Sumário:
I. Nos termos da alínea e) do n.° 1 e n.° 7, ambos do artigo 7.° do CIS, estão isentas de imposto, quando nelas intervenham, os sujeitos ali identificados, que são as instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária.
II. Esta isenção, à semelhança de todas as outras, enquadra-se no conceito de benefício fiscal fechado, protegido por uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, que não admite violação da coerência sistemática que rege o sistema fiscal e todo o ordenamento;
III. Não é possível extrair da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de "instituição financeira".
IV. A ausência dos referidos requisitos conduz à impossibilidade de ser atribuída, a qualquer SGPS, a isenção de Imposto do Selo nos termos previstos na alínea e) do n.ºs 1 e 7 do artigo 7.° do CIS.
Os árbitros Fernanda Maças (árbitro presidente), Guilherme W. d’Oliveira Martins e Maria do Rosário Anjos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – RELATÓRIO
1. No dia 21-01-2020, A... SGPS, LDA., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., Piso..., sala..., ...-...Lisboa, estando abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de Lisboa ... (doravante “A... SGPS” ou requerente), vem, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, apresentar pedido de constituição de Tribunal arbitral, para anulação da liquidação de imposto do selo (doravante IS) sobre operações de crédito a seguir indicadas:
No valor total de €1.026.049,57 (um milhão e vinte e seis mil euros e quarenta e nove euros e cinquenta e sete cêntimos).
A requerente suportou este valor a título de Imposto do Selo sobre operações de crédito, designadamente conforme previsto na verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”), com referência, entre outros, aos meses de junho e dezembro de 2017 e junho de 2018.
2. É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
3. A Requerente fundamenta o seu pedido, em síntese alegando que é uma sociedade gestora de participações sociais, regulada pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, que no âmbito da sua atividade tem vindo a recorrer a financiamento junto de instituições de crédito, como sucedeu nos termos do quadro supratranscrito.
No quadro dos financiamentos realizados com o Banco B..., C... e D... liquidaram imposto do selo, na qualidade de sujeitos passivos, que fizeram repercutir na esfera da jurídica da Requerente enquanto entidade mutuária, que veio a suportar integralmente o imposto.
Invoca, no entanto, que a liquidação é ilegal na medida em que a situação do caso se encontra coberta pela isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo, pois considera que enquanto sociedade gestora de participações sociais subsume-se como uma instituição financeira ao abrigo da legislação europeia e enquadra-se, em especial, na definição de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/UE e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/2013.
Sendo que, relativamente a sociedades gestoras de participações, esta última norma de direito europeu apenas exclui do conceito de instituições financeiras as “sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”, o que requer, segundo o disposto neste preceito, que pelo menos uma das filiais da sociedade gestora de participações, seja uma empresa de seguros ou de resseguros, o que não é aplicável ao caso. Sustenta, ainda, que B..., a C..., o E..., a F..., e o G... (atualmente, H..., S.A.), todas entidades domiciliadas em Estado Membro da União Europeia, mais especificamente Portugal e os créditos em causa foram concedidos a uma sociedade também ela domiciliada num Estado Membro da União Europeia, mais especificamente Portugal, que se reconduz a um dos tipos de instituição financeira de entre os previstos na legislação comunitária, mais especificamente ao tipo “sociedade gestora de participações”, a norma do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo.
Invoca um conjunto de decisões arbitrais que, no seu entender, sufragam esta posição. Já na pendência do processo veio juntar as Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 911/2019-T e 819/2019-T.
4. A Autoridade Tributária, na sua resposta, defende a legalidade dos atos tributários praticados e alega, em síntese, que o legislador do Código do Imposto do Selo precisa que as sociedades ou entidades mutuárias, para efeito da isenção, devem, em atenção à sua forma e objeto, preencher os tipos de “instituições financeiras”, “instituições de crédito” ou de “sociedades financeiras”.
Por isso, não basta remeter para a expressão “empresa cuja atividade principal é a aquisição de participações” que surge na definição de «instituição financeira» apresentada na Diretiva n.º 2013/36/UE, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, importando ainda indagar se aquela expressão cobre qualquer sociedade gestora de participações sociais.
No seu entender, o que caracteriza as sociedades gestoras de participações sociais é a exclusividade do objeto, que consiste na gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas.
Sendo que, por remissão do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22), da Diretiva 2013/36/EU, o Regulamento (UE) n.º 575/2013” entende por “instituição financeira” uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas nos pontos 2 a 12 e 15 do Anexo I da Diretiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na aceção da Diretiva 2007/64/CE relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g), da Diretiva 2009/138 /CE.
Por outro lado, o legislador nacional, quando procedeu à transposição da Diretiva 2013/36/UE para o ordenamento jurídico nacional, parece ter interpretado a expressão «uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações» como correspondendo a sociedades gestoras de participações sociais, mas circunscritas, às “sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, incluindo as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas”, onde não se enquadra a Requerente (artigo 117.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras).
Conclui, assim, que a Requerente não preenche o tipo de “instituição financeira” previsto no direito europeu porque não tem por objeto a aquisição e gestão de participações em sociedades qualificadas como instituições de crédito, empresas de investimento, entidades cujo acesso e exercício de atividade e os respetivos requisitos de supervisão são regulamentados pela Diretiva 2013/36/UE e Regulamento (UE) n.º 575/2013. Pelo que, são de manter as decisões administrativas anteriores sobre esta matéria, bem assim como as liquidações de imposto impugnadas, devendo o pedido arbitral ser considerado totalmente improcedente.
5. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 20-01-2020, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 27-01-2020. Em 10-03-2020, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
6. As partes devidamente notificadas dessa designação, em 11-03-2020, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, pelo que o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 06-07-2020.
Por força da legislação introduzida pela Lei 1-A/2020, de 19.03, alterada pela Lei 4-A/2020, de 06.04 (legislação COVID 19), ocorreu uma suspensão de todos os prazos judiciais em curso nos tribunais judiciais e arbitrais, a qual se suspendeu, apenas, com a entrada em vigor da Lei 16/2020, de 29.05.2020. Esta última Lei veio, nomeadamente, dar por finda a suspensão dos prazos judiciais e administrativos e regular a realização presencial ou através de meios de comunicação à distância de diligências judiciais ou procedimentais, alterando o regime que havia sido fixado pelo artigo 7.º da Lei 1-A/2020, de 19.03, alterada pela Lei 4-A/2020, de 06.04. Como resultado do regime previsto no artigo 7º da supra referida Lei 1-A/2020, de 19.03, alterada pela Lei 4-A/2020, de 06.04, os prazos estiveram suspensos, o que justifica o decurso de tempo entre a notificação da aceitação dos Árbitros designados e a constituição do Tribunal arbitral coletivo a qual teve de aguardar o prazo para pronúncia das partes sobre a nomeação.
7. O tribunal arbitral coletivo ficou, assim, constituído em 06-07-2020. Em 08-07-2020 foi proferido despacho arbitral em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.
A AT apresentou a sua Resposta, em tempo, em 19-09-2020.
Na sua resposta veio a AT defender a improcedência do pedido de pronúncia arbitral reiterando a legalidade dos atos de liquidação impugnados pela Requerente.
Não juntou Processo Administrativo (PA).
Em 21-09-2020 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:
“1. Não havendo lugar a produção de prova constituenda, por um lado, e não tendo sido suscitada matéria de exceção, por outro, o Tribunal dispensa a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que faz ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Vd. arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT.
2. Notifiquem-se ambas as partes para produzirem alegações escritas, no prazo de quinze dias a partir da notificação do presente despacho, sendo que se concede à Requerida a faculdade de, caso assim o entenda, juntar as suas alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pelo sujeito passivo.
3. Designa-se o dia 6 de Dezembro de 2021 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.
4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em formato WORD.”
8. Em 23-09-2020 veio a Requerente apresentar requerimento para junção aos autos do Acórdão arbitral nº 911/2019-T.
9. Em 02-10-2020 foi apresentado requerimento pela AT, no qual veio requer ao tribunal arbitral a junção aos autos do Acórdão proferido no processo arbitral nº 856/2019-T.
10. Em 04/10/2020 foi proferido despacho arbitral a aceitar a junção dos referidos Acórdãos, por estar em causa a mesma questão de direito em apreciação nos presentes autos.
11. Em 09-10-2020 a Requerente apresentou as suas alegações.
POSTO ISTO:
12. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre decidir.
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
a) A requerente é uma SGPS, isto é, uma sociedade gestora de participações sociais, prevista e regida pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro (e alterações subsequentes), que como tal exerce uma atividade económica de forma apenas indireta, e é uma SGPS domiciliada em Portugal;
b) Na prossecução do respetivo objeto, e no âmbito da atividade que desenvolve, a A... SGPS tem vindo a recorrer a financiamento junto de instituições de crédito, sendo que, no que respeita às liquidações de Imposto do Selo aqui em causa, é de destacar o contrato de mútuo celebrado em 1 de Julho de 2015 com o B..., a C..., o E..., a E... e o G...;
c) As instituições de crédito (na modalidade de bancos) mutuantes acima identificadas, o B..., a C..., o E..., a F... e o G... (atualmente, H..., S.A.) são também domiciliadas em Portugal, tendo o B... liquidado e entregue (ao Estado) Imposto do Selo, na qualidade de sujeito passivo, nos termos designadamente da Verba 17 da TGIS, que fez constar das suas declarações mensais de Imposto do Selo.
d) Nos termos previstos na lei e no contrato de mútuo em causa, o B..., na qualidade de “Banco Agente”, repercutiu, em seu nome e em nome das demais instituições de crédito intervenientes no referido contrato de mútuo, o encargo do referido Imposto do Selo na esfera da A... SGPS – enquanto utilizadora do crédito em causa (mutuária) –, que, por conseguinte, suportou integralmente este imposto;
e) Em suma, no âmbito das operações de crédito com o B..., a C..., o E..., a F... e o G..., o mutuário/utilizador do crédito A... SGPS suportou Imposto do Selo liquidado, nos termos supra documentados.
f) Aqui está em causa o Imposto do Selo liquidado nos meses de junho e Dezembro de 2017 e Junho de 2018, conforme quadro síntese com a segregação destes períodos que aqui se volta a reproduzir:
Data da liquidação Guia do Imposto do Selo (n.º) Natureza do Gasto Valor de Imposto
(€)
Jun/17 … Utilização de crédito bancário 353.447,62
Dez/17 … Utilização de crédito bancário 341.810,78
Jun/18 … Utilização de crédito bancário 330.791,17
TOTAL € 1.026.049,57
g) Em 21-01-2020 o Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal arbitral.
A.2. Factos dados como não provados
Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
B. DO DIREITO
Considerando tudo o que vem exposto no pedido arbitral constata-se que a única questão de direito a decidir é a de saber se o Requerente beneficia ou não da aplicação do disposto no artigo 7º do CIS, ou seja, da isenção de imposto prevista neste normativo legal.
No caso em apreço, está em causa da aplicação da isenção constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, que prevê que são isentos do respetivo imposto:
“e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;”
A interpretação dada pela A. é que enquanto sociedade gestora de participações sociais subsume-se como uma instituição financeira ao abrigo da legislação europeia e enquadra-se, em especial, na definição de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/EU e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/2013.
A Requerente fundamenta esta pretensão na circunstância de entender que lhe deve ser atribuída a qualificação de “instituição financeira”, designadamente à luz da Diretiva (EU) 2013/361/UE, de 26 de junho de 2013; do Regulamento (EU) 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, datado de 26 de junho de 2013 bem como da proposta de Diretiva "COM (2013) 71 final, de 14 de fevereiro de 2013.
Em sentido diverso, a Requerida AT considera que a Requerente não se enquadra no conceito de entidades financeiras ou instituições financeiras pelo que não pode beneficiar do regime de isenção previsto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS relativo às operações de financiamento, juros e comissões sub judice.
Cumpre decidir.
A) Da isenção de Imposto do Selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e)
A alínea e) do n.° 1 do artigo 7.° do CIS, já identificado, visa isentar as operações financeiras strictu sensu promovidas no âmbito da atividade bancária e de intermediação financeira entre instituições de crédito, sociedades financeiras, instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária. Estão em causa situações contempladas nas verbas 17 e 10 da Tabela Geral de Imposto do Selo, conforme decorre do n.° 1 do artigo 1.° do CIS, quando as entidades concedentes do crédito ou da garantia e as entidades utilizadores do crédito ou beneficiárias da garantia, umas e outras, sejam domiciliadas nos Estados Membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado.
Em linha com a jurisprudência afirmada no processo n.º 348/2016-T, do CAAD, pode concluir-se que a alínea e), do n.° 1, do artigo 7.° do CIS divide-se em duas partes, com a subdivisão de uma delas:
a) uma primeira, de natureza objetiva, onde se enunciam taxativamente "os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido";
b) a segunda, de natureza subjetiva, que se subdivide em duas secções:
a. "instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras";
b. “sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças";
O n.° 7 do artigo 7.° do CIS dispõe ainda que a isenção prevista na alínea e) do n.° 1 "apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.”
Assim, nos termos da alínea e) do n.° 1 e n.° 7, ambos do artigo 7.° do CIS, estão isentas de imposto, quando nelas intervenham, os sujeitos ali identificados, que são as instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, nas seguintes operações:
- utilização do crédito concedido;
- garantia prestada na concessão do crédito;
- juros cobrados pela concessão do crédito;
- comissões cobradas "diretamente destinadas" à concessão do crédito.
Da leitura das disposições ficamos a compreender que esta isenção, à semelhança de todas as outras, tem uma delimitação fechada. Por este modo, os benefícios fiscais como tal, saem da indisponibilidade própria do quadro normativo tributário e entram no campo da disponibilidade, fora daquilo que constitui o núcleo essencial da tributação.
Não obstante afastarem as normas de incidência, os benefícios fiscais também estão submetidos à reserva de lei, por via do n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa. Na verdade os motivos que justificam a integração dos benefícios fiscais no âmbito da exigência constitucional de reserva de lei, apesar do seu carácter desonerador, tem que ver com a excecionalidade que caracteriza os benefícios fiscais , mas também com a necessidade de uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, quando se discriminam positivamente contribuintes, sem perder de vista o princípio da coerência sistemática que necessariamente rege o sistema fiscal.
Ademais, esta excecionalidade evidenciada resulta de uma opção política de fundo centrada no incentivo individual, de natureza económica, social e cultural, do comportamento dos sujeitos passivos.
Em concreto no caso sub judice, e não obstante a inexistência de uma norma geral de incidência percebe-se que o selo visa tributar manifestações da capacidade contributiva. Deste modo, a extrafiscalidade associada aos benefícios fiscais deste imposto derroga necessariamente aquela capacidade contributiva identificada. É de assinalar, nesse sentido, que os benefícios fiscais no imposto do selo inserem-se em dois grupos:
a) o primeiro que chamamos benefícios fiscais acessórios, e que por razões de uniformidade tributária, associa a extrafiscalidade dos benefícios criados, à extrafiscalidade criada para outros impostos estaduais, como sejam o IRC e IRS.
Esta extrafiscalidade por associação não retira o valor atribuído nos outros tributos. Apenas uniformiza o tratamento dos sujeitos passivos ou contribuintes, cujo comportamento é desagravado por razões extrafiscais. Isto vem demonstrar que não é o carácter eclético do legislador no imposto do selo que impede uma determinada uniformidade no tratamento das matérias que merecem relevância extrafiscal, dado o acolhimento constitucional devido, que legitima a cedência da capacidade contributiva.
b) o segundo grupo, que abrange os benefícios fiscais exclusivos do imposto. Estes são, porém em menor número, e visam objetivos muitos concretos.
São de apontar dois exemplos: o dos benefícios respeitantes aos contratos de futuros e opções (previstos no artº 7º/1, alíneas c) e d) do CIS e os respeitantes aos contratos de reporte de valores mobiliários realizados em bolsa (previstos no artigo artº 7º/1, alínea m) do CIS). Estão aqui em causa, como legitimadores da derrogação à capacidade contributiva, os artigos 61.º e 87.º, ambos da CRP. O legislador cria, assim, condições para propiciar à celebração de determinados contratos relativos a valores mobiliários, pela remoção de barreiras, tendo em vista o financiamento de entidades públicas e privadas, atraindo o investimento interno e externo, potenciando os interesses dos adquirentes.
Com relevância para o caso concreto, o núcleo essencial do imposto, no que respeita às operações financeiras identificadas na verba 17 da Tabela Geral, é desta forma recortado pelo artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do mesmo CIS, derrogando a igualdade, pelo revestimento de um benefício ao investimento e à desoneração do crédito. E esse recorte do núcleo essencial, pelo referido benefício, determina que os elementos objetivos e subjetivos nele constantes não possam sofrer qualquer ampliação ou derrogação para além do previsto.
Por isso, desde logo, nos parece que encontrar argumentos que extravasem esta delimitação fechada de um benefício fiscal exclusivo do IS serão abusivos e desprovidos de qualquer fundamento.
B) Não se encontra preenchido o requisito subjetivo previsto no texto legal, delimitado que é por remissão para todos os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária
Ora vejamos sobre a admissibilidade e limites da remissão para todos os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária.
Na lei portuguesa não encontramos uma definição de “instituição financeira”, limitando-se o
o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei 298/12, de 31/12, a proceder à enumeração de entidades que qualifica casuisticamente como “Instituições de crédito” (artigo 3.º), “Empresas de investimento” (artigo 4.º-A) e “Sociedades financeiras” (artigo 6.º), e, no artigo 6.º n.º1, alínea b) refere que são instituições financeiras as referidas nas subalíneas ii) e iv da alínea z) do artigo 2.º-A, nas quais se incluem: i)As sociedades financeiras de crédito; ii) As sociedades de investimento; iii) As sociedades de locação financeira; iv) As sociedades de factoring; v) As sociedades de garantia mútua; vi) As sociedades gestoras de fundos de investimento; vii) As sociedades de desenvolvimento regional; viii) As agências de câmbio; ix) As sociedades gestoras de fundos de titularização de créditos; x) As sociedades financeiras de microcrédito.”
Esta opção do legislador nacional vai, aliás, no mesmo sentido do Direito das União.
Nos termos e para os efeitos do Regulamento (EU) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, entende-se por “Instituição Financeira”: “uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/EU , incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamentos na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamentos no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE.”
1. No ponto 27) do artigo 4.º Regulamento (EU) n.º 575/2013, uma “Entidade do setor financeiro” compreende:
a) Uma instituição;
b) Uma instituição financeira;
c) Uma empresa de serviços auxiliares incluída na situação financeira consolidada de uma instituição;
d) Uma empresa de seguros;
e) Uma empresa de seguros de um país terceiro;
f) Uma empresa de resseguros;
g) Uma empresa de resseguros de um país terceiro;
h) Uma sociedade gestora de participações do setor dos seguros;
i) (…)”.
Do legislador da União retira-se que uma instituição financeira é uma empresa que não seja uma “instituição” (ou seja, uma instituição de crédito ou empresa de investimento – artigo 4.º , n.º1, 3), e cuja atividade principal seja a gestão de participações sociais em empresas que desenvolvam atividades no setor bancário e financeiro ( as atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/EU).
Elemento não menos importante reside no facto de tais entidades ficarem sujeitas ao regime jurídico desta Diretiva e do Regulamento (UE) n.º 575/2013, a seguir tão só “Regulamento”.
Com efeito, o que o intérprete não pode deixar de ter em vista, na interpretação de qualquer conceito ou definição, é o objeto dos diplomas mencionados. Ora, o “Regulamento” é muito claro ao estatuir que o mesmo visa estabelecer” regras uniformes em matéria de requisitos prudenciais gerais que as instituições sujeitas à supervisão ao abrigo da Diretiva 2014/36/UE cumprem… (…)” (artigo 1.º do “Regulamento), bem como a estabelecer que “Para efeitos do cumprimento do presente regulamento, as autoridades competentes dispõem dos poderes e respeitam os procedimentos estabelecidos na Diretiva 2013/36/UE.”
Por sua vez, no Considerando (5) do Regulamento (UE) n.º 575/2013, podemos ler:
“Conjuntamente, o presente regulamento e a Diretiva 2013/36/UE deverão constituir o enquadramento jurídico que rege o acesso à atividade, o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento (a seguir conjuntamente designadas por “instituições”. Por conseguinte, o presente regulamento deverá ser interpretado em conjunto com a referida diretiva.”
Por sua vez, no Considerando (6), lê-se:
“A Diretiva 2013/36/UE, baseada no artigo 53.º, n.º1, do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia (TFUE), deverá, nomeadamente, conter as disposições relativas ao acesso à atividade das instituições, às modalidades do seu governo e ao seu quadro de supervisão, tais como as disposições que regem a autorização da atividade, a aquisição de participações qualificadas, o exercício da liberdade de estabelecimento e da liberdade de prestação de serviços, aos poderes das autoridades competentes do Estados -Membros de origem e de acolhimento nesta matéria e as disposições que regem o capital inicial e a supervisão das instituições.”
Destaca-se, ainda, o Considerando (7) que refere:”
“O presente regulamento deverá, nomeadamente, conter os requisitos prudenciais aplicáveis às instituições que estão estritamente relacionadas com o funcionamento do mercado bancário e do mercado de serviços financeiros e que se destinam a garantir a estabilidade financeira dos operadores nesses mercados, bem como um elevado nível de proteção dos investidores e dos depositantes. O presente regulamento visa contribuir de forma determinada para o bom funcionamento do mercado interno (…)”.
Mais impressivo são, ainda, como vimos, os preceitos referentes ao estabelecimento de regras uniformes em matéria de requisitos prudenciais gerais, bem como os poderes de supervisão estabelecidos na Diretiva 2013/36/UE.
Do exposto resulta que as entidades abrangidas pelos diplomas comunitários mencionados se encontram sujeitas a um regime especial, com vista a prevenir, atenta a natureza da sua atividade, com potencial gerador de risco sistémico, para garantir a estabilidade financeira do mercado bancário e do mercados dos serviços financeiros, assim como proteger os investidores e depositantes.
Aplicando o exposto ao caso em análise, alega a Requerente que, para financiar as suas participadas, recorre a financiamentos designadamente através da celebração de contratos de mútuo junto de instituições de crédito (B..., C..., E..., etc.).
Não oferece dúvida que, se tivermos por referência os sujeitos passivos mutuantes em causa, os mesmos preenchem o conceito de instituição de crédito sendo que, no caso das instituições de crédito portuguesas, são qualificadas como bancos. Conforme resulta da alínea w), do artigo 2.° A, e artigo 4.°, do RGICSF, são definidas como instituições de crédito, os bancos, as caixas económicas, a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo e as caixas de crédito agrícola mútuo, as instituições financeiras de crédito, as instituições de crédito hipotecário e outras empresas que, correspondendo à definição do artigo anterior, como tal sejam qualificadas pela lei.
Diferentemente se passam as coisas em relação à Requerente.
Aqui chegados importa, assim, qualificar a Requerente, enquanto Sociedade Gestora de Participações Sociais, entidade sobre a qual recai o encargo do imposto liquidado pelas operações de financiamento em causa, conforme alíneas e), f) e g) do n.° 3 do artigo 3.° do CIS, a fim de determinar se estas podem beneficiar da isenção consagrada na alínea e) do n.° 1 do artigo 7.° do CIS.
Trata-se, por outras palavras, de perceber se o disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) e n.º 7 do CIS se aplica à Requerente.
As Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS) são reguladas pelo disposto no Decreto-Lei n° 495/88, de 30 de dezembro. Este DL define o regime jurídico das SGPS’s, que devem conter a menção «sociedade gestora de participações sociais» ou a abreviatura SGPS, considerando-se uma ou outra dessas formas indicação suficiente do objeto social.
As sociedades gestoras de participações sociais têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas.
Não se identifica no regime jurídico das SGPS’s, que as mesmas tenham uma atividade económica direta.
Assim, e como decorre do artigo 1.°, as SGPS’s "têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, corno forma indireta de exercício de atividades económicas", não se verificando nenhuma atividade bancária e financeira que as qualifique como instituições financeiras.
Quanto à forma de constituição das SGPS’s, refira-se que não há dependência de qualquer autorização prévia, embora se estabeleça o dever de comunicação, enquanto a forma de fiscalização fica limitada à verificação da manutenção dos requisitos que a lei exige para a definição do seu tipo e para a atribuição dos benefícios de natureza fiscal, sendo a Inspeção-geral de Finanças, a entidade a quem compete a supervisão das SGPS’s, nos termos dos artigos 9.° e 10.° do Regime Jurídico das SGPS.
Assim, a criação de SGPS’s não obedece às mesmas regras que obedecem a constituição de instituições financeiras, pois é, na sequência do Direito Europeu mencionado, que o RGICSF estabelece, em Portugal, as condições de acesso e de exercício de atividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras, bem como o exercício da supervisão destas entidades, respetivos poderes e instrumentos.
O exercício da atividade financeira em Portugal encontra-se reservado às entidades para tal autorizadas ou habilitadas pelo Banco de Portugal, no quadro do regime do Mecanismo Único de Supervisão (cfr. Regulamento (UE) n.º 1024/2013 do Conselho de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito e Regulamento (UE) n.º 468/2014 do Banco Central Europeu de 16 de abril de 2014, que estabelece o quadro de cooperação no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão (MUS).
Significa isto que o exercício desta atividade é apenas permitido a entidades que foram objeto de um processo de autorização ou habilitação (este, no caso de instituições financeiras autorizadas noutros Estados Membros da União Europeia), realizado junto do Banco de Portugal, no quadro do MUS.
No âmbito deste processo, é assegurada a observância de uma série de requisitos que asseguram a solvabilidade e a capacidade da entidade e dos membros dos principais órgãos sociais para prosseguirem a atividade financeira.
Neste quadro, o RGICSF prevê que o exercício de atividade financeira por entidade não autorizada ou habilitada pode constituir crime, sendo uma contraordenação grave, punível, entre outras sanções, com coima, de acordo com aquele regime.
No quadro exposto, a Requerente não é uma entidade financeira - nem sequer numa interpretação lato sensu -, não exerce nenhuma atividade bancária, nem atua no mercado bancário ou dos serviços financeiros, não estando, por isso, sujeita a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do Banco Central Europeu (BCE) no âmbito da sua atividade.
Realce-se que a Requerente não cabe sequer no artigo 117.º do RGICSF, nos termos do qual “só ficam sujeitas à supervisão do Banco de Portugal as sociedades gestoras de participações sociais quando as participações detidas, direta ou indiretamente, lhes confiram a maioria dos direitos de voto em uma ou mais instituições de crédito ou sociedades financeiras”. Além de se tratar de uma norma de direito nacional, com finalidade de natureza estritamente prudencial, a Requerente, atento o seu objeto, não se subsume sequer no seu âmbito.
Invoca a Requerente jurisprudência do CAAD, a saber, a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 911/2019-T e a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 819/2019-T, como contendo argumentos válidos para considerar esta isenção como sendo aplicável a esta entidade.
No entanto os argumentos neles contidos, salvo o devido respeito, interpretam grosseiramente o ordenamento jurídico no sentido de que a norma do artigo 7.º, n. º1, alínea e) do CIS remete para um conceito europeu de instituição financeira, que não encontra guarida nos normativos europeus aplicáveis. Na realidade, como ficou demonstrado, a remissão do conceito que é feita naquelas decisões arbitrais à Diretiva 2013/36/UE e ao Regulamento UE 575/2013, desconsidera por completo que os instrumentos financeiros têm como objeto o sector bancário e as entidades sujeitas à supervisão bancária, pelo que tais instrumentos não podem abranger (nem abrangem) simples SGPS.
No mesmo sentido, na interpretação de qualquer definição, incluindo a de “participação” (constante do artigo 4.º, do “Regulamento”) não nos podemos alhear que as mesmas são instrumentais à aplicação deste normativo, ou seja, tornar efetivo o seu âmbito e regime jurídico artigo 4.º, n.º1, do “Regulamento”. A definição de participação, sobretudo relevante para efeitos de supervisão prudencial, não pode, assim, deixar de referir-se às que são detidas pelas entidades que atuam no mercado bancário e financeiro, nos termos e para os efeitos dos diplomas acima mencionados. Para esse efeito basta atentar nas definições de Companhia financeira e Companhia financeira mista [cfr. artigo 4.º, pontos 20) e 21) do “Regulamento” ].
Argumenta a Requerente que: “Por referência justamente às sociedades gestoras de participações, a norma comunitária em referência apenas exclui do conceito de instituições financeiras as “sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE” [ ver artigo 4.º , 26) do “Regulamento”] .
Ou seja, na ótica da Requerente, se a norma comunitária se limita a excluir expressamente estas entidades do conceito de instituição financeira, então é porque todas as outras integram o conceito de instituição financeira. Ora, esta interpretação não tem o mínimo apoio literal, sistemático nem teleológico dos preceitos em causa. Repete-se, a interpretação da norma tem de ter em conta que estamos a tratar de entidades que, pela sua atividade, estão sujeitas aos requisitos prudenciais e regime de supervisão a que se refere o “Regulamento”, no domínio do setor bancário e financeiro, como ficou dito.
Finalmente, também não tem qualquer paralelo o “papel de intermediação do financiamento da participada”, que a Requerente alega, confrontado com aquele que é exclusivamente desempenhado pelas instituições de crédito – “atividade de receção, do público, de depósitos ou outros fundos reembolsáveis, para utilização por conta própria” (artigo 8.º do RGICSF).
Em síntese, podemos concluir que a Requerente, enquanto entidade meramente gestora de participações sociais, não preenche os requisitos que levam a classificar uma entidade como instituição financeira, a saber: i) O formal (pois não consta da enumeração dos diplomas Europeus mencionados, nem do nacional); e ii) O material, uma vez que a sua atividade não releva do mercado bancário e financeiro, de modo a convocar a aplicação do regime de supervisão constante da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013 e o RGICSF.
Assim sendo, tal como se conclui na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 586/2019-T, não é possível extrair regime jurídico do RGICSF ou da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de "instituição financeira".
A ausência dos referidos requisitos conduz à impossibilidade de ser atribuída, a qualquer SGPS, a isenção de Imposto do Selo nos termos previstos na alínea e) do n.ºs 1 e 7 do artigo 7.° do CIS.
Assim, não ocorre, por tudo isto, a violação de lei invocada pela Requerente:
a) Não só porque o conceito de benefício fiscal (no qual se enquadra o artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS) é fechado, protegido por uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, que não admite violação da coerência sistemática que rege o sistema fiscal e todo o ordenamento;
b) Mas também porque que não é possível extrair de todo do regime jurídico do RGICSF ou da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de "instituição financeira".
C. Quanto às questões de inconstitucionalidade
Nas alegações veio a Requerente suscitar que a orientação da Requerida ao pretender corrigir qualquer putativa deficiência em norma que brigue com o quantum do imposto devido, é indevida, porquanto só o legislador pode corrigi-la, alterando para o efeito a lei.
E não é qualquer legislador, porquanto as leis nestas matérias de impostos e benefícios fiscais estão abrangidas pela reserva de lei da Assembleia da República.
Seria, pois, inconstitucional a norma que permitisse tal correção por quem tem mera função de intérprete e aplicador da lei. A incidência e o afastamento da incidência dos impostos via benefícios fiscais são, constitucionalmente falando, reserva de lei da Assembleia da República, como tal insuscetíveis de serem modificadas casuisticamente por via administrativa ou outra, a pretexto de que, no critério do aplicador da lei a Assembleia da República devia ter legislado assim, ou assado, e não o fez.
E mais ainda, o artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, na redação em vigor à data dos factos (2017 e 2018), é inconstitucional quando interpretado (conforme pretendido pela AT) no sentido de excluir da lista de mutuárias suscetíveis de beneficiar da isenção, na qualidade de instituições financeiras, as sociedades gestoras de participações sociais, num contexto em que é interpretado como incluindo os fundos de investimento imobiliário, as simples sociedades de gestão de fundos de investimento, os fundos de capital de risco, etc., por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proibição de soluções arbitrárias, (artigos 2.º - Estado de direito – e 13.º, da Constituição).
Não assiste à Requerente qualquer razão quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas.
Como fiou demonstrado, o resultado interpretativo a que se chegou é o que resulta da conjugação dos elementos interpretativos de ordem literal, sistemático e teleológico e não viola quaisquer normas ou princípios constitucionais. Pelo contrário, a acolher-se a tese da Requerente, no sentido de poder ser classificada como uma instituição financeira, é que conduziria o Tribunal a criar verdadeiramente uma norma que não existe nem na nossa jurídica nem na comunitária, com violação do princípio da separação de poderes.
Também não colhe qualquer violação do princípio da igualdade. Repare-se no absurdo da Requerente ao pretender colocar-se em pé de igualdade, na aplicação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, tal como acontece com os seus mutuários, quando a mesma, pela sua natureza e atividade, não está sujeita aos requisitos e regime jurídico especialmente exigente em matéria de preenchimento de regras prudenciais, a que estão sujeitas as entidades submetidas à Diretiva e ao “Regulamento”. Entre essas regras, temos, repete-se, as disposições relativas ao acesso à atividade das instituições, às modalidades do seu governo e ao seu quadro de supervisão, e, ainda, as disposições que regem a autorização da atividade, a aquisição de participações qualificadas, etc. Regime este que, como vimos, se encontra justificado, na valoração feita pelos legisladores, quer da União, quer nacional, a garantir a estabilidade do mercado bancário e financeiro.
C. DECISÃO
Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral:
a. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
b. Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €1.026.049,57, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €14.382,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 19 de novembro de 2020
O Árbitro Presidente
(Fernanda Maças)
O Árbitro Vogal
(Prof. Doutor Guilherme W. d’Oliveira Martins)
O Árbitro Vogal
(Prof. Doutora Maria do Rosário Anjos)