelo valor de 55.740,73€, imposto que já foi pago integralmente.

 

     - Deste valor liquidado, 23.408,98€, corresponde à componente cilindrada e 51.058,93€, à componente ambiental.

 

       - Relativamente à componente cilindrada, aquele valor foi deduzido pela quantia correspondente a 80% do seu montante, ou seja, 18.727,18€, por força da redução resultante do número de anos de uso do veículo.

 

       - Apesar da Requerente ter procedido ao pagamento do imposto liquidado, sem o qual não poderia legalizar o veículo para poder circular em Portugal, considera que a liquidação efectuada do ISV está ferida de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental ou CO2.

 

       - E isto porque a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação - art. 11º do CISV - viola o art. 110º do TFEU (Tratado de Funcionamento da União Europeia), conforme foi já declarado por acórdão transitado em julgado do Tribunal de Justiça da União Europeia e por outras decisões proferidas por este Centro de Arbitragem.

 

       - Com efeito, o Imposto sobre Veículos, criado em 2007, através da Lei 22-A/2007, tem por incidência, entre outros factos tributários, a admissão de veículos tributáveis, por oposição aos veículos que pelas suas características são isentos, em território nacional provenientes de outro Estado-membro da União Europeia.

 

       -  Incidência, que se aplica aos veículos novos e usados, sendo que nos presentes autos apenas está em apreciação a admissão de um veículo usado.

 

       -  O cálculo do ISV incide sobre a cilindrada do veículo e a sua emissão de CO2, ou seja a componente cilindrada e a componente ambiental

 

         - De acordo com a redação inicial do art. 11º do CISV, no caso da admissão de veículos usados, aplicava-se no cálculo do imposto uma percentagem de redução conforme o número de anos do veículo.

 

         - Redução essa equiparável à desvalorização comercial média dos veículos usados comercializados no mercado nacional.

 

          - Essa desvalorização era crescente, tendo o seu início após o primeiro ano de uso e o seu termo no final do quinto ano de uso.

 

         - Sendo que, após o quinto ano, a percentagem de redução se mantinha inalterada.

 

         - Ou seja, considerou o legislador nacional, à data da criação do ISV, que os veículos usados admitidos em Portugal, provenientes de outros Estados-membros, apenas se desvalorizavam, relativamente aos veículos novos, após um ano de uso e que a partir do quinto ano não sofriam mais nenhuma desvalorização. Veja-se o teor da Tabela D do art. 11º do ISV, na sua redação inicial que previa para os veículos com 1 a 2 anos, uma desvalorização de 20%, de mais de 2 a 3 anos – 28%; mais de 3 a 4 anos – 35%; mais de 4 a 5 anos – 43% e mais de 5 anos - 52%.

 

         - Desde a entrada em vigor deste art.º. 11º e da tabela anexa, que os importadores de automóveis usados admitidos em Portugal originários de outro Estado-membro, reclamaram junto das entidades competentes o facto desta tabela de reduções discriminar negativamente os veículos admitidos, leia-se importados, em Portugal, relativamente aos veículos usados transacionados em Portugal.

 

       -  Com efeito, é sabido que qualquer veículo novo, independentemente das suas características, designadamente marca, modelo ou cilindrada, se desvaloriza logo que é posto em circulação, ou seja, “logo que sai do stand”.

 

      - Pelo que, considerar-se que um veículo proveniente de um Estado-membro só sofria uma desvalorização ao fim de um ano de uso, não respeitava a realidade do mercado automóvel e penalizava injustificadamente os veículos usados importados.

 

    - O mesmo se diga, relativamente aos veículos com mais de cinco anos de uso, pois é sabido que um veículo com mais de cinco anos continua a desvalorizar-se nos anos seguintes.

 

    - Sendo que a desvalorização de um veículo com 6, 7 ou 10 anos de uso, é necessariamente superior à de um veículo com 5 anos.

 

    - Acresce ainda que na redação inicial do art. 11º, esta redução apenas se aplicava à componente cilindrada dos veículos e não à componente ambiental (CO2), provocando, também por este motivo, um critério desigual no cálculo do ISV relativamente a veículos usados matriculados em Portugal e aos veículos admitidos em Portugal, matriculados noutros Estados-membros.

 

       - Já que, relativamente aos veículos originariamente matriculados em Portugal, a desvalorização incidia sobre as duas componentes.

 

- Perante esta opção do legislador, os importadores desses veículos, à data representados pela Associação Portuguesa de Importação de Veículos, reagiram junto de várias instâncias públicas, designadamente a Provedoria de Justiça e a Comissão Europeia.

 

      - No sentido de serem eliminados os tratamentos desiguais e discriminatórios dados aos veículos usados admitidos em Portugal, relativamente aos veículos usados matriculados e comercializados em Portugal.

 

- E que determinava que um veículo usado proveniente de outro Estado-membro, pagasse mais ISV, relativamente aos veículos idênticos matriculados em Portugal.  

 

- O que se traduzia numa violação clara do disposto no art. 110º do TFUE (Tratado de Funcionamento da União Europeia).

 

- Fruto destas reclamações, a Comissão Europeia instaurou o processo por infração 2009/2296 contra a República Portuguesa, com base no facto de não ser tida em conta a depreciação dos veículos para efeitos do cálculo da componente ambiental do ISV.

 

- Processo que foi encerrado após uma pertinente alteração ao Código do ISV, introduzida pela Lei nº 55-A/2010, de 31-12, que aprovou o Orçamento do Estado para 2011.

 

- O legislador português, antecipando a instauração de uma ação de incumprimento pela Comissão Europeia, introduziu a necessária alteração legislativa, pondo assim termo à ilegalidade que tinha estado na origem do processo por infração nº 2009/2296.

 

- E assim, com esta alteração legislativa, ficou resolvida uma parte da ilegalidade, não ficando contudo sanada a ilegalidade que dizia respeito à desvalorização dos veículos até ao final do 1º ano de uso e após os 5 anos de uso.

 

- Face à manutenção desta divergência entre os cálculos de ISV entre os veículos usados matriculados em Portugal e os veículos usados provenientes de outros estados-membros, e consequente tratamento desigual destes últimos, a Comissão Europeia instaurou um novo processo que revestiu a natureza de ação por incumprimento contra a República Portuguesa, que correu termos com o nº C-200/15.

 

- Tendo sido proferido o respetivo Acórdão em 16.06.2016, tendo o Tribunal de Justiça decidido o seguinte: “A República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro estado-membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta uma desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do art. 11º do TFUE”.

 

-  Depois de transcrever passagens deste Acórdão, refere que  na sequência deste acórdão que declarou o incumprimento pela República Portuguesa do art. 110º do TFUE, o legislador nacional introduziu uma nova alteração ao CISV, através da Lei 42/2006 de 27 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2017).

 

- Alteração concretizada através de uma nova redação do art. 11º do CISV e da tabela D que integra esse mesmo artigo.

 

- Analisada essa tabela, conclui-se que o Estado Português respeitou o decidido pelo Tribunal Europeu naquele referido acórdão, ao alargar as percentagens de redução ao primeiro ano de uso do veículo, prolongando-a até aos 10 e mais anos de uso.

 

- Todavia, a par desta alteração, foi introduzida uma outra, bem mais gravosa para o cálculo do ISV.

 

- Com efeito, o legislador, com a nova redação dada ao art. 11º, voltou a limitar a aplicação das percentagens de redução apenas à componente cilindrada, excluindo-a da componente ambiental (emissão de CO2).

 

- Atente-se na nova redação do artigo 11º e da alteração da fórmula contida nesse mesmo artigo para, sem qualquer dúvida, se chegar a essa conclusão.

 

- Diz o nº 1 daquela disposição legal, que o ISV é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente código, com exceção da componente cilindrada, à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D.

 

- Ou seja, com esta alteração, o legislador retrocedeu ao ano de 2010 e voltou a pôr em vigor uma norma jurídica, que tinha sido já objeto de um processo instaurado pela Comissão Europeia e que esteve na base da alteração legislativa operada com a Lei 55-A/2010 de 31 de Dezembro.

 

- Limitando a tabela de redução para cálculo do ISV à componente cilindrada e excluindo-a da componente ambiental (emissão do CO2).

 

- O legislador português, aproveitando o facto do Acórdão do Tribunal de Justiça apenas se ter debruçado sobre a componente cilindrada, aproveitou para repor a exclusão da redução da componente ambiental que tinha sido já objeto de alteração legislativa anterior, imposta ou recomendada pela Comissão Europeia.

 

- A norma atualmente em vigor, e que esteve na base da liquidação do imposto pago pelo Impugnante, viola frontalmente o art. 110º do TFUE, conforme foi já decidido pelo acórdão acima citado.

 

- Viola a citada norma do tratado, pois permite que a Administração Fiscal cobre um imposto sobre os veículos importados, com base num valor superior ao valor real do veículo.

 

- Onerando-os com uma tributação fiscal superior à que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. 

 

- Onerando esses veículos com um ISV mais elevado, tornando-os mais caros, relativamente a veículos equivalentes matriculados em Portugal.

 

- A AT não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo.

 

- E tendo por base uma tributação mais onerosa destes veículos, relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional.

 

     - O valor do veículo usado importado utilizado pela AT como base de tributação, deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional.

 

         - Esta última alteração legislativa, que numa primeira análise parecia ter acatado a decisão proferida pelo Tribunal Europeu que visava impedir um tratamento desfavorável dos veículos importados, acabou por agravar ainda mais o cálculo do ISV, relativamente à versão anterior do art. 11º.

 

- Já que aplicou a redução resultante dos anos de uso do veículo apenas à componente cilindrada, desconsiderando-a relativamente à componente ambiental.

 

- Ou seja, o legislador português, “deu com uma mão o que acabou por tirar com a outra”.

 

- Antes, aplicava a tabela de reduções às duas componentes do cálculo do imposto – a cilindrada e a emissão de CO2 - embora desconsiderasse a desvalorização dos veículos importados durante o primeiro ano de uso e após o quinto ano de uso.

 

- Agora, já considera a desvalorização dos veículos por um período consentâneo com a realidade do mercado automóvel de veículos usados português, mas desconsidera essa desvalorização na componente mais relevante no cálculo do imposto – a emissão de CO2.

 

- Esta alteração determinou assim que o preço dos veículos usados admitidos em Portugal fosse agravado pelo aumento do ISV a pagar por essa importação.

 

- Ao passo que os comercializados internamente, não sofreram qualquer agravamento ao nível do ISV.

 

- Em sua opinião, o montante do imposto, calculado sem tomar em consideração a depreciação real do veículo, excede o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados em território nacional.

 

- Pelo que conclui, afirmando que a norma do art. 11º do CISV, viola diretamente o disposto no art. 110º do TFUE.

 

- Violação que foi já reconhecida por duas decisões da União Europeia, uma das quais o já referido acórdão do Tribunal de Justiça.

 

- A AT quando procedeu à liquidação do ISV sob a presente impugnação, não levou em consideração o número de anos de uso do veículo na sua componente ambiental, tendo apenas considerado essa redução na componente cilindrada.

 

- Tendo-o feito com o recurso a uma norma jurídica que viola o direito europeu – art. 110º do TFUE – que, como tal, está ferida de ilegalidade.

 

- Esta ilegalidade, foi objeto de uma queixa apresentada em 20.07.2017 junto da Comissão Europeia, que deu origem à instauração de um processo de infração contra Portugal, a que foi atribuído o nº CHAP (2017) ... .

 

 - Que deu origem à emissão do parecer fundamentado pela CE, na sequência do qual esta entidade decidiu, em 12.02.2020, interpor contra Portugal uma nova ação no Tribunal de Justiça da União Europeia.

 

- Depois de referir jurisprudência do CAAD, em que, segundo diz, terá sido anulada parcialmente a liquidação do ISV, na parte respeitante à não redução da componente CO2 (Processos nºs. 572/2018-T, 346/2019-T, 350/2019-T e 459/2019-T), alega que, se subsistirem dúvidas sobre a interpretação e aplicação do disposto no art. 110º do TFUE, deve este Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial desta questão ao Tribunal de Justiça para a interpretação da mesma à luz do Tratado. 

 

- Questão que deve ser formulada de forma a aquele Tribunal esclarecer se a norma constante do art. 11º do CISV, viola ou não o disposto no referido artigo do Tratado, porquanto discrimina negativamente os veículos usados admitidos no espaço português, provenientes de um outro Estado-membro, relativamente aos que são matriculados e comercializados em Portugal.

 

- Mais alega a Requerente que, em 02/04/2020, requereu junto da Alfândega de Leixões ao abrigo do disposto no art. 78º da LGT, a revisão da liquidação do referido imposto liquidado referente ao veículo acima identificado.

 

- Tal pedido de revisão foi indeferido, por despacho proferido pelo Diretor da Alfândega de Leixões, notificado ao Impugnante em 28/05/2020.

 

- Entende ser pacífico na jurisprudência, a revisão do ato tributário, previsto no referido art. 78º da LGT, poder efetuar-se a pedido do contribuinte, respeitando-se assim os princípios constitucionais da legalidade, justiça, igualdade e imparcialidade – art. 266º, nº 2 da CRP, citando jurisprudência do STA (Acórdãos de 11/05/2005 - proc. nº 0319/05 e de 17/05/2006 – proc. nº 016/06).

 

- Entende que, efetuado este pedido de revisão e tendo o mesmo sido indeferido, está a Requerente em tempo de nos termos do art. 99º do CPPT, impugnar esta liquidação.

                                                       

- Refere, ainda, que a alegada ilegalidade é, nos termos do disposto no art. 99 do CPPT, fundamento da impugnação judicial, tese em abono da qual cita doutrina.

 

- Verificados os cálculos do ISV, temos que relativamente à componente cilindrada, o ISV foi liquidado pelo valor de € 23.408,98 – € 18.727,18 (redução de 80% pelo número de anos de uso).

 

-  Enquanto, na componente ambiental, foi liquidado por € 51.058,93, sem qualquer redução.

 

- Quando deveria ter sido também aplicada a esta componente a redução de 80%, no valor de € 40.847,14, baixando dessa forma o respetivo ISV para o valor de € 14.893,59.

 

- Pelo que, a liquidação do ISV deve ser corrigida, reduzindo-se o valor do ISV a pagar para o valor de € 14.893,59 (51.058,93 – 40.847,14).

 

- Devendo ser restituído à Requerente o montante de € 40.847,14 pago a mais.

 

-  Acrescido dos juros indemnizatórios devidos nos termos do art. 43º da LGT, calculados à taxa legal em vigor à taxa do pagamento, desde a data do pagamento do imposto até à respectiva restituição.

 

F. – RESPOSTA DA REQUERIDA E SEUS FUNDAMENTOS

     Alegou a Requerida o seguinte:

- O presente pedido de constituição de tribunal arbitral vem interposto para declaração de ilegalidade do ato de liquidação resultante da apresentação da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2018/..., de 28.03.2018, relativa a Imposto Sobre Veículos (ISV), praticado pelo Diretor da Alfândega de Leixões.

 

- A Requerente impugna a liquidação do imposto efetuada por aplicação da tabela constante do n.º 1, do artigo 11.º do Código do ISV, que reputa de ilegal, com fundamento na violação do disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia, ao não aplicar a redução de anos de uso à componente ambiental.

 

- Sufragando a posição já defendida nas decisões proferidas pelo CAAD no âmbito dos Processos n.º 572/2018-T, 346/2019-T, 348/2019-T, 350/2019-T e 459/2019-T, vem, a final, pugnar pela anulação parcial do ato de liquidação de ISV e a restituição da quantia de 40.847,14 €, acrescida de juros indemnizatórios.

 

POR EXCEÇÃO

 

Da caducidade do direito de ação

 

- Constata-se que o meio jurídico utilizado pela Requerente para apresentar a impugnação no tribunal arbitral foi o despacho de indeferimento, por intempestividade, de revisão oficiosa apresentada.

 

- Entende a Requerida que, no caso dos autos, procede a exceção da intempestividade do pedido arbitral, com base na extemporaneidade do pedido de revisão da liquidação efetuada, cujo indeferimento está na origem do presente pedido arbitral, nada havendo a censurar na decisão da Autoridade Tributária e aduaneira/Alfândega de Leixões por ter decidido nesse sentido.

 

- Considera a Requerida que não pode a Requerente pretender justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento do pedido de revisão, extemporâneo, pois, deste modo estaria aberto o caminho para continuar a discutir a legalidade de atos tributários relativamente aos quais findaram já os respetivos prazos de contestação.

 

- Pelo que não pode o tribunal deixar de apreciar a questão da tempestividade do pedido de revisão, para efeitos de apreciação e decisão relativamente à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral.

 

- Pois se, de acordo com o disposto no artigo 576º, n.º 3 do Código de Processo Civil (aplicável subsidiariamente pelo artigo 29º do RJAT), “as exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor”, importa, assim, começar por analisar esta exceção porquanto a procedência da mesma terá consequências no conhecimento do mérito do pedido arbitral.

 

- Com efeito, a Requerente apresentou em 08.06.2020 o presente pedido de pronúncia arbitral, na sequência do indeferimento, datado de 19.05.2020 e notificado à Requerente em 29.05.2020, do pedido de revisão da liquidação de ISV n.º 2018/..., de 12.03.2018, apresentado em 05.05.2020 junto da Alfândega de Leixões, relativa à introdução no consumo de veículo da marca ..., modelo ... ..., matrícula ..., declarado através da DAV nº 2018/..., cujo termo final do pagamento ocorreu em 26.03.2018.

 

- Tal pedido de revisão foi indeferido, com fundamento na sua intempestividade, tendo a administração aduaneira analisado o pedido face ao disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária.

 

Efetivamente, analisando o pedido de revisão, com referência à primeira parte do nº 1 do artigo 78º da LGT, refere a Alfândega:

(…)

Quanto ao pedido feito por iniciativa do sujeito passivo, como tem que ser feito no prazo de 120 dias (prazo da reclamação graciosa) após a data do termo limite do pagamento do imposto, ele já não se encontra em prazo. (…)

Para que o sujeito passivo possa pedir a revisão da liquidação por qualquer ilegalidade tem que o fazer no prazo de 120 dias, o que, manifestamente, não aconteceu.”

 

E, com referência à 2ª parte do nº 1 do artigo 78º da LGT, afirma o seguinte:

(…)

3. Encontrando-se o pedido de revisão fora do prazo da reclamação administrativa, o mesmo não poderá ter como fundamento qualquer ilegalidade, mas apenas o erro imputável aos serviços (parte final do nº 1 do artigo 78º da LGT)

4. Resulta da 2ª parte do nº 1 do artigo 78º da LGT que a revisão dos actos tributários, nele prevista, será promovida pela entidade que os praticou.

5. Atendendo a que a administração tributária se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sob o espectro do princípio da legalidade, e não tendo, como referido, a prerrogativa de poder desaplicar normas com base num julgamento de pretensa desconformidade com o direito comunitário ( atribuição reservada aos tribunais) será forçoso concluir pela inexistência de imputabilidade aos serviços de erro que fundamente um procedimento de revisão do acto tributário, nos termos da 2ª parte do nº 1 do artigo 78º da LGT.(…)

 

Concluindo que:

(…)

- O prazo previsto na 2ª parte do nº 1 do artigo 78º (4 anos) só será aplicável se o fundamento da revisão consistir em erro e esse erro for imputável aos serviços.

- Ora, no que respeita à existência de erro, tendo as liquidações de ISV sido efectuadas de acordo com a disciplina legal aplicável, é posição da AT de que as mesmas não enfermam de qualquer vício, pois, encontrando-se estes em total consonância com as normas legais aplicáveis à factualidade que lhes está subjacente são as mesmas legais (logo, isentas de erro).

- Com efeito, a AT está sujeita ao princípio da legalidade (artigo 266º, nº 2 da CRP e artigo 55º da LGT), não pode deixar de aplicar uma norma com o fundamento de que a mesma não está em conformidade com o direito comunitário (aplicável por força do artigo 8º nº 4 da CRP).

- Assim, atendendo a que a administração tributária se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre em obediência ao princípio da legalidade, (…) não pode ser imputado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente do que decidiu, por estar sujeita ao princípio da legalidade.

Assim sendo, inexistindo erro imputável aos serviços inexiste fundamento que legitime o procedimento de revisão do acto tributário, nos termos do artigo 78º nº 1, 2º parte da LGT.

 

Em abono da tese defendida pela AT, invoca-se jurisprudência arbitral recente, nomeadamente a que resulta das Decisões Arbitrais proferidas nos Processos n.º 345/2017-T e nº 114/2019 -T, as quais, não obstante respeitarem a outros tributos, e salvaguardadas as devidas diferenças, versam sobre pedidos de revisão da liquidação de imposto, indeferidos por extemporaneidade, cujo indeferimento foi o meio utilizado para justificar a interposição de pedido arbitral.

 

Sendo, por isso, relevante analisar a mais recente das decisões arbitrais supra indicadas, referente ao processo n.º 114/2019-T, no que respeita à repercussão que o indeferimento do pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação por intempestividade possa/pode ter na tempestividade do próprio pedido arbitral, na medida em que o Tribunal arbitral decidiu que: “(…) não pode nunca a Requerente pretender justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento do pedido de revisão, extemporâneo” pois, deste modo “(…)estaria aberto o caminho para continuar a discutir a legalidade de atos tributários relativamente aos quais findaram já os respetivos prazos de contestação”.

 

- Com efeito, conforme resulta daquela decisão arbitral:

 

“(…)

6.13. (…) caso se considere que o referido pedido foi apresentado fora de prazo, então haverá que decidir pela legalidade do indeferimento, por extemporaneidade do mesmo, o que acarreta que esse pedido, por via da sindicância da decisão do Recurso Hierárquico que a confirmou, não pode (re)abrir a via contenciosa de impugnação das liquidações de IUC subjacentes, sendo esta a questão que, no caso, cabe analisar. (…)    

6.29. A AT considerou, na análise que efectuada ao pedido de revisão, que o mesmo só podia ser enquadrado no nº 1 do artigo 78º da LGT e que, atentos a factualidade e os argumentos aí evidenciados (vide ponto 5.4., supra), o referido pedido de revisão só teria enquadramento no prazo da reclamação, com fundamento em qualquer ilegalidade.

6.30. Ora, verificando-se, à data da apresentação do pedido de revisão (26-02-2015) já ultrapassado esse prazo de reclamação, a AT concluiu ser extemporâneo o pedido de revisão oficiosa.

6.31.Da informação e despacho proferidos pela AT depreende-se que o entendimento aí vertido, e que fundamenta a decisão de indeferimento do pedido de revisão (e também o indeferimento do Recurso Hierárquico apresentado), vai no sentido de que, no caso sub judice, não se verifica qualquer erro imputável aos serviços, pelo que não tinha o pedido enquadramento no prazo de quatro anos a que se refere o artigo 78º, nº 1, 2ª parte. (…)

6.34. Ora, analisando as posições, face ao regime legal da revisão, em conformidade com o teor da Decisão Arbitral nº 527/2018-T, de 6 de Maio de 2019, que aqui se acompanha, entende este Tribunal Arbitral que “é manifesto que não pode ser imputado qualquer erro à AT antes do pedido de revisão oficiosa, pelo que o mesmo não pode ser invocado para dilatar o prazo de impugnação das liquidações, ainda que as mesmas pudessem não ser correctas. Na verdade, nos termos do artigo 3.º do Código do IUC, a AT estava obrigada a liquidar o imposto em relação ao proprietário constante do registo automóvel, pelo que, se a requerente queria elidir essa presunção, teria que ter efectuado o pedido de revisão ou a impugnação judicial no prazo legalmente previso. Assim, em virtude da existência da presunção resultante desse artigo, não se vislumbra que, relativamente às liquidações a que se reportam os pedidos de revisão oficiosa e, consequentemente, o presente pedido de pronúncia arbitral, se verifique a existência de erro imputável aos serviços da administração tributária. Com efeito, foram aquelas liquidações efetuadas com base nos elementos disponíveis nas bases de dados da Conservatória do Registo Automóvel e do IMTT. No tocante à determinação do sujeito passivo da obrigação de imposto é, assim, evidente, que a AT efectuou as liquidações em estrita observância da norma legal aplicável (….)pelo que, segundo a norma do(….), era esta o sujeito passivo da correspondente obrigação tributária, a quem tinha que ser efectuada a liquidação do imposto. Vinculada ao princípio da legalidade, não poderia a AT proceder por forma diversa daquela por que actuou, não podendo deixar de efectuar as liquidações e emitir as competentes notas de cobrança em nome do proprietário (…), conforme o respetivo registo. Perante o carácter ilidível da presunção do art. 3º do Código do IUC, nos termos gerais e, em especial, nos termos do artigo 73.º da Lei Geral Tributária, poderia a Requerente, dentro do prazo legal, reagir contra a mesma (…) através de reclamação graciosa ou impugnação judicial do acto de liquidação que nela se baseassem” (o que segundo entendemos, não fez).

6.35. Com efeito, e seguindo o teor da mesma decisão, aplicável ao caso em análise, “apenas decorridos os prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial, a Requerente solicitou a revisão oficiosa das liquidações ao abrigo do (…) artigo 78.º da LGT” e, não obstante “à data da apresentação dos pedidos de revisão (…), ainda se encontrava a decorrer o prazo de quatro anos a que se refere a segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT (…), ao abrigo da segunda parte do citado preceito e dentro do referido prazo, apenas pode ser efectuada revisão oficiosa de atos de liquidação com fundamento em erro imputável aos serviços. Ora, conforme acima se concluiu, não se verifica que as liquidações impugnadas enfermem do erro (…) imputável aos serviços da administração tributária, que possibilite o alargamento do prazo para ser efetuada a sua revisão oficiosa (…)”.

6.36. No caso, (…) dado que a Requerente, não enquadrando especificamente o pedido de revisão, veio defender que as liquidações oficiosas eram ilegais, requerendo a sua anulação, não lhes assacou, tendo em consideração o acima exposto, qualquer erro imputável aos serviços, razão pela qual a Autoridade Tributária indeferiu liminarmente o pedido de revisão com fundamento em intempestividade do mesmo.

6.37.Ora, tendo esse pedido de revisão sido indeferido por despacho datado de (….)reitere-se, com fundamento em intempestividade, não obstante a Requerente ter, atempadamente, apresentado Recurso Hierárquico dessa decisão, a extemporaneidade do pedido de revisão preclude o direito de se apreciar a legalidade das liquidações subjacentes pois, como já referido, deste modo “(…) estaria aberto o caminho para continuar a discutir a legalidade de atos tributários relativamente aos quais findaram já os respetivos prazos de contestação”.

6.38.Neste âmbito, tendo em consideração, com as necessárias adaptações, nomeadamente, o teor do Acórdão do TCAN (processo nº 01584/09.3BEPRT), de 11-10-2017, no sentido que “só a tempestividade da reclamação graciosa abre à impugnante, a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações impugnadas, pois a extemporaneidade da reclamação (…) conduz à sua necessária improcedência, por se reagir, então, contra um caso decidido ou resolvido”, bem como o teor do Acórdão do TCAS (processo nº 07644/14), de 23-03-2017, no sentido que “estando a reclamação graciosa fora de prazo à data em que foi apresentada, em consequência e independentemente da mesma ter sido ou não decidida, a impugnação judicial também será intempestiva”, a intempestividade do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IUC em crise terá repercussões no mecanismos de reação subsequentes, ou seja, em matéria do próprio pedido de pronúncia arbitral. (…)

6.40. Nestes termos, face ao acima exposto, entende este Tribunal Arbitral que procede a excepção da intempestividade do pedido arbitral, (…) com base na extemporaneidade do pedido de revisão, cujo indeferimento está na origem do pedido de sindicância do despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico interposto daquela, nada havendo por isso a censurar nas decisões da Autoridade Tributária por terem decidido nesse sentido."

 

- Pelo que, em conclusão, não tendo a Requerente invocado especificamente a primeira ou segunda parte do nº 1 do artigo 78º da LGT, mas tendo-o referido como um todo, resulta claramente do que atrás se explanou que, à luz do nº 1, 1ª parte, do artigo 78º da LGT, o pedido de revisão oficiosa apresentado é manifestamente intempestivo, pois se encontrava há muito ultrapassado o prazo da reclamação graciosa, de 120 dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISV.

 

- Assim, tanto o prazo de 120 dias para apresentação do pedido de revisão oficiosa da liquidação, por iniciativa do sujeito passivo, se encontrava claramente ultrapassado, como, por outro lado, à data dos factos tributários, a AT aplicou aos mesmos a lei aplicável, em vigor, em estrita observância do princípio da legalidade, não existindo, pois, erro imputável aos serviços que fundamente a 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

 

- Deste modo, tendo o pedido de revisão sido apresentado depois do prazo previsto na lei, encontra-se igualmente ultrapassado o prazo de 90 dias, contados após o termo do prazo de pagamento do imposto, para apresentação do pedido arbitral, que só veio a ser efetuado em 08.06.2020.

 

- Em face da manifesta extemporaneidade do pedido, verifica-se a exceção de caducidade do direito de ação, o que se invoca, devendo, em consequência, a Requerida, ser absolvida do pedido.

 

POR IMPUGNAÇÃO

 

DOS FACTOS

 

- Conforme resulta dos elementos constantes do Processo Administrativo (PA) que ora se junta, constituído pelos procedimentos atinentes à Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2018/..., de 28.03.2018, e pelo processo de Revisão Oficiosa nº ...2020..., de 05.05.2020, da Alfândega de Leixões, relativo a Imposto Sobre Veículos (ISV), com referência ao veículo automóvel com as características descritas na declaração, foi aquela DAV apresentada na referida estância aduaneira, por transmissão eletrónica de dados, para introdução no consumo do veículo, ligeiro de passageiros, usado, proveniente da Alemanha.

 

- Com referência à mencionada DAV, apresentada pela ora Requerente, operador sem estatuto, foi declarado o veículo da marca ..., modelo ... ..., a que foi atribuída a matrícula ..., cujas características constam das inscrições dos Quadros E, F e G, referentes às características do veículo, apresentação do veículo e matrículas anteriores, para os quais se remete.

 

- Quanto ao veículo em questão constata-se que, para efeitos de aplicação da tabela D prevista no n.º 1 do artigo 11.º do CISV, o veículo da marca ..., modelo..., se insere no escalão da tabela de “Mais de 10 anos” de uso, tendo sido aplicada a percentagem de redução correspondente, de 80 %, conforme resulta da referida tabela.

 

- No Quadro E da DAV, atinente às características do veículo, consta, na casa 50, relativa à Emissão de Gases CO2, respetivamente, o valor de 437 g/Km, indicado na pág. 1 da DAV.

 

- O cálculo do imposto sobre veículos, que consta do Quadro R da DAV, foi efetuado com recurso à tabela A, aplicável aos veículos ligeiros de passageiros, e calculado o ISV atendendo à componente cilindrada e à componente ambiental, nos termos do artigo 7.º do CISV, tendo, igualmente, sido deduzida a percentagem de redução correspondente, conforme o disposto na tabela D constante do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, prevista para os veículos usados, em função do número de anos de uso do veículo.

 

- Foi efetuada a liquidação do imposto, relativa ao veículo identificado na DAV, conforme indicado nos Quadros T e V da declaração, constando desta, igualmente, a identificação do ato de liquidação, bem como a data, montante e termo final do prazo de pagamento (ocorrido em 26.03.2018), data de cobrança e a identificação do autor do ato.

 

- Em 03.04.2020, a Requerente apresentou junto da Alfândega de Leixões, ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), pedido de revisão oficiosa de vários atos de liquidação de imposto, que inclui o ato ora impugnado, dando origem ao processo de Revisão Oficiosa a que foi atribuído o n.º ...2020... . 

 

- Com vista à apreciação desse pedido foi elaborada a informação de serviço n.º ... de 05.05.2020, no processo nº ...2020..., daquela alfândega, sobre a qual recaiu despacho datado de 08.05.2020, no sentido do indeferimento.

                                                                         

- Pelo ofício n.º 2020..., de 13.05.2020, rececionado em 14.05.2020, foi aquele projeto de decisão notificado à Requerente para efeitos de audição prévia (cf. aviso de receção), que se pronunciou neste âmbito, por correio eletrónico datado de 15.05.2020.

 

- A resposta da Requerente foi analisada na informação de serviço de 18.05.2020, sobre a qual recaiu despacho do Diretor da Alfândega de Leixões, de 19.05.2020, que indeferiu o pedido de revisão da liquidação do imposto pago, decisão que veio a ser notificada à Requerente pelo ofício n.º 2020..., de 28.05.2020, e rececionada pela mesma em 29.05.2020.

                                                                              

- Desta decisão apresentou a Requerente, em 08.06.2020, junto da Instância Arbitral, o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, peticionando a anulação parcial das liquidações de ISV e o reembolso do montante de 40.847,14€ acrescido de juros indemnizatórios.

 

DO DIREITO

 

- O regime do imposto sobre veículos encontra-se previsto no Código do Imposto sobre Veículos (CISV), aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, constando do Capítulo I (artigos 1.º a 11.º) os princípios e regras gerais atinentes a este tributo.

 

- Referindo-se os Capítulos II e III ao estatuto dos sujeitos passivos e à introdução no consumo, respetivamente (artigos 12.º a 29.º) e o Capítulo V (Secção I) aos regimes suspensivos da admissão e importação temporária de veículos no território nacional (artigos 30.º a 33.º).

 

- Para o enquadramento legal da questão ora submetida à sindicância do tribunal, releva, particularmente, o artigo 5.º do CISV, atinente ao facto gerador de imposto sobre veículos, de acordo com o qual:

 

«1 - Constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos   tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal.

2 - Constitui ainda facto gerador do imposto:

a) A atribuição de matrícula definitiva após o cancelamento voluntário da matrícula nacional feito com reembolso de imposto ou qualquer outra vantagem fiscal;

b) A transformação de veículo que implique a sua reclassificação fiscal numa categoria a que corresponda uma taxa de imposto mais elevada ou a sua inclusão na incidência do imposto, a mudança de chassis ou a alteração do motor de que resulte um aumento de cilindrada ou das emissões de dióxido de carbono ou partículas;

c) A cessação ou violação dos pressupostos da isenção de imposto ou o incumprimento dos condicionalismos que lhe estejam associados;

d) A permanência do veículo no território nacional em violação das obrigações previstas no presente código.

3 - Para efeitos do presente código entende-se por:

a) «Admissão», a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-membro da União Europeia em território nacional;

b) «Importação», a entrada de um veículo originário de país terceiro em território nacional.

4 - Sem prejuízo das obrigações declarativas previstas nos artigos 18.º e 19.º, quando, à entrada em território nacional, os veículos tributáveis forem colocados em regime de suspensão de imposto, considera-se gerado o imposto no momento em que se produza a sua saída desse regime.»

 

- Dispondo o artigo 3.º do CISV, no que concerne à Incidência subjectiva, que:

“(…)                     

«1 - São sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares, tal como definidos pelo presente código, que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos ou a declaração complementar de veículos.

2 - São ainda sujeitos passivos do imposto as pessoas que, de modo irregular, introduzam no consumo os veículos tributáveis.»

 

- Sendo que, quanto à exigibilidade, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 6.º, com referência ao n.º 1 do artigo 5.º, o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada:

«a) No momento da apresentação do pedido de introdução no consumo pelos operadores registados e reconhecidos;

b) No momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos ou declaração complementar de veículos pelos particulares. (…).

2 - Nos casos mencionados no n.º 2 do artigo anterior considera-se verificada a introdução no consumo no momento da ocorrência do facto gerador do imposto ou, sendo este indeterminável, no momento da respectiva constatação.

3 - A taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível.»

 

- Estabelecendo, complementarmente, o artigo 7.º (Taxas normais – automóveis) do CISV, nas alíneas a) e b) do n.º 1, a aplicação das taxas previstas na Tabela A, que consagra as taxas de imposto tendo em conta as componentes cilindrada e ambiental, aos veículos automóveis de passageiros, havendo, ainda, lugar à redução em função da desvalorização do veículo, conforme previsto no artigo 11.º do CISV.

 

- E, estando em causa, nos presentes autos, a admissão de veículo usado, oriundo de outro Estado-membro, no caso, a Alemanha, deve atender-se, especificamente, ao artigo 11.º do CISV na redação atualmente em vigor, o qual já foi sujeito a alterações desde a entrada em vigor do diploma que aprovou o mesmo código.

 

- Não obstante o artigo 11.º do CISV tenha sido objeto de várias alterações desde a sua entrada em vigor, para o caso em apreço releva, particularmente, a redação atual introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28.12.2016 (Lei do OE para 2017), que dispõe o seguinte:

 

Taxas - veículos usados

 

“1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional:

 

TABELA-D

 

2 - Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por «tempo de uso» o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respectivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.

3 - Sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado nos termos do nº 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao director da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o nº 1 do artigo 27º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto:

ISV é igual a (V/VR x Y)+C)

Em que:

ISV representa o montante do imposto a pagar;

V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, modelo e respectivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do sector, apresentadas pelo interessado; (redacção dada pela Lei nº 42/2016, de 28 de Dezembro)

VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez.

Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;

C é o custo de impacte ambiental, aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela.

4 - Na falta de pedido de avaliação formulado nos termos do número anterior presume-se que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1.”

- A alteração em causa procedeu ao alargamento das percentagens de redução da tabela D, tendo sido criado o escalão “Até um ano”, a que corresponde uma percentagem de redução de 10%, sendo ainda criados novos escalões a partir dos cinco anos de uso, com percentagens de redução que atingem os 80% para veículos com mais de 10 anos, permitindo estabelecer uma maior correspondência entre a desvalorização comercial média sofrida pelos veículos usados no mercado nacional e o seu nível de tributação, em sede de ISV, que na redação anterior se cifrava no máximo de 52 % para veículos com mais de 5 anos de uso.

- Relevando, também, no contexto da tributação automóvel, o disposto no artigo 1.º do CISV que consagra o Princípio da Equivalência, de acordo com o qual:

 “O imposto sobre veículos obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infraestruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.”

 

- E, não obstante o artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), correspondente ao anterior artigo 90.º do TCE, afirme que:

“Nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.

(…)”

 

- É de destacar o estatuído no artigo 191.º do TFUE, que consagra, expressamente, que:

“1. A política da União no domínio do ambiente contribuirá para a prossecução dos seguintes objetivos:

- a preservação, a proteção e a melhoria da qualidade do ambiente,

- a proteção da saúde das pessoas,

- a utilização prudente e racional dos recursos naturais,

- a promoção, no plano internacional de medidas destinadas a enfrentar os problemas regionais ou mundiais do ambiente e designadamente, a combater as alterações climáticas.”

2. A política da União no domínio do ambiente terá por objetivo atingir um nível de proteção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da União. Basear-se-á nos princípios da precaução e da ação preventiva, da correção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador.

Neste contexto, as medidas de harmonização destinadas a satisfazer exigências em matéria de proteção do ambiente incluirão, nos casos adequados, uma cláusula de salvaguarda autorizando os Estados-Membros a tomar, por razões ambientais não económicas, medidas provisórias sujeitas a um processo de controlo da União.

 

- Acrescendo que, o artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra, designadamente, o seguinte, quanto ao ambiente e qualidade de vida:

“1. Todos têm direito a um ambiente humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.

2.Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com a participação dos cidadãos:

  a)   Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão;

  (…)

 f)  Promover a integração de objectivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial;

g) Promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente;

h) Assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida.

 

- E que o artigo 103.º (Sistema fiscal), também da CRP, estabelece que:

“1. O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.

2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

3. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.

                 

Da posição da Requerente

 

- Defende a Requerente que o ato de liquidação de ISV, ao não aplicar a redução de anos de uso à componente ambiental, está ferido de ilegalidade por violação do artigo 110.º do TFUE, devendo ser parcialmente anulado na parte em que não fez aplicação da redução naquela componente.

 

- No que concerne à presente relação jurídico-tributária, resulta claro que a Requerente é sujeito passivo do imposto, pois, no caso concreto, procedeu à admissão do veículo em questão no território nacional, tendo processado a DAV respetiva através do sistema eletrónico, com vista à regularização fiscal, de acordo com os procedimentos que se encontram estabelecidos, dando lugar, na sequência da apresentação da declaração supra identificada, à liquidação do imposto de acordo com o direito constituído, atualmente em vigor, em conformidade também com o estatuído no n.º 3 do artigo 103.º da CRP.

 

- Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, além da administração tributária, têm legitimidade no procedimento tributário os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.

 

- Por outro lado, nos termos do n.º 3, do artigo 18.º, da Lei Geral Tributária, que estabelece que o sujeito passivo é "a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária seja como contribuinte directo, substituto ou responsável”, a Requerente é sujeito passivo da relação jurídica tributária.

 

- Atenta a factualidade supra descrita, como se referiu, a Requerente, pretendendo introduzir no consumo veículo usado, de sua propriedade, originário e adquirido num país da União Europeia, atuou em conformidade com a lei, e de acordo com os procedimentos prescritos no CISV.

 

- No caso concreto o imposto foi calculado de acordo com o previsto no artigo 7.º. do CISV, tendo sido aplicada uma redução para a componente ambiental nos termos deste artigo, não tendo sido aplicada outra/nova redução à componente ambiental porque tal redução não se encontra prevista no artigo 11.º do CISV, ao contrário do estabelecido para a componente cilindrada, que prevê uma redução em função dos “anos de uso” de acordo com a tabela D.

 

- Efetivamente, de acordo com o previsto nos supracitados artigos 5.º, n.º 1 e n.º 3, alínea a), 3.º, n.º 1, 6.º, n.º 1, alínea b), e n.º 3, 7.º, n.º 1, alínea a) e 11.º n.º 1 e n.º 3, todos do CISV, o veículo em questão foi admitido no território nacional, tendo sido apresentado à alfândega mediante a identificada DAV da Alfândega de Leixões, introduzido no consumo e tributado em sede de imposto sobre veículos, nos termos da lei.

 

- Pois que, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 5.º do CISV, a “(…) admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal” constituem facto gerador do imposto.

 

- Assim, tratando-se de veículo ligeiro de passageiros, a admissão deste veículo automóvel encontra-se abrangida pela norma de sujeição do imposto por força da alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º (Incidência Objetiva) do CISV, pelo que, como se referiu, houve lugar a tributação em sede de ISV.

 

- Acrescendo que, como mencionado, a introdução no consumo de um veículo depende da sua regularização fiscal encontrando-se, esta, para o efeito, sujeita ao processamento de uma Declaração Aduaneira de Veículo, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do CISV, o que se verificou relativamente ao veículo em causa nos presentes autos.

 

- Ora, constitui facto assente que este veículo, tratando-se de veículo usado (cf. se retira da documentação que integra o PA), encontra-se, consequentemente, sujeito à taxa de imposto aplicável na introdução no consumo, que é a que resulta da aplicação dos artigos 7.º, n.º 1, alínea a) e 11.º do CISV.

 

- Pelo que, tratando-se de veículo ligeiro de passageiros, usado, movido a gasolina, com emissão de gases CO2 indicados na respetiva DAV, os serviços aduaneiros efetuaram o cálculo do imposto devido, por aplicação da tabela A prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea a), recorrendo igualmente à aplicação da redução por anos de uso prevista na tabela D no n.º 1 do artigo 11º do CISV para a componente cilindrada (cf. PA).

 

- Realçando-se, assim, que, em sede de regime de ISV, o veículo foi tributado de acordo com as normas ínsitas nos artigos 7.º, n.º 1, alínea a) e 11.º, n.º 1 e n.º 3.º do CISV, em vigor.

 

- Assim, atenta toda a documentação, que integra o PA, resultam comprovados, face à lei aplicável, os pressupostos da tributação e, em concreto, a liquidação de ISV que ora vem impugnada.

 

- E, de facto, a Requerente não põe em causa a liquidação, a qual foi efetuada de acordo com a lei em vigor, o artigo 11.º na sua atual redação, que lhe foi dada pelo artigo 217.º da Lei n.º 42/2016, de 28.12.2016, diploma que aprovou o Orçamento de Estado para 2017, mas a conformidade daquele preceito com o artigo 110.º do TFUE. 

 

- Permitindo o n.º 3 do artigo 11.º que “sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado nos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao director da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o nº 1 do artigo 27º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto (…)”, o que não veio a suceder no caso dos autos.

 

- E, não obstante a alteração ao artigo 11.º do CISV tenha surgido após o acórdão proferido no Processo n.º C- 200/15 do TJUE, este não se pronuncia, em concreto, sobre a matéria em causa nos presentes autos, designadamente quanto à questão da percentagem de redução de ISV aplicável a veículo usado incidir apenas sobre o elemento específico de tributação (Cilindrada), e não sobre a componente ambiental do ISV, limitando-se aquele a analisar a questão da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado-Membro, introduzidos no território nacional, no sentido de afirmar que um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes destes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52 % no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º do TFUE.

 

- Sendo que, tal opção legislativa, pretendendo imprimir coerência entre a tributação dos veículos novos e veículos usados, não contraria o direito comunitário nem aquela decisão do TJUE, antes visa respeitar as orientações comunitárias em matéria da redução das emissões de CO2, tendo em vista o cumprimento das responsabilidades ambientais assumidas no âmbito do Protocolo de Quioto.

 

- A alteração ao artigo 11.º do CISV nos moldes acima mencionados encontra-se, assim, também, em consonância com o disposto no artigo 1.º do mesmo código, que consagra o “Princípio da Equivalência”, nos termos do qual o imposto sobre veículos obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infraestruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.

 

- A matéria em discussão extravasa, pois, a questão da legalidade da liquidação, que se repercute na esfera jurídica da Requerente, na medida em que o que está em causa não se cinge à mera liquidação de um tributo e anulação desse ato, mas a questões mais complexas, que têm na sua génese preocupações de ordem ambiental.

 

- Como se referiu, as vertentes da justiça fiscal e a da proteção do meio ambiente, constituem dois objetivos da prossecução de política fiscal a que se encontra adstrito o Estado Português, que se atingem gerindo o imposto, enquanto instrumento de política fiscal, de forma inversa.

                                                                  

- O modelo de tributação do ISV resultante da aprovação do CISV pela Lei 22-A/2007, de 29 de Junho, foi norteado por preocupações ambientais com respeito pelas orientações emanadas pelas instâncias comunitárias e pelos compromissos assumidos no âmbito do Protocolo de Quioto e, mais tarde, pelo Acordo de Paris.

 

- O Protocolo de Quioto, tratado internacional ratificado pelo Estado Português, estabeleceu compromissos muito rígidos para a redução da emissão dos gases que agravam o efeito estufa, considerados, de acordo com a maioria das investigações científicas, como as causas do aquecimento global, passando, por conseguinte, a componente ambiental a ser determinante no cálculo do imposto que incide sobre os veículos novos e usados (estes com emissões elevadas, superiores às dos veículos novos), em obediência ao princípio do poluidor pagador, consagrado no CISV e no TFUE, levando os consumidores a optar por automóveis com menores emissões de dióxido de carbono.

 

- O atual modelo de fiscalidade automóvel tem, pois, em vista assegurar a coerência entre a tributação de veículos novos e usados, na medida em que a aquisição de uns e de outros se rege pelos mesmos princípios, de justiça fiscal e respeito pelo meio ambiente.

 

- O que se constata é que, no âmbito da tributação automóvel, relativamente aos elementos sobre os quais assenta tal tributação, existe uma confusão de conceitos, que são, por natureza, distintos, não podendo estabelecer-se uma equiparação entre a componente cilindrada e a componente ambiental, nem, por isso, consequentemente, ver-lhe aplicados os mesmos critérios, até porque no caso da vertente ambiental, as razões que lhe estão subjacentes não coincidem com as que determinam a tributação que atende à cilindrada do veículo.

 

- Por isso, não pode deixar de se referir o estabelecido no artigo 191.º do TFUE, o qual tendo surgido depois do artigo 90.º do TCE (anterior 110.º do TFUE), exige que se proceda a uma interpretação atualista, no que concerne ao enquadramento da questão sub judice, que deve atender aos elementos sistemático e teleológico, porquanto naquele dispositivo, afirma-se, expressamente, no n.º 1, que a política da União, no domínio do ambiente, contribuirá para a prossecução, entre outros, da preservação, da proteção e a melhoria da qualidade do ambiente, não podendo o artigo 110.º do TFUE ser interpretado nos termos defendidos pela Requerente.

 

- Devendo, pois, a interpretação do artigo 110.º do TFUE ser efetuada à luz do disposto no artigo 191.º do mesmo tratado, sob pena de conflitualidade e desarmonia entre as duas normas, a não ser que o TJUE, em sede de interpretação, venha defender a existência de tal violação e que a norma do artigo 110.º do TFUE tem valor superior ao previsto no artigo 191.º quanto à proteção e a melhoria da qualidade ambiental.

 

- Face ao previsto no n.º 1, do artigo 11.º do CISV, constata-se que o legislador teve em consideração que a componente ambiental representa o custo do impacto ambiental, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 11.º do CISV, também suportada pelos veículos novos, devendo a mesma ser entendida como um montante que os sujeitos passivos pagam ao Estado, destinado a compensar os efeitos nefastos que o veículo automóvel causa ao ambiente, sendo que esse montante é progressivo em função das emissões de dióxido de carbono.

 

- Isto porque, quanto maior for o nível de emissões de dióxido de carbono do veículo, maior será o montante de imposto relativo à componente ambiental, no estrito cumprimento do princípio do poluidor pagador, como já se aludiu, estando esta filosofia do imposto em conformidade com o referido princípio da equivalência, consagrado no artigo 1.º do Código do Imposto Sobre Veículos.

- Pelo que, em nome da unidade e da coerência do modelo de tributação automóvel vigente em Portugal, a não aplicação da totalidade da componente ambiental aos veículos usados violaria os princípios suprarreferidos, tornando-se fonte de graves injustiças, já que beneficiaria claramente os veículos usados em detrimento dos novos, sem que, para tal, se encontrem razões válidas.

- Em suma, destinando-se a componente ambiental a compensar os efeitos nefastos de qualquer redução em função da depreciação comercial ou dos anos de uso do automóvel, dado que o potencial poluidor do automóvel não diminui com a sua idade, muito pelo contrário, agrava-se, como é do conhecimento comum, a mesma não deve ser objeto de qualquer redução pois representa o “custo de impacte ambiental”, sendo o seu objetivo orientar a escolha dos consumidores para uma maior seletividade na compra dos automóveis, em função do seu grau poluidor.

- No que concerne aos automóveis usados, não existem dúvidas que, quanto mais antigos, mais poluentes se tornam, e maiores serão as consequências nefastas para o meio ambiente, pretendendo-se orientar os consumidores na escolha de veículos com menores emissões de dióxido de carbono.

- Assim, a interpretação do disposto no artigo 110.º do TFUE não poderá deixar de ter em consideração os objetivos ambientais acima referidos, sob pena de se gerarem incoerências insustentáveis entre a política fiscal e a política ambiental.

 

- O pagamento da componente ambiental na totalidade não tem, pois, em vista restringir a entrada de veículos usados em Portugal, mas tão somente selecionar essa entrada, mediante a aplicação de critérios exclusivamente ambientais, não estando em causa a proteção da produção nacional, mas a proteção do ambiente, património do mundo e do qual depende a sobrevivência da espécie humana.

 

- Mais acrescendo que, o n.º 2 do artigo 191.º, enfatiza o princípio do poluidor pagador ao postular que “A política da União no domínio do ambiente terá por objetivo atingir um nível de proteção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da União. Basear-se-á nos princípios da precaução e da ação preventiva, da correção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador”.

 

- Ora, o modelo de fiscalidade automóvel vigente em Portugal está em sintonia com o espírito deste artigo, na medida em que a tributação das emissões de dióxido de carbono nos veículos novos e usados pode entender-se como uma ação preventiva, destinada a evitar a degradação do ambiente, sujeitando os consumidores ao pagamento de um montante de imposto que depende do grau poluidor do automóvel, no estrito cumprimento do princípio do poluidor-pagador.

 

- Assim, da interpretação do artigo 110.º do TFUE, em conjugação com a que resulta do artigo 191.º do mesmo tratado, claramente se conclui que o modelo de tributação automóvel português, ao fazer incidir sobre os veículos ligeiros de passageiros, novos e usados, a componente ambiental, não pretende restringir a entrada de veículos em território nacional para proteger a produção nacional, mas, tão só, como se referiu, direcionar as escolhas dos consumidores para a aquisição de veículos com menores emissões de dióxido de carbono, isto é, mais “amigos do ambiente” tendo por fim último a proteção do ambiente, no estrito cumprimento dos princípios consagrados no artigo 191.º do TFUE.

 

- A aplicação do disposto no artigo 11.º do CISV não obsta à admissão de veículos usados em território nacional, nem tampouco visa impedir a realização de negócios jurídicos de compra e venda de veículos automóveis pois são processadas, diariamente, inúmeras declarações aduaneiras de veículos, de regularização fiscal de veículos em território nacional, provenientes de outros Estados-membros.

 

- Efetivamente, de acordo com os dados atinentes ao número de matrículas atribuídas no período de 2010 a 2018, a veículos da categoria Ligeiros, novos e importados usados, constata-se que, de acordo com os cálculos apresentados para 2018, a componente de usados ligeiros de passageiros é de 25% e o seu crescimento (relativo a 2017) foi de 14%, contra 2% apenas para os novos (cf. ficheiro relativo a “matrículas atribuídas no período de 2010 a 2018 em 2019.09.02”, que se junta como Doc.1).

 

- Constatando-se assim, conforme revelam os próprios dados estatísticos relativos à emissão de matrículas, que não existe qualquer obstáculo ao funcionamento do mercado interno, na medida em que, entre 2010 e 2018, o número de veículos usados matriculados em Portugal aumentou 219%, tendo, especificamente, entre 2017 e 2018, tido um crescimento de 13%, muito acima da taxa de crescimento da venda de veículos novos, que é de, apenas, 3%.

 

- Concluindo-se, sem quaisquer dúvidas, que o mercado dos veículos usados está a crescer 14%, enquanto que no mercado dos veículos novos se verifica uma estagnação, não podendo, pois, por esta via, afirmar-se que existe uma “imposição interna que proteja indiretamente outras produções”, pois, como se constata, face aos dados estatísticos, que não deixam dúvidas, não existe tal discriminação, não existindo, consequentemente, a invocada violação do artigo 110.º do TFUE.

 

- Em última análise, procurou-se, como se viu, aplicar o princípio da equivalência consagrado no artigo 1.º do CISV, bem como o princípio do poluidor pagador, já que, se o regime nacional atribuísse um desconto comercial à componente ambiental do ISV para veículos usados adquiridos noutro Estado-Membro da União Europeia, estaria a subverter por completo aquele princípio e a atribuir um alívio fiscal à admissão e importação de veículos usados mais poluentes.

 

- A componente ambiental do ISV existe para compensar um conjunto vasto de emissões poluentes dos veículos, incluindo o dióxido de carbono (CO2), o monóxido de carbono (CO), o óxido de azoto (NOx), hidrocarbonetos (HC), partículas (PM), hidrofluorocarboneto 134ª (HFC-134ª), metano (CH4), e protóxido de azoto (N2O).

 

- Em suma, não se trata de criar nenhum obstáculo ao regular funcionamento do mercado único, mas sim de respeitar os compromissos nacionais e internacionais assumidos pelo Estado Português em matéria de defesa do ambiente, bem como pelos Estados-Membros, no acordo de Paris sobre as alterações climáticas, designadamente a neutralidade carbónica em 2050.

 

- De todo o exposto resulta, com clareza, a relevância social da matéria controvertida no contexto das orientações e disposições legais atinentes a objetivos de natureza ambiental definidos ao nível da União Europeia, internacional e nacional, nos termos sobreditos.

 

- Assim, atribuir a mesma percentagem à componente ambiental que é aplicada à componente cilindrada resulta num verdadeiro contrassenso, atenta a natureza diferente daquelas componentes, equivalendo a defender que, não obstante os veículos sejam mais velhos e emitam mais agentes poluentes, devem ter uma redução, que até é progressiva, em função dos anos, e que, consequentemente, apesar de mais poluentes, pagam menos imposto. 

 

- Ainda que se considere que o sistema de tributação em vigor não é perfeito, aplicar a mesma percentagem de redução resulta claramente numa subversão da tributação da componente ambiental, resultando na atribuição de um benefício que incentiva os consumidores a utilizarem veículos mais poluentes.

 

- Ora, ao atribuir, em resultado de tal aplicação, um desagravamento, que, no caso, redunda na atribuição de um verdadeiro benefício fiscal, tal interpretação não pode deixar de se considerar inconstitucional face ao disposto no n.º 2 do artigo 103.º da CRP.

 

- E, estando em causa matéria de elevada relevância social, e bem assim, a existência de disposições legais e objetivos de defesa ambiental definidos ao nível da União Europeia, internacional e nacional, não deve ser aplicada à componente ambiental a mesma redução que é aplicada à componente cilindrada no âmbito da tributação automóvel, concretamente no que se refere ao cálculo do imposto.

 

- Até porque não se pode olvidar, igualmente, o estabelecido no artigo 66.º, relativo ao Ambiente e Qualidade de Vida, da Constituição da República Portuguesa, que consagra o direito de todos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender (n.º 1).

 

- E, neste âmbito, a CRP impõe ao Estado, conforme resulta do n.º 2 do artigo 66.º, assegurar o direito ao ambiente, a obrigação de prevenir e controlar a poluição e seus efeitos, promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito setorial, bem como assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida (alíneas a), f) e h)).

 

- Efetivamente, o direito ao ambiente configura um direito constitucional fundamental, assumindo uma vertente negativa ao impor proibições ou deveres de abstenção de ações ambientalmente nocivas e uma vertente positiva impondo ao Estado a defesa do ambiente mediante obrigações políticas, legislativas, administrativas e penais.

 

- Deste modo, o artigo 66.º, n.º 2, e, especificamente, a alínea h), da CRP, apontam para um direito fiscal do ambiente que utilize os impostos, taxas, benefícios fiscais como instrumentos formais que propiciem a proteção do ambiente.

 

- Sendo que a interpretação da Requerente, ao defender a aplicação da mesma percentagem de redução aplicável à componente cilindrada, pugna igualmente pela aplicação de um benefício fiscal que não se encontra previsto na lei, o que, desde logo, é inconstitucional, posto que, face, ao n.º 2 do artigo 103.º da CRP, os impostos são criados por lei, determinando esta igualmente a incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, verificando-se, assim, uma violação desta norma constitucional, bem como uma desaplicação do artigo 66.º da CRP.

 

- As alíneas f) e h) do n.º 2 do mesmo artigo 66.º consagram expressamente a adoção de medidas de âmbito setorial e a política fiscal enquanto instrumento de proteção do ambiente e qualidade de vida, incumbindo ao Estado, neste âmbito, assegurar o direito ao ambiente, a obrigação de prevenir e controlar a poluição e seus efeitos, promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito setorial, bem como assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida.

 

- Assim, o artigo 66.º, n.º 2, e, especificamente, a alínea h), da CRP apontam, claramente, para um direito fiscal do ambiente que utilize os impostos, taxas, benefícios fiscais como instrumentos de uma política de proteção do ambiente, estando em causa bens constitucionalmente protegidos de natureza coletiva, merecedores de tutela jurisdicional.

 

- E, tendo o artigo 11.º do CISV sido alterado de acordo com o disposto na CRP em matéria ambiental, não pode ser afastado, ainda que com fundamento na aplicação, no direito interno, por via do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, do artigo 110.º do TFUE.

 

- Configurando a aplicação da interpretação, pugnada pela Requerente, uma desaplicação do direito internacional - do artigo 191.º do TFUE, do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris - que vincula o Estado Português, por força do artigo 8.º da CRP, bem como uma violação do disposto no n.º 1, e alíneas a), f) e h), do n.º 2, do artigo 66.º e do n.º 2 do artigo 103.º da CRP.

 

- Na elaboração do CISV foram considerados os referidos princípios constitucionais, estando subjacentes, designadamente, nos artigos 1.º e 11.º do CISV, nos termos explanados, não podendo afastar-se a aplicação deste artigo, quanto à componente ambiental, sem mais, impondo-se que se afira a sua conformidade com os supra identificados comandos constitucionais, o que se requer.

 

- Concluindo-se que a liquidação de ISV, que aplicou o artigo 11.º do CISV, foi efetuada em conformidade com a lei nacional e o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição.

 

- Destarte, tendo o ato impugnado sido efetuado de acordo com o direito nacional e comunitário, não enferma de qualquer vício, devendo, consequentemente, a liquidação, na parte que vem impugnada, efetuada pela identificada alfândega, manter-se na ordem jurídica.

 

- Mas, ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que a interpretação do artigo 11.º do CISV pugnada pela Requerente sempre terá que se reputar de inconstitucional.

Assim,

 

- Da interpretação do artigo 11.º do CISV defendida pela Requerente resulta, desde logo, uma violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 266.º (Princípios fundamentais) da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual, além de estabelecer, no n.º 1, que a administração pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos, impõe aos órgãos e agentes administrativos a subordinação à Constituição e à lei, devendo atuar no exercício das suas funções com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (n.º 2). 

 

- Concomitantemente, no que concerne ao princípio da legalidade tributária, nos termos do artigo 8.º da Lei Geral Tributária, estão sujeitos a este princípio a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes, bem como a liquidação e cobrança dos tributos.

 

 

- Ora, no caso concreto a administração tributária agiu nos termos da lei, de acordo com as normas de incidência, taxas e liquidação do imposto em causa, não podendo ter atuado de modo diferente, face ao direito constituído sob pena de violar os referidos princípios da legalidade e da justiça tributária, da igualdade e da segurança jurídica.

 

- Assim, relativamente à liquidação ora impugnada, a mesma foi efetuada de acordo com as normas aplicáveis em vigor, o artigo 7.º e o artigo 11.º do CISV.

 

- Mas, sustentando a Requerente a anulação parcial do ato de liquidação, face à atual redação do artigo 11.º, introduzida pela Lei do OE para 2017, lei de valor reforçado, não é possível extrair da norma a aplicação de uma nova redução, além da prevista no artigo 7.º do CISV, atinente à componente ambiental.

 

- De facto, não se retira da letra da lei, no caso, do artigo 11.º do CISV, ou de outra norma do mesmo código, a aplicação da redução prevista na admissão de veículos usados, para a componente cilindrada, à componente ambiental, além da que já é aplicada por força do artigo 7.º.

- Sendo que o intérprete tem de se socorrer dos elementos lógicos para determinar, designadamente, o espírito da lei, a sua racionalidade (razão de ser/ratio legis).

- Nesta medida, a interpretação da Requerente ofende claramente o princípio da equivalência previsto no artigo 1.º do CISV, sobre o qual assenta o atual modelo de tributação automóvel, e o artigo 9.º, alínea e) e artigo 66.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP, ocorrendo uma violação do princípio constitucional do Estado de direito ambiental.

 

- Está em causa um direito constitucional fundamental, o direito ao Ambiente e Qualidade de Vida consagrado no n.º 1 do artigo 66.º da CRP, isto é, o direito de todos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, e do qual resulta (n.º 2), a obrigação, para o Estado, de assegurar o direito ao ambiente, a obrigação de prevenir e controlar a poluição e seus efeitos, promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito setorial, bem como assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida (artigo 66.º, n.º 2, alíneas a), f) e h), da CRP).

- E, com vista à concretização e defesa do direito ao ambiente, o Estado pode impor proibições ou deveres de abstenção de ações ambientalmente nocivas e, numa vertente positiva, impor a defesa do ambiente mediante obrigações políticas, legislativas, administrativas e penais, nas quais se incluem a utilização dos impostos, taxas e benefícios fiscais como instrumentos formais que propiciem a proteção do ambiente, defendendo J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira que, consagrando o artigo 66.º da CRP o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, a sua defesa até pode justificar restrições a outros direitos constitucionalmente protegidos, que incluem a redução de gases, do consumo e a seletividade nas escolhas.

 

- E, estabelecendo o artigo 66.º (cf. alíneas f) e h) do n.º 2) a adoção de medidas de âmbito setorial e a política fiscal enquanto instrumento de proteção do ambiente e qualidade de vida, que podem consistir no agravamento fiscal de veículos particularmente poluentes, a CRP consagra expressamente, neste âmbito, um direito fiscal do ambiente que utilize os impostos, taxas, benefícios fiscais como instrumentos formais que propiciem a proteção do ambiente, por estarem  em causa bens constitucionalmente protegidos de natureza coletiva, merecedores de tutela jurisdicional.

 

- Na elaboração do CISV foram considerados os referidos princípios constitucionais, estando subjacentes, designadamente, nos artigos 1.º e 11.º do CISV, não podendo afastar-se a aplicação deste artigo, impondo-se que se afira a sua conformidade com os princípios constitucionais consagrados no artigo 9.º e 66.º da CRP, até porque está em causa matéria de reserva de lei (âmbito de reserva legislativa da Assembleia da República) o que deve ser apreciado.

- Acrescendo que, a interpretação defendida pela Requerente, posto que defende a aplicação de uma fórmula de cálculo, com atribuição de uma redução não prevista na tabela D do artigo 11.º, acrescenta uma redução à componente ambiental que não está consagrada na letra lei, que não foi querida pelo legislador, consubstancia assim, também nesta parte, uma violação dos princípios constitucionais aludidos, da legalidade e da justiça tributária, da igualdade e da certeza e segurança jurídica.

 

- Por outro lado, a aplicação de tal redução, não prevista na lei, não pode deixar de se considerar como um benefício fiscal que não se encontra previsto na lei e que é inconstitucional face ao disposto no n.º 2 do artigo 103.º da CRP, que estabelece que os impostos são criados por lei, determinando esta igualmente a incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, que coloca igualmente a Requerente em situação de vantagem face aos demais sujeitos passivos, criando também, nesta parte, uma situação de desigualdade fiscal.

 

- Ademais, a pretensão da Requerente, além de não se estribar na lei e violar os acima indicados princípios constitucionais também olvida que estamos perante um imposto sobre o consumo não harmonizado, e que a tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo, conforme o consagrado no n.º 4 do artigo 104.º da CRP.

 

- E, sendo um dos princípios gerais da interpretação das normas jurídicas e “critério de interpretação” o da interpretação conforme à Constituição, de acordo com este critério, no caso de o intérprete, mediante a aplicação dos elementos interpretativos, chegar a mais do que um sentido possível a atribuir a um preceito normativo, deve preferir aquele que mais se adeque à Constituição.

 

- Não podendo, assim, deixar de se considerar o artigo 204.º da CRP, que impõe que os tribunais não apliquem normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.

- Por outro lado, ao defender a ilegalidade da liquidação por entender que existe uma desconformidade do artigo 11.º do CISV com o artigo 110.º do TFUE, a Requerente, além de violar, por via de tal interpretação, os já referidos princípios, consagrados na nossa Lei Fundamental, viola ainda, por via da desaplicação do artigo 11.º do CISV na redação atualmente em vigor, uma violação do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva.

- De facto, tendo a Requerente recorrido à arbitragem tributária para impugnar a liquidação, a administração encontra-se coartada no seu direito de reação face aos limitados meios de recurso perante a prolação de uma decisão arbitral desfavorável, em geral e, concretamente, quanto ao recurso de decisão que desaplica norma nacional com fundamento em violação de princípio de direito da União Europeia.

 

- É que o RJAT prevê tão somente três tipos de reações recursórias, sendo eles o recurso para o Tribunal Constitucional, o recurso para uniformização de jurisprudência e a impugnação arbitral, com base nas nulidades elencadas no artigo 28.º, n.º 1 do RJAT.

 

- Em sede arbitral, não existe o clássico recurso de direito e de facto, em princípio a interpor para o Tribunal Central Administrativo competente.

- Ora, defendendo a Requerente a violação de um princípio do TFUE no caso concreto, e prevendo o RJAT que o recurso para o Tribunal Constitucional só pode ter como fundamento as alíneas a) e b) do artigo 70.º da Lei do TC, não há dúvida que, a vingar tal interpretação, estamos perante uma violação do princípio do livre acesso aos tribunais.

- Verifica-se, pois, face ao disposto nos artigos 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 266.º, todos da CRP, a violação dos princípios do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.

 

- Em face do exposto, a interpretação da Requerente do artigo 11.º do CISV quando interpretado da forma em que o faz, viola os princípios, acima mencionados, da legalidade e da legalidade fiscal, da justiça tributária, da igualdade e da certeza e segurança jurídica, do Estado de direito ambiental e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, impondo-se a apreciação da constitucionalidade de tal entendimento, o qual, desde já, reputamos de inconstitucional, não podendo por isso, ser aplicado no caso concreto.

 

Do pedido de pagamento de juros indemnizatórios

 

- Além dos demais pedidos formulados, peticiona ainda a Requerente o pagamento de juros indemnizatórios que, no seu entender, seriam devidos por conta da ilegalidade do ato de liquidação.

 

- No que concerne ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, diga-se que, ainda que venha a considerar-se que o pedido arbitral deva proceder, o que só por dever de raciocínio se concebe, não poderá, todavia, aquele proceder.

 

- De facto, o direito a juros indemnizatórios, consagrado no artigo 43.º da Lei Geral Tributária, pressupõe que se apure a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.

 

- E, no caso concreto, não se verifica a existência de qualquer erro que possa ser imputável à administração tributária.

 

- É que, efetivamente, a liquidação em causa nos presentes autos decorreu exclusivamente da aplicação da lei em vigor, tendo aquela sido efetuada nos termos das normas aplicáveis, previstas no CISV, que determinam a exigibilidade e consequente liquidação do imposto, o que nem sequer é posto em causa pela Requerente.

 

- E, estando a AT e os seus órgãos, vinculados, na sua atuação, ao princípio da legalidade, a Requerida AT agiu, sempre, em obediência àquele e em conformidade com o direito em vigor, não podendo ter agido de modo diverso, não devendo, consequentemente, ser-lhe atribuído qualquer erro que lhe seja imputável, nos termos do artigo 43.º da LGT, posição que já foi sufragada em sede arbitral, conforme resulta das decisões proferidas nos Processos n.º 348/2019-T e n.º 34/2020-T.

 

- Pelo que, face ao invocado, tendo a AT agido no cumprimento estrito da lei, não se verifica qualquer erro de que possa resultar o pagamento indevido do imposto, sob pena de se verificar com tal interpretação, uma violação, também aqui, do invocado princípio constitucional da legalidade e legalidade fiscal, não devendo assistir, por conseguinte, à Requerente, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

- Conclui, requerendo que o pedido de pronúncia arbitral seja julgado totalmente improcedente.

 

   - ALEGAÇÕES E RESPOSTA DA REQUERENTE À EXCEPÇÃO DE CADUCIDADE

 

      Em sede de alegações, a Requerente disse o seguinte

 

QUANTO À EXCEPÇÃO

A Requerente requereu, nos termos do art. 78º da LGT, a Revisão da Liquidação do ISV referente à viatura automóvel melhor identificada no respetivo requerimento, tendo fundamentado esse seu pedido na alegação que a liquidação efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, neste caso pela Alfândega de Leixões, foi ilegal, pois a norma que esteve na base dessa liquidação – art. 11º do CISV – é ilegal por violação do art. 110º do TFUE.

 

Requerimento que foi indeferido com o fundamento de que o pedido de revisão só poderia ter por base um erro material imputável aos serviços, não contemplando o erro de direito, o que não se verificava no caso em apreço, porquanto os serviços da AT limitaram-se a aplicar a norma legal em vigor.

 

Na sequência desse indeferimento, a Requerente impugnou a liquidação deste imposto junto deste Tribunal Arbitral, com base na mesma fundamentação, ou seja, ilegalidade na liquidação por violação do art. 110º do TFUE.

 

E, para fundamentar a tempestividade dessa impugnação, alegou na parte final do seu requerimento (art. 72º a 76º) que tinha previamente requerido a revisão da liquidação do mesmo imposto no prazo de quatro anos previsto no art. 78º da LGT e que a mesma tinha sido indeferida. 

 

Veio agora a Requerida, em sede de resposta, invocar a exceção da caducidade do direito da Requerente, sustentando que o prazo legal para a impugnação está ultrapassado, porquanto o recurso ao nº 1 do art. 78 da LGT apenas tem aplicação no caso de ter havido um erro imputável aos serviços da administração, fazendo uma interpretação restritiva desse erro, de forma a excluir do mesmo o erro na aplicação do direito.

 

Ora, salvo o devido respeito, não é essa a correta interpretação que deve ser dada ao nº 1 do art. 78º da LGT, muito pelo contrário.

 

É entendimento pacífico da jurisprudência do STA que este erro, para além de englobar o lapso, o erro material ou de facto, engloba também o erro de direito, desde que essa errada aplicação da lei não decorra de qualquer informação ou declaração do contribuinte – Ver Ac. STA, proc. 886/14, de 19.11.2014.

 

Interpretação que, ainda de acordo com o referido acórdão, resulta da aplicação do disposto no nº 2 do art. 266º da CRP e do art. 55º da LGT, que impõem à administração tributária uma atuação conforme a lei.

 

Refira-se ainda que este entendimento é totalmente acolhido na douta decisão arbitral em que a Requerida sustenta a sua pretensão, já que da leitura integral da mesma e não apenas dos excertos transcritos no seu requerimento, resulta que a decisão ali proferida teve por base o facto da alegada ilegalidade da liquidação do imposto em análise ter tido por base uma errada declaração ou omissão por parte do sujeito passivo e não a prática de um ato ilegal imputável á AT.

 

Em tudo o mais, esta decisão vai no sentido de entender também que o pedido de revisão da liquidação do ato tributário no prazo de quatro anos previsto no art. 78º da LGT pode ter por base o erro de direito, ou seja a ilegalidade na liquidação do imposto, conforme alegado pela Requerente.

 

Ora, no caso dos autos, a impugnação da liquidação do ISV em causa tem exclusivamente por base a aplicação de uma norma ilegal por violação de uma norma do direito europeu, logo de valor reforçado.

 

Não tendo a Requerente, obviamente, contribuído por qualquer forma para essa liquidação ilegal do imposto.

 

Assim, sendo indiscutível que a Requerente se pode socorrer do disposto no nº 1 do art. 78º da LGT – requerer a revisão do ato tributário no prazo de quatro anos da respetiva liquidação – e que o fundamento desse pedido pode ter como fundamento a ilegalidade do ato, é manifesto não se verificar a exceção invocada, devendo, em consequência, a mesma ser julgada improcedente.

 

          - ALEGANDO, disse a Requerente

A Requerente não questiona a política fiscal aprovada pelos respetivos órgãos de competência legislativa, leia-se Assembleia da República, nem a sua execução pelo Governo e respetivos departamentos.

 

Bem como não põe em causa a importância da defesa do ambiente e a execução das políticas tendentes à sua execução, nas quais se insere a tributação dos automóveis importados ou introduzidos em Portugal, através do ISV.

 

Imposto que tributa não só a importação dos veículos novos, como também a introdução de veículos usados no território português provenientes de outro Estado da União Europeia.   

 

Dando, nessa tributação, especial relevância à emissão de CO2, como forma de “penalizar” os veículos mais poluentes.

 

Mas, não é esta questão que está em causa nos presentes autos, nem sequer a alteração legislativa de qualquer norma jurídica, mas apenas a liquidação de um imposto que, do ponto de vista da Requerente, é ilegal por violar uma norma do Direito Europeu.

 

E que consiste na tributação diferenciada entre os veículos usados comercializados em Portugal e os veículos usados introduzidos no mercado interno, no que à tributação da componente CO2 diz respeito.

 

Os veículos usados comercializados em Portugal, sofrem a normal desvalorização comercial, desvalorização essa que, no que diz respeito ao valor residual do ISV já pago aquando da sua importação, tem em consideração as duas componentes da liquidação deste imposto – a cilindrada e a emissão de CO2.

 

Sendo ambas consideradas na valorização efetuada pelo mercado interno dessa viatura automóvel.

 

Isto é, o veículo automóvel usado comercializado em Portugal, sofre a desvalorização pelos anos de uso do veículo em todas as suas componentes, incluindo-se nessa desvalorização o valor residual do ISV já pago aquando da sua importação, na sua componente CO2.

 

Já no que diz respeito às viaturas usadas introduzidas em Portugal, provenientes de um outro Estado da União Europeia, a tributação do ISV, no que à componente CO2 diz respeito, não tem em consideração o valor residual do imposto já incorporado no valor dos veículos automóveis.

 

Tributando essa viatura como se fosse uma viatura nova e não usada, com a desvalorização sofrida decorrente desse facto.

 

Ora, é precisamente essa tributação da componente CO2, sem considerar a desvalorização da viatura automóvel pelos anos de uso que já tem, que traduz a descriminação negativa dos veículos usados admitidos no território nacional, relativamente aos comercializados em Portugal.  

 

Ou seja, traduz uma imposição interna superior à que incide sobre os automóveis usados comercializados em Portugal, em clara violação do art. 110º do TFUE.

 

Entende-se que a AT queira penalizar os veículos mais poluentes ao nível do CO2, mas essa penalização não pode descriminar, como faz, os veículos introduzidos no espaço nacional, provenientes de um Estado da União Europeia.

 

É nisto que consiste a violação do art. 110º do TFUE.

 

É este também o entendimento da CE, que instaurou já um processo no TJUE contra Portugal, para que este Estado-membro altere a sua legislação no que diz respeito á liquidação do ISV para pôr termo a esta discriminação negativa, tendo sido já proferidas múltiplas decisões pelo CAAD, que julgaram procedentes todas as impugnações apresentadas pelos respetivos sujeitos passivos.

  

G. – QUESTÕES A DECIDIR   

 

Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados, são as seguintes questões que cabe apreciar e decidir:

A – Excepção da caducidade do direito de acção e, no caso, desta improceder

B - De mérito:         

     1 – Questão Principal – Saber se a liquidação do Imposto Sobre Veículos realizada, nos termos do art. 11º do respectivo Código, sem que seja tido em conta, no cálculo do imposto, qualquer dedução relativa à componente ambiental, padece, ou não, de ilegalidade determinante da sua anulação   –

     2 – Juros indemnizatórios – Existência, ou não, do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do art. 43º da LGT, no caso de ser anulada a liquidação e determinado o reembolso da importância peticionada, que teria sido indevidamente paga, e a partir de que momento.

     3 – Em qualquer caso, responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais.

 

H. – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

     1. O Tribunal Arbitral está regularmente constituído e é material competente, de acordo com o disposto na alínea a), do nº 1, do art. 2º do RJAT (Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro).

     2. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, nos termos dos arts. 4º e 10º, nº 2 do RJAT e art. 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março.

 3. O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.

 

I.               – MATÉRIA DE FACTO

 

I. 1 – FACTOS PROVADOS

     Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:

1) – A Requerente importou, com origem na Alemanha, o veículo automóvel de passageiros, marca ..., ..., ..., movido a gasolina, destinado a seu uso próprio, que, actualmente, tem o número de matrícula ... .

2) – O referido veículo tinha sido matriculado pela primeira vez na Alemanha, em 01/04/2005 e percorrido, antes da sua entrada em Portugal, 20.700 Kms.

3) – A Requerente procedeu à declaração aduaneira deste veículo (DAV nº 2018/..., de 28/03/2018), tendo a Requerida AT liquidado o Imposto Sobre Veículos pelo valor de 55.740,73 euros, imposto pago pela Requerente, cujo termo do prazo de pagamento era 22/03/2018.

4) – Deste valor liquidado, 23.408,98 euros correspondem à componente cilindrada e 51.058,93 euros à componente ambiental.

5) – Relativamente à componente cilindrada, aquele valor foi deduzido pela quantia correspondente a 80% do seu montante, ou seja, 18.727,18 euros, por força da redução resultante do número de uso do veículo.

6) – A Requerente requereu em 05/05/2020, junto da Alfândega de Leixões, a revisão da liquidação do referido imposto.

7) – Este pedido de revisão foi indeferido por despacho do Director da Alfândega de Leixões de 19/05/2020, notificado à Requerente em 28/05/2020.

8) - Em 8 de Junho de 2020 a Requerente entregou no CAAD o pedido de pronúncia arbitral

 

I. 2 – FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

     Os factos dados como provados estão baseados nos documentos indicados relativamente a cada um deles, e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada.

    

J. – MATÉRIA DE DIREITO

     Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida, à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta as questões a decidir que foram enunciadas.      

 

     As orientações arrogadas pela Requerente e pela Requerida e a sua fundamentação estão expostas, em síntese, ou com parcial transcrição, em E. e F. do Relatório desta Decisão.

          Quanto à excepção:

     O Tribunal Arbitral começa por se debruçar sobre a questão suscitada pela Requerida relativamente à extemporaneidade do pedido, pois, constituindo esta uma excepção peremptória, nos termos do art. 576º do CPC, que é aplicável face ao disposto no art. 29º do RJAT, a sua procedência implicará a absolvição da Requerida, uma vez que impedindo esta o efeito jurídico articulado pela Requerente, terá consequências no conhecimento do mérito do pedido arbitral

      Em primeiro lugar cabe assinalar que, ao invés do aduzido pela Requerida, o pedido de pronúncia arbitral tem por objecto o despacho de indeferimento do pedido de revisão, mas também a ilegalidade da liquidação de ISV, conforme resulta claro da parte final do pedido de pronúncia.

      Assim sendo, a questão a apreciar e a decidir circunscreve-se a saber se o contribuinte dispõe, ou não, do prazo de 4 anos concedido por lei à Administração Tributária para revogar actos de liquidação de tributos que sejam ilegais.

      Abreviando razões, dir-se-á que, como resulta do nº 7 do art. 78º da LGT, onde se refere que a revisão oficiosa pode ser feita na sequência de “pedido do contribuinte”, o STA tem entendido que o contribuinte pode apresentar este pedido no prazo de 4 anos, citando-se, por todos, o Acórdão do STA de 19/11/2014 (proc. 0886/14), onde se diz que: a revisão oficiosa de actos tributários a que alude a parte final do nº 1 do art. 78º da LGT “por iniciativa da administração tributária”, pode realizar-se “a pedido do contribuinte” (art. 78º, nº 7 da LGT).

      Assim sendo, pode concluir-se que, para além do regime de impugnação para que remete o art. 78º, nº 1, com o prazo de 120 dias, da reclamação administrativa (graciosa) e denominada por revisão efectuada por iniciativa do sujeito passivo, o contribuinte dispõe também do prazo de 4 anos do regime de revisão por iniciativa da AT

      A diferença essencial entre os dois tipos de revisão é que, se a revisão for pedida no prazo de 120 dias, pode ser invocado qualquer tipo de ilegalidade (como erros de facto ou de direito, vícios de forma ou incompetência, ou erro imputável ao contribuinte) e se for oficiosa, com o prazo de 4 anos, (mesmo a pedido do contribuinte) apenas pode ser invocado vício imputável aos serviços da administração tributária.

      Nesta conformidade, o pedido de revisão que foi apresentado dentro do prazo de 4 anos, uma vez que a liquidação ocorreu no ano de 2018, bem como o pedido de pronúncia arbitral, são tempestivos, porque têm como fundamento erro de direito, que, por natureza, é imputável à AT, uma vez que esta tem o dever de observar o princípio da legalidade.

      Só seria intempestivo, isto é, teria de ser apresentado no prazo de 120 dias, se o contribuinte invocasse erro próprio, ou qualquer vício de forma ou incompetência, o que não acontece.

      Razão pela qual, julga-se improcedente a excepção de caducidade do direito de acção.

      Quanto ao mérito

      O presente pedido de pronúncia arbitral tem como fundamento a ilegalidade do art. 11º do Código do Imposto sobre Veículos, relevante na liquidação impugnada, por violar o disposto no art. 110º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

      A questão em apreço consiste em saber se a liquidação de ISV relativa à viatura identificada nos autos padece, ou não, de ilegalidade parcial, como pretende a Requerente, ou, ao invés, como defende a Requerida, o acto de liquidação deste tributo deverá ser mantido na sua íntegra, não enfermando de qualquer ilegalidade.

      Sobre a matéria, sumariamente, entende a Requerente que o normativo em apreço, aplicável aos veículos portadores de matrículas comunitárias, de modo a contemplar no cálculo do imposto a desvalorização comercial média no mercado nacional das viaturas usadas, prevê uma redução percentual pelo número de anos de uso, considerada apenas na componente cilindrada, deixando de lado a componente ambiental, o que se vai traduzir numa tributação superior à que é aplicada aos usados similares no mercado nacional.

       Por seu lado, a Requerida entende que a componente ambiental não se deve traduzir em nenhuma redução, pois representa o custo do impacto ambiental, pelo que não deve ser entendida como contrária ao espírito do art. 110º do TFUE.

      Ora, a questão em apreço já foi apreciada em diversas decisões arbitrais proferidas pelo CAAD, nomeadamente as relativas aos processos nºs. 572/2018-T, 346/2019-T, 348/2019-T, 350/2019-T,459/2019-T, 466/2019-T, 498/2019-T, 766/2019-T, 833/2019-T, 74/2020-T e 75/2020, nas quais foram proferidas decisões anulatórias com fundamento na incompatibilidade  do disposto no art. 11º do CISV com a disposição do art. 110º do TFUE, segundo a qual “nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares”

      Ora, no presente caso concreto coloca-se questão análoga, conforme resulta do supra exposto, acompanhando nós a argumentação na formulação do juízo de desconformidade dos critérios adoptados com o disposto no art. 110º do TFUE, uma vez que o cálculo do imposto não leva inteiramente em linha de conta a depreciação do veículo, acabando por se verificar que a admissão de um veículo de outro Estado-Membro esteja sujeita a uma carga tributária superior à que se se encontra incorporada e depreciada no valor dos veículos usados anteriormente matriculados no território nacional.

      Assim sendo, pode dizer-se que a lei portuguesa está a fazer incidir sobre este “produto” dos Estados-Membros uma imposição interna superior à que incide directa ou indirectamente, sobre os veículos usados nacionais, em clara violação do prescrito no art. 110º do TFUE.

      Vejamos, então, quais as razões e fundamentos para se chegar a esta conclusão, aliás, vertidos nas decisões do CAAD que se deixaram identificadas e as quais iremos acompanhar, de seguida.

     De acordo com o disposto no Código do ISV, estão sujeitos a este imposto, no seu regime regra, nomeadamente, "os veículos automóveis ligeiros de passageiros, (art. 2º, nº 1, alínea a), sendo "sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos" (art. 3º, nº 1).

   O artigo 5º do Código do ISV, diz que constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal", sendo que, para este efeito, de acordo com o nº 3 alínea a) do mesmo artigo, entende-se por admissão, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-Membro da União Europeia em território nacional".

    No que diz respeito à exigibilidade do imposto, de acordo com o disposto no artigo 6º, nº 1, alínea b, "o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada no momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares", sendo que " a taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível" (nº 3).

      Quanto à introdução no consumo, estabelece o artigo 17º, nº 1 do referido Código que "a introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV)", sendo que nos termos do nº 3, "para efeitos de matrícula, os veículos automóveis ligeiros ficam sujeitos ao processamento da DAV".

      De acordo com o disposto no artigo 20º, nº 1 do Código do ISV, "os particulares e os sujeitos passivos que não se encontrem constituídos como operadores registados ou operadores reconhecidos estão obrigados à apresentação da DAV" nos prazos aí previstos, sendo que, nos termos do seu nº 2, se enumeram os documentos que a devem acompanhar.

     As taxas a aplicar para efeito de cálculo do ISV não incidem sobre o valor do automóvel mas têm por base os centímetros cúbicos por cilindrada (cm3) (componente cilindrada) e os gramas de CO2 por quilómetro (componente ambiental), sendo que foram estruturadas em taxa normal, taxa intermediária e taxa reduzida e taxa para veículos usados, nos termos do disposto nos artigos 7º a 11º do Código do ISV.

      Assim, no que diz respeito à tributação do ISV, as taxas aplicáveis têm por base tributável uma componente cilindrada e uma componente ambiental, sendo que a primeira componente prevê uma taxa a aplicar consoante a cilindrada e o tipo de veículo e a segunda componente estabelece uma discriminação positiva entre os veículos a gasolina e os veículos a gasóleo, prevendo uma tributação progressiva em função do nível de CO2 g/km.

      O cálculo do ISV devido por veículos usados portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia, o artigo 11º, nºs 1 e 2 do Código do ISV dispõe que "o imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objecto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com excepção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respectiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional".

      Os nºs 3 e 4 do referido artigo 11º do Código do ISV referem que "sem prejuízo da liquidação provisória efectuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado nos termos do nº 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula aí indicada, pode requerer ao director da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto, sob pena de se presumir" que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do nº 1".

       Nos termos da decisão arbitral do processo nº 572/2018-T que aqui adoptamos, em sede de ISV, existe um longo percurso no que diz respeito às questões que a Comissão Europeia tem levantado ao Estado Português em matéria de legalidade das normas nacionais, nomeadamente, quanto à carga fiscal incidente sobre os veículos usados.

       A legalidade foi questionada pela Comissão Europeia, ainda no âmbito do Imposto Automóvel, "porquanto esta entendia que as normas portuguesas então vigentes não observavam o disposto no artigo 95º do Tratado de Roma e, sendo necessário que Portugal perdesse o seu carácter proteccionista, era imprescindível que o montante de imposto fosse idêntico ao remanescente do imposto incorporado no preço dos veículos usados similares, comercializados no mercado português, remanescente esse a calcular a partir da percentagem da depreciação do valor desses veículos".

      O Acórdão do TJCE (de 22/02/01) denominado "Gomes Valente", proferido a título prejudicial, veio criar as condições para se romper, a nível nacional, com o quadro clássico de tributação dos veículos usados, assente exclusivamente em reduções fixas em função do número de anos de uso.

       "Neste âmbito (conforme se extrai daquela decisão), embora tenha sido referido que a aplicação de uma tabela de taxas para os veículos usados fundada num critério de depreciação único não seria contrário ao referido artigo 95º do Tratado de Roma, foi sublinhado que era importante que fossem tomados em conta outros factores de depreciação que não apenas a antiguidade, de forma a garantir que a referida tabela reflectisse de modo mais preciso a depreciação real dos veículos e permitisse alcançar de uma forma mais fácil o objectivo da tributação dos veículos usados, de modo a que, em nenhum caso, esta pudesse ser superior ao montante da taxa residual incorporada no valor dos veículos usados já matriculados em território nacional".

      Conforme resulta daquela decisão do CAAD "esta jurisprudência veio a ser reforçada com o Acórdão do TJCE nº 101/00, proferido em 19 de Setembro de 2002 num processo que então envolveu o Governo Finlandês e Antti Sillin, no qual foi considerado que o artigo referido artigo 95º, primeiro parágrafo do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 90º, primeiro parágrafo) permitia a um EM aplicar aos veículos usados importados de outro EM um sistema de tributação em que o valor tributável é determinado por referência ao valor aduaneiro definido, mas obsta a que o valor tributável varie em função da fase de comercialização quando daí possa resultar, pelo menos, em determinados casos, que o montante do imposto que incide sobre um veículo usado importado exceda o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional".

     Acrescentando que "na sequência do designado Acórdão "Gomes Valente", a jurisprudência tem entendido que para que um sistema de tributação dos veículos usados seja compatível com o disposto no Tratado é necessário que se adopte ou um modelo de tributação baseado na avaliação de cada veículo ou um modelo de tributação baseado em tabelas fixas que exclua todo e qualquer efeito discriminatório".

      O actual artigo 110º do TFUE opõe-se a que um EM aplique aos veículos usados importados de outro EM um sistema de tributação em que o imposto que incide sobre esses veículos não atenda à depreciação real do veículo e não permita garantir sempre que o montante do imposto que fixa não excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional.

      "Quando um EM aplica aos veículos usados importados de outros Estados membros um sistema de tributação em que a depreciação real dos veículos é definida de modo geral e abstracto com base em critérios determinados pelo direito nacional, o disposto no Tratado exige que esse sistema de tributação seja organizado de forma a excluir todo e qualquer efeito discriminatório", como se extrai da decisão que temos vindo a seguir.

      Em 2006, no âmbito do sistema de tributação Húngaro, no Acórdão do TJUE de 5 de Outubro de 2006 (C-290/05), no caso Nádasdi, foi analisada pela primeira vez a questão ambiental face aos impostos automóveis aplicáveis dentro do espaço da União Europeia.

      Refere aquela decisão que "o sistema fiscal Húngaro ignorava a desvalorização do veículo e tratava de forma igualitária todos os veículos que tivessem a mesma motorização e comportamento ambiental".

      Contudo, o referido Acórdão veio declarar que "o artigo 90º, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto como o instituído pela lei relativa ao imposto automóvel, na medida - em que seja cobrado sobre os veículos usados quando da sua primeira colocação em circulação no território de um Estado-Membro e - em que o seu montante, exclusivamente determinado em função das características técnicas dos veículos (tipo de motor, cilindrada) e da sua classificação ambiental, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos membros, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados-Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado-Membro de importação. Não é relevante proceder a uma comparação com os veículos usados postos em circulação no Estado-Membro em questão antes da introdução desse imposto", como resulta da decisão do CAAD a que aderimos.

      "Adicionalmente (acrescenta esta decisão), considerou-se que os Estados-Membros (EM) têm liberdade para seleccionar os critérios a utilizar no cálculo do imposto e estabelecer um sistema de tributação diferenciado para certos produtos, em função de critérios objectivos aplicados, sendo que tais diferenciações só serão consideradas compatíveis com o direito da UE se, por um lado, prosseguirem objectivos compatíveis, também eles, com as exigências do Tratado e do direito derivado e, se por outro, as formas que vierem a revestir sejam molde a evitar qualquer forma de discriminação, directa ou indirecta, das "importações" provenientes dos outros EM, ou de protecção em favor de produções nacionais concorrentes".

       Assim, em termos gerais, concluindo nos termos da decisão do CAAD que temos vindo a seguir "no âmbito de um regime fiscal relativo à tributação automóvel, critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em factores ambientais constituem critérios objectivos que possam ser utilizados no sistema de tributação, da sua utilização não poderá resultar discriminação e o imposto que vier a ser apurado não poderá onerar mais os produtos provenientes de outros EM do que os produtos nacionais similares, implicando que a cobrança por um EM de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro EM é contrária ao artigo 110º do TFUE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados, semelhantes, já matriculados no território nacional".

       Mais acrescentando que "em 2009, interpretando o mesmo artigo 110º do TFUE, o TJUE, no Acórdão de 19 de Março de 2009 (que opôs a Comissão Europeia à Finlândia), considerou que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de um modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios".

      No que a Portugal diz respeito, "nos termos do disposto no artigo 8º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o direito internacional prevalece sobre o direito interno português e é directamente aplicável em território nacional, sem desenvolver qualquer fundamentação, fez eco uma comunicação da Comissão Europeia em que se informava que esta tinha encetado, no TJUE, um processo contra Portugal, no sentido de defender que era censurável o artigo 11º do Código do ISV não contabilizasse no cálculo do ISV incidente sobre veículos usados nenhuma desvalorização até o veículo ter mais de um ano de tempo de uso, nem é considerada nenhuma diminuição do valor real para os veículos com mais de cinco anos de utilização, processo que culminou com a prolação do Acórdão do TJUE (C-200/15), de 16/06/2016, acima já referido".

     Com efeito, em matéria de direito internacional, o artigo 8º, nº 4 da CRP estabelece que "as disposições dos tratados que regem a UE e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático".

     A Decisão Arbitral nº 577/2016-T, de 1 de Junho de 2017, refere, neste âmbito que "apesar de só os Estados-Membros terem competência em matéria de impostos directos, o Tribunal de Justiça (TJ) tem sustentado, através das suas decisões, que esses Estados devem exercer essa competência em conformidade com o direito da União Europeia. Evitando assim, violações das cinco liberdades económicas fundamentais, designadamente a livre circulação de mercadorias (artigos 28º e seguintes do TFUE). Ora, é precisamente através da protecção de cada uma destas liberdades, directamente aplicáveis, que ocorre uma verdadeira harmonização pela via jurisprudencial que se traduz na obrigatoriedade de as legislações nacionais se conformarem a cada uma dessas liberdades. O direito português consagra uma cláusula de recepção automática plena do direito convencional internacional, cumpridas as formalidades de aprovação, ratificação e publicação, Daqui decorre que os tratados são fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários, podendo ser invocados perante os tribunais".

        Enfatizando que "os tratados são superiores hierarquicamente relativamente à lei ordinária. Esta superioridade decorre não só dos artigos 26º e 27º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, mas igualmente do artigo 8º nºs 1 e 2 da CRP. Apresenta-se, pois, como claro que, para que a convenção vigore na ordem interna, é necessário que a lei ordinária posterior a não possa revogar. Ou seja, o direito internacional convencional não pode ser afastado por leis ordinárias, surgindo como superior àquelas, Sejam essas leis subsequentes, as quais serão materialmente inconstitucionais se o contrariarem; sejam anteriores, as quais terão de ser suspensas se forem conflituantes com esse direito convencional internacional, só retomando a vigência no caso de suspensão ou cessação da convenção internacional que estiver em causa.".

    O artigo 110º do TFUE (na esteira do artigo 90º do Tratado de Roma), preceitua que "nenhum EM fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente sobre produtos nacionais similares".

       Nos terrmos da decisão, cuja fundamentação temos vindo a perfilhar, acrescenta-se que "sobre a interpretação deste artigo face aos direitos nacionais já o TJUE se pronunciou por diversas vezes precisando o seu alcance dado que a admissão nos mercados nacionais de veículos automóveis portadores de placa de matrícula definitiva de outros Estados Membros, isto é de veículos usados, rege-se exclusivamente pelo direito nacional, não podendo, todavia, tal direito contrariar os princípios em que se alicerça o funcionamento da EU".

      "Por isso, dentro da liberdade conformadora que o legislador nacional dispõe para modelar o imposto de forma a proceder à sua cobrança de forma exequível e eficaz, é necessário ter em conta, para além da opinião da Comissão Europeia, enquanto entidade a que cabe zelar pelo respeito pelo Tratado, a jurisprudência comunitária que se vai produzindo.

      E tanto assim é que  o Estado Portugês, interpelado pela Comissão Europeia em 2009/2010, quanto à forma como eram tributados os veículos usados admitidos em Portugal provenientes da UE (porque contrária ao previsto no referido e citado artigo 110º do TFUE), se viu forçado a alterar a legislação em vigor em matéria de ISV, em concreto o artigo 11º, nº 1 do Código do ISV (naquela data vigente), através da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do OE para 2011), no sentido de:

    O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados Membros da União Europeia é objecto de liquidação provisória, com base na aplicação das percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respectiva, as quais estão associadas à desvalorização social média dos veículos no mercado nacional, calculada com referência à desvalorização comercial média corrigida do respectivo custo de impacte ambiental".

     Contudo, como refere a aludida decisão, não foi comtemplada, com a referida alteração legislativa, a questão da desvalorização dos veículos usados, oriundos de outro EM, com menos de um ano e mais de cinco, surge então o já citado Acórdão do TJUE nº C-200/15, de 16 de Junho de 2016 (referido e citado pelo Requerente),visando directamente a legislação nacional, consubstanciada no artigo 11º  do Código do ISV (na redacção em vigor até 2016), nos termos do qual se veio considerar que "a República Portuguesa ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro EM, introduzidos no território nacional, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110º do TFUE".

     E assim, o legislador nacional foi forçado a alterar o referido artigo 11º do Código do ISV, no sentido de nele incluir a desvalorização referida no ponto anterior, através da Lei nº 42/2016, de 28 de Dezembro, mas excluindo de novo da redacção do artigo a questão da desvalorização incidente sobre a componente ambiental do ISV.

     Nesta conformidade, os actuais contornos da legislação nacional ignoram, no artigo 11º, nº 1 Tabela D, o previsto no artigo 110º do TFUE e a posição que o TJUE tem assumido (e que já assumia face ao disposto no artigo 90º do Tratado de Roma) de que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios".

       A situação descrita levou a Comissão Europeia a dar início a um procedimento contra Portugal, conforme se extrai da decisão arbitral e que aqui assumimos, "por este EM não ter em conta a componente ambiental no cálculo do ISV aplicável aos veículos usados "importados" de outros EM, gerando efeitos discriminatórios nestas viaturas face às viaturas usadas adquiridas em território nacional".

     Assim,

   De acordo com o artigo 4º do TFUE, as competências que não sejam atribuídas à União nos Tratados pertencem aos Estados- Membros" (nº 1), sendo que "os Estados-Membros tomam todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos actos das instituições da União" (nº 4).

    Nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do TFUE, "a Comissão promove o interesse geral da União e toma as iniciativas adequadas para esse efeito. A Comissão vela pela aplicação dos Tratados, bem como das medidas adoptadas pelas instituições por força destes. Controla a aplicação do direito da União, sob a fiscalização do Tribunal de Justiça da União Europeia".

     Por sua vez, de acordo com o artigo 258º do TFUE, "se a Comissão considerar que um Estado-Membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados, formulará um parecer fundamentado sobre o assunto, após ter dado a esse Estado oportunidade de apresentar as suas observações. Se o Estado em causa não proceder em conformidade com este parecer no prazo fixado pela Comissão, esta pode recorrer ao Tribunal de Justiça da União Europeia".

     Como se extrai da mencionada Decisão tomada no processonº 572/2018-T, "uma eventual infracção à legislação europeia for identificada pela Comissão ou denunciada por queixa, esta última tenta resolver o problema que lhe está subjacente através do diálogo com o EM em causa, com o objectivo de encontrar uma solução rápida que esteja em conformidade com a legislação da UE e evitar assim o recurso a um processo formal por infracção.

     No caso de o EM não concordar com a Comissão ou não tomar medidas para rectificar a eventual violação da legislação da UE, a Comissão pode abrir um processo formal por infracção, sendo que este processo compreende várias etapas.

     Neste âmbito, a Comissão Europeia convida, através de notificação por carta, as autoridades nacionais do EM a pronunciarem-se sobre o problema de incumprimento identificado, no prazo máximo de dois meses, sendo que, em caso de ausência de resposta ou de resposta não satisfatória, a Comissão indicará as razões por que considera que o EM violou a legislação da EU e as autoridades nacionais dispõem de um prazo máximo de dois meses para dar cumprimento à legislação europeia".

    Não obstante, em caso de ausência de resposta ou resposta não satisfatória, a Comissão pode pedir ao TJUE que abra um procedimento contencioso ao EM incumpridor, decidindo o TJUE, em média, no prazo de dois anos, sobre a existência de uma infracção à legislação europeia".

     No âmbito dos presentes autos, e de acordo com a factualidade dada como provada, Portugal não tem em conta nenhuma redução sobre a componente ambiental do ISV no cálculo do imposto incidente sobre veículos usados "importados" de outros EM.

   À revelia do disposto no artigo 110º do TFUE, Portugal deixou de considerar as percentagens de redução de ISV relativas à depreciação das viaturas no que diz respeito à componente ambiental.

     Ainda que a Requerida suscite o princípio da protecção do ambiente consagrado no artigo 191º do TFUE, devendo interpretar-se o artigo 110º do TFUE à luz do disposto no artigo 191º do mesmo Tratado, sob pena de conflitualidade entre as duas normas, a verdade é que este artigo 191º do TFUE teve origem no artigo 174º daquele Tratado e também a jurisprudência do TJUE se referiu em diversos momentos às questões ambientais na interpretação do referido artigo 90º, nomeadamente, no processo C-290/05.

     Por seu turno o Acórdão do TJUE (C-200/15), de 16/06/2016, como se extrai da mencionada decisão arbitral, "refere que "este artigo (110º do TFUE) é violado sempre que a imposição que incide sobre o artigo importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculados de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam a uma imposição superior do produto importado", sendo que "um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares, disponíveis no mercado nacional".

     Assim sendo, o Tribunal Arbitral não tem dúvidas em concluir que o artigo 11º do Código do ISV está em desconformidade com o disposto no artigo 110º do TFUE, uma vez que calcula o imposto sobre veículos usados provenientes de outro Estado Membro da EU, sem tomar em linha de conta a sua depreciação, permitindo que o imposto calculado seja superior ao montante residual de veículos usados nacionais.

      Termos em que se determina a anulação parcial do acto tributário de liquidação de Imposto sobre Veículos objecto do pedido, uma vez que padece de ilegalidade na parte em que não considerou aplicável a redução de ISV relativa à componente ambiental.

       

       Quanto aos juros indemnizatórios:

       Conforme se referiu aquando da apreciação e decisão da excepção deduzida pela Requerida, a Requerente apresentou o pedido de revisão e de pronúncia arbitral dentro de prazo de 4 anos, uma vez que a liquidação ocorreu no ano de 2018, socorrendo-se do prazo atribuído por lei à administração tributária, o que não é indiferente.

      Com efeito, no caso de anulação em processo impugnatório, judicial, ou administrativo há direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à emissão da nota de crédito (arts. 43º, nº 1 da LGT e 61º, nº 3 do CPPT), enquanto que, no caso vertente apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43º, nº 3 da LGT, pelo que não assiste ao contribuinte direito a juros, pois o prazo prescrito na sua alínea c) (a única susceptível de ser aplicada), não foi incumprido pela AT.

       Isto porque, o regime do art. 78º da LGT, quando o pedido de revisão é formulado para além dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa, reconduz-se a um meio de restituição do indevidamente pago, com revogação e cessação dos efeitos do acto para o futuro, e não um meio anulatório, com destruição retroactiva dos seus efeitos:

 

L. – DECISÃO

     Atento o exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:

a.            - Julgar improcedente a excepção de caducidade do pedido arbitral;

b.            - Julgar procedente o pedido de anulação parcial da liquidação de ISV nº 2018/..., de 12/03/2018, no valor de 40.847,14 euros, e, consequentemente, condenar a Requerida a restituir à Requerente esta quantia, sem juros indemnizatórios, nos termos supra expostos

c.            Condenar a Requerida a pagar as custas do presente processo (art. 527º, nºs. 1 e 2 do Código do Processo Civil, ex vi art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

     Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC (ex. 315º, nº 2) e 97º - A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 40.847,14 euros.

     Custas: De harmonia com o nº 4 do art. 22º do RJAT, fixa-se o montante das custas em 2.142,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

Lisboa, 22 de Dezembro de 2020

 

O Árbitro

(José Nunes Barata)

 

(Redacção pela ortografia antiga)