SUMÁRIO:
I. A alínea b) do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS discrimina negativamente os residentes noutros Estados-Membros da União Europeia, se interpretado no sentido de que as mais-valias só serão consideradas em 50% do seu montante se respeitarem a transmissões efectuadas por residentes em território português.
II. A previsão do regime facultativo constante nos números 9 e 10 do artigo 72.º do Código do IRS (actualmente, números 14 e 15 do mesmo Código) faz impender sobre os não residentes em território português um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não sendo a opção de equiparação susceptível de excluir a discriminação em causa.
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A - Geral
1.1. A..., contribuinte fiscal número..., residente na Irlanda em ..., ... (de ora em diante designado “Requerente”), apresentou no dia 27.04.2020 um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando, por um lado, em termos mediatos, a anulação parcial da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (de ora em diante “IRS”) n.º 2019..., no valor de € 10.612,84 (dez mil seiscentos e doze euros e oitenta e quatro cêntimos) e Demonstração de acerto de Contas n.º 2019..., referentes ao ano de 2018, como adiante melhor se verá e, por outro, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios pelo pagamento indevido de prestação tributária.
1.2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (de ora em diante, “RJAT”), o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro o signatário, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.
1.3. Por despacho de 01.06.2020, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação das Senhoras Dra. B... e C... para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.
1.4. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído a 06.08.2020.
1.5. No dia 10.08.2020 foi notificado o dirigente máximo dos serviços da Requerida para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo que pudesse existir e, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.
1.6. No dia 03.09.2020 a Requerida apresentou a sua resposta e juntou aos autos o processo administrativo.
B – Posição do Requerente
1.7. O Requerente é e era já em 2018, para efeitos fiscais, não residente em território português, sendo residente, para esses mesmos efeitos, no Irlanda.
1.8. O Requerente, em Dezembro de 2010, através do exercício do direito de remição em processo de execução, adquiriu, pelo valor global de € 314.299,99 (trezentos e catorze mil duzentos e noventa e nove euros e noventa e nove cêntimos), as fracção autónoma designadas pelas letras DD e DH, bloco B, no piso dois, integradas no prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito em ..., ..., denominado lote número um, na freguesia da ..., concelho de Lagos, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ..., da referida freguesia (adiante os “Imóveis”).
1.9. O Requerente, no dia 21.07.2018, alienou, por € 260.000,00 (duzentos e sessenta mil euros) a fracção DD, melhor identificada em 1.8., sendo o respectivo valor patrimonial tributário € 257.634,26 (duzentos e cinquenta e sete mil seiscentos e trinta e quatro euros e vinte seis cêntimos).
1.10. O Requerente, no dia 28.05.2018, pelo preço de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) alienou a fracção DH, melhor identificada em 1.8., sendo o respectivo valor patrimonial tributário € 151.983,37 (cento e cinquenta e um mil novecentos e oitenta e três euros e trinta e sete cêntimos), valor que foi considerado para efeitos de tributação por ser mais alto do que o preço.
1.11. O Requerente procedeu no dia 29.06.2019 à submissão da declaração individual de rendimentos Modelo 3 do IRS, que deu origem à liquidação de IRS n.º 2019..., de 26.07.2019, no valor de € 11.696,16 (onze mil seiscentos e noventa e seis euros e dezasseis cêntimos).
1.12. No dia 30.08.2019 o Requerente procedeu ao pagamento de € 11.696,16 (onze mil seiscentos e noventa e seis euros e dezasseis cêntimos), correspondente à liquidação mencionada em 1.11..
1.13. No dia 15.10.2019 (e não no dia 15.12.2019 como por lapso se lê no art.º 16.º do pedido de pronúncia arbitral), o Requerente entregou uma declaração de IRS Modelo 3, em substituição da anteriormente submetida, por não ter incluído uma despesa dedutível à mais-valia apurada, o que deu origem à liquidação de IRS n.º 2019..., de 18.10.2019, no valor de € 10.612,84 (dez mil seiscentos e doze euros e oitenta e quatro cêntimos), e Demonstração de Acerto de Contas n.º 2019..., com estorno.
1.14. O rendimento colectável apurado, todo proveniente das mais-valias havidas com a alienação dos Imóveis, foi de € 37.903,02 (trinta e sete mil novecentos e três euros e dois cêntimos).
1.15. A Requerida aplicou à totalidade da mais valia apurada a taxa de 28% dos não-residentes.
1.16. O Requerente entende ser ilegal a liquidação ora mediatamente posta em crise na medida em que ela não considera, como mandam os números 1 e 2 do artigo 43.º do Código do IRS, apenas metade do valor da mais-valia apurada, como se impunha por força dos princípios da não discriminação de cidadãos e da liberdade de circulação de capitais, a que se referem os artigos 18.º e 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), respectivamente.
1.17. No entender do Requerente, a mais-valia por ele auferida devia ser tributada apenas por metade do seu valor como sucederia, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º e do n.º 2 do artigo 43.º, ambos do Código do IRS, caso ele fosse residente em território português.
1.18. Entende o Requerente estarmos perante uma discriminação negativa entre sujeitos passivos residentes em território português e sujeitos passivos não residentes em território português, mas residentes em território de Estado pertencente à União Europeia, uma vez que aqueles, ao contrário destes, beneficiam da desconsideração pela metade do valor das mais-valias imobiliárias.
1.19. A referida discriminação negativa consubstancia uma violação do princípio legal comunitário da liberdade de circulação de capitais consignado no artigo 63.º, n.º 1 do TFUE.
1.20. Assim, entende o Requerente que o rendimento colectável deveria ter sido de apenas € 18.951,51 (dezoito mil novecentos e cinquenta e um euros e cinquenta e um cêntimos) e não € 37.903,02 (trinta e sete mil novecentos e três euros e dois cêntimos) e o imposto a pagar não deveria ter sido € 10.612,84 (dez mil seiscentos e doze euros e oitenta e quatro cêntimos) mas metade desse montante, ou seja, € 5.306,42 (cinco mil trezentos e seis euros e quarenta e dois cêntimos).
1.21. Sendo a liquidação ora posta em crise ilegal, e tendo sido paga pelo Requerente prestação tributária superior à que é devida, são-lhes devidos juros indemnizatórios nos termos legais sobre a quantia paga em excesso.
C – Posição da Requerida
1.22. Na sequência do Acórdão C – 443/06 do Tribunal da Justiça das Comunidades Europeias de 11 de Outubro 2007, e no sentido de adaptar a legislação nacional à decisão nele sufragada, foram aditados ao artigo 72.º do Código do IRS os números 9 e 10 (numeração à data da alienação, pelo Requerente, do Imóvel), que permitia ao Requerente ter optado pelas taxas gerais do artigo 68.º do mesmo código, sendo nesse caso a tributação incidente sobre a totalidade dos seus rendimentos, independentemente de terem sido auferidos em Portugal ou no estrangeiro.
1.23. As declarações de rendimentos respeitante aos anos fiscais de 2008 em diante, mais concretamente o modelo 3, têm um campo para ser exercida a opção pela tributação às taxas do artigo 68.º do Código do IRS.
1.24. Ora, compulsada a declaração modelo 3 de IRS entregue pelo Requerente com respeito ao ano de 2018, verifica-se que no Quadro 8 do Rosto foi assinalado o campo 4 (não residente), o campo 6 (residência em país da UE) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).
1.25. Acresce que o artigo 43.º do Código do IRS, que o Requerente entende aplicar-se-lhe, diz respeito à determinação do rendimento colectável, mas os artigos relevantes são os 9.º e 10.º do mesmo diploma, estes respeitantes à incidência.
1.26. Entende a Requerida que a alteração introduzida ao artigo 72º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, veio adequar plenamente a legislação nacional ao direito da União Europeia, porquanto agora se permite que tanto residentes em território português como residentes em qualquer outro Estado-Membro da União Europeia sejam tributados pelo regime a que alude o artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, em igualdade de circunstâncias, ou seja, sendo tributados por todos os rendimentos que aufiram, tanto os obtidos em território português como os auferidos fora dele.
1.27. Pugnar por entendimento diverso configura discriminação positiva, violadora do princípio constitucional da igualdade, e, como tal, afigura-se totalmente inaceitável à luz do direito nacional e comunitário.
1.28. Não tendo havido na liquidação ora posta em crise erro imputável aos serviços, não tem o Requerente direito aos juros indemnizatórios peticionados.
D – Conclusão do Relatório e Saneamento
1.29. Por despacho de 12.10.2020, o tribunal arbitral dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), por entender que as Partes haviam já carreado para o processo os elementos de facto necessários e suficientes para a prolação da decisão, tendo sido as partes convidadas a apresentar, querendo, as suas alegações, direito que apenas a Requerida exerceu, corroborando, em termos materiais, a posição que havia já sido veiculado na sua resposta.
1.30. O tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.
1.31. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, estão regularmente representadas, não padecendo o processo de qualquer nulidade.
1.32. A cumulação de pedidos efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se uma vez que o art.º 3.º do RJAT, ao admitir expressamente a possibilidade de “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, acomoda, sem abuso hermenêutico, a apreciação de um pedido que decorre, em termos necessários, do juízo que o tribunal arbitral sufrague quanto à validade das liquidações impugnadas.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
2.1.1. No ano de 2010, o Requerente, através do exercício do direito de remição em processo de execução, adquiriu, pelo valor global de € 314.299,99 (trezentos e catorze mil duzentos e noventa e nove euros e noventa e nove cêntimos), as fracção autónoma designadas pelas letras DD e DH correspondentes ao bloco B, no piso dois, integradas no prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito em ..., ..., denominado lote número um, na freguesia ..., concelho de Lagos, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ..., da referida freguesia (documentos n.ºs 7 a10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.2. Por escritura pública outorgada no dia 28.05.2018, pelo preço de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), o Requerente alienou a fracção DH, melhor identificada em 2.1.1., sendo o respectivo valor patrimonial tributário € 151.983,37 (cento e cinquenta e um mil novecentos e oitenta e três euros e trinta e sete cêntimos), valor que foi considerado para efeitos de tributação por ser mais alto do que o preço (documento n.º 6 junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.3. O Requerente, no dia 21.07.2018, alienou, por € 260.000,00 (duzentos e sessenta mil euros) a fracção DD, melhor identificada em 2.1.1., sendo o respectivo valor patrimonial tributário € 257.634,26 (duzentos e cinquenta e sete mil seiscentos e trinta e quatro euros e vinte seis cêntimos) (documento n.º 5 junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral, facto não impugnado pela Requerida).
2.1.4. À data da venda dos Imóveis, o Requerente residia na Irlanda em ... (facto alegado pelo Requerente e não impugnado pela Requerida).
2.1.5. O Requerente submeteu, na qualidade de sujeito passivo não residente em território português, a declaração modelo 3 de IRS, para efeitos de cálculo de mais-valias no dia 29.06.2019, a que coube o código de validação ... (documento n.º 11 junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.6. O Requerente declarou, no rosto dessa declaração, o estado civil de solteiro, no quadro 8 B relativo à Residência Fiscal declarou a qualidade de não residente em território português (campo 4) e nada declarou nos campos 7 a 11 (documento n.º 11 junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.7. A declaração modelo 3 de IRS submetida no dia 29.06.2019 deu origem ao acto de liquidação de IRS n.º 2019..., de 26.07.2019, que apurou um imposto a pagar de € 11.696,16 (onze mil seiscentos e noventa e seis euros e dezasseis cêntimos) (documento n.º 12 junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.8. O Requerente, no dia 30.08.2019, procedeu ao pagamento da prestação tributária exigida de € 11.696,16 (onze mil seiscentos e noventa e seis euros e dezasseis cêntimos) (documento n.º 12 junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.9. O Requerente, no dia 15.10.2019 submeteu uma declaração de substituição modelo 3 de IRS, a que coube o código de validação ...(documento n.º 4 junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.10. Pela liquidação de IRS n.º 2019..., foi apurado ao Requerente um rendimento colectável, todo proveniente das mais-valias havidas com a alienação dos Imóveis, de € 37.903,02 (trinta e sete mil novecentos e três euros e dois cêntimos) e um imposto a pagar de € 10.612,84 (dez mil seiscentos e doze euros e oitenta e quatro cêntimos) (documento n.º 1 junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.11. Ao abrigo da demonstração de acerto de contas identificada pelo documento n.º 2019..., a Requerida emitiu cheque em nome do Requerente no montante de € 1.083,32 (mil e oitenta e três euros e trinta e dois cêntimos) (documento n.º 1 junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.12. O Requerente apresentou no dia 03.01.2020, reclamação graciosa contra o acto de liquidação (documento n.º 3 junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.13. No dia 24.01.2020 foi proferido pela Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Faro despacho de indeferimento da reclamação graciosa, notificado ao Requerente no dia 28.01.2020 (documento n.º 2 junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral e acordo das Partes)
2.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelas Partes e nas posições por elas assumidas nos articulados apresentados.
3. Matéria de direito
3.1. Questões a decidir
Resulta do que acima se deixou dito que as questões a apreciar são, no fundo, as seguintes:
a) A de saber se o acto de liquidação de IRS posto em crise é inválido por não terem sido as mais valias imobiliárias auferidas pelo Requerente consideradas em apenas metade do seu montante para efeitos de tributação; e
b) Julgando-se procedente o pedido de declaração de ilegalidade do acto de liquidação impugnado, a de esclarecer se o Requerente, no âmbito do presente processo arbitral, poderá obter a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios relativamente à quantia por si entregue em excesso.
3.2. Da incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS com do Direito da União Europeia
Como vimos, a Requerida, com base na declaração de rendimentos do Requerente, aplicou a taxa de tributação de 28% às mais-valias por ele auferidas com a alienação dos Imóveis, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS, tomando essas mais-valias pela totalidade do seu montante.
Como também foi visto, a alínea b) do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS expressamente refere que as mais-valias imobiliárias, salvo a excepção referida na alínea a) do mesmo preceito, são apenas consideradas em 50% do seu valor quando auferidas por residentes em território português.
Ora, entende o Requerente que este diverso tratamento tributário, distinguindo residentes em território português de residentes noutros Estados-Membros da União Europeia é objectivamente discriminatório, não se justificando à luz da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE.
Defende-se a Requerida dizendo que sempre terão os residentes noutros Estados-Membros da União Europeia a possibilidade de optarem por um regime de tributação em tudo idêntico ao aplicável aos residentes em território português, nos termos do disposto nos números 14 e 15 do artigo 72.º do Código do IRS [números 9 e 10 à data da alienação dos Imóveis pelo Requerente].
Tem neste aspecto razão o Requerente. A existência desta opção não afasta a invalidade do regime objectivamente discriminatório na base do qual foi praticado o acto de liquidação de IRS mediatamente impugnado nos presentes autos arbitrais.
Na verdade, a tributação em sede de IRS dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal por não residentes neste território, mas residentes noutro Estado-Membro da União Europeia, pode dar-se por dois regimes fiscais diversos:
• O regime que tributa esses rendimentos a uma taxa especial de 28%; e
• O regime aplicável aos contribuintes residentes em território português, pelo qual os mesmos rendimentos ficam sujeitos às taxas progressivas previstas no n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRS.
No primeiro dos regimes, as mais-valias são consideradas pelo seu montante total. No segundo, essas mais-valias são consideradas apenas em metade do seu valor, mas levam em consideração todos os rendimentos auferidos pelos sujeitos passivos, mesmo os obtidos fora de Portugal.
Como tem sido notado, a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes em território português um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não sendo a opção de equiparação susceptível de excluir a discriminação em causa. Assim se tem decidido em várias decisões arbitrais, como por exemplo as prolatadas nos processos 74/2019-T; 208/2019-T; 438/2019-T; 771/2019-T e 904/2019-T, para referir apenas algumas das mais recentes.
O Supremo Tribunal Administrativo também já apreciou a questão que constitui o cerne dos presentes autos. Assim, recentemente, este tribunal superior, por acórdão proferido a 20.02.2019, no âmbito do processo 0901/11.0BEALM 0692/17, decidiu nos seguintes termos:
«O acto tributário, aqui em discussão, resultou da aplicação, pela Autoridade Tributária, do disposto no n.º 2 do Art. 43.º, do CIRS, em que o saldo apurado entre as mais-valias e as menos valias respeitantes às transmissões efectuadas, por residentes, previstas na alínea a), do n.º 1 do Art. 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor, daí resultando que tal redução não se aplica quando estejam em causa, como aqui acontece, não residentes. Com efeito, está em causa uma mais-valia percebida por dois sujeitos passivos que não residiam em Portugal mas na Bélgica daí que em face daquele dispositivo legal a mesma não pôde ser considerada apenas em 50% do seu valor, mas sim pela sua totalidade, interpretação que se infere da referida norma legal a contrario sensu.
A sentença recorrida desconsiderou a aplicação da referida norma com o entendimento de ser ela violadora do direito comunitário na medida em que tributa de forma diferente, e, menos favorável, os cidadãos comunitários não residentes no território nacional por comparação com a tributação que efectuaria aos cidadãos comunitários aqui residentes, assente exclusivamente no seu local de residência. A Autoridade Tributária considera que “tal norma legal não viola nem discrimina os direitos dos não residentes, por contraposição aos residentes em Portugal, porquanto os Estados-Membros da União Europeia, em matéria de impostos directos (IRS), têm competência para legislar e exercer a sua jurisdição fiscal, de conformidade com as leis tributárias vigentes no seu ordenamento jurídico-tributário, que, no caso de Portugal, se rege pelo estatuído na alínea i), do n.º 1, do art. 165.º, da CRP - Reserva de Lei da Assembleia da República em matéria fiscal”.
O art. 56.º do TCE (actual 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais, entre Estados-Membros - são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros.
O TJUE em acórdão de 11/10/2007, proferido no processo C-443/06, declarou que: “O artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.”
(…)
Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”
Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da UE, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da UE.
Contrariamente ao alegado pela recorrente, em face do que se expôs apenas pode concluir-se que o acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia [actual art.º 63.º do TFUE], enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo).
O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo repetidamente a adoptar este entendimento que foi integralmente acolhido pela sentença recorrida que, não enferma, pois, dos vícios que lhe vinham apontados, impondo-se a sua confirmação.»
Assim, tudo visto e ponderado, parece resultar claro que o acto de liquidação posto em crise, por se ter fundado na interpretação de que o n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS só é aplicável aos residentes em território português, é ilegal e como tal deve ser anulado, mesmo que se dê aos residentes noutros Estados-Membros da União Europeia, como o Código do IRS dá, a possibilidade de eles serem tributados como se residentes em Portugal fossem, por sua opção. Ainda que essa opção fosse exercida, é manifesto que os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia não estariam nas mesmas condições em que estão os residentes em território português, já que poderiam ver-se na situação de terem a totalidade dos seus rendimentos tributados em dois Estados diversos, o que não sucederia nunca com os residentes em território português.
3.3. Dos juros indemnizatórios
A alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT dispõe que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está de harmonia com o previsto no art.º 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.
Não se ignora que a autorização legislativa concedida ao Governo pelo art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na base da qual foi aprovado o RJAT, determina que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Ainda que as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT fundem a competência dos tribunais arbitrais em “declarações de ilegalidade”, parece razoável o entendimento segundo o qual se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo certo que nos processos de impugnação judicial, para além da anulação de actos tributários, podem ser apreciados pedidos de indemnização, desde logo relativos a juros indemnizatórios.
Com efeito, o princípio da cognoscibilidade dos pedidos de indemnização, em reclamação graciosa ou em processo judicial, justifica-se sempre que o dano que se pretende ver ressarcido resulte de facto imputável à Administração Tributária e Aduaneira. Aliás, nos termos do n.º 5 do art.º 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” (CPPT), o que remete para as manifestações desse princípio que encontramos no n.º 1 do art.º 43.º da LGT e no art.º 61.º do CPPT.
Assim, justifica-se a apreciação do pedido de pagamento de juros indemnizatórios feito pelo Requerente.
São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Considera-se erro imputável aos serviços aquele que não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos, de facto ou de direito, que não sejam da responsabilidade do contribuinte. Ora, aquando da prática do acto de liquidação controvertido, a administração tributária e aduaneira conhecia ou não podia ignorar que a prática desse acto violaria as regras legais aplicáveis. Portanto, não há dúvida ter havido, para estes efeitos, erro imputável aos serviços.
Estando provado que o Requerente pagou prestação tributária que pela liquidação reclamada e ora anulada lhe foi, por erro imputável aos serviços, exigida, tem ele direito não apenas ao reembolso do que pagou indevidamente, mas ainda a perceber juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento até ao seu integral reembolso.
4. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:
a) Julgar totalmente procedente o pedido (mediato) de declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial do acto de liquidação de IRS n.º 2019..., no valor de € 10.612,84 (dez mil seiscentos e doze euros e oitenta e quatro cêntimos), referente ao ano de 2018;
b) Condenar a Requerida, a reembolsar o Requerente, conforme por ele peticionado, o que pagou em excesso, a apurar em execução de julgado e, bem assim, a pagar-lhe juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data do pagamento da quantia em excesso, até à data de integral reembolso; e
c) Condenar a Requerida nas custas.
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto no n.º 4 do art.º 395 e no n.º 2 do art.º 306.º, ambos do CPC, no art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 5.306,42 (cinco mil trezentos e seis euros e quarenta e dois cêntimos).
6. Custas
Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.
Lisboa, 7 de Dezembro de 2020
O Árbitro
(Nuno Pombo)
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.