Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 781/2019-T
Data da decisão: 2020-12-28  IVA  
Valor do pedido: € 52.705,52
Tema: IVA; bónus cruzados; descontos vs. Ofertas – arts. 3.º, n.º 3, al f) e n.º 7, 16.º, n.º 6. al. b) do CIVA.
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SUMÁRIO:

Para efeitos da exclusão do valor tributável das transmissões onerosas de bens sujeitas a IVA, nos termos da al. b) do n.º 6 do art. 16.º do CIVA, as entregas adicionais de bens que constituem bónus de quantidade, em espécie ou em produto concedidos pelo sujeito passivo aos seus clientes caracterizam-se pela conexão direta com as operações a título oneroso de vendas ou fornecimento de produtos comercializados pelo sujeito passivo a que estão associadas, sem que seja necessário que possuam a mesma natureza dos produtos vendidos, podendo tratar-se de “bónus cruzados”, que respeitam a produtos distintos dos especificamente transacionados.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

 

a) Partes e pedido de pronúncia arbitral

 

1. A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com o capital social de € 38.550.000,00, com sede à ...,  ..., ...-... ... (a seguir, a Requerente), apresentou, em 20.11.2019, em conformidade com os artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.1, com as alterações posteriores (a seguir Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT), pedido de pronúncia arbitral (a seguir abreviadamente PI), em que é demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (a seguir, Requerida ou AT), no qual peticiona a declaração de ilegalidade dos atos de autoliquidação do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) consubstanciados nas declarações periódicas mensais, de fevereiro de 2017 a dezembro de 2018, e do ato de indeferimento da reclamação graciosa deduzida a respeito de tais atos, bem como, consequentemente, a condenação da AT a reembolsar à Requerente o IVA liquidado em excesso nos períodos em causa, no valor total de €52.705,52, acrescido dos juros indemnizatórios legalmente devidos.

 

b) Constituição do Tribunal Arbitral

 

2. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 2, al. a), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, al. a) do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro singular o signatário, que aceitou o encargo e a cuja designação as partes não apresentaram recusa.

 

3. Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 12.02.2020.

 

c) Evolução processual

 

4. No pedido de pronúncia arbitral, conforme já acima indicado, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade dos atos de autoliquidação de IVA consubstanciados nas declarações periódicas mensais, de fevereiro de 2017 a dezembro de 2018, e do ato de indeferimento da reclamação graciosa deduzida relativamente a tais atos, bem como a condenação da AT a reembolsar o IVA liquidado em excesso nos períodos em causa, no valor total de €52.705,52, acrescido dos juros indemnizatórios legalmente devidos.

Em sustentação do assim peticionado, alegou-se na PI, fulcralmente, o seguinte:

I) Na sequência da revisão dos seus procedimentos na área do IVA no que respeita à atribuição de ofertas, amostras e bónus a clientes, a Requerente verificou que, nos referidos períodos mensais, liquidou indevidamente IVA em determinadas entregas gratuitas de produtos a clientes, por si designadas de “bónus cruzados” (por exemplo bónus de cerveja “...” de 0,25 litros na aquisição de cerveja “...” de 0,33 litros; bónus de cerveja “...” de 0,33 litros, mediante a aquisição da mesma cerveja em barril de 50 litros; bónus de refrigerantes “...” na aquisição de refrigerantes “...”) por ter considerado erroneamente que tais entregas gratuitas configuravam ofertas para efeitos de IVA (arts. 12 a 15 da PI);

II) As entregas gratuitas de bens a clientes, numa lógica promocional da atividade e no âmbito da relação comercial estabelecida, configuram bónus que, como tal, estão excluídos de tributação em IVA, pois o produto entregue a título de bónus, ao contrário do entendimento da AT, não tem de ser igual ao produto vendido num dado momento a um dado cliente, sob pena de o conceito de “bónus” ficar circunscrito a um mero “rappel”, mas pode integrar produtos da mesma categoria (por exemplo, cervejas com outra apresentação, embalamento ou rotulagem, com outras marcas, com outros teores alcoólicos, com outros sabores, outro sistema de capsulagem, etc. ou refrigerantes, gaseificados ou não, com outra apresentação, embalamento ou rotulagem, com outras marcas, com outros sabores, outro sistema de capsulagem, etc., ou, ainda, águas minerais naturais ou de nascente, gasocarbonatadas, gaseificadas ou lisas, com outras marcas, apresentação, sabores e embalamentos), porquanto todos concorrem para satisfazer o objetivo de oferecer ao consumidor final bebidas que visam, cumulativa ou subsidiariamente, satisfazer a sede, não sendo razoável concluir que o regime previsto na alínea b) do n.º 6 do art. 16.º do Código do IVA (CIVA) só se aplica aos bónus que se traduzem na entrega de produto igual ao vendido, uma vez que a lei se refere a bónus sem efetuar qualquer distinção quanto à natureza dos produtos entregues gratuitamente  (arts. 28, 31, 34, 37 e 39 da PI);

III) Depara-se com bónus sempre que as entregas gratuitas estejam ligadas com a aquisição de produtos vendidos pela Requerente, se relacionem com a atividade comercial da Requerente e tenham subjacente uma lógica promocional com vista ao incremento das vendas e de fidelização e angariação de clientes, pelo que não estão inseridas no conceito de dádiva nem de doação, não tendo, por isso, subjacente o espírito de liberalidade inerente às ofertas, já que o fator distintivo fundamental entre as duas figuras dos bónus e das ofertas é a existência (ou não) do “espírito de liberalidade” do ofertante, sendo que os bónus estão desprovidos do “animus donandi”, tendo antes subjacente um propósito comercial, de promoção de vendas e de fidelização e angariação de clientes, o que é distinto das ofertas que, na definição avançada pela própria AT, traduzem-se num ato de transmissão gratuita de um bem, concretizando-se tal ato numa liberalidade do ofertante, sem que haja por parte do ofertado qualquer contraprestação (arts. 40, 41 e 43 da PI);

IV) Constata-se a existência de uma relação direta entre os bónus e as vendas, uma vez que os bónus configuram uma redução do valor da venda (ou da compra, na perspetiva do adquirente) e, consequentemente, uma redução do valor tributável da operação, pelo que, ao representarem uma diminuição do valor tributável das vendas (descontos), não podem ser sujeitos a IVA (art. 61 da PI);

V) Para ser qualificado como bónus, o produto entregue a esse título não tem que ser exatamente igual ao produto vendido que origina o bónus, sendo que, de qualquer modo, o facto de a Requerente usar a designação de “bónus cruzados” resulta da especificidade de serem atribuídas aos vários produtos que por si são comercializados referências distintas para cada tipo de embalagem, tamanho, marca e sabor e, assim, sempre que o produto atribuído a título de bónus tenha uma referência (um mero código) diferente dos produtos a cuja venda o bónus se encontra associado, o mesmo é designado de “bónus cruzados”, apesar de possuir a mesma natureza (arts. 73 a 76 da PI);

VI) A generalidade das entregas, a título de bónus, corresponde a produtos da mesma natureza, mudando muitas das vezes apenas o tamanho e/ou tipo de embalagem (arts. 81 a 90 da PI);

VII) Os bónus atribuídos pela Requerente aos seus clientes, no âmbito da sua política comercial, devem ser excluídos do valor tributável nos termos da alínea b) do n.º 6 do art. 16.º do CIVA, pelo que o IVA liquidado pela ora Requerente, relativamente aos bónus atribuídos, no âmbito da sua atividade comercial, no período de fevereiro de 2017 a dezembro de 2018, foi liquidado em excesso, sendo-lhe, por consequência, devido o reembolso da quantia de €52.705,52 (arts. 94 e 95 da PI).

 

5. Por requerimento de 12.12.2019, a Requerente juntou aos autos, sem qualquer numeração, os documentos (faturas e registos contabilísticos) que protestara juntar no art. 95 da PI .

Esses documentos constam dos ficheiros em formato pdf identificados como “1” (constituído por 534 páginas), “2” (constituído por 551 páginas), “3” (constituído por 368 páginas), “4” (constituído por 560 páginas), “5” (constituído por 397 páginas), “6” (constituído por 555 páginas), “Bonus 7” (constituído por 355 páginas) e “Bonus 8” (constituído por 384 páginas), disponibilizados no sistema de gestão processual do CAAD.

 

6. A AT apresentou resposta (a seguir R.), em que sustentou que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente por não provado, pelos seguintes motivos essenciais:

I) Invocando a Requerente haver liquidado IVA em situações em que, diferentemente do que fez constar das autoliquidações apresentadas, isso não seria devido, incumbia-lhe o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito, de acordo com o disposto no art. 74.º da LGT, mas “a Requerente não explica minimamente um iter cognoscitivo que permita concluir que os documentos apresentados quer na Reclamação Graciosa, quer em sede do presente pedido de pronúncia arbitral, demonstram a liquidação de um concreto valor de IVA alegadamente em excesso” e “[n]ão demonstra, como lhe competia (...), ter na sua posse qualquer prova de que o adquirente dos bens (...) tomou conhecimento da retificação, como obriga o regime legal”, devendo, pois, “resolver-se contra a pretensão da Requerente toda a indefinição probatória sobre os factos constitutivos do direito a que se arroga” (arts. 13 a 30 da R.);

II) A Requerente faz uma incorreta interpretação e aplicação das normas legais e regulamentares relevantes para o caso sub judice, pois: i) “[a]tento o disposto no n.º 7 do artigo 3.º do CIVA e na Portaria n.º 497/2008, de 24 de junho, serão consideradas como amostras os bens que não se destinam a ser comercializados, de formato ou tamanho diferentes do produto que constitua a unidade de venda, ou apresentados em quantidade, capacidade, peso ou medida substancialmente inferiores aos que constituem a unidade de venda, com a finalidade de apresentar ou promover produtos produzidos ou comercializados pelo sujeito passivo”, o que não será “o enquadramento da situação alegada pela Requerente”; ii) os bónus de quantidade, concedidos pelos sujeitos passivos aos seus clientes, não integram, de forma alguma, o conceito de ofertas, pelo que não lhes é aplicável o disposto na parte final da alínea f) do n.º 3, nem no n.º 7, ambos do artigo 3.º do Código do IVA; iii) os bónus são configurados como uma redução da contraprestação efetiva para efeitos de exclusão do valor tributável, o que exige que constituam bens da mesma natureza, pois só então se trata de uma situação equivalente a uma redução de preço; iv) não possuindo a mesma natureza, a situação tem de se configurar como uma oferta (promocional), cujo enquadramento em IVA determina a sua sujeição como operações gratuitas equiparadas a transmissão onerosa, a não ser que cumpram com o disposto no n.º 7 do art. 3.º do CIVA e na regulamentação da Portaria n.º 497/2008, o que não se verifica no caso sub judicio; v) quando liquidou IVA sobre os bónus cruzados, como alega ter feito, limitou-se a Requerente a cumprir com os ditames aplicáveis (arts. 37 a 91 da R.);

III) A correção da inexatidão das faturas emitidas pela Requerente e, consequentemente, na tese da Requerente, quanto ao valor tributável das transmissões de bens, efetua-se mediante a emissão de notas de crédito e de novas faturas, nos termos dos artigos 29.º, n.ºs 1 e 7, 36.º, 44.º, 45.º e 78.º do Código do IVA, sendo que a Requerente não explica quais as faturas ou documentos retificativos das mesmas que – hipoteticamente – teria emitido em retificação e nem alega e ainda menos comprova o conhecimento destas últimas pelos destinatários, devendo tais documentos ser relevados no campo 40 da declaração periódica referente ao período em que foi efetuada a regularização e nunca através da substituição ou anulação da declaração periódica relativa ao período correspondente às faturas que se anularam, não podendo a reclamação da autoliquidação do IVA efetuar-se em prejuízo dos pressupostos previstos no Código do IVA para regularização de faturas inexatas, sob pena de as normas reguladoras desse diploma legal ficarem desprovidas de qualquer efetividade, mormente as constantes dos artigos 29.º e 78.º (arts. 95 a 114 da R.);

IV) Havendo menção na fatura de IVA liquidado e, por outro, inexistindo nos autos prova do conhecimento da alegada retificação desse imposto por parte dos destinatários das faturas, dar procedência à pretensão da Requerente significa obrigar o Estado a reembolsar à A..., S.A. imposto que já terá sido deduzido pelos sujeitos passivos detentores das faturas (arts. 115 a 127 da R.).

 

7. Por despacho de 23.3.2020, o Tribunal Arbitral, tendo em conta que na PI se requereu a produção de prova testemunhal “para o caso de se revelar necessário para prova da factualidade aduzida” e a Requerida reputou tal prova dispensável porque as “questões a dirimir são no essencial questões de direito”, determinou a notificação da Requerente para vir aos autos declarar se mantém interesse na inquirição das testemunhas arroladas e, em caso afirmativo, para indicar os pontos de facto de incidência da inquirição.

Dado que a Requerente não manifestou manter interesse na inquirição das seis testemunhas arroladas, o Tribunal Arbitral, por despacho de 23.6.2020, considerou prejudicada a requerida produção de prova testemunhal e, consequentemente, dispensou, ao abrigo do disposto na al. c) do art. 16.º do RJAT, a realização da reunião prevista no n.º 1 do art. 18.º do RJAT e determinou a notificação das partes para, querendo, produzirem alegações escritas sucessivas no prazo de quinze dias, o que as partes não concretizaram.

 

8. Em cumprimento do disposto no art. 18.º, n.º 2 e no art. 21.º, n.º 1 do RJAT, tendo em atenção a suspensão dos prazos que foi determinada pelo art. 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19.3, na redação da Lei n.º 4-A/2020, de 6.4, o Tribunal fixou como data para a prolação da decisão final o dia 30.10.2020, a qual, atenta a vastidão do acervo documental sujeito à apreciação do Tribunal, veio a ser prorrogada, nos termos do art. 21.º, n.º 2 do RJAT, pelo período de dois meses.

 

II. Saneamento

 

9. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões suscitadas (art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.3) e encontram-se devidamente representadas.

 

10. Não foram suscitadas nem se descortinam questões que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que cumpre proferir decisão sobre a substância do litígio.

 

III. O thema decidendum

 

11. O thema decidendum prende-se com a apreciação da legalidade das autoliquidações de IVA correspondentes aos períodos de imposto compreendidos entre 2017/02 e 2018/12 e da subsequente decisão de indeferimento da reclamação graciosa em atenção à pertinência da qualificação jurídico-tributária, em razão do disposto nos arts. 3.º, n.º 3, al. f) e n.º 7 e 16.º, n.º 6, al. b) do CIVA e na Portaria n.º 497/2008, de 24.6, como ofertas ou como bónus das entregas gratuitas de produtos referidas pela Requerente com o valor alegado de liquidação de IVA de €52.705,52, qualificação essa de que depende verificar se as indicadas entregas se encontram sujeitas ou excluídas em sede de tributação em IVA.

 

12. A qualificação como bónus (e não como ofertas) para efeitos de IVA das entregas gratuitas de produtos indicadas pela Requerente, que assim constitui a questão fundamental de direito relevante para a decisão do litígio, envolve, conforme resulta das posições em confronto das partes acima sumariadas, a determinação do critério jurídico da caracterização dos bónus referidos no art. 16.º, n.º 6, al. b) do CIVA, aferindo em particular se os produtos entregues como bónus devem ser iguais ou possuir a mesma natureza dos produtos vendidos.

O critério jurídico fixado deverá, seguidamente, ser confrontado com os elementos constitutivos da situação fáctica em análise, em atenção aos factos julgados provados e não provados pelo exame e avaliação dos meios probatórios apresentados, para verificação da adequação específica dos factos materiais apurados à competente previsão legal.

Para tanto, nos termos processualmente estabelecidos pelos arts. 22.º, n.ºs 2 e 3 do RJAT e 123.º, n.ºs 1 e 2 do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), cabe principiar pela fixação dos factos provados e não provados relevantes segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (art. 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT).

 

IV. Decisão da matéria de facto e sua motivação

 

13. Examinadas as alegações formuladas nas peças processuais das partes e os documentos apresentados pela Requerente com a PI (numerados de 1 a 5) e com o requerimento de 12.12.2019 (documentos sem numeração) constantes dos já indicados ficheiros pdf  designados por “1” (534 páginas), “2” (551 páginas), “3” (368 páginas), “4” (560 páginas), “5” (397 páginas), “6” (555 páginas), “Bonus 7” (355 páginas) e “Bonus 8” (384 páginas), bem como os constantes do procedimento administrativo junto aos autos (constituído pelo ficheiro pdf “PA-RG” relativo ao procedimento de reclamação graciosa com o n.º ...2019..., a seguir PA), o Tribunal Arbitral julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

 

a) Factos provados

 

I. A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à produção, comercialização e exportação de bebidas e outros produtos, exercendo a sua atividade, a título principal, no âmbito de “fabricação de cerveja” (CAE 11050) e, a título secundário, entre outras, no âmbito de “fabricação de refrigerantes e outras bebidas não alcoólicas” (CAE 11072), com enquadramento, como sujeito passivo de IVA, no regime normal mensal [asserção não controvertida conforme art. 8 da PI e n.ºs 2, 13 e 14 da Informação n.º 173-ADP/2019 em que se sustentou a decisão da reclamação graciosa, a fls. 88 e segs. do PA].

II. No exercício da sua atividade de comercialização de bebidas, a Requerente procedeu a entregas adicionais de produtos por si comercializados, bem como de artigos promocionais, no âmbito de estratégia de incremento das suas vendas e de fidelização e captação de novos clientes, com fins de promoção dos produtos e marcas da Requerente [factualidade objeto de reconhecimento pelas partes conforme arts. 10 e 73 da PI e 3 da R.].

III. As entregas de produtos, normalmente da mesma marca, ainda que com embalagens ou categorias diferentes, em função da compra de determinadas quantidades de produtos por parte dos clientes, são designados pela Requerente de “bónus cruzados” (v.g. bónus de cerveja "..." de 0,25 litros na aquisição de cerveja "..." de 0,33 litros; bónus de cerveja "..." de 0,33 litros, mediante a aquisição da mesma cerveja em barril de 50 litros; bónus de "... na aquisição de "...) [factualidade reconhecida por acordo nos arts. 14 da PI e 4 da R.].

IV. Constitui prática usual no setor de comercialização de bebidas onde opera a Requerente efetuar a entrega gratuita de produtos a atuais e a potenciais clientes [factualidade reconhecida nos arts. 9 e 11 da PI e 3 da R.].

V. Nas entregas gratuitas a que se reportam as faturas n.º F2 1/9320030686, de 2017.12.14, junta como doc. n.º 2 à PI, em que se consigna “BÓNUS(2): BÓNUS QTD PROD. DIFERENTE – IVA LIQUID. DOC AUTÓNOMO CONFORME ART. 3º Nº 3 AL. F) E Nº 7 CIVA”, e F2 1/9313098485, de 2017.02.08, junta como doc. n.º 4 à PI, “BÓNUS(2): BÓNUS QTD PROD. DIFERENTE – IVA LIQUID. DOC AUTÓNOMO CONFORME ART. 3º Nº 3 AL. F) E Nº 7 CIVA” e “Bónus referente a Fatura(s) 9313080473”, certos produtos entregues (cerveja ... e ...) possuem a mesma natureza de certos produtos vendidos (...).

VI. No período compreendido entre fevereiro de 2017 e dezembro de 2018, a Requerente liquidou o IVA relativo às entregas gratuitas de produtos por si designadas de “bónus cruzados”, fazendo-o incidir sobre o preço de custo do produto, na medida em que as considerou como ofertas para efeitos de IVA [factualidade reconhecida nos arts. 15 da PI e 4 e 6 da R.].

VII. As entregas designadas pela Requerente por "bónus cruzados" eram mencionadas na própria fatura de venda dos produtos (“bónus cruzado dentro da fatura”) ou numa fatura autónoma posteriormente emitida que fazia referência a uma fatura inicial de venda (“bónus cruzado fora da fatura”) [factualidade reconhecida nos arts. 16 da PI e 5 da R. e observável nas faturas de 2017-12-14, 2018-07-24, 2017-02-08 e 2018-03-06, juntas como docs. n.ºs 2, 3, 4 e 5 juntos à PI, as duas primeiras referenciando entregas gratuitas conjuntamente com produtos vendidos e as duas últimas referenciando apenas entregas gratuitas com a menção a “Bónus Referente a Fatura(s):” seguida do número da fatura].

VIII. A informação da quantidade e do tipo de produto entregue gratuitamente constava no documento/fatura enviado ao cliente, não sendo referido nesse documento o preço do produto, nem o respetivo imposto (IVA) liquidado pela Requerente [factualidade reconhecida nos arts. 17 da PI e 5 da R.].

IX. A Requerente não repercutiu o IVA liquidado sobre tais entregas gratuitas de bens aos seus clientes [factualidade reconhecida no art. 7 da R.].

X. Relativamente ao período compreendido entre fevereiro de 2017 e dezembro de 2018, nas respetivas declarações periódicas de imposto, a Requerente autoliquidou IVA no montante global de €52.705,52, relativamente a entregas gratuitas de bens, conforme faturas e registos contabilísticos juntas aos autos pela Requerente em 12.12.2019 constantes dos ficheiros designados por “1” “2”, “3”, “4”, “5”, “6”, “Bonus 7” e “Bonus 8” em confrontação com as listagens anexas à reclamação graciosa que se encontram a pp. 37 a 44 e 46 a 71 do PA bem como no doc. n.º 1 à PI.

XI. Após revisão dos seus procedimentos internos na área do IVA no que respeita à atribuição de ofertas, amostras e bónus a clientes, a Requerente concluiu que o procedimento que adotara de autoliquidação mensal de IVA em relação a entregas gratuitas de bens designadas de “bónus cruzados”, o qual decorria dessas entregas serem consideradas, pela Administração Tributária, como ofertas para efeitos de IVA, não possuía base legal [factualidade reconhecida nos arts. 12 e 13 da PI e 6 e 8 da R.].

XII. Nas faturas com os n.ºs 9313098485, 9313102096, 9313108248, 9313123449, 9313125130, 9313132135, 9313151187, 9313169424, 9313183417, 9313188857, 9313204564, 9313212696, 9313226025, 9313229884, 9313241925, 9313242347, 9313245605, 9313245694, 9313245761, 9313245833, 9313247603, 9313255433,  9313261417, 9313282112,  9313301072, 9313317313, 9313319580, 9313330150, 9313334493, 9313334632, 9313340906, 9313346356, 9313346359, 9313346580, 9313349038, 9313378073, 9313388345, 9313391513, 9313392708, 9313397988, 9313403006, 9313403851, 9313418172, 9313419447, 9313425856, 9320000034, 9320004880, 93230014100, 9320039481, 9320039485, 9320043236, 9320043237, 9320058749, 9320080538,  9320101839, 9320104577, 9320104578, 9320139198, 9320171714, 9320176964, 9320190406, 9320197893, 9320207314, 9320222276, 9320225846, 9320226134, 9320226591, 9320237659, 9320246320, 9320257905,  9320271903, 9320279686, 9320280738, 9320282371, 9320305963, 9320317205, 9320324218, 9320326236, 9320347291, 9320356433, 9320359741, 9320363484, 9320369934, 9320373345, 9320393600, 9320400459, 9320405857, 9320412514, 9320412518, 9320434023, 9320444164 cujas cópias constam dos ficheiros designados “Bonus 7” e “Bonus 8” (juntos com o requerimento da Requerente de 12.12.2019), que aqui se dão por integralmente reproduzidas (dada a inviabilidade, em razão do seu número elevado, de proceder à sua transcrição), e que são identificadas na listagem epigrafada “Bónus – Fevereiro de 2017 a Dezembro de 2018” anexa à reclamação graciosa que se encontra a pp. 37 a 44 do PA, constam as seguintes menções: “BÓNUS(2) BÓNUS QTD PROD. DIFERENTE – IVA LIQUID DOC AUTÓNOMO CONFORME ART. 3.º Nº 3 AL. F) E Nº 7 CIVA” e “Bónus Referente a Fatura(s)” seguida da indicação do número da fatura correspondente.

XIII. Nas faturas com os n.ºs 9313109687, 9313111139, 9313127062, 9313131730,  9313136064, 9313143373, 9313148872, 9313150236, 9313150429, 9313150570, 9313155413, 9313158670, 9313162724, 9313163658, 9313163709, 9313163961, 9313164000, 9313174187, 9313243365, 9313246230, 9313249487, 9313251280, 9313251646, 9313251653, 9313257825, 9313259813, 9313260765, 9313261839, 9313264712, 9313266461, 9313267067, 9313269675, 9313286424, 9313297470, 9313297474, 9313298823, 9313309197, 9313310446, 9313312088, 9313313996, 9313314643, 9313319603, 9313319795, 9313320818, 9313320856, 9313320862, 9313321183, 9313321476, 9313321747, 9313322171, 9313322428, 193322529, 9313322645, 9313323305, 9313323844, 9313323936, 9313327225, 9313327672, 9313328350, 9313329812, 9313329940, 9313330775, 9313330804, 9313330869, 9313332631, 9313335675, 9313336124, 9313339848, 9313340235, 9313344156, 9313347379, 9313347389, 9313349950, 9313357110, 9313357781, 9313358334, 9313360835, 9313363179, 9313365267, 9313367591, 9313375378, 9313378462, 9313379220, 9313379821, 9313382016, 9313391474, 9313392261, 9313393388, 9313401068, 9313402009, 9313407804, 9313408791, 9313409016, 9313411558, 9313415895, 9313416349, 9313422969, 9313424104, 9313424115, 9313425389,  9320001825, 9320001837, 9320003717, 9320004805, 9320017940, 9320020344, 9320021086, 9320022963, 9320030686, 9320047532, 9320056620, 9320063387, 9320065919, 9320066284, 9320067657, 9320070353, 9320073434, 9320085899, 9320094564, 9320102870, 9320110953, 9320118295, 9320134293, 9320134755, 9320134871, 9320136683, 9320142594, 9320146971, 9320148620, 9320153537, 9320155914, 9320174064, 9320184100, 9320194048, 9320195107, 9320198792, 9320198705, 9320198672, 9320204623, 9320215423, 9320226185, 9320228274, 9320237574, 9320239710, 9320239713, 9320240679, 9320240990, 9320265890, 9320266411, 9320268293, 9320268302, 9320275300, 9320296444, 9320341929, 9320354423, 9320364450, 9320397430, 9320420829, 9320423118, 9320432032, 9320433081, 9320433907, 9320435346, 9320443883, cujas cópias constam dos ficheiros designados “Bonus 7” e “Bonus 8” (juntos com o requerimento da Requerente de 12.12.2019), que aqui se dão por integralmente reproduzidas (dada a inviabilidade, em razão do seu número elevado, de proceder à sua transcrição), e que são identificadas na listagem epigrafada “Bónus – Fevereiro de 2017 a Dezembro de 2018” anexa à reclamação graciosa que se encontra a pp. 37 a 44 do PA, são reportados, para além dos produtos vendidos, outros produtos da mesma ou diferente natureza, com a indicação de “BONUS (2)”, que são objeto de atribuição gratuita (valor 0,00).

XIV. As entregas gratuitas de bens que se identificam nas faturas indicadas em XII e XIII conexionam-se com operações específicas de fornecimento e venda de produtos a clientes, ainda que com diferente natureza, reportadas nas identificadas faturas, seja a mesma fatura seja fatura autónoma que menciona a fatura inicial de venda.

XV. O montante total de IVA autoliquidado respeitante às entregas gratuitas de produtos indicados nas fatura identificadas em XII e XIII foi de €11.999,47 (=98,99+74,83+50,83+16,02+48,11+230,44+15,74+833,93+6,71+24,28+77,45+34,69+160,28+25,93+180,02+28,21+90,77+15,13+139,77+42,26+68,86+16,06+76,28+508,03+148,32+230,40+74,08+69,89+7,34+82,39+87,37+104,92+31,48+24,49+63,73+50,20+125,84+838,63+48,34+139,77+69,89+35,31+22,88+35,31+69,89+82,40+61,17+86,10+14,30+63,57+76,28+76,28+217,45+87,03+86,34+28,21+28,21+72,78+20,13+0,95+88,41+75,51+87,04+20,83+177,16+98,09+16,07+177,16+88,58+87,14+87,11+13,10+70,70+88,57+262,55+87,07+15,64+87,08+87,09+68,45+88,58+68,87+87,09+177,31+87,10+88,60+24,81+87,10+24,82+87,10+87,10+0,45+0,63+27,48+1,37+12,62+15,06+82,43+20,01+13,74+14,56+74,19+12,62+12,62+16,49+13,74+13,74+137,40+21,78+1,58+12,64+1,57+15,78+14,74+21,06+16,43+21,06+1,58+11,25+15,78+29,99+21,06+15,06+11,67+13,43+13,43+49,99+13,37+15,78+11,57+1,93+13,15+13,49+13,49+11,99+16,43+16,43+49,78+11,57+19,28+1,93+11,57+15,43+15,43+11,57+20,52+15,42+11,57+11,57+13,49+1,93+28,92+19,28+11,57+0,90+15,78+25,42+13,49+1,79+11,57+13,49+19,28+11,64+13,49+13,49+2,33+11,57+17,63+13,74+13,49+0,78+11,64+13,19+15,43+19,28+13,49+13,49+28,92+19,28+7,27+0,78+15,43+8,73+0,78+11,57+0,78+3,85+11,57+7,27+7,27+13,50+15,30+7,27+20,18+7,27+2,00+15,43+11,57+15,43+16,39+36,14+86,03+17,21+14,73+12,06+6,08+0,86+12,05+13,23+17,71+26,59+42,14+87,74+1,30+19,47+11,08+9,93+11,08+0,74+7,39+0,91+13,68+283,28+22,58+15,68+44,10+12,08+6,96+35,29+6,47+18,41+23,63+16,26+18,13+9,76+13,02+8,79+8,79+26,40+10,55+9,76+16,27+10,55+11,10+10,55+0,78+1,21+83,26+1,11+124,65+11,10+11,10+22,21+11,11+17,53), conforme faturas juntas e registos contabilísticos associados a cada fatura que constam dos ficheiros designados “Bonus 7” e “Bonus 8” (juntos com o requerimento da Requerente de 12.12.2019) confrontados com as indicações constantes da listagem epigrafada “Bónus – Fevereiro de 2017 a Dezembro de 2018” anexa à reclamação graciosa que se encontra a pp. 37 a 44 do PA .

XVI. As faturas constantes dos ficheiros “1”, “2”, “3”, “4”, “5” e “6”, juntos com o requerimento de 12.12.2019 da Requerente (com início no número ..., de 2017-02-01 e fim no número ..., de 2018-12-31), que aqui se dão por integralmente reproduzidas (dada a inviabilidade, em razão do seu número elevado, de proceder à sua transcrição), não incluem qualquer referência a outra fatura e respetivo número, não apresentam a indicação de “Bónus(2)” em relação a cada produto descrito e mencionam sempre “IVA LIQUID. DOC. AUTÓNOMO CONFORME ART. 3º Nº 3 AL. F) E Nº 7 CIVA”.

XVII. A Requerente apresentou, com data de 8.4.2019, reclamação graciosa, por erro, por excesso, no montante total de €52.705,52, relativamente aos atos de autoliquidação do IVA apurado nas declarações periódicas de fevereiro de 2017 a dezembro de 2018, que deu origem ao procedimento a que foi atribuído o n.º ...2019..., conforme fls. 2 e segs. do PA e doc. n.º 1 à PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido, na qual alegou, em súmula, que, no período compreendido entre fevereiro de 2017 e dezembro de 2018, liquidou indevidamente IVA em entregas de bens a clientes que constituíam, não ofertas como erradamente qualificou, mas bónus de produtos a clientes na compra de mais ou de outros produtos, designados como “bónus cruzados”, pelo que dever-se-ia considerar aplicável a alínea b) do n.º 6 do art. 16.° do CIVA.

XVIII. A Requerente foi notificada, através do ofício n.º..., datado de 19.8.2019, conforme documento constante do PA (fls. 100), da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, sustentada na Informação n.º ...-ADP/2019, que aqui se dá por reproduzida e de que se destaca a seguinte fundamentação [cfr. fls. 88 e segs. do PA; suprimiram-se as notas de rodapé]:

“VI.I.1.1- Factos e Enquadramento Jurídico-Tributário

13. A A..., S.A. é uma sociedade comercial com sede em território nacional, que exerce, a título principal, atividade no âmbito de "FABRICAÇÃO DE CERVEJA" (CAE 11050) e a título secundário, entre outras, a "FABRICAÇÃO DE REFRIGERANTES E OUTRAS BEBIDAS NÃO ALCOOLICAS, NE" (CAE 11072).

14. Para efeitos de IVA, configura-se como um sujeito passivo nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, encontrando-se enquadrado no regime normal de periodicidade mensal, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do mesmo diploma.

15. No âmbito da sua atividade de comercialização de bebidas, cumprindo uma prática usual no setor onde opera, a Reclamante procedeu a entregas adicionais de produtos por si comercializados, bem como de artigos promocionais, inseridas numa estratégia de incremento das suas vendas e de fidelização e captação de novos clientes, promovendo os produtos e marcas da própria empresa junto dos seus clientes.

16. Nesse sentido, liquidou o IVA respetivo à entrega dos referidos produtos, que denominou de "bónus cruzados", consubstanciando-se na entrega de bens, normalmente, da mesma marca, ainda que com embalagens ou categorias diferentes, em função da compra de determinadas quantidades por parte dos clientes.

17. A Reclamante mencionava a expressão "bónus cruzado dentro da fatura" na própria fatura, ou em fatura posteriormente emitida, indicando apenas a informação referente à quantidade e tipo de produto entregue, não referindo nesse documento o valor do produto nem o respetivo imposto a liquidar, em cumprimento do disposto na legislação aplicável.

18. Entende a Reclamante que não há lugar a proceder à retificação dos documentos emitidos, dado que o IVA liquidado em excesso nas entregas gratuitas não foi repercutido ao cliente.

19. Isto porque o procedimento adotado decorre do facto de tais entregas serem consideradas, pela Administração Tributária (AT), como ofertas para efeitos de IVA, entendimento que a Reclamante seguiu no enquadramento efetuado.

20. Razão pela qual não repercutiu o imposto liquidado aos seus clientes, em conformidade com o previsto no n.º 3 do artigo 37.º, conjugado com a alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º, ambos do CIVA.

21. Sucede que, após uma revisão dos procedimentos internos executados em sede de IVA, a Reclamante concluiu que o entendimento adotado, acompanhando a posição preconizada pela AT, não tem base legal que o sustente, encontrando-se, nessa medida, ferido de ilegalidade, pelo que vem, pela presente Reclamação Graciosa, pugnar pelo reembolso (ou regularização) do valor de IVA liquidado em excesso no montante global de €52.705,52, como consequência da verificação de erro nas autoliquidações efetuadas no período em análise nos presentes autos.

(...)

VI.I1.3. Apreciação

37. Tomando em consideração as alegações produzidas pela Reclamante verifica-se que a questão aqui controvertida consiste em aferir qual a qualificação jurídico-tributária das entregas efetuadas pela Reclamante aos seus clientes, ou seja, se devem ser consideradas bónus ou ofertas, e, em consequência, apurar se as mesmas se encontram sujeitas a tributação em sede de IVA ou, se pelo contrário, se encontram excluídas da mesma.

38. Sucede que após análise da matéria subjacente à Reclamação Graciosa, entendemos não assistir razão à Reclamante, conforme melhor se demonstrará.

39. Face à questão controvertida, importa efetuar, a título prévio, a destrinça entre os conceitos de ofertas e bónus, uma vez que, dependendo da qualificação efetuada, o regime a aplicar em sede de IVA será distinto.

40. No que concerne aos bónus, os mesmos devem ser entendidos como os bens que são atribuídos mediante a aquisição de determinados produtos, os quais são da mesma natureza e espécie destes, e que nessa medida, devem considerar-se enquadrados no disposto na alínea b) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA e, em consequência, ser excluídos da base tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços, pelo que não são objeto de tributação efetiva em IVA.

41. Tal acontece, nomeadamente, com os denominados bónus de quantidade (rappel), consubstanciados nos bens atribuídos a título gratuito pela quantidade de compras efetuadas pelo cliente, desde que os produtos que constituem o bónus sejam da mesma natureza dos bens adquiridos (iguais aos vendidos pelo sujeito passivo tradicionalmente designado por "Leve 3 e pague 2").

42. Bónus estes que, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 3.º da Portaria n.º 497/2008, de 24 de junho, estão excluídos do conceito de oferta.

43. Tal não sucede com os denominados "bónus cruzados".

44. Neste caso, ao contrário do que sucede com os bónus de quantidade, o produto atribuído é diferente do efetivamente adquirido pelo consumidor, podendo consistir em artigos previamente colocados na mesma embalagem, assim como, podem referir-se à atribuição posterior de um produto diferente, designadamente, através da inclusão de um cupão no interior da embalagem.

45. Independentemente da forma de distribuição, os bónus cruzados não cabem no disposto na alínea b) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA, integrando-se no conceito de oferta.

46. No que se refere às ofertas, estas encontram-se sujeitas a tributação em sede de IVA, salvo se forem consideradas de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais, nos termos do disposto na alínea f) do n.º 3 e do n.º 7 do artigo 3.º, ambos do CIVA.

47. De facto, este preceito procede à equiparação a operações onerosas, das transmissões gratuitas de bens, quando relativamente aos mesmos, tenha havido dedução total ou parcial de IVA, sendo nessa medida, tributáveis em sede deste imposto, excluindo, no entanto, de tributação "as amostras e as ofertas de pequeno valor em conformidade com os usos comerciais”.

48. Precisamente com o intuito de esclarecer os conceitos indeterminados de "usos comerciais" e de "pequeno valor'' a então (...) Direção Geral dos Impostos (...), emitiu a Circular n.º 3/87, de 9 de fevereiro, posteriormente alterada pela Circular n.º 19/89,de 18 de dezembro, onde se consagrou o entendimento que se considera como tal o valor que não ultrapasse os 3.000$00 (IVA excluído), considerando-se ainda, em termos globais, que o valor de tais ofertas não poderá exceder 5/1000 do volume de negócios com referência ao ano anterior.

49. De facto, estes conceitos indeterminados não se encontravam especificamente previstos na lei (nem sequer a nível comunitário, já que, neste ponto a própria Diretiva IVA recorre a uma cláusula geral), pelo que era natural o seu preenchimento por parte da Administração Fiscal.

50. Não obstante, e porque a AT veio impor determinados limites, nomeadamente, sem atender aos diversos setores de atividade e respetivas práticas comercias, recorrendo a um mero regulamento interno, sem valor reforçado, esta questão foi alvo de discussão em termos jurisprudenciais, culminando com a publicação do Acórdão da 2ª Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido a 21 de março de 2007, no âmbito do processo n.º 1180/06.

51. Este Acórdão veio considerar inconstitucional a fixação de limites máximos para as denominadas ofertas de pequeno valor, excluídas de tributação, nos termos do disposto na alínea f) do n.º 3 e do n.º 7 artigo 3.º do CIVA, através de uma circular da então DGCI (atual AT), uma vez que, tratando-se de matéria inserida na reserva relativa da Assembleia da República, a mesma vem estabelecer regras de incidência objetiva sem que as mesmas decorram de diploma emanado pela Assembleia de República, traduzindo-se num mero regulamento interno sem eficácia para terceiros, nos quais se incluem os sujeitos passivos e os tribunais.

52. Na sequência da jurisprudência emanada pelo Acórdão do STA acima citado, a Circular 19/89 vigorou até 31 de dezembro de 2007, tendo o legislador optado, através da Lei n.º 67-A/2007, de 21 de dezembro, por acolher os mencionados conceitos em diploma legislativo, através da publicação da Portaria n.º 497/2008, de 24 de junho.

53. Esta Portaria veio concretizar qual o correto sentido de amostras e de ofertas para efeitos de IVA e também esclarecer o que se deve entender por "pequeno valor'' e a "conformidade com os usos comerciais", reiterando o entendimento constante da circular anteriormente referida, e acabando com a incerteza implícita na redação da norma em causa.

54. A questão aqui em análise já foi, igualmente, objeto de apreciação por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia, nomeadamente, e mais recentemente, no Acórdão proferido no âmbito do processo n.° C-581/08, no caso EMI Group, Ltd, no qual se pretendia a apreciação por parte daquele tribunal da questão da interpretação a efetuar relativamente aos "conceitos de «amostras» e de «ofertas de pequeno valor» que figuram no artigo 5.º, n.º 6, segundo período, da Sexta Diretiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado.

55. Decorre do mencionado Acórdão que é entendimento do TJUE que os Estados-Membros gozam de uma margem de livre apreciação no âmbito da delimitação dos referidos conceitos, sendo-lhes legítimo, nomeadamente, no que concerne às ofertas, fixar valores máximos para a qualificação das mesmas, como de pequeno valor, seja em termos unitários ou para o cômputo das ofertas efetuadas anualmente à mesma pessoa, excluindo-as de tributação.

 56. Assim sendo, só pode concluir-se que a solução adotada pelo legislador português está conforme com o direito comunitário.

57. As ofertas, tal como as amostras, traduzem-se num ato de transmissão gratuita de um bem, concretizando-se tal ato numa liberalidade do ofertante, sem que haja por parte do ofertado qualquer contraprestação.

58. No entanto, ao contrário do que sucede com as amostras (n.º 7 do artigo 3.º do CIVA, concretizadas no artigo 2.º da Portaria n.º 497/2008, de 24 de junho) poderão ser constituídas, quer por bens comercializados e/ou produzidos pela própria empresa, quer por bens produzidos por terceiros exclusivamente para esse efeito.

59. Isto significa que as ofertas podem respeitar a outras categorias de bens, diferentes daquelas que foram transacionadas pela empresa no âmbito da sua atividade, tendo natureza diversa dos produtos adquiridos pelo cliente.

60. No caso de serem consideradas de pequeno valor, conforme definido no já mencionado n.º 7 do artigo 3.º do CIVA, concretizado no artigo 3.º da referida Portaria, as ofertas de pequeno valor, bem como as amostras, ficam excluídas de tributação em sede de IVA, ainda que se tenha procedido à dedução do respetivo imposto suportado a montante.

61. A contrario sensu, se ultrapassarem algum dos mencionados limites, ficarão sujeitas a tributação, havendo obrigatoriedade de liquidação de imposto que recairá sobre o valor atribuído à oferta, salvo, se não tiver sido exercido o direito à dedução do correspondente imposto suportado a montante.

62. Neste caso, se estiverem em causa bens que se encontrem desonerados de IVA, por o imposto que incidiu sobre a respetiva aquisição ter sido deduzido total ou parcialmente, a sua entrega é assimilada a transmissão onerosa de bens, sendo sujeita a tributação.

63. Importa realçar que para além dos limites quantitativos, o legislador refere ainda que é necessário que estejam em conformidade com os usos comerciais, o que deixa implícita a ideia que as mesmas devem ter em vista a realização de um fim comercial - a promoção e divulgação da imagem da empresa e dos seus produtos.

64. Acresce que, quando estamos perante transmissões de bens sujeitas a imposto de acordo com a alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA, o valor tributável das operações é determinado nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º do mesmo diploma legal.

65. Neste caso para a determinação do valor tributável deverá considerar-se o preço de compra, no caso dos bens oferecidos terem sido adquiridos a terceiros, ou o preço de custo, se forem produzidos pelo próprio ofertante, reportados ao momento da realização das operações (transmissão gratuita).

66. No que concerne às obrigações que impendem sobre o sujeito passivo, por força do disposto no n.º 7 do artigo 36.º do CIVA, deve ser elaborado um documento que contenha a data, a natureza da operação, o valor tributável, a taxa de imposto aplicável e o montante do mesmo, devendo, igualmente, tais operações ser relevadas na respetiva declaração periódica.

67. Quanto à relevação contabilística, determina o n.º 1 do artigo 4.º da Portaria que "os sujeitos passivos devem contabilizar em contas apropriadas as amostras e ofertas, registando separadamente os bens que constituam existências próprias e aqueles que sejam adquiridos a terceiros.".

68. Por outro lado, dispõe o n.º 3 do artigo 37.º do CIVA que, nestes casos, não é obrigatória a repercussão do imposto, suportando os sujeitos passivos o montante do IVA devido, entregando-o nos cofres do Estado.

69. Caso contrário, deverá emitir a respetiva fatura nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do CIVA.

70. Tendo em conta as considerações gerais tecidas e aplicando-as ao caso em análise, facilmente se conclui que não assiste razão à Reclamante.

71. Com efeito, conforme decorre do requerimento de Reclamação Graciosa (veja-se ponto 12.º), os bens entregues pela Reclamante aos seus clientes traduzem-se em produtos de natureza diversa daqueles que foram vendidos, devendo entender-se que estamos perante ofertas concedidas aos clientes.

72. Razão pela qual o sujeito passivo, não obstante qualificar tais entregas como bónus cruzados, atribuiu-lhes o tratamento previsto para as ofertas, com todas as implicações daí decorrentes, nomeadamente, ao nível da repercussão do imposto e dos requisitos de emissão das faturas.

73. Efetivamente, ao contrário do que defende a Reclamante, um dos traços distintivos entre as duas figuras aqui em causa (bónus e ofertas), é precisamente a natureza dos bens entregues aos clientes a título gratuito.

74. Pelo que, não se concebe como pretende fazer crer o sujeito passivo que essa distinção assente no facto dos bónus se encontrarem desprovidos do "animus donandi", característico das ofertas, uma vez que aqueles têm subjacente propósito comercial, de promoção das vendas e de fidelização e angariação de clientes, estando por isso relacionados com a atividade comercial da Reclamante.

75. De facto, quer um quer outro configuram instrumentos de promoção de vendas, tal como, os descontos, vouchers, amostras, etc.

76. Sendo certo que, apesar desse desígnio último, em nenhum dos casos se encontra afastado o caráter gratuito da entrega dos bens, o que pressupõe a inexistência de qualquer contrapartida por parte do respetivo destinatário.

77. Por outro lado, considerando estarmos perante ofertas, importa analisar os demais requisitos legalmente previstos, nomeadamente, a exigência de que sejam conformes aos usos comerciais.

78. Neste ponto, não obstante a Reclamante não o demonstrar de forma cabal, admite-se que o procedimento adotado para promover as vendas, porque em termos gerais se mostra como transversal a todos os setores de atividade, e porque as ofertas se traduzem em produtos produzidos pela própria, poderão ser consideradas conformes aqueles usos.

79. Acresce ainda que, apesar do sujeito passivo não fazer referência a esta questão, poderia equacionar­se a hipótese de tais produtos serem excluídos de tributação pelo facto de se enquadrarem no conceito de ofertas de pequeno valor.

80. Sucede que, face aos documentos juntos pela Reclamante, constata-se que as entregas efetuadas não preenchem os requisitos cumulativos previstos no n.º 7 do artigo 3.º do CIVA e no n.º 2 do artigo 3.º da Portaria n.º 497/2008, de 24 de junho, pelo que, não é possível configurar tais operações como ofertas de pequeno valor para efeitos de exclusão de tributação em sede de IVA.

81. Assim sendo, afigura-se que o procedimento adotado pela Reclamante de liquidação do imposto relativo a estas operações é o adequado, estando de acordo com a correta interpretação das normas jurídicas internas e comunitárias, que se encontram plasmadas na doutrina administrativa emanada pela AT, anteriormente referida.

82. Cabe ao sujeito passivo, na liberdade do exercício da sua atividade comercial, optar pelos meios que considere mais adequados e eficazes para atingir os objetivos pretendidos, devendo ter em consideração, entre outras, as implicações fiscais subjacentes às mesmas.

83. Nesse sentido, tendo o sujeito passivo optado pela entrega de bens com natureza distinta, como admite na sua Reclamação Graciosa, considerando-os para efeitos de tributação como ofertas, razão pela qual liquidou IVA pela transmissão dos mesmos, não pode vir agora pretender que os mesmos sejam sujeitos a um enquadramento diverso daquele que decorre do próprio CIVA e que é aplicável aos demais sujeitos passivos.

84. Muito menos se admite que os mesmos sejam qualificados como bónus de quantidade, como parece decorrer do ponto 31.º, onde refere que se trata da "(...) entrega de mais produto (ou produto diferente) pelo mesmo preço (...)".

85. De facto, os bónus de quantidade traduzem-se na entrega de produto igual ao vendido, apresentando-se como uma figura muito próxima da do desconto, já que a oferta de uma unidade adicional de determinado produto equivale, no fundo, a um desconto correspondente de 50% no valor desse mesmo produto, encontrando-se excluídos de tributação em sede de IVA.

86. O que não sucede, como já explicitado, com os bónus cruzados.

87. No caso concreto, não subsistem quaisquer dúvidas que não estamos perante bónus de quantidade, nem o próprio sujeito passivo o admite.

88. Com efeito, embora a alínea b) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA se refira a "bónus", sem efetuar qualquer distinção entre as várias categorias dos mesmos, é entendimento unânime e resulta da própria lei que essa expressão não pode ser interpretada em sentido lato, abrangendo todo e qualquer tipo de bónus.

89. É o que sucede com os denominados bónus cruzados, os quais, conforme decorre da interpretação do n.º 7 do artigo 3.º do CIVA, em conjugação com o disposto no n.º 3 do artigo 4.º da Portaria n.º 497/2008, de 24 de junho, não se encontram excluídos do conceito de oferta, tal como sucede com os bónus de quantidade, encontrando-se sujeitos ao mesmo regime daquelas.

90. Pelo que, ainda que se considere estarmos perante bónus cruzados, a verdade é que, os mesmos, à semelhança das ofertas que não sejam de pequeno valor, encontram-se sujeitos a tributação em sede de IVA, devendo ser tidos em consideração para efeitos de apuramento do valor tributável.

91. Pelo exposto, conclui-se que a autoliquidação do IVA efetuada pela Reclamante não padece dos vícios invocados, estando não só conforme ao direito interno, como com os princípios estruturantes do sistema comum de IVA, incluindo o princípio da neutralidade, devendo manter-se nos precisos termos em que foi efetuada”.

 

b) factos não provados

 

A. Não se provou que as entregas gratuitas de bens reportadas nas faturas indicadas em XVI possuam conexão com a concretização de operações de vendas ou fornecimentos a clientes de produtos da Requerente.

 

c) motivação da decisão de facto

 

14. Para além dos factos não controvertidos e reconhecidos pelas partes enunciados acima nos pontos n.ºs I, II, III, IV, VI, VII, VIII, IX e XI, a convicção do Tribunal sobre a factualidade considerada como provada (cfr. al. e) do art. 16.º do RJAT) resultou do exame e avaliação dos documentos constantes do PA e dos juntos aos autos pela Requerente.

O Tribunal teve, então, em consideração os seguintes elementos disponibilizados nos autos:

- as duas listagens anexas à reclamação graciosa constantes a pp. 37 a 44 e a pp. 46 a 71 do PA, bem como no doc. n.º 1 à PI, epigrafadas respetivamente de “Bónus – Fevereiro de 2017 a Dezembro de 2018” e “Bónus erradamente classificados como Ofertas (reclassificados contabilisticamente como descontos) – Fevereiro de 2017 a Dezembro de 2018”, das quais constam em cinco colunas referências a “Fatura n.º”, “Data Fatura”, “Cód. Cliente”, “Nome do Cliente”, “Base Bónus” e “IVA a recuperar”;

- os quatro documentos (para além da reclamação graciosa que constitui o doc. n.º 1) juntos como docs. n.ºs 2, 3, 4 e 5 com a PI e consistentes em cópias das faturas n.ºs 9320030686, de 2017-12-14, 9320266411 de 2018-07-24, 9313098485 de 2017-02-08 e 9320104577 de 2018-03-06 (as quais constam igualmente nos ficheiros pdf, juntos com o requerimento de 12.12.2019, denominados “Bonus 7” e “Bonus 8”, respectivamente, nos termos da paginação realizada pelo Tribunal, a fls. 82 do ficheiro “Bonus 8”, a fls. 264 do ficheiro “Bonus 8”, a fls. 4 do ficheiro “Bonus 7” e a fls. 139 do ficheiro “Bonus 8”);

- os cinco documentos juntos à reclamação graciosa constantes a pp. 19 a 28 e consistentes em cópias das faturas n.ºs 931313132135, de 2017-03-08, 9320199560, de 2018-05-30, 9320202108 de 2018-06-01, 9320405857 de 2018-11-20 e 9320443883 de 2018-12-31 (as quais constam igualmente nos ficheiros pdf juntos com o requerimento de 12.12.2019, respectivamente, nos termos da paginação realizada pelo Tribunal, a fls. 38 do ficheiro “Bonus 7”, a fls. 312 do ficheiro “5”, a fls. 324 do ficheiro “5””,  a fls. 354 do ficheiro “Bonus 8” e a fls. 380 do ficheiro “Bonus 8”);

- a reclamação graciosa e a respetiva decisão de indeferimento constantes do PA e aquela também junta como doc. n.º 1 à PI;

- as faturas, notas de crédito e documentos contabilísticos constantes dos referidos ficheiros em formato pdf, identificados como “1” (constituído por 534 páginas), “2” (constituído por 551 páginas), “3” (constituído por 368 páginas), “4” (constituído por 560 páginas), “5” (constituído por 397 páginas), “6” (constituído por 555 páginas), “Bonus 7” (constituído por 355 páginas) e “Bonus 8” (constituído por 384 páginas) com o total de 3704 páginas.

Cumpre deixar dito que, para cabal descoberta da verdade material, o Tribunal procedeu, como se impunha, ao exame pormenorizado dos diversos documentos que foram juntos em globo pela Requerente, sem qualquer paginação, numeração ou específica identificação, nos ficheiros pdf acima referidos que foram apresentados com o requerimento de 12.12.2019, particularmente das 1686 faturas e notas de crédito constantes desses ficheiros.

 

15. Com base no exame, apreciação e confrontação destes documentos, o Tribunal julgou provados os factos enunciados nos números X, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII e XVIII em razão da prova documental especificamente mencionada em cada um destes pontos, relevando ainda destacar especificamente os motivos que se passam a expor que conduziram à formação da convicção probatória.

Principie-se por notar que o Tribunal atendeu às referências constantes desses diversos documentos, dado verificar-se que a Requerente fazia constar nas faturas emitidas as seguintes menções: “BÓNUS (1) – BÓNUS QTD MESMO PROD – IVA EXCLUÍDO TRIBUTAÇÃO – AL B) Nº 6 DO ARTº 16º CIVA”; “BÓNUS (2) BÓNUS QTD PROD DIFERENTE – IVA LIQUID. DOC. AUTÓNOMO CONFORME ART 3º Nº 3 AL F) E Nº 7 CIVA”, “BÓNUS (2) IVA LIQUID. DOC. AUTÓNOMO CONFORME ART 3º Nº 3 AL F) E Nº 7 CIVA”. Estes dizeres indiciam que a Requerente, nas faturas emitidas, discriminava e especificava precisamente entre os “bónus de quantidade” que respeitavam ao mesmo (tipo ou espécie de) produto (“Bónus (1)”) e os “bónus de quantidade” que respeitavam a produto diferente, os bónus cruzados ((“Bónus (2)”).

Nesta sequência, atentas as próprias menções inscritas nas faturas emitidas, o Tribunal deu unicamente como provado o que consta dos factos n.ºs XII, XIII, XIV, XV e XVI e como não provado o que consta da alínea A) dos factos não provados, que está em correspondência com o enunciado limitativo e descritivo reportado no facto provado n.º XVI.

Justifique-se, em particular, que o Tribunal, em relação às faturas e documentos contabilísticos constantes dos ficheiros “1”, “2”, “3”, “4”, “5”, “6”, juntos com o requerimento de 12.12.2019 da Requerente e mencionados no facto provado n.º XVI, não julgou demonstrado que as entregas gratuitas em causa correspondessem a entregas qualificadas e caracterizadas pela própria Requerente como “bónus cruzados”, desde logo porquanto o que foi dado como provado sub n.ºs III, IV, V, VII, XII e XIII é incompatível com a ausência das menções a “Bónus” nas faturas constantes dos ficheiros “1”, “2”, “3”, “4”, “5” e “6”. Na verdade, foi dado como provado, por acordo das partes, que a Requerente liquidou o IVA relativamente às entregas gratuitas por si designadas de “bónus cruzados” por as ter considerado ofertas para efeitos de IVA (facto provado n.º IV) e que essas entregas designadas por “bónus cruzados” surgiam mencionadas na própria fatura de venda (bónus cruzado dentro da fatura) ou em fatura autónoma (bónus cruzado fora da fatura) que fazia referência à fatura inicial (facto provado n.º V). Ora, relativamente às entregas gratuitas respeitantes ao período de fevereiro de 2017 a dezembro de 2018 reportadas no facto provado n.º XVI não se encontram essas referências, as quais surgem nas faturas reportadas nos factos provados n.ºs XII e XIII.

Depois, observa-se que em diversas faturas constantes destes ficheiros “1”, “2”, “3”, “4”, “5” e “6” encontram-se mesmo menções que indicam tratar-se de ofertas, como sucede com a fatura 9313097504, constante do ficheiro 1 onde se consigna “oferta produto ref acordo”, com a fatura 9313125626, onde se consigna “oferta man prod”, com a fatura 9313142349, onde se consigna “Oferecido por B...”, com a fatura 9313144459, onde se consigna “Oferecido por F...”, com a fatura 9313182308, onde se consigna “Oferecido por B...”, com a fatura 9313197378, onde se consigna “Oferta agua”, com as faturas 9313229261 e 9320059190, onde se consigna “Oferta”, com a fatura 93133678668, onde se consigna “Oferta de produto para convenção HOTUSA 2007”, com a fatura 9313391875, onde se consigna “Oferecido por B...”, com as faturas 9320020662, 9320021143, 9320022260, 9320023800, 9320029435, 9320036180 e 9320044845, onde se consigna “Oferta de Natal”, com as faturas 9320187530 e 9320188996, onde se consigna “oferta para entregas ao domicílio”, com a fatura 9320199102, onde se consigna “Oferecido por B... e C...”, com a fatura 9320432587, onde se consigna “Oferta Cabazes de Natal”.

Noutros casos, como, por exemplo, as faturas com os n.ºs 9313277781, 9313278884, 9313278886, 9313278888, 9313278926, 9313409001, 9313409002, 9313409003, 9313409004, 9313409005, 9313409006, 9313409007, 93134010313, 93134010314, 93134010315, 93134010316, 93134010317, 93134010318, 93134010319, 93134010320, 93134010321, 93134010322, 9320002032, 9320002033, 9320002034, 9320002035, 9320002036, 9320003068, 9320003069, 9320003070, 9320003070, faz-se referência a “Acção Sampling”, terminologia que, no marketing promocional atual, se reporta à distribuição de amostras grátis.

Para além disso, na generalidade das faturas aqui em causa, como se pode exemplificar, entre muitas outras que se julga desnecessário listar, com as faturas n.ºs 9313091194, 9313091418, 9313091876, 9313093399, 9313096021, 9313096785, 9313096877, 9313098493, 9313104596, 9313104802, 9313106487, 9313125437, 9313148910, 9313183305, 9313210501, 9313229261, 9313229196, 9313229673, 9313245960, 9313303279, 9313311502,  9313336303, 9313373934, 9313382843, 9313386212, 9320032541, 9320071864, 9320126492, 9320171051, 9320218015, 9320222330, 9320241366, 9320366579, 9320396632, 9320427293 e 9320443717 referencia-se: “As taras relativas aos produtos ofertados são propriedade da D... e não foram transacionados, ficando expressamente acordada a sua devolução” – diversamente em diversas faturas referenciadas no ponto n.º XII do probatório faz-se menção a: “As taras relativas aos produtos faturados são propriedade da D... e não foram transacionados, ficando expressamente acordada a sua devolução”.

Nesta medida, não é possível fundar nestas faturas, com a indispensável credibilidade, a convicção suficiente da verificação da realidade do alegado “bónus cruzado” e não da oferta ou de outra fenomenologia, factualidade que, assim, não se pode considerar documentada nestes meios probatórios.

Explicite-se, ainda, no que concerne aos factos provados n.ºs XII e XIII, que não se acolheram todos os elementos constantes dos ficheiros “Bonus 7” e “Bonus 8” (juntos com o requerimento da Requerente de 12.12.2019) e as referências correspondentes que se encontram na listagem epigrafada “Bónus – Fevereiro de 2017 a Dezembro de 2018”, a fls. 37 e seguintes do PA, dado se terem verificado incongruências e insuficiências. Por exemplo, faz-se referência naquela listagem a fatura que não corresponde a documento constante dos ficheiros (é o caso da fatura 9313373202, de 26.9.2017 relativa ao cliente E... LDA) ou a fatura que não se reporta a entregas gratuitas (é o caso da fatura 9320322713, de 7.9.2018). Sobretudo, surgem naqueles ficheiros cópias de documentos contabilísticos desacompanhados de qualquer cópia de fatura correspondente (contrariamente ao que surge referido (“Fatura n.º”) na mencionada listagem, conforme se exemplifica com os três primeiros elementos reportados nas linhas iniciais da listagem, mas ocorre em relação a diversos outros casos). Sem as pertinentes faturas, com os respetivos descritivos, não é suscetível de perceção a operação em causa e a que respeitam os valores de IVA indicados nos documentos contabilísticos, o que impede a sua relevância probatória, e daí que nos mencionados pontos n.ºs XII e XIII se especifiquem com o competente número as faturas a que o Tribunal deu credibilidade e que conduziram à formação da convicção pertinente.

Consequentemente, o valor total de IVA relativo às entregas gratuitas em questão nesses pontos n.ºs XII e XIII foi o indicado no ponto n.º XV, o qual se julgou provado em face da confrontação entre essas faturas e correspondentes documentos contabilísticos e as indicações resultantes da listagem epigrafada “Bónus – Fevereiro de 2017 a Dezembro de 2018”, a fls. 37 e seguintes do PA, que, nessas parte e medida, alcançou fiabilidade.

Foi, assim, com arrimo nestes elementos que, em conformidade com o princípio da livre apreciação da prova (n.º 5 do art. 607.º do CPC), o Tribunal formou a sua convicção sobre cada facto acima dado como provado e como não provado.

 

V. Do Direito

 

a) Caracterização jurídica dos bónus

 

16. Prossiga-se agora para a qualificação jurídica do acervo factual apurado, procedendo à respetiva subsunção à previsão tributária competente, o que exige, como se disse, fixar o critério da caracterização dos bónus em sede de IVA.

A estruturação da resolução da questão de direito impõe ante omnia descrever o quadro legal.

 

17. Na Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (Diretiva IVA) consta do art. 16.º o seguinte dispositivo:

“É assimilada a entrega de bens efetuada a título oneroso a afetação, por um sujeito passivo, de bens da sua empresa ao seu uso próprio ou do seu pessoal, a transmissão desses bens a título gratuito ou, em geral, a sua afetação a fins alheios à empresa, quando esses bens ou os elementos que os constituem tenham conferido direito à dedução total ou parcial do IVA.

Todavia, não é assimilada a entrega de bens efetuada a título oneroso a afetação a ofertas de pequeno valor e a amostras efetuadas para os fins da empresa”.

Por seu turno, o art. 73.º desta Diretiva IVA estabelece que: “Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.º a 77.º, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações”, determinando o art. 79.º da mesma Diretiva, no que aqui importa, que: “O valor tributável não inclui os seguintes elementos: a) As reduções de preço resultantes de desconto por pagamento antecipado; b) Os abatimentos e bónus concedidos ao adquirente ou ao destinatário, no momento em que a operação se realiza”.

Na decorrência desta regulação da Diretiva IVA, mencione-se a disciplina nacional aplicável resultante do CIVA.

Segundo a regra geral do art. 16.º, n.º 1 do CIVA, o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro. Por força da al. b) do n.º 6 do art. 16.º do CIVA, desse valor tributável são excluídos os “descontos, abatimentos e bónus concedidos”.

Pelo seu lado, o art. 3.º, n.º 3, al. f) do CIVA considera como “transmissões de bens”, nos termos do n.º 1 do mesmo art. 3.º, “[r]essalvado o disposto no artigo 26.º, a afetação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral a fins alheios à mesma, bem como a sua transmissão gratuita, quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto”, excetuando o n.º 7 do mesmo art. 3.º o seguinte: “Excluem-se do regime estabelecido na alínea f) do n.º 3, nos termos definidos por portaria do Ministro das Finanças, os bens não destinados a posterior comercialização que, pelas suas características, ou pelo tamanho ou formato diferentes do produto que constitua a unidade de venda, visem, sob a forma de amostra, apresentar ou promover bens produzidos ou comercializados pelo próprio sujeito passivo, assim como as ofertas de valor unitário igual ou inferior a (euro) 50 e cujo valor global anual não exceda cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano civil anterior, em conformidade com os usos comerciais”.

Por fim, cabe ter em atenção a Portaria n.º 497/2008, de 24.6, que regulamentou, para os efeitos da aplicação do n.º 7 do artigo 3.º do CIVA, “as condições delimitadoras do conceito” de “ofertas de pequeno valor”, e que dispõe no art. 3.º, epigrafado “Delimitação do conceito de oferta”, o seguinte:

“1 - A oferta pode ser constituída por bens comercializados ou produzidos pelo sujeito passivo ou por bens adquiridos a terceiros.

2 - Quando a oferta seja constituída por um conjunto de bens, o valor de (euro) 50, a que se refere o n.º 7 do artigo 3.º do Código do IVA, aplica-se a esse conjunto.

3 - Excluem-se do conceito de oferta os bónus de quantidade concedidos pelo sujeito passivo aos seus clientes”.

 

18. Não se deixe de aludir aqui, em consonância com o indicado no facto provado n.º XI, que, em relação a esta normatividade, existe um discurso administrativo sobre o conceito de ofertas e de bónus, pelo qual se manifesta o entendimento perfilhado pela AT.

Cite-se, desde logo, o remoto Ofício-Circulado n.º 1353, de 17.6.1985 , do Núcleo do IVA, em que se considera que: “Os descontos e bónus concedidos pelos fornecedores […], desde que constantes das respetivas faturas, devem ser excluídos da base tributável para efeitos de liquidação do IVA. No que respeita aos bónus concedidos em quantidade (espécie) os mesmos têm perfeito enquadramento na alínea b) do n.º 6 do artigo 16.º do [CIVA], devendo, consequentemente, ser excluídos da base tributável. Se, porém, se tratar de oferta de determinado produto quando for adquirido certo número de unidades de outro, estar-se-á perante uma oferta que será ou não tributada em IVA, consoante se considere ou não como oferta de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais”.

Na Informação Vinculativa relativa ao Proc. n.º 731 , sobre “Enquadramento em IVA dos bónus, ofertas e descontos bem como de bens contendo publicidade”, em que o consulente, no âmbito da sua atividade de produção e comercialização de produtos de cosmética para cabeleireiros, questionava, designadamente, o enquadramento fiscal da ação de natureza comercial consistente em atribuir como bónus um produto diferente do vendido (por ex.: na compra de determinadas unidades de champô, atribuir como bónus uma embalagem de laca), em função das quantidades vendidas de um produto, foi afirmado pela AT o seguinte, que releva transcrever:

- “nos termos da alínea b) do n.º 6 do art. 16.º do CIVA são excluídos do valor tributável "os descontos, abatimentos e bónus concedidos", considerando-se como bónus, os bens que são atribuídos mediante a aquisição de determinados produtos e que são da mesma natureza destes”;

- “Em conformidade com o entendimento destes Serviços, os bónus concedidos em quantidade (rappel) têm enquadramento na norma anteriormente citada. Assim, a atribuição de determinados produtos a título gratuito - bónus em espécie - pela quantidade de compras efetuadas pelo cliente (e desde que os bónus sejam da mesma natureza dos bens adquiridos), fica excluída da base tributável da operação, nos termos da alínea b) do n.º 6 do art.º 16.º do CIVA”;

- “quando se trate da entrega de produtos diferentes dos faturados ao cliente, se está perante uma oferta, que será tributada ou não em IVA, consoante o seu valor unitário”;

- “A oferta pode ser constituída por bens comercializados ou produzidos pelo próprio ou por bens adquiridos a terceiros.

Nas situações em que o valor da transmissão gratuita dos bens ultrapasse o valor estabelecido no n.º 7 do art.º 3.º do CIVA e se estiverem em causa bens que se encontrem desonerados de IVA, por o imposto que incidiu sobre a respetiva aquisição ter sido deduzido total ou parcialmente, a sua entrega é assimilada a uma transmissão onerosa de bens, sendo sujeita a tributação”.

 

Como se observa destes exemplos, mas outros se poderiam apresentar, constitui orientação administrativa consolidada que os bónus concedidos em espécie pelos sujeitos passivos que consistam na entrega gratuita de um produto face à aquisição de um determinado número de unidades de um outro produto distinto (que não sejam “da mesma natureza e espécie” para citar a Informação n.º 173-ADP/2019 acima transcrita no ponto n.º  XVIII do probatório) não estão abrangidos pela al. b) do n.º 6 do art. 16.º do CIVA, pelo que deverão ser tratados como ofertas, que serão ou não tributadas em IVA consoante se considerem ou não de pequeno valor em conformidade com o disposto no n.º 7 do art. 3.º do CIVA e na Portaria n.º 497/2008.

 

1             9. Tendo presente este enquadramento, recordem-se as posições em confronto nos presentes autos, atrás descritas nos n.ºs 4 e 6.

Para a Requerente, a figura do bónus assenta em as entregas gratuitas correspondentes estarem relacionadas com a venda de produtos, conexionarem-se diretamente com a atividade comercial da Requerente e terem, por isso, uma lógica promocional com vista ao incremento das vendas e à fidelização e angariação de clientes. Os bónus envolveriam uma relação direta com as vendas, configurando uma redução (desconto) do valor da venda (ou da compra, na perspetiva do adquirente) e, consequentemente, uma redução do valor tributável da operação, ao passo que as ofertas seriam caracterizadas pelo “espírito de liberalidade” do ofertante, por um “animus donandi”, distinto do propósito comercial, de promoção de vendas e de fidelização e angariação de clientes, que é própria dos bónus. A Requerente invoca, ainda, a este respeito os procedimentos contabilísticos comparando o tratamento das ofertas com o dos bónus, em que aquelas são registadas como um custo, em conta de gastos, e estes são registados como redução do valor das vendas, em conta de rendimentos.

Na tese da Requerida, em consonância com a doutrina administrativa acima citada no n.º 18, o regime previsto na alínea b) do n.º 6 do art. 16.º do CIVA só se aplica aos bónus em espécie ou de quantidade que se traduzam na entrega gratuita de produto igual ao vendido, da mesma natureza e espécie, dado que só assim podem relevar em termos de redução da contraprestação determinativa da não integração no valor tributável. Fora deste circunstancialismo, que é o que ocorre com os “bónus cruzados”, que respeitam a produto distinto do objeto da transmissão onerosa, os produtos entregues gratuitamente devem qualificar-se como ofertas equiparadas a transmissões de bens, passíveis de tributação em IVA, de acordo com o disposto no artigo 3.º, n.º 3, alínea f), segunda parte e no n.º 7 do CIVA, subordinando-se, portanto, ao regime respetivo, nos termos do qual a sujeição ou não a tributação depende de o valor unitário (do bem ou conjunto de bens – cfr. n.º 2 do art. 3.º da Portaria n.º 497/2008) ser igual ou inferior a €50 e de o valor global anual não exceder cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano civil anterior, exigindo-se ainda a conformidade com os usos comerciais (art. 3.º, n.º 7 do CIVA).

Opõem-se, assim, perante este Tribunal duas teses inteiramente centradas na exigência para a configuração dos bónus de quantidade ou espécie, para os efeitos do art. 16.º, n.º 6, alínea b) do CIVA, de um requisito atinente à identidade de natureza do produto entregue gratuitamente com, ou em razão do, produto vendido ou fornecido: para a AT, não é admissível aplicar a descontos em espécie o regime dos bónus se o produto não assumir a mesma natureza dos produtos cuja venda motiva a entrega adicional; para a Requerente, os descontos em espécie não carecem de possuir a mesma natureza do produto vendido, cuja definição nem sequer é devidamente explicitada, bastando, a este respeito, que se tratem de produtos comercializados pelo sujeito passivo no desenvolvimento da respetiva atividade, pelo que compreendem os “bónus cruzados”, que incidem sobre produtos distintos dos vendidos.

 

20. Em face da transcrição do quadro legal acima realizada, observa-se imediatamente que a al. b) do n.º 6 do art. 16.º do CIVA reporta-se a “descontos, abatimentos e bónus concedidos” sem proceder a qualquer definição ou caracterização e, designadamente no que aqui importa, sem operar qualquer exigência quanto à identidade de produtos entregues gratuitamente com os produtos vendidos. Esta disposição legal, assim como o correspondente preceito da Diretiva IVA (vd. supra n.º 17), não fornece, pois, indicações para a definição uniforme e precisa da figura em causa e do seu âmbito exato de aplicação.

Em consequência, de acordo com premissas hermenêuticas bem estabelecidas (cfr., por exemplo, o acórdão do Tribunal de Justiça de 30.09.2010, EMI Group, C-581/08, n.º 16), na ausência de uma definição legal do conceito, deve atender‑se, para a sua interpretação, aos termos, contexto e finalidade da norma em apreço.

Em atenção a estes elementos normativos, facilmente se conclui que os bónus, como disposições gratuitas de bens, assentam a sua caracterização no facto de serem subtraídos ao valor tributável de uma certa operação onerosa em atenção à pertinente contraprestação – como se dispõe no citado art. 16.º do CIVA, se “o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro” (n.º 1), excluem-se, porém, os “descontos, abatimentos e bónus concedidos” (al. b) do n.º 6). Como tal, os bónus estão necessariamente articulados com concretas operações tributáveis de venda ou de fornecimento de bens pelo sujeito passivo, realizadas, pois, a título oneroso.

Lembre-se que, como se refere, entre muitos outros, no acórdão do Tribunal de Justiça de 26.1.2012, Kraft Foods Polska SA, C-588/10, n.º 20, “resulta dos artigos 1.°, n.° 2, e 73.° da diretiva IVA que o princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço desses bens e serviços e que o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação às operações visadas por parte do adquirente, do destinatário ou de um terceiro”.

Sabendo-se, assim, que a base tributável das transmissões de bens e prestações de serviços para efeitos de IVA é constituída pelo correspetivo devido ao transmitente ou prestador segundo as condições contratuais, é neste âmbito sinalagmático, de fixação dos termos da operação comercial e de concretização da contrapartida devida pela alienação ou prestação, que atuam os bónus – os quais, justamente, nos termos da mencionada alínea b) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA, não se incluem no valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços a título oneroso.

Isto implica que os bónus se conexionam necessariamente com uma certa transmissão onerosa de bens, a que estão associados e de cujo contexto comercial próprio fazem parte. Esta conexão pode ver-se manifestada no art. 79.º, al. b) da Diretiva IVA quando alude a que os bónus, excluídos do valor tributável, são “concedidos ao adquirente ou ao destinatário, no momento em que a operação se realiza”. Jogam-se, pois, aqui, descontos financeiros ou comerciais, em valor ou em espécie, que são concedidos pelos sujeitos passivos aos seus clientes no contexto preciso de uma relação negocial ou de uma transação comercial necessariamente a título oneroso, com a competente contrapartida que o sujeito passivo recebe pelo fornecimento realizado.  No acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de abril de 1999, Kuwait Petroleum, C-48/97, n.º 16, declara-se expressamente que a “concessão de um desconto ou de um abatimento de preço pressupõe a entrega de um bem a título oneroso” e que “os próprios termos «abatimento» e «desconto» fazem referência a uma redução apenas parcial do preço total acordado”. Do mesmo modo, os bónus têm que surgir em conexão com uma operação a título oneroso, portanto, no âmbito de uma “relação jurídica durante a qual são transacionadas prestações recíprocas, constituindo o preço recebido pelo fornecedor o contravalor efetivo do bem fornecido” (vd. o citado acórdão Kuwait Petroleum, C-48/97, n.º 26).

 

21. Diferentemente, como resulta da regulação europeia (art. 16.º da Diretiva IVA) e nacional (art. 3.º, n.º 3, al. f) e n.º 7 do CIVA) atrás citada no n.º 17, nas ofertas está diretamente em causa a realização de transmissões gratuitas, as quais são assimiladas a operações onerosas quando os bens tenham sido objeto de dedução do IVA suportado para assegurar a tributação de situações materialmente equivalentes a consumo final; todavia, quando se trate de afetações de bens a ofertas de pequeno valor, o legislador excecionou a sua consideração como entregas tributáveis. Como se declara no acórdão já referido EMI Group, C-581/08, n.ºs 17 e 19, a equiparação de certas operações pelas quais o sujeito passivo não recebe nenhuma contrapartida real a entregas de bens efetuadas a título oneroso sujeitas a IVA tem como objetivo “garantir a igualdade de tratamento entre o sujeito passivo que afeta um bem às suas necessidades privadas ou às do seu pessoal, por um lado, e o consumidor final que adquire um bem do mesmo tipo, por outro”, constituindo “exceção a esta regra” a exclusão da tributação das “afetações efetuadas para os fins da empresa para fazer as ofertas de pequeno valor e das amostras”.

Diga-se, a este respeito, que não se pode acolher a conceção da Requerente, algo etérea, de que a distinção entre bónus de produto e ofertas deve assentar na verificação de animus donandi, em que as ofertas se caracterizariam pelo espírito de liberalidade, distinto do propósito comercial de promoção de vendas e fidelização de clientes que presidiria aos bónus. O recurso a um puro espírito de liberalidade não é dogmaticamente útil para distinguir ofertas e bónus em sede de IVA, porquanto mediante ambas as fenomenologias se pode visar a concretização de objetivos comerciais ou promocionais com fitos de incremento das vendas ou das prestações de serviços e de obtenção ou manutenção de clientela – não por acaso o legislador, no n.º 7 do art. 3.º do CIVA, apela aos “usos comerciais”, o que claramente patenteia que às ofertas se pode associar um propósito comercial de promoção das vendas e aumento da faturação. Bem observa RUI LAIRES , relativamente à interpretação do art. 3.º, n.º 7 do CIVA, de que “a remissão para os usos comerciais tem inerente que haja obrigatoriamente um fim empresarial em vista, de modo a não abranger as liberalidades desprovidas de qualquer intenção de divulgação ou promoção da imagem da empresa ou dos seus produtos, na relação que estabelece com outras instituições, com outros agentes económicos ou, em geral, com o público”. Do mesmo modo, a decisão proferida no processo n.º 588/2016-T assinala o seguinte: “[r]elativamente quer às amostras quer às ofertas, importa atentar à referência legal aos usos comerciais, a qual visa excluir as liberalidades que não apresentem qualquer conexão com a atividade empresarial do sujeito passivo; ou seja, àquelas deve estar sempre subjacente um intuito económico ou comercial, designadamente o de dar a conhecer os produtos comercializados e o de promover um incremento do volume de vendas”. Cite-se ainda a decisão proferida no processo 12/2018-T: “as ofertas, na aceção do IVA, não reclamam um animus donandi, de liberalidade pura, pois (...) normalmente têm intuitos comerciais que comungam com a figura dos descontos e abatimentos, visando, de um modo geral, cativar os clientes e, por essa via, incentivá-los à compra”.

Em qualquer caso, é indubitável que as ofertas, motivadas ou não por propósitos promocionais ou de marketing, consubstanciam a atribuição gratuita de bens, os quais, porém, não têm que ser produtos produzidos ou comercializados pelo fornecedor, podendo provir de terceiros. O art. 3.º, n.º 1 da Portaria n.º 497/2008 prevê, justamente, que as ofertas podem ser constituídas por bens comercializados ou produzidos pelo sujeito passivo ou por bens adquiridos a terceiros.

 

22. Pois bem, como, de modo distinto do que sucede com as reduções diretas de preço (descontos consistentes em diminuição do preço por um montante determinado ou em medida percentual), os bónus em espécie ou de quantidade, concedidos em razão das quantidades transacionadas ou do volume de aquisições dos produtos do sujeito passivo, são efetuados em mercadorias a que não corresponde especificamente um pagamento particular, pelo que surgem, isoladamente considerados, na sua aparência externa, como entregas “gratuitas” de produtos, bem se compreende a preocupação regulamentar em esclarecer no art. 3.º, n.º 3 da Portaria n.º 497/2008 que essas entregas gratuitas não são qualificáveis como ofertas de bens produzidos ou comercializados pelo sujeito passivo, mas respeitam à matéria distinta do valor de uma certa operação negocial onerosa e da sua contraprestação.

Note-se que esta precaução em esclarecer que se excluem do conceito de oferta os bónus de quantidade concedidos pelo sujeito passivo aos seus clientes está, evidentemente, centrada nos casos em que são ofertados bens comercializados ou produzidos pelo sujeito passivo. Quando as ofertas de pequeno valor, como resulta do art. 3.º, n.º 1 da Portaria n.º 497/2008, respeitem a bens adquiridos a terceiros nenhuma indistinção se coloca em relação aos bónus de produto, porquanto não se inserem em operações de vendas, já que envolvem bens diferentes daqueles que a empresa transaciona no quadro da sua atividade .

Tudo isto conduz à conclusão de que o dado fulcral para a caracterização dos bónus de quantidade ou em espécie, naturalmente nos termos de uma verificação objetiva, é o circunstancialismo da conexão direta entre as entregas de bens que constituem bónus com uma operação de fornecimento de bens produzidos ou comercializados pelo sujeito passivo aos seus clientes.

 

23. Atentos os elementos acima expostos, julga-se então que o que se tem que colocar em destaque para efeitos da caracterização dos bónus (bem como, em geral, dos descontos e abatimentos) é o facto de serem concedidos, por motivos comerciais, promocionais ou de marketing, por ocasião ou em razão da transação onerosa realizada pelo sujeito passivo, cuja contraprestação influenciam (e, logo, o valor da entrega), mediante a redução do preço base, de referência ou de tabela do sujeito passivo – vende-se pelo mesmo preço mais produtos ou mais volume de mercadoria.

Os descontos, que se traduzem na diminuição do preço base habitualmente praticado pelo sujeito passivo na transmissão do produto ou produtos do seu comércio, podem, pois, resultar diretamente da redução financeira do preço (descontos financeiros) ou de outra concessão (descontos comerciais) como seja a entrega gratuita de mercadoria (bónus em espécie) em conexão com os produtos vendidos.

Deste modo, o elemento essencial característico dos bónus de produto ou em espécie – e distintivo das ofertas – é que os bónus estão necessariamente relacionados com a transação de produtos vendidos, emerja esta transação de um contrato específico de compra e venda ou mais globalmente de um contrato de fornecimento, implicando a entrega de um maior número de produtos ou de maior quantidade pelo mesmo preço global, o que é aferível designadamente pelo clausulado em contratos de fornecimento, práticas negociais ou por tabelas de preço que estejam em vigor no momento da transação. É este circunstancialismo específico que caracteriza as entregas “gratuitas” de bens pelo sujeito passivo que, porque imbricadas com uma relação negocial com o cliente, se podem reputar bónus de quantidade.

Os bónus caracterizam-se, assim, por estarem sempre associados à aquisição pelo cliente de produtos produzidos, distribuídos ou comercializados pelo sujeito passivo, envolvendo uma relação direta com operações de vendas de bens, em relação às quais determinam a redução (desconto) do respetivo preço global em atenção a motivos comerciais, como seja promover as vendas, incrementar o volume das transações, lançar novos produtos, ou simplesmente concretizar objetivos de escoamento de existências remanescentes.

Daqui decorre a repercussão dos bónus ou descontos no valor tributável da operação de transmissão onerosa de bens para efeitos de IVA. Como o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a IVA é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro (art. 16.º, n.º 1 do CIVA), e como essa contraprestação constitui o valor subjetivo, a saber, o valor realmente recebido, e não um valor calculado segundo critérios objetivos, o que é expressão de um princípio fundamental que tem por corolário que a Administração Fiscal não pode cobrar um montante de IVA superior ao que foi recebido pelo sujeito passivo (vd. acórdãos do Tribunal de Justiça de 26.4.2012, Balkan and Sea, C-621/10, n.ºs 43 e 44 e de 19.12.2012,  Orfey Balgaria, C-549/11, n.º 44), isso implica a exclusão dos descontos, abatimentos e bónus do valor tributável em IVA das operações onerosas, pois tais descontos, abatimentos e bónus constituem uma redução dos benefícios económicos associados à venda em causa que, como tal, ainda que justificados por motivos comerciais ou promocionais, não fazem parte da contrapartida realmente recebida.

 

24. Isto posto, segue-se notar que não se encontra fundamento legal para a orientação administrativa de que os bónus em espécie, para beneficiarem, enquanto bónus, do regime do art. 16.º, n.º 6, al. f) do CIVA, tenham de possuir a “mesma natureza” dos bens vendidos a que surgem associados – identidade de natureza essa que, aliás, não surge caracterizada ou definida (cfr. acima n.º 18, bem como as transcrições da informação reportada no facto provado n.º XVIII), não sendo apontadas quais as propriedades físicas ou características mercadológicas relevantes para a deteção da “mesma natureza” ou da “natureza diversa”, ficando, pois, indefinido se respeitam à apresentação, ao embalamento, à rotulagem, à marca, a características intrínsecas, às funções desempenhadas, etc., o que torna indeterminada e insegura a exigência de um tal requisito.

Nos termos de legítimas práticas comerciais, pode suceder que, em razão das quantidades compradas por um cliente, o bónus em espécie se traduza na atribuição de um produto diferente do produto objeto da venda, desde que todos sejam produzidos, distribuídos ou comercializados pelo sujeito passivo, o que satisfaz igualmente objetivos de promoção comercial, de facilitação das aquisições e incremento das vendas. Desde que se trate de bens que são transacionados pelo sujeito passivo no âmbito da sua atividade comercial própria e que surjam em conexão com uma operação de transmissão onerosa de bens a um cliente não se vê razão para excluir da figura do bónus de espécie a atribuição de um produto de natureza diferente, pelas características que se tenham por relevantes, do produto vendido.

Pode-se, pois, dizer que a fenomenologia dos descontos compreende a redução do preço de um determinado artigo, a oferta de quantidade suplementar de um mesmo artigo sem variação do preço, e ofertas combinadas, com artigos distintos, também sem variação do preço.

Afigura-se, pois, que se reconduzem à figura do bónus as actuações promocionais do tipo “compre um e obtenha um grátis”, “compre três pelo preço de dois”, que envolvem produtos da mesma categoria ou espécie, mas também o caso, quando ambos os produtos sejam comercializados pelo vendedor, de “compre um produto X e receba um produto Y grátis” ou a situação das entregas adicionais de produtos em razão da compra de determinadas quantidades de produtos, sejam ou não da mesma natureza. Em todos estes casos temos produtos comercializados pelo fornecedor que são transmitidos em conjunto por um preço global inferior à soma dos preços unitários comuns ou de tabela, operando a redução sobre o preço único do conjunto dos bens alienados.

Verifica-se, nestes casos, que o preço total de aquisição do conjunto constituído pelo produto vendido e pelo produto entregue adicionalmente surge descontado pela não consideração do preço do produto entregue adicionalmente, em que, pois, como se descreve correctamente no acórdão proferido no processo arbitral n.º 539/2015-T, as condições contratuais envolvem os seguintes termos: “a Requerente, aos seus clientes, faz a seguinte proposta: se for comprada determinada quantidade do produto A, vendo-lhe, pelo mesmo preço, essa quantidade desse produto, mais uma quantidade adicional do produto B. Verifica-se, portanto, que o preço final fixado não é o preço unicamente das quantidades do produto A transacionadas, mas, antes, o preço descontado da quantidade do produto A mais a quantidade do produto B, não se compreendendo como é que a natureza diferente dos produtos abrangidos possa fundadamente obstar, como pretende a AT, à fixação de um preço global descontado”.

Julga-se, em suma, que o factor decisivo para a qualificação dos bónus em espécie não é a natureza idêntica dos produtos entregues aos produtos vendidos, mas sim a sua conexão, nos termos de um circunstancialismo concreto e específico e das condições contratuais estabelecidas, com os fornecimentos efetuados a título oneroso pelo sujeito passivo a clientes de produtos por si comercializados. Como se observou na decisão proferida no processo n.º 12/2018-T: “critério decisivo para o enquadramento dos bónus em espécie na disciplina da determinação do valor tributável, no sentido da sua não inclusão e consequente não tributação em IVA, é o da sua indispensável conexão - direct link - com o fornecimento dos bens a que estão (devem estar) associados, por forma que sejam enquadráveis na mesma operação onerosa relativamente à qual é calculada a matéria coletável. Dito de outro modo, o bónus está dependente e condicionado à venda de outros bens”.

É a relação de conexão direta entre os bónus e as operações de venda de produtos comerciados pelo sujeito passivo aos seus clientes que permite afirmar que se trata de um elemento com relevância para a aferição do valor tributável da operação em causa, ficando excluídos da base tributável da operação, nos termos da alínea b) do n.º 6 do art.º 16.º do CIVA. Deste modo, os bónus cruzados, em que os produtos entregues comercializados pelo sujeito passivo não possuem a mesma natureza dos produtos vendidos, igualmente comercializados pelo sujeito passivo, quando imbricados com as concretas operações de vendas, excluem-se, como os demais bónus de quantidade ou em espécie, da base tributável da operação, nos termos da referida alínea b) do n.º 6 do art.º 16.º do CIVA.

 

b) Aplicação do Direito aos factos

 

25. Dada a determinação assim realizada do critério jurídico relevante para a caracterização dos bónus para efeitos do art. 16.º, n.º 6, al. b) do CIVA e a consequente recondução a esta previsão normativa dos bónus cruzados, importa seguidamente proceder à “decisão-realização jurídica concreta”, o que exige atentar nos elementos relevantes da situação fáctica.

Ora, como se apreciou em sede de decisão de facto, resultou do exame das faturas e documentos contabilísticos juntos aos autos pela Requerente nos ficheiros designados por “1” “2”, “3”, “4”, “5”, “6”, “Bonus 7” e “Bonus 8” e enumerados nas listagens anexas à reclamação graciosa que se encontram a pp. 37 a 44 e 46 a 71 do PA bem como no doc. n.º 1 à PI que apenas se podem considerar entregas gratuitas conexionadas com transações onerosas de produtos comercializados pela Requerente e, logo, como “bónus cruzados” (cfr. factos provados n.ºs III  e VII) as entregas de bens que surgem reportadas nas faturas identificadas nos factos provados n.ºs XII e XIII, conforme  indicado no facto provado n.º XIV, em que está em causa o montante total de IVA autoliquidado de €11.999,47 referido no n.º XV. Relativamente a estas entregas gratuitas, diferentemente do que sucedeu com as atribuições de bens a que se reportam o facto provado n.º XVI e o facto não provado sub A), os documentos juntos aos autos permitiram julgar provada a sua conexão com vendas realizadas pela Requerente aos seus clientes, o que legitima a sua subsunção, nos termos do critério normativo perfilhado, ao conceito de bónus.

Assim, em relação a estas entregas de bens, independentemente de não constituírem produtos da mesma natureza dos bens vendidos – e alguns deles devem reputar-se da mesma natureza conforme dado como provado no facto n.º V –  cabe reconhecer que constituem bónus, descontos de quantidade, por concedidos no quadro da transmissão onerosa de produtos comercializados pela Requerente, pelo que se encontram excluídos da base tributável do IVA, em conformidade com o art. 16.º, n.º 6, al. b) do CIVA.

Nesta medida, mostra-se incorreto o seu tratamento como ofertas com sujeição a IVA por terem sido ultrapassados os limites resultantes do n.º 7 do art. 3.º do CIVA.

Conclui-se, pois, que, em relação às entregas de produtos que surgem reportadas nas faturas identificadas nos factos provados n.ºs XII e XIII, se trata de bónus, o que acarreta a aplicação do art. 16.º, n.º 6, alínea b) do CIVA e determina a anulação dos atos de autoliquidação sindicados, na parte em que foi apurado e entregue imposto em excesso no montante de €11.999,47 relativo a tais entregas, bem como, correspondentemente, do acto de indeferimento da reclamação graciosa impugnado.

 

26. Acrescente-se que esta conclusão não é prejudicada pelo fundamento apresentado pela Requerida (vd. supra n.º 6) da necessidade de regularização, quanto ao valor tributável das transmissões de bens, das faturas inexatas mediante a emissão de notas de crédito e de novas faturas, nos termos dos artigos 29.º, n.ºs 1 e 7, 36.º, 44.º, 45.º e 78.º do Código do IVA.

Para além de não se tratar, no caso, de um erro material ou de cálculo, com autoliquidação incorretamente realizada, por força de mera operação mecânica, de erros de transcrição ou de registo na declaração periódica, subordinada ao art. 78.º do CIVA, mas sim de um erro de direito ou de enquadramento normativo, dependente da interpretação da lei quanto aos conceitos de ofertas, para os efeitos da al. f) do n.º 3 e do n.º 7 do art. 3.º do CIVA, e de bónus, para os efeitos da al. b) do n.º 6 do art. 16.º do CIVA, cabe notar que, dado o disposto no n.º 3 do art. 37.º do CIVA, que prevê que a repercussão do imposto não é obrigatória nas operações referidas na alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º, a Requerente não repercutiu o IVA liquidado em relação a tais entregas gratuitas de bens, conforme dado como provado, por reconhecimento da Requerida, no n.º IX do probatório, pelo que, como o imposto entregue em excesso pela Requerente não foi liquidado aos respetivos clientes, não há lugar à devolução do imposto por quem o suportou, tudo se limitando à esfera interna da Requerente, sem conexão com a posição de terceiros.

Não se verifica, pois, a necessidade de regularização de IVA deduzido, pois para tanto ter-se-ia de verificar uma dedução de imposto pelo adquirente dos bens de valor superior à correspondente liquidação pelo transmitente.

São aqui inteiramente aplicáveis as considerações desenvolvidas no processo n.º 12/2018-T, que, assim, se acolhem:

“É facto assente que a autoliquidação do IVA sobre os “bónus cruzados” se manteve na esfera interna da Requerente, circunstância reconhecida pela própria Requerida quando refere (...) que a Requerente “não repercutiu o imposto liquidado aos seus clientes, em conformidade com o previsto no n.º 3 do artigo 37.º, conjugado com a alínea f) do n.º 3 e n.º 7 do artigo 3.º, ambos do CIVA”.

Efetivamente, não se constata qualquer erro na emissão das faturas pela Requerente, cujo valor tributável, IVA liquidado, produtos e quantidades fornecidas se encontram corretamente mencionados, pelo que não tem cabimento a invocação do regime de retificação do valor tributável ou do imposto mencionado em faturas (artigo 78.º, n.º 1 do Código do IVA) ou de correção de faturas inexatas (n.º 3 do mesmo artigo).

O imposto autoliquidado pela Requerente foi-o em documento interno e nos seus registos contabilísticos e não teve qualquer repercussão nos clientes, como é, aliás usual nas operações gratuitas, pelo que estes nunca poderiam ter deduzido tal imposto, omisso nos documentos (faturas) por si rececionados e contabilizados.

Deste modo, não se pode acompanhar a Requerida quando invoca que a(s) fatura(s) mencionam IVA liquidado, pois quanto aos “bónus cruzados” nenhuma fatura menciona imposto sobre os mesmos e os autos contêm cópias de todas as faturas.

Quanto ao facto de não existir nos autos prova do conhecimento da retificação do imposto por parte dos destinatários das faturas, esta efetivamente não existe, nem poderia existir, pois tratando-se de liquidação, em documento interno da Requerente, de IVA não repercutido a terceiros (clientes), como poderiam estes tomar conhecimento da retificação ou reembolso do imposto que lhes é totalmente alheio. Aliás, tal procedimento, que está previsto no artigo 78.º, n.º 5 do Código do IVA é totalmente inaplicável in casu, pois não estamos no domínio da retificação de faturas, não havendo lugar à emissão de notas de crédito e de novas faturas.

É também incompreensível que a Requerida afirme que a procedência do pedido da Requerente significaria obrigar o Estado a reembolsar IVA que foi deduzido pelos sujeitos passivos detentores das faturas, quando a própria Requerida sabe que o imposto em causa não foi repercutido aos clientes, ao abrigo da faculdade prevista no artigo 37.º, n.º 3 do Código do IVA, e que por isso não pode ter sido por estes deduzido”.

Não pode, pois, ser acolhida a argumentação desenvolvida, a este respeito, pela Requerida.

 

27. Face ao exposto, este Tribunal decide julgar verificado erro, por excesso, no montante total de €11.999,47, relativamente aos atos de autoliquidação do IVA apurado nas declarações periódicas de fevereiro de 2017 a dezembro de 2018 aqui impugnadas, considerando procedente, nessa parte, o pedido arbitral.

 

c) Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

28. Peticiona, ainda, a Requerente na sua PI que, em consequência da declaração de ilegalidade e anulação dos atos impugnados, a AT seja condenada a reembolsar a Requerente do IVA liquidado em excesso nos períodos em causa, acrescido dos juros indemnizatórios legalmente devidos.

Nos termos do art. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, a “decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários” “[r]estabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que abrange o pagamento de juros indemnizatórios, como resulta do n.º 5 desse art. 24.º, bem como do art. 100.º da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável ex vi al. a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT.

Prescreve, a este respeito, o art. 43.º da LGT que: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” (n.º 1) e que: “Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas” (n.º 2).

 

29. Foi dado como provado no n.º XI do probatório, por acordo das partes, que a Requerente seguiu, nas autoliquidações de IVA em causa, o tratamento das entregas adicionais de bens consistentes em “bónus cruzados” como ofertas para efeitos de IVA em razão de assim serem consideradas pela Administração Tributária, conforme resulta das orientações administrativas acima citadas no n.º 19.  Pelo seu lado, na informação que subjaz à decisão de indeferimento da reclamação graciosa, conforme transcrito no enunciado fáctico n.º XVIII, é expressamente reconhecido (n.º 81) que “o procedimento adotado pela Reclamante de liquidação do imposto relativo a estas operações é o adequado, estando de acordo com a correta interpretação das normas jurídicas internas e comunitárias, que se encontram plasmadas na doutrina administrativa emanada pela AT, anteriormente referida”.

Nestes termos, há que considerar preenchida, em face da factualidade provada, a previsão do n.º 2 do art. 43.º da LGT, pelo que tem a Requerente direito, em conformidade com o disposto nos referidos arts 24.º, n.º 1, al. b) e n.º 5 do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso dos valores de imposto indevidamente pagos relativamente aos “bónus cruzados” dados como provados nos n.ºs XII a XV do probatório, no montante total de €11.999,47 (onze mil novecentos e noventa e nove euros e quarenta e sete cêntimos) e ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos previstos pelos art. 43.º da LGT e 61.º do CPPT, calculados desde a data do indeferimento da reclamação graciosa referida no n.º XVIII do probatório, à taxa resultante do n.º 4 do art. 43.º da LGT, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.

 

VI. Dispositivo

 

30. Pelo exposto, este Tribunal Arbitral decide julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

A) declarar ilegais e anular parcialmente os atos de autoliquidação de IVA consubstanciados nas declarações periódicas de fevereiro de 2017 a dezembro de 2018, na parte em que foi apurado e entregue imposto em excesso, no montante global de €11.999,47 (onze mil novecentos e noventa e nove euros e quarenta e sete cêntimos), por respeitarem a “bónus cruzados”, bem como, correspondentemente, o ato de indeferimento da reclamação graciosa deduzida a respeito de tais atos;

B) condenar a Requerida a reembolsar à Requerente os valores de imposto indevidamente pagos, no montante total de €11.999,47 (onze mil novecentos e noventa e nove euros e quarenta e sete cêntimos), acrescido de juros indemnizatórios calculados, à taxa legal, desde a data do indeferimento da reclamação graciosa até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos;

C) condenar ambas as partes nas custas processuais na proporção de 77% a cargo da Requerente e de 23% a cargo da Requerida.

 

VII. Valor do processo

 

31. Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, ex vi art. 29.º, als. a) e e) do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 52.705,52 (cinquenta e dois mil setecentos e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos), que constitui o montante impugnado das liquidações sindicadas.

 

VIII. Custas

 

32. Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, o montante das custas é fixado em €2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, ficando, em face da procedência parcial do pedido, a percentagem de 77% a cargo da Requerente e de 23% a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

 Lisboa, 28 de dezembro de 2020.

 

O Árbitro

(João Menezes Leitão)