Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 21/2020-T
Data da decisão: 2020-12-12  IMI  
Valor do pedido: € 1.500,00
Tema: IMI – Retificação teor artigo matricial.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Ricardo Marques Candeias, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, decide nos termos que se seguem:

 

I – RELATÓRIO

 

A.

1.            No dia 10 de janeiro de 2020, A..., NIF..., com residência na ..., ..., ... - ... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) n.º..., relativo aos anos de 2014 a 2017, e do ano de 2018.

 

2.            No dia 13.01.2020, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado ao Requerente e à AT.

 

3.            O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, 1, e artigo 11.º, 1, b), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

4.            Em 04.03.2020, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

5.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 06 de julho de 2020.

 

6.            No dia 26.10.2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

7.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas.

 

8.            Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º, 1, do RJAT.

 

9.            O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, 1, a), 5.º e 6.º, 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

B. Posição das partes

 

Para fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese, o seguinte:

 

i.             A retificação do teor do artigo matricial U-..., que é um prédio urbano, constituído por três pisos sendo que o sótão não é destinado a habitação mas sim única e exclusivamente a arrumos;

ii.            consequentemente, a avaliação efetuado ao referido prédio, a que foi atribuído o valor patrimonial tributário de 275.060,00 euros, padece de erro nos pressupostos de facto;

iii.           a ilegalidade do ato de liquidação, por erro nos pressupostos de facto e de direito, do Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) n.º..., relativo aos anos de 2014 a 2017, e do ano de 2018.

 

Por sua vez, a AT defende que inexiste fundamentação de facto e de direito para admitir a retificação da composição do prédio urbano e, consequentemente, que as notas de liquidação de IMI se encontram devidamente emitidas, não lhes podendo ser assacada qualquer vicio ou ilegalidade.

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1 - O Requerente é o sujeito passivo identificado na matriz predial do prédio urbano com o artigo ... da freguesia de  ... .

2 - O referido prédio teve origem no artigo U-..., que era um terreno para construção, tendo sido, consequentemente, eliminado.

3 - Resulta da ficha técnica de habitação o seguinte:

 

4- Resulta do alvará de autorização de utilização ..., emitida em 2008, que

 

5 - O requerimento Mod. 1 foi entregue junto da AT em 31.12.2014. Dele resulta o seguinte:

 

6 - Esta alteração produziu efeitos a 31-12-2014.

7 - O Requerente entregou o Modelo 1 do IMI n.º..., em 01-08-2018.

 

8 - Resulta da notificação de avaliação da ficha ... o seguinte:

 

9 - Consta da caderneta predial urbana o seguinte:

 

10 - A primeira avaliação efetuada sustenta-se na declaração do avaliador, com o seguinte conteúdo:

 

11 - O Requerente foi notificado a 12-09-2018 do VPT de € 275.060 que resultou da ficha de avaliação identificada em 8.

12 - O prazo para a apresentação do pedido de segunda avaliação, nos termos do artigo 76.º do CIMI, decorreu até 12-10-2018.

13 - O SP não apresentou pedido de segunda avaliação no prazo referido.

14 - Em 09-11-2018, foi liquidado o IMI n.º ... sobre o referido prédio referente aos anos de 2014 a 2017.

15 - Em 28-11-2018 o SP apresentou um pedido de revisão da avaliação, referente à divergência entre os elementos declarados (n.º de pisos: 3; divisões: 5) e o resultado da avaliação (n.º de pisos: 4; divisões: 6).

16 - Em 09-03-2019, foi liquidado o IMI referente ao ano de 2018.

17 - Em 20-09-2019, o Requerente apresentou uma reclamação nos termos do no 3 art.º 130.º do CIMI, tendo por objeto a correção do número de pisos.

18 - Por ofício remetido pelo SF Cascais..., em 14-10-2019, o Requerente foi notificado do indeferimento da reclamação apresentada, nos seguintes termos:

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

                Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

                Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

                Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, 7, do CPPT, e a prova documental aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

                Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

A questão que se apresenta a resolver no presente processo arbitral prende-se com a avaliação para efeitos de IMI do prédio urbano com o artigo ... da freguesia de ..., o qual foi determinado um VPT de € 275.060, e consequente liquidação de imposto.

Com efeito, na perspetiva do SP, o prédio é constituído por três pisos e cinco divisões enquanto que para a AT o prédio é constituído por quatro pisos e seis divisões.

Na perspetiva do SP, a composição do prédio nos termos definidos pela AT determinou depois um VPT de € 275.060 que resultou da ficha de avaliação já identificada.

O IMI é um imposto municipal que incide sobre a propriedade dos imóveis, tributando o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos — cf. o art. 1.º, do CIMI.

Determina o art. 13, CIMI, que "A inscrição de prédios na matriz e a actualização desta são efectuadas com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo", o que se concretiza pela apresentação da declaração apropriada (o mod. 1 IMI).

Por sua vez, o art. 14.º determina que "O valor patrimonial tributário dos prédios é determinado por avaliação, com base em declaração do sujeito passivo, salvo se no presente Código se dispuser de forma diferente" sendo que, sempre que necessário, a avaliação é precedida de vistoria do prédio a avaliar. Daqui resulta que o VPT determina-se, por via da regra, por intermédio dos elementos oferecidos em declaração específica apresentada pelo próprio SP. Como assenta em elementos objetivos, por regra, dispensa-se a vistoria ou inspeção física do prédio.

A avaliação é direta (art. 15.º, 1, CIMI), bastando-se que seja efetuada tendo por suporte as telas finais correspondentes ao edificado. Significa que o VPT de cada prédio deve ser apurado caso a caso e "incorporar as caraterísticas específicas do mesmo, ou seja, na avaliação direta, há fatores de avaliação previamente fixados e que devem ser aplicados em função das caraterísticas de cada prédio tendo em vista atingir, ainda que de forma indireta e por aproximação, o respetivo valor de mercado" — cf. António Santos Rocha, Eduardo José Martins Brás, Tributação do património — IMI-IMT e imposto de selo (anotados e comentados), 2.ª Edição Revista, Almedina, 2018, p. 111.

Determina o art. 37.º, 1, idem, que "A iniciativa da primeira avaliação de um prédio urbano cabe ao chefe de finanças, com base na declaração apresentada pelos sujeitos passivos ou em quaisquer elementos de que disponha”. E continua o n.º 2: "À declaração referida no número anterior deve o sujeito passivo juntar plantas de arquitectura das construções correspondentes às telas finais aprovadas pela competente câmara municipal ou fotocópias das mesmas autenticadas e, no caso de construções não licenciadas, plantas da sua responsabilidade, com excepção dos prédios cuja data de construção é anterior a 7 de Agosto de 1951, caso em que deve ser efectuada a vistoria dos prédios a avaliar."

A determinação do VPT é definido nos termos do art. 38.º, que reza assim:

1 - A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:

Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv em que:

Vt = valor patrimonial tributário;

Vc = valor base dos prédios edificados;

A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;

Ca = coeficiente de afectação;

Cl = coeficiente de localização

Cq = coeficiente de qualidade e conforto;

Cv = coeficiente de vetustez.

2 - O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos apurado é arredondado para a dezena de euros imediatamente superior.

3 - Os prédios comerciais, industriais ou para serviços, para cuja avaliação se revele desadequada a expressão prevista no n.o 1, são avaliados nos termos do n.o 2 do artigo 46.º

4 - A definição das tipologias de prédios aos quais é aplicável o disposto no número anterior é feita por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, sob proposta da Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos.

                A compreensão deste preceito exige que se considere o conteúdo dos artigos subsequentes, nomeadamente, para o que aqui interessa, o disposto no art. 40.º.

                Positiva este normativo, no seu número 2, que " área bruta privativa (Aa) é a superfície total medida pelo perímetro exterior e eixos das paredes ou outros elementos separadores do edifício ou da fracção, incluindo varandas privativas fechadas, caves e sótãos privativos com utilização idêntica à do edifício ou da fracção, a que se aplica o coeficiente 1. ". Por sua vez, o seu n.º 3 consagra que "As áreas brutas dependentes (Ab) são as áreas cobertas e fechadas de uso exclusivo, ainda que constituam partes comuns, mesmo que situadas no exterior do edifício ou da fracção, cujas utilizações são acessórias relativamente ao uso a que se destina o edifício ou fracção, considerando-se, para esse efeito, locais acessórios as garagens, os parqueamentos, as arrecadações, as instalações para animais, os sótãos ou caves acessíveis e as varandas, desde que não integrados na área bruta privativa, e outros locais privativos de função distinta das anteriores, a que se aplica o coeficiente 0,30. "

                Isto é, para efeitos de cálculo do VPT, o legislador distinguiu a área que tem uma utilização idêntica à da fração da área cuja utilização é acessória relativamente ao uso a que se destina o imóvel.

                Vejamos o caso concreto. Ficou dado por provado que a documentação junta pelo SP que originou a inscrição do prédio em causa, nomeadamente, a ficha técnica de habitação, o alvará de autorização de utilização ... e o mod. 1 que o prédio é constituído por três pisos. No entanto, o perito avaliador entendeu corrigir as áreas devido a "erros superiores a 5% na caderneta predial".

                Ora, como vimos, nos termos do art. 13.º, A inscrição de prédios na matriz e a actualização desta são efectuadas com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo".

                Competiria à AT demonstrar que o prédio tinha quatro pisos e não três, assim como competiria ao SP demonstrar que não ocorreram erros superiores a 5% na caderneta predial, contrariamente ao que refere o perito.

                Da caderneta predial, como resulta do facto provado, constam quatro pisos quando, na verdade, são três pisos, conforme resulta da prova produzida.

                Assiste assim razão ao SP, quando pede que seja retificado o teor do artigo matricial no sentido de constar três pisos e não quatro pisos, o que se determina.

                Quanto à liquidação do IMI, o SP não conseguiu demonstrar se o IMI se encontra erroneamente calculado assim como não demonstrou se efetuou o pagamento dos impostos em causa.

                Com efeito, como se disse, competia ao SP demonstrar que não ocorreram erros superiores a 5% na caderneta predial, o que não foi o caso. Sendo assim, nesta parte improcede o pedido formulado pelo SP.

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Determinar a correção do descritivo do teor matricial, considerando que o prédio em causa tem três pisos;

b)           Indeferir o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação do IMI dos anos de 2014 a 2018;

c)            Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respetivo decaimento, fixando-se o montante de € 153,00, a cargo da Requerente, e o de € 153,00 a cargo da Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 1.500,00, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 306 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respetivo decaimento acima fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos do artigo 22.º, n.º 4, RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 12 de dezembro de 2020

 

O Árbitro Singular

(Ricardo Marques Candeias)