DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
1. A..., Lda., Pessoa Colectiva n.º..., com sede em ..., ..., ...; B..., Lda, Pessoa Colectiva n.º..., com sede no ..., ..., ...; e C..., SA., Pessoa Colectiva n.º ..., com sede em ..., ..., ... (daqui em diante designadas apenas por “Requerentes”), apresentaram um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos dos artigos 3.º, n.º 1 e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante designado apenas por “RJAT”), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade dos despachos proferidos pela Directora de Finanças Adjunta da Direcção de Finanças do Porto, que deferiram parcialmente as reclamações graciosas apresentadas por cada uma das Requerentes e, consequentemente, a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios que sobre eles versam, peticionando ainda a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (daqui em diante designada por “AT” ou “Requerida”) ao reembolso de todas as importâncias pagas, acrescidas dos correspondentes juros indemnizatórios.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 17 de Março de 2020 pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
3. A Requerente não exerceu o direito à designação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 6 de Julho de 2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 5 de Agosto de 2020.
5. As Requerentes vieram sustentar a procedência do seu pedido, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:
Sendo o IRC um imposto periódico, o direito da AT proceder à liquidação de imposto caduca no prazo de 4 anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, conforme decorre do artigo 45.º, n.ºs 1 e 4, da Lei Geral Tributária (daqui em diante designada por “LGT”). Tendo em conta que as liquidações de IRC respeitavam ao período de tributação de 2002, e tendo em conta que não se teria verificado qualquer alargamento do prazo de caducidade, aquele prazo ocorreria no dia 31 de Dezembro de 2016, pela que a notificação da liquidação do imposto teria de ser realizada até essa data.
Quanto ao alargamento do prazo de caducidade, não se teria verificado a causa suspensiva prevista no artigo 45.º, n.º 5, da LGT, pelo facto de o inquérito criminal ter sido instaurado já em 2007, isto é, após o termo do prazo de caducidade. Por outro lado, não constava dos documentos levados ao conhecimento das Requerentes quais os factos pelos quais foi instaurado aquele inquérito, pelo que não estaria demonstrada a exigível identidade entre os factos pelos quais foi instaurado o inquérito e os factos a que respeitam as liquidações cuja legalidade pretendem sindicar na presente acção arbitral. Neste sentido, os actos de liquidação de que as Requerentes foram alvo seriam ilegais porquanto emitidos fora do prazo legalmente permitido para o efeito.
A este respeito, a AT teria ainda feito uma errada interpretação da decisão instrutória no processo crime, em concreto no que respeita à caracterização das injunções estabelecidas (ainda que consentidas) para a suspensão provisória daquele processo. Em primeiro lugar pelo facto de as liquidações em discussão não poderem em qualquer circunstância ser actos tributários determinados ou em cumprimento de uma qualquer decisão judicial e muito menos provinda do Tribunal de Instrução Criminal, sob pena, além do mais, de flagrante violação do princípio da separação de poderes. Em segundo lugar, as injunções estabelecidas para a suspensão provisória do processo não teriam a expressão nem o recorte dado pela DSIFAE-DIFAE, sendo a decisão judicial clara no sentido de tal suspensão e respectivas injunções em nada beliscarem o direito de as arguidas, enquanto sujeitos passivos de imposto, poderem sindicar a validade dos actos de liquidação que eventualmente fossem levados a cabo pela AT. Pelo contrário, no âmbito daquela decisão as Requerentes teriam ficado obrigadas a garantir a dívida, caso impugnassem e não pagassem, sem prejuízo algum do direito ao cancelamento ou restituição das garantias ou do reembolso do que tivessem pago na hipótese de procedência dos meios impugnatórios utilizados. Deste modo, a apreciação da questão da caducidade do direito à liquidação e de qualquer outra causa de invalidade das liquidações não ficaria prejudicada pela decisão de suspender provisoriamente o processo crime.
Já no que respeita aos montantes liquidados a título de juros compensatórios, os valores constantes das liquidações seriam diferentes dos que constavam dos ofícios através dos quais era manifestada a intenção de proceder às liquidações controvertidas, não tendo a AT invocado qualquer motivo para a divergência entre o projectado e o concretizado. Nestes termos, faltaria às liquidações de juros compensatórios a devida fundamentação, que não poderia ser sanada pelo facto de a AT ter deferido parcialmente o pedido de reclamação graciosa com base na consideração injustificada, no cálculo dos juros compensatórios, do terminus na “data do despacho de injunção”.
Em todo o caso, as liquidações de juros compensatórios sempre seriam ilegais por violação do artigo 102.º, do Código do IRC, em conjugação com o artigo 35.º, da LGT, uma vez que a contagem dos juros compensatórios decorre do termo do prazo de apresentação da declaração até ao suprimento, correcção ou detecção da falta que motivou o retardamento da liquidação. Tendo em conta que em 4 de Agosto de 2015 já teria ocorrido a “detecção da falha”, tal como evidenciado no “Relatório Final” elaborado com essa data por técnico da AT no inquérito criminal no âmbito do processo .../07...TELSB, a contagem dos juros compensatórios teria de ter enquanto data final esse mesmo dia sob pena de ilegalidade das respectivas liquidações.
Por fim, invocou a Requerente que a ilegalidade dos actos impugnados se funda em erro imputável aos serviços, razão pela qual deveria ser reconhecido às Requerentes o direito a juros indemnizatórios.
6. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta em 30 de Setembro de 2020, que foi devidamente notificada à Requerente.
Em 2 de Outubro de 2020, mediante Requerimento, vieram as Requerentes constatar que a resposta junta pela AT respeitava a outro processo e a um outro Requerente, solicitando a devida correcção do erro. Nesse mesmo dia, mediante requerimento, veio a Requerida solicitar a junção da resposta correcta ao processo, bem como o desentranhamento da peça processual que havia sido indevidamente junta aos autos.
7. No âmbito da sua resposta, veio a Requerida defender-se por excepção e por impugnação, tendo concluído pela improcedência da presente acção e consequente absolvição da instância ou, caso assim não se entendesse, pela absolvição quanto a todos os pedidos formulados pela Requerente.
A AT requereu ainda a produção de prova testemunhal, designadamente de D..., inspectora tributária na Direcção de Finanças do Porto e de E..., Inspector Tributário na Direcção de Serviços antifraude e operações especiais, tendo ainda procedido à junção aos autos do respectivo processo administrativo (daqui em diante designado por “PA”).
8. A Requerida sustentou a sua resposta, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:
As quantias cujo pagamento foi requerido, foram propostas pelas Requerentes/Arguidas ao Ministério Público no âmbito do processo crime n.º .../07.0...TELSB tendo em vista a suspensão provisória do processo crime por forma a evitar a pronúncia e consequente julgamento daquelas, consistindo, de resto, nos montantes constantes da acusação. Por conseguinte, a AT limitou-se a notificar as Requerentes das quantias apuradas em sede de acusação em cumprimento da decisão instrutória pelo que não existe qualquer correcção da AT operada no âmbito do Procedimento e Processo Tributário na esfera das Requerentes. Desta forma, a notificação para pagamento não se reconduz a uma relação administrativa subsumida no artigo 4.º, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (daqui em diante designado por “ETAF”), pelo que caberá ao Tribunal de Instrução Criminal o julgamento de actos relativos ao inquérito e instruções criminais, ao exercício da acção penal e à execução das respectivas decisões, conforme dispõe expressamente o artigo 4.º, n.º 3, alínea c), do ETAF. Ademais, os princípios da atracção e da suficiência do processo penal determinam a imposição de apertados limites à possibilidade de suspensão do processo penal para decisão de questões susceptíveis de autónoma apreciação judicial, de modo a preservar os princípios da concentração processual e da continuidade do processo penal. Quer isto dizer que a decisão de questões conexas com o processo penal, mas autónomas, não devem ser sindicadas num tribunal que não aquele onde o processo decorre, por forma a assegurar a continuidade e o normal andamento do processo penal. Isto sob pena de se violar os artigos 211.º, n.º 1 e 212.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, conjugados com o artigo 7.º do Código de Processo Penal (daqui em diante designado por “CPP”), já que as questões conexas com o processo penal como o são as medidas injuntivas em questão, não devem ser julgadas pela jurisdição administrativa e fiscal.
Neste sentido, seria o Tribunal de Instrução Criminal competente para dirimir o pedido e a causa de pedir das Requerentes, que são arguidos no processo crime no qual se determinaram as injunções, pelo que o Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria. Assim sendo, verifica-se uma excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal nos termos do artigo 577.º, alínea a), do Código de Processo Civil (doravante designado por “CPC”), que determina a absolvição da Requerida da instância nos termos do disposto no artigo 99.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º, do CPTA.
Por outro lado, a Direcção de Finanças do Porto limitou-se a dar cumprimento, sob pena de crime de desobediência nos termos do artigo 348º, n.º 1 do Código Penal, ao decidido pelo juiz de instrução criminal, notificando os Arguidos ora Requerentes das quantias a pagar, tal como proposto, e cujo montante se encontrava determinado na acusação. Deste modo, o presente processo arbitral carece de objecto e, consequentemente, impugnabilidade, uma vez que não existe acto administrativo derivado de um procedimento administrativo no qual a AT tenha participado na decisão, ou seja, não está em causa uma decisão materialmente administrativa. E ainda que o acto não seja impugnável, nem por isso é violado o acesso à tutela jurisdicional efectiva, visto que no âmbito do processo-crime, seja na instrução ou em sede de julgamento, os Arguidos aqui Requerentes poderão sindicar todos os actos que entendam lesivos, inclusive aqueles que foram dados a conhecer no âmbito do inquérito. Em suma, deveria ser reconhecida a excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto com a consequente absolvição da Requerida da instância.
Ainda a título de excepção arguiu a AT que, nos termos dos artigos 5.º, 581.º, n.º 4 e 552.º, n.º 1, alínea e), todos do CPC e do artigo 342.º, do Código Civil, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea d), da LGT, a causa de pedir é determinada em função do facto jurídico concreto de onde emerge o direito de que as Requerentes se arrogam. Tendo em conta que a acusação e os montantes apurados e quantificados no âmbito do processo-crime, que foram notificados aos Arguidos ora Requerentes, foram efectuados sob a direcção do Ministério Público nos termos do artigo 283.º, do CPP, a AT seria parte ilegítima no presente processo arbitral, razão pela qual deveria ser reconhecida a ilegitimidade passiva da Requerida nos termos do artigo 577.º, alínea e), do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Por impugnação, referiu a AT que é alheia ao processo crime, tendo apenas recebido uma determinação do Tribunal Criminal para proceder à notificação e recebimento de uma quantia que foi acordada no âmbito daquele processo a título de injunção por forma a evitar a sujeição dos Arguidos ora Requerentes a julgamento, isto é, por forma a que estas evitassem o risco de condenação criminal, com eventual pena de prisão. Assim, não se poderia verificar a caducidade de uma liquidação em matéria tributária que inexiste, ou causas de suspensão da caducidade, conforme previsto nos artigos 45.º e 46.º, da LGT. E caso a AT se pronunciasse quanto a esse aspecto, estaria a violar o princípio da separação de poderes, uma vez que através da aplicação de normas tributárias seria frustrada a decisão/injunção da acção penal e, sobretudo, o dispositivo desta que impunha o pagamento da quantia já apurada e acordada entre o Ministério Público e os Arguidos ora Requerentes.
Por último, no que respeita aos juros compensatórios, tendo em conta que as notificações para pagamento foram feitas em cumprimento da decisão do Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Central de Instrução Criminal, que determinou a suspensão provisória do processo, após acordo das partes, em função do cumprimento das injunções constantes daquela decisão (entre as quais se encontrava a obrigação de pagamento das liquidações adicionais que a AT viesse a fazer, tendo por base os valores apurados no despacho de acusação), não faria sentido considerar-se uma data anterior àquela decisão.
9. Por despacho proferido em 4 de Outubro de 2020, foi deferido o pedido da Requerida quanto ao desentranhamento da Resposta junta, por lapso, aos autos, bem como o pedido de junção da peça processual correcta.
Por via desse despacho ordenou-se ainda a notificação das Requerentes para, querendo, exercerem contraditório, no prazo de 10 dias, em relação à matéria de excepção deduzida pela Requerida na sua resposta; direito esse que as Requerentes vieram a exercer em 21 de Outubro de 2020 mediante requerimento.
10. Por despacho proferido em 2 de Novembro de 2020, foi indeferido o pedido de intervenção principal provocada do Ministério Público formulado pela Requerida na sua resposta, por este carecer de fundamento legal. Por carecer igualmente de base legal, foi também indeferido o pedido formulado pela Requerida na sua resposta de comunicação ao processo n.º .../07.0...TELSB, que corre termos no Tribunal Central de Instrução Criminal.
Não havendo lugar a produção de prova constituenda, por um lado, e tendo sido exercido contraditório em relação à matéria de excepção, por escrito, por outro, determinou-se naquele despacho a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18.º, do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade, nos termos dos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT.
Ordenou-se ainda naquele despacho a notificação de ambas as partes para, querendo, produzirem alegações escritas no prazo de quinze dias, concedendo-se à Requerida a faculdade de, caso assim o entendesse, juntar as suas alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pelo sujeito passivo.
Por último, designou-se o dia 5 de Fevereiro de 2021 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.
II. SANEAMENTO
11. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º, e 5.º, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
Tendo em conta que as Requerentes no presente processo foram alvo de liquidações de IRC e respectivos juros compensatórios por referência ao mesmo período de tributação e com base em idênticas circunstâncias de facto e de direito, a coligação de autores é admissível nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, dado que “a procedência dos pedidos depend[e] essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.
O processo não enferma de nulidades.
III. DO MÉRITO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
III.1.1. Factos provados
12. Analisada a prova produzida no âmbito do presente Processo Arbitral, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
a) As Requerentes foram alvo do processo de inquérito NUIPC .../07...TELSB;
b) Em 19 de Agosto de 2015 foram as Requerentes notificadas do conteúdo do relatório elaborado pelo OPC e do despacho proferido no âmbito daquele inquérito;
c) No âmbito do relatório elaborado por técnico da AT, enquanto OPC, registado e sob a direcção do Ministério Público no DCIAP, foram apuradas correcções a efectuar ao resultado fiscal e à matéria colectável declarados pelas Requerentes na sequência do esquema de fraude por estas realizado com a contabilização de facturas sobre vendas, sem que às mesmas correspondesse qualquer actividade específica, tendo em vista a obtenção de vantagens patrimoniais (cfr. Documento n.º 28 junto pelas Requerentes aos autos);
d) No âmbito da decisão instrutória no processo crime foi determinado o cumprimento de injunções por parte das Requerentes, designadamente o pagamento dos montantes a corrigir, por forma a suspender provisoriamente o processo;
e) Nesse seguimento as Requerentes foram notificadas pela Direcção de Finanças do Porto, por ofícios datados de 12 de Fevereiro de 2018, da intenção de proceder a liquidações adicionais de IRC com referência ao ano de 2002 (cfr. Documentos n.ºs 7, 8 e 9 juntos pelas Requerentes aos autos e PA junto pela Requerida aos autos);
f) As Requerentes exerceram o direito de audição quanto ao teor daqueles ofícios (cfr. Documentos n.ºs 10, 11 e 12 juntos pelas Requerentes aos autos);
g) Por ofícios datados de 26 de Março de 2018, foram as Requerentes notificadas de que os serviços da AT iriam proceder à elaboração de documento de correcção oficiosa para liquidação adicional de IRC quanto ao período de 2002 (cfr. Documentos n.ºs 13, 14 e 15 juntos pelas Requerentes aos autos);
h) Em 2 de Abril de 2018 foram emitidas as liquidações n.ºs 2018..., 2018 ... e 2018..., respectivamente, quanto às Requerentes A..., Lda., B..., Lda. e C..., SA. (cfr. Documentos n.ºs 16 a 24 juntos pelas Requerentes aos autos)
i) Em 29 de Novembro de 2018 foram as Requerentes notificadas das demonstrações de reacerto financeiro de liquidações de IRC, das demonstrações de acerto de contas e das demonstrações de liquidação de juros compensatórios e moratórios (cfr. Documentos n.ºs 16 a 24 juntos pelas Requerentes aos autos);
j) As Requerentes apresentaram reclamação graciosa na qual impugnaram os montantes de IRC liquidados e respectivos juros compensatórios (cfr. Documentos n.ºs 25, 26 e 27 juntos pelas Requerentes aos autos);
k) Em 19 de Novembro de 2019 foram as Requerentes notificadas para exercerem o direito de audição prévia quanto ao teor dos projectos de decisão das reclamações graciosas que haviam apresentado, tendo optado por não exercer esse direito (cfr. Documentos n.ºs 2, 4 e 6 juntos pelas Requerentes aos autos e PA junto pela Requerida aos autos);
l) Em 12 de Dezembro de 2019 foram as Requerentes notificadas de que havia sido proferido despacho, pelo Director adjunto de Direcção de Finanças, ao abrigo de Subdelegação de competências, de deferimento parcial do pedido de reclamação graciosa que haviam apresentado (cfr. Documentos n.ºs 1, 3 e 5 juntos pelas Requerentes aos autos e PA junto pela Requerida aos autos);
m) As Requerentes procederam ao pagamento dos impostos e juros liquidados, seja directamente seja mediante penhora nos respectivos processos executivos (cfr. Documentos n.ºs 29 a 34 juntos pelas Requerentes aos autos).
III.1.2. Factos não provados
13. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
14. Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (doravante designado por “CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre da aplicação conjugada dos artigos 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Atendendo às posições assumidas pelas partes, ao disposto no artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, à prova documental e ao PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes nas respectivas peças processuais, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
III.2. MATÉRIA DE DIREITO
III.2.1. Delimitação das questões a decidir
15. No âmbito da sua resposta a Requerida suscitou a verificação de excepções dilatórias que determinam a sua absolvição da instância, designadamente a incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido em razão da matéria, a inimpugnabilidade dos actos contestados e a ilegitimidade passiva da AT. A título subsidiário, no caso de não ser dado provimento às referidas excepções, peticionou a Requerida a sua absolvição de todos os pedidos formulados pelas Requerentes.
Nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica”, razão pela qual o tribunal apreciará prioritariamente a matéria das excepções suscitadas pela Requerida.
Já no que respeita à ordem do conhecimento dos vícios dos actos que as Requerentes pretendem ver sindicados, determina o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT, que o tribunal apreciará em primeiro lugar os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade dos actos impugnados e, posteriormente, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
Não tendo sido alegado nenhum vício conducente à nulidade, a apreciação dos vícios é feita pela ordem indicada pela Requerente, desde que se estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público.
Assim sendo, começar-se-á pela apreciação das excepções suscitadas pela Requerida e, de seguida, mediante o sentido da decisão, apreciar-se-ão os vícios imputados pelas Requerentes aos actos ora impugnados.
III.2.2. Excepção de incompetência em razão da matéria
16. A este respeito invocou a Requerida a verificação de uma excepção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido em razão da matéria. Isto na medida em que a notificação para pagamento não se enquadrava no âmbito de uma relação jurídico administrativa subsumida ao artigo 4.º, do ETAF, dado que a AT ter se ia limitado a cumprir uma decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal. Tendo em conta que as quantias notificadas para pagamento foram apuradas em sede de acusação em cumprimento de decisão instrutória, e impostas às Requerentes a título de injunções que determinaram a suspensão provisória do processo, a sua apreciação estaria fora da jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Tal exclusão decorreria não só dos princípios da atracção e da suficiência do processo penal, que asseguram os princípios da concentração processual e da continuidade do processo penal, mas também, e de forma expressa, do artigo 4.º, n.º 3, alínea c), do ETAF, e do artigo 7.º, do CPP, uma vez que estaria em causa a apreciação de actos autónomos, mas conexos, com o inquérito e instruções criminais, com o exercício da acção penal e com a execução das respectivas decisões.
Pelo contrário, no exercício do direito ao contraditório, as Requerentes responderem à excepção invocada, concluindo pela sua improcedência. Para o efeito, aduziram que com o presente processo pretendiam “sindica[r] perante o Tribunal Arbitral as decisões de (in)deferimento parcial das reclamações graciosas contra as liquidações adicionais de IRC referente ao ano de 2002 e as próprias liquidações, cuja ilegalidade se pretende seja declarada”. Deste modo, estariam em causa actos administrativos praticados pela AT, cuja sindicância da legalidade “é inexoravelmente da competência dos tribunais tributários e dos tribunais arbitrais em matéria tributária”. De resto, não faria sentido a tese da Requerida segundo a qual “não praticou os actos tributários de liquidação, limitando se a notificar os Requerentes das quantias apuradas em sede de acusação em cumprimento da decisão instrutória”, dado que a ser assim “coube ao Juiz de Instrução praticar o acto tributário de liquidação que a AT acatou, executando os procedimentos tendentes à cobrança. Isso significaria que o Tribunal de Instrução Criminal teria assumido as competências da Administração Tributária, relegando esta para o papel de extensão executiva daquele”, o que violaria o princípio da separação de poderes e revelaria um ostensivo desvio de poder.
17. A aferição da competência do Tribunal Arbitral é determinada em função do pedido e da causa de pedir, isto é, em função dos actos que sirvam de objecto à acção e em virtude do pedido que quanto aos mesmos seja formulado.
Conforme resulta do rol de factos dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelas partes, constata-se que o presente processo arbitral tem como objecto os actos de deferimento parcial dos pedidos de reclamação graciosa apresentados pela Requerentes e, bem assim, os actos de liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios emitidos pela AT quanto ao período de tributação de 2002 que são alvo daqueles pedidos, tendo as Requerentes peticionado a declaração da sua ilegalidade. Cumpre então aferir a sua admissibilidade.
Ao que importa, ainda que a arbitragem tributária seja configurada enquanto meio alternativo de resolução de litígios nos termos do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, a verdade é que a sua competência se encontra delimitada em virtude do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária. Nos termos do seu artigo 2.º, alíneas a) e b), dispõe-se que:
“Artigo 2.º
Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável
1 – A competência dos tribunais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de retenção na fonte e de pagamentos por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável quando não dê origem a liquidação de quaisquer tributos.”
Conforme se compreende, nos termos do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais é desde logo limitada à discussão da legalidade dos actos referidos no artigo 2.º, contudo, a verdade é que essa competência é ainda limitada por via da remissão do artigo 4.º daquele Decreto-Lei para os concretos termos da vinculação da AT à jurisdição arbitral. Essa vinculação for realizada por via da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, nos termos da qual se estabeleceu, ao que importa:
“Artigo 2.º
Objecto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.”
Aqui chegados verifica-se que, prima facie, a apreciação da legalidade dos actos de liquidação emitidos pela AT e, bem assim, das decisões de deferimento parcial dos pedidos de reclamação graciosa interpostos pelas Requerentes, encontra-se no âmbito da jurisdição arbitral nos termos das normas constantes dos artigos acima transcritos. A verdade, porém, é que esses actos não foram emitidos no seguimento do iter procedimental que, em regra, se estabelece no seio da relação jurídico-tributária entre a AT e o sujeito passivo. De facto, tal como decorre da prova documental junta aos autos (cfr. Documentos n.ºs 7 a 9 juntos pelas Requerentes), os actos de liquidação foram emitidos pela AT em cumprimento da decisão do Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Central de Instrução Criminal, que determinou a suspensão provisória do processo crime, após acordo entre as Arguidas ora Requerentes e o Ministério Público, em função do cumprimento das injunções constantes daquela decisão. Injunções essas que, ao que importa para o presente caso, previam a obrigação de pagamento das liquidações adicionais que a AT viesse a realizar, tendo por base os valores constantes no despacho de acusação que foram apurados no âmbito do inquérito criminal em relatório elaborado por técnico da AT, enquanto OPC, registado e sob a direcção do Ministério Público no DCIAP (cfr. Documento n.º 28), nos seguintes termos:
“- Os arguidos C..., B..., Lda., A..., F..., G... e H... aceitam que a diferença entre os valores entregues nos autos e o montante de IRC de 2002 apurado em relação às 3 sociedades arguidas venha a ser liquidado pela AT;
- Os arguidos C..., B..., Lda., A..., Lda, F..., G... e H... aceitam proceder ao pagamento do montante que a AT venha a liquidar nestes termos no prazo da suspensão provisória do processo (2 anos)
- Caso entendam impugnar as liquidações a efectuar pela AT nestes termos, os arguidos C..., B..., Lda., A..., Lda, F..., G... e H..., prestarão garantia no processo de impugnação, facto a comprovar, por estes, nos autos”.(sublinhado nosso)
Conforme se compreende, e tal como se referiu, foi no âmbito do inquérito criminal que se apuraram as correcções a efectuar ao resultado fiscal e à matéria colectável declarados pelas Requerentes, em virtude da desconsideração dos custos contabilizados nas facturas sobre vendas, alvo da fraude praticada pela Requerentes, relativamente às quais não correspondia qualquer actividade específica e que tinham em vista a mera obtenção de vantagens patrimoniais. Neste contexto, dentro das suas atribuições, a AT não actuou nas suas típicas prerrogativas de autoridade por forma a determinar a matéria colectável, a quantificar o montante de imposto a pagar, a exigir o respectivo cumprimento das obrigações tributárias e a garantir a cobrança dos créditos tributários, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), 1.ª parte, do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro, que aprovou a Lei Orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira. Apesar de estar a proceder a actos de liquidação de IRC quanto ao período tributário de 2002 das Requerentes, a verdade é que a AT o faz limitando-se a transpor para os actos administrativos de determinação da matéria colectável e respectivo imposto a pagar, as correcções previamente apuradas em sede de processo criminal. Desta forma, concluiu se que no quadro das suas atribuições a AT actuou no sentido de “arrecadar e cobrar outras receitas do Estado” nos termos da 2.ª parte, da alínea a), do n.º 2, do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro, que aprovou a Lei Orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira, isto é, a AT limitou-se, no quadro da sua actividade administrativa, a garantir a cobrança dos montantes que haviam sido apurados e nos termos que haviam sido definidos, em sede de inquérito criminal e, assim, a conferir execução e cumprimento às injunções acordadas entre as Arguidas ora Requerentes e o Ministério Público e sancionadas na decisão do Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Central de Instrução Criminal.
Estando assim em causa actos praticados pela AT em virtude de inquérito criminal e em execução de decisão do Juiz de Instrução Criminal, assiste razão à Requerida quando alega que o Tribunal Arbitral não é competente para conhecer os pedidos formulados pelas Requerentes. Isto na medida em que, na determinação da competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, dispõe o ETAF que:
“Artigo 4.º
Âmbito da jurisdição
(…)
3 - Está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de:
(…)
c) Atos relativos ao inquérito e instrução criminais, ao exercício da ação penal e à execução das respetivas decisões.”
Significa isto que a discussão da legalidade dos actos praticados pela AT em execução das injunções determinadas em sede de processo crime não poderá ser discutida no seio da jurisdição administrativa e fiscal.
De resto, esta conclusão em nada contende com o direito de as Requerentes impugnarem as liquidações efectuadas pelas AT, caso entendam que as mesmas não foram efectuadas nos termos e sobre os montantes definidos em sede de processo criminal, tal como consta das injunções sancionadas pelo Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Central de Instrução Criminal. Assim sendo, não se considera existir qualquer violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, uma vez que o direito de acesso aos tribunais e a previsão de um meio de tutela impugnatória continua a ser reconhecido às Requerentes, que mantêm a faculdade de impugnar aqueles actos e de sindicar judicialmente a sua legalidade. Apenas terão de o fazer no âmbito do processo crime, seja na instrução ou em sede de julgamento.
Por último, cumpre apenas salientar que a suspensão provisória do processo, consagrada no artigo 281.º, do CPP consiste num instituto jurídico que visa obter a resolução de um conflito penal por via do consenso, no qual o Ministério Público, com acordo dos arguidos e mediante a concordância do juiz de instrução criminal, suspende o processo de forma provisória, mediante o estabelecimento de regras de conduta ou injunções que, no caso de serem cumpridas pelos arguidos, levam ao arquivamento do processo. Questão diferente é a suspensão do processo penal tributário prevista no artigo 47.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (daqui em diante designado por “RGIT”), que determina a suspensão do processo na eventualidade de estar a correr impugnação judicial ou oposição à execução, nas quais se discuta uma determinada situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados. Dito de outro modo, a suspensão prevista naquele artigo visa garantir a resolução e a definição prévia de uma questão que assume uma relação de prejudicialidade com o processo penal tributário, isto é, visa garantir que primeiro é efectuada a definição da situação tributária e que, posteriormente, com base nessa definição, seja realizada a qualificação criminal dos factos imputados. Conforme se compreende, a situação ora em questão não se integra no âmbito do artigo 47.º, do RGIT, uma vez que a qualificação criminal dos factos já havia sido feita no âmbito do processo criminal, não se verificando igualmente que estivesse a correr impugnação judicial ou oposição à execução em simultâneo com aquele processo. Assim sendo, não se verifica a existência de qualquer questão prejudicial de que cumprisse conhecer no âmbito da jurisdição tributária e que não fosse excluída nos termos do artigo 4.º, n.º 3, alínea c), do ETAF.
Em face do exposto julga-se procedente a excepção de incompetência absoluta deste Tribunal Arbitral para julgar o presente litígio, que constitui uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que determina a absolvição da Requerida da instância nos termos conjugados do artigo 16.º, do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT, e dos artigos 96.º, alínea a), 576.º e 577.º, alínea a), todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Em virtude da procedência da excepção dilatória de incompetência em razão da matéria, fica prejudicado o conhecimento das demais excepções invocadas pela Requerida, não se tomando igualmente conhecimento dos pedidos formulados pelas Requerentes.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente a excepção de incompetência absoluta deste Tribunal Arbitral, em razão da matéria, para julgar o presente litígio;
b) Absolver a Requerida da instância;
c) Condenar as Requerentes nas custas do processo, no valor de € 7.038,00 tendo em consideração o valor total do pedido indicado pelas Requerentes no montante de
€ 440.909,30.
V. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 32.º, do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 440.909,30 tal como indicado pelas Requerentes no fim do seu pedido de constituição do tribunal arbitral.
VI. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 7.038,00 a cargo das Requerentes, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2020.
Os Árbitros
Fernanda Maçãs
Carla Castelo Trindade
(Relatora)
Rui Ferreira Rodrigues
(com voto de vencido)
VOTO DE VENCIDO
Dissinto da posição que fez vencimento por entender que as liquidações adicionais impugnadas (IRC referente ao ano de 2002 e juros compensatórios) consubstanciam verdadeiros atos administrativos e deste modo sindicáveis, sendo o Tribunal Arbitral materialmente competente para a apreciação da legalidade de tais atos, por força do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro e artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, pelas razões que passo a enunciar:
As liquidações adicionais foram efetuadas pela AT, não em cumprimento da decisão do Juiz da Secção Única do Tribunal Central de Instrução Criminal, de 30-09-2016, que determinou a suspensão provisória do processo crime, após acordo entre as Arguidas, ora Requerentes, e o Ministério Público, como consta da decisão que fez vencimento, mas no exercício da competência exclusiva que lhe advém do artigo 2.º, n.º 2, alínea a) do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de dezembro, que aprovou a Lei Orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
Para chegar ao montante liquidado a AT intentou diversos procedimentos. Assim, notificou as Requerentes da alteração ao lucro tributável do ano de 2002, conforme fotocópias do despacho de acusação (páginas 12913 a 12954) e da decisão instrutória (páginas 8 e 9 e 59 a 97) para, no prazo de 15 dias, proceder, querendo, ao exercício do direito de audição prévia, prevista no artigo 60.º da Lei Geral Tributária, cfr. documentos n.ºs 7 a 9 de 12-02-2018.
Posteriormente notificou as Requerentes da intenção de proceder à elaboração de documentos de correção oficiosa para a liquidação adicional do IRC do ano de 2002, cfr. documentos n.ºs 13 a 15 de 26-03-2018.
Finalmente, em 02-04-2018, procedeu às liquidações ora impugnadas, quer do IRC quer dos respetivos juros compensatórios, nos termos, respetivamente, dos artigos 89.º, alínea b) e 102.º, ambos do CIRC, sendo as Requerentes notificadas através de “Demonstrações de Reacerto Financeiro de Liquidação de IRC” e nota de apuramento junta, bem como das “Demonstrações de Liquidação de Juros”, cfr. documentos n.ºs 16 e 18; 19 e 21; e 22 e 24, de 29-11-2018, podendo das mesmas reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 137.º do CIRC e 70.º e 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Em 29-11-2018 as Requerentes foram notificadas da “Demonstração de Acerto de Contas”, do valor a pagar e da data limite de pagamento, sob pena de instauração de processo executivo, cfr. documentos n.ºs 17, 20 e 23.
No entanto a AT procedeu à cobrança da totalidade do quantum liquidado e não, apenas, da diferença entre este montante e o dos valores entregues nos autos de inquérito a título de injunção, como consta da página 8 da decisão do Juiz da Secção Única do Tribunal Central de Instrução Criminal, de 30-09-2016.
Em 07-01-2019, as Requerentes efetuaram o pagamento dos montantes correspondentes a essa diferença. Porém a AT considerou-os por conta do montante liquidado, nos termos do artigo 86.º, n.º 4, do CPPT, cobrando a diferença nos processos de execução fiscal que, entretanto, instaurou, cfr. documentos n.ºs 32 a 34.
O MP não se opôs à suspensão provisória do inquérito, nos termos do artigo 281.º do Código de Processo Penal, sendo impostas às arguidas e ora Requerentes, injunções no montante global de 100 000,00 €, aceitando as mesmas proceder ao pagamento da diferença entre os montantes apurados e posteriormente liquidados pela AT e os entregues a título de injunção, sem embargo de poderem impugnar tais liquidações, prestando neste caso garantia no processo de impugnação, cfr. página 8 da certidão da fase de instrução proferida pelo juiz de instrução da Secção Única do Tribunal Central de Instrução Criminal.
Porém “apurar” e “liquidar” o imposto, com a consequente notificação aos sujeitos passivos, são coisas distintas.
Relativamente à suspensão do processo penal tributário, previsto no artigo 47.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RJIT), não poderei deixar de citar Jorge Lopes de Sousa quando refere “(…) Neste art. 47.º do RGIT tem-se por assente que as questões que são objeto de apreciação no processo de impugnação judicial ou de oposição à execução, nos termos do CPPT constituem questões não penais que não podem ser convenientemente resolvidas no processo penal.
Naturalmente, a suspensão só se justificará nos casos em que a existência de infracção criminal depende da resolução de uma questão de natureza fiscal (à semelhança do que se prevê no art. 7.º, n.º 2 do CPP). Actualmente, após a redacção dada ao n.º 1 deste artigo pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, isto resulta do próprio teor expresso desta norma, pois apenas se prevê a suspensão do processo criminal quando no processo tributário «se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados».
Reconhece-se, nestes casos de estar pendente processo de impugnação judicial ou de oposição à execução fiscal, a competência exclusiva da jurisdição fiscal para decidir essa matéria, o que tem justificação no carácter altamente especializado das questões desta natureza, que está subjacente à atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a essa jurisdição especializada (art. 212.º. n.º 3, da CRP). Por isso, nestes casos em que está já pendente um processo em que vai ser apreciada a questão prejudicial justifica-se plenamente que se aproveite essa situação, atribuindo-se aos tribunais fiscais competência exclusiva para decidir a questão. (…) Infere-se do regime previsto neste artigo que existe uma opção legislativa no sentido da primazia da jurisdição fiscal para apreciação de questões tributárias, o que tem plena justificação no carácter especializado das questões desta natureza, que está subjacente à atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada (art. 212.º, n.º 3, da CRP) e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais”.
Nestes termos, entendo que os atos de liquidação adicional impugnados são verdadeiros atos administrativos, porque efetuados pela AT no exercício de poderes jurídico-administrativos decorrentes do artigo 2.º, n.º 2, alínea a) do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de dezembro, visando produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, conforme artigo 148.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), e deste modo sindicáveis contenciosamente pelos Tribunais Arbitrais face ao disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro e artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
Pelo exposto, decidiria pela improcedência da exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, invocada pela Requerida.
São estas as razões pelas quais não pude subscrever a decisão que fez vencimento.
Rui Ferreira Rodrigues