Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 775/2019-T
Data da decisão: 2020-12-02  IRC  
Valor do pedido: € 48.488,46
Tema: IRC – Perdas por imparidade em inventários; Comprovação e indispensabilidade de gastos fiscais.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I - Relatório

1. A..., LDA., titular do número de pessoa coletiva..., com sede na Avenida ...  n.º ..., ...-... Porto (doravante designado por “Requerente”) apresentou, em 18-11-2019, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

2. O Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista a declarar a ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa deduzida pelo Requerente relativamente à liquidação adicional de IRC, referente ao ano de 2014, e, bem assim a declaração de ilegalidade do referido ato tributário de liquidação adicional de IRC e dos respetivos juros compensatórios, no montante de € 48.488,46 (quarenta e oito mil quatrocentos e oitenta e oito euros e quarenta e seis cêntimos), ordenando-se o reembolso ao Requerente da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento até à data do efetivo reembolso.

3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) (adiante designada por “Requerida”).

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 25-11-2019.

5. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.

6. O Requerente foi notificado, em 20-11-2019, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

7. O Requerente, em 26-11-2019, juntou o documento n.º 6 ao pedido de pronúncia arbitral e renumerou os documentos juntos com o referido pedido.

8. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 10-02-2020.

9. A Requerida foi notificada através do despacho arbitral, de 10-02-2020, para os efeitos previstos no artigo 17.º da RJAT.

10. A Requerida, em 16-03-2020, apresentou a Resposta e, em 27-11-2020, remeteu o Processo Administrativo.

11. O Tribunal Arbitral por despacho, de 23-03-2020, notificou o Requerente para, no prazo de 5 dias, se pronunciar sobre o pedido de dispensa da prova testemunhal apresentado pela AT na Resposta e, caso mantivesse interesse na produção da prova testemunhal, indicar os fatos sobre os quais pretenderia inquirir as testemunhas. O Requerente não se pronunciou.

12. O Tribunal Arbitral por despacho, de 16-06-2020, dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e marcou para o dia 31 de julho de 2020 a data limite para a prolação da decisão arbitral, conforme despacho que se encontra nos presentes autos arbitrais e que se dá, para todos os efeitos, como integralmente reproduzido.

13. O Requerente, em 17-06-2020, reafirmou o interesse na inquirição das testemunhas e indicou os factos constantes do pedido de pronúncia arbitral sobre os quais pretenderia produzir a prova.

14. O Tribunal Arbitral, por despacho de 07-07-2020, considerando o requerimento do Requerente, identificado no n.º anterior, e não pretendendo limitar a produção de prova do Requerente revogou o despacho arbitral, de 16-06-2020, e notificou ambas as partes para, no prazo de 5 dias, se pronunciarem sobre a possibilidade da inquirição das testemunhas ser realizada por teleconferência e indicarem as datas do mês de setembro com disponibilidade para participarem na diligência. Ambas as partes não se pronunciaram.

15. O Tribunal Arbitral, por despacho de 02-08-2020, designou o dia 1 de outubro, às 10 horas, para a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e para a inquirição das testemunhas.

16. O Tribunal Arbitral, por despacho de 06-08-2020, decidiu prorrogar por mais dois meses o prazo para a prolação da decisão arbitral, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT.

17. O Requerente, em 19-08-2020, requereu o adiamento da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT alegando justo impedimento por parte do mandatário para estar presente na diligência.

18. O Tribunal Arbitral, por despacho de 20-08-2020, notificou a AT para se pronunciar, querendo, relativamente ao requerimento do Requerente, identificado no n.º anterior. A AT não se pronunciou.

19. O Tribunal Arbitral, por despacho de 10-09-2020, deferiu o requerimento do Requerente, de 19-08-2020, e determinou o dia 16 de outubro, às 14h, como data para a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e para a inquirição das testemunhas.

20. O Requerente, em 14-10-2020, requereu que a testemunha B... fosse inquirida por teleconferência a partir da sua residência em Londres e, em 15-10-2020, requereu a substituição da testemunha C... por D... .

21. O Tribunal Arbitral, em 16-10-2020, procedeu à realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT tendo: (i) após ouvir a AT deferido os requerimentos apresentados pelo  Requerente em 14-10-2020 e 15-10-2020; (ii) procedido à inquirição das testemunhas: E..., F..., G..., H..., B... e D...; (iii) O Tribunal notificou também o Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem as alegações escritas no prazo de 10 dias; (v) Foi designado o dia 30-11-2020 como data para a prolação da decisão arbitral, conforme ata que se encontra nos presentes autos arbitrais e que se dá, para todos os efeitos, como integralmente reproduzida.

22. O Requerente apresentou, em 16-10-2020, as alegações acompanhadas de um documento.

23. A AT não apresentou alegações.

24. A posição do Requerente, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral e nas alegações, é, em síntese, a seguinte:

24.1. O thema decidendum encontra-se, circunscrito à apreciação da (i)legalidade dos atos tributários de liquidação adicional do IRC referentes ao exercício de 2014, que resultam da desconsideração dos gastos contabilizados e declarados para efeitos fiscais na sequência do procedimento inspetivo realizado pela AT. Efetivamente, o Requerente não se conforma com as correções feitas quanto às: (1)  Perdas em inventário; (2) Obras na moradia sita na Avenida ...; e (3) Faturas que não cumprem os requisitos formais.

24.2. Quanto às perdas em inventário, perante um contexto económico adverso e ao inerente mau desempenho de vendas o Requerente selecionou em 2013 e 2014 algumas peças para avaliação por existirem concretas dúvidas que o valor de inventário estaria completamente desajustado do valor de mercado. Para tal solicitou parecer técnico a entidade avaliadora reputada – B...- membro, desde 1990, da prestigiada “British ...”, e autor de várias obras, com dedicação especial, desde 2005, às peças de porcelana chinesa encomendada pelos Portugueses.

24.3. Atendendo à especificidade do setor das antiguidades e obras de arte, o Requerente entendeu ser B... aquele que teria maior autoridade para a determinação do valor razoável líquido das peças selecionadas, fazendo-se assim cabal cumprimento do estabelecido no §5 da NCRF 12 - Imparidade de Ativos, ou seja a entidade, em cada data de relato, deve avaliar se há qualquer indicação de que um ativo possa estar com imparidade, devendo, no caso afirmativo, estimar a quantia recuperável do mesmo, sendo certo que o deve fazer com imediato reconhecimento nos resultados, como foi o caso.

24.4. Da avaliação não resulta para o Requerente qualquer ganho, nem para a AT qualquer prejuízo, até porque efetivamente, nem com redução do preço, grande parte das peças foi vendida. Pelo que, a desconsideração do custo fiscal respeitante às perdas por imparidade registadas no exercício de 2014, enferma de vício de violação de lei, por violação do princípio da justiça. É por isso ilegal e desprovida de qualquer suporte legal, tanto mais que é feita com base em presunções e meias verdades, determinadas por amostragem tendenciosa. Assim, tem a liquidação adicional de ser anulada já que a mesma desconsidera um gasto relacionado com perdas em inventário de forma ilegal e infundamentada;

24.5. Quanto às obras na moradia sita na Avenida ..., o Requerente registou despesas com obras na sua sede no valor de €10 109,35 (dez mil, cento e nove euros e trinta e cinco cêntimos) destinadas a manter o espaço da sede apto a cumprir o pressuposto para o qual o investimento foi decidido: imagem e projeção da sociedade, receção e expedição de bens, realização de eventos e reuniões adequados às condições atuais do espaço e à posição social dos clientes, fornecedores e parceiros. Ora, não existia qualquer evidência que fundamente a dúvida que aquela morada é a sede do Requerente e que o mesmo ai exerce a sua atividade comercial.

24.6. O espaço sempre esteve apto para ser usado, apesar do Sujeito Passivo assumir que as obras se estendem há mais tempo do que o desejado, mas tal é apenas motivado facto dos resultados da sociedade estarem em queda nos últimos anos, o que obriga a que se adiem ou atrasem trabalhos de conclusão da obra. Assim, a realização de pequenas reparações e substituições de materiais não impede a prossecução de atividade desenvolvida pelo Requerente, especialmente quando o mesmo descreve aquela como sendo predominantemente exercida em exposições e feiras. Assim, a sede sempre está apta a receber pessoas e bens, como recebeu efetivamente.

24.7. Quanto às faturas que não cumprem os requisitos formais, o Requerente viu igualmente o seu investimento em publicidade ser desconsiderado no apuramento de custos. Ora o Requerente conhecedor de que o seu mercado alvo é adepto de desportos de elite e das artes, optou por patrocinar um veículo automóvel que competiu no ..., bem como noutras provas e treinos de igual relevância. Os autos atestam que a publicidade é feita pela aplicação e exibição do logotipo da sociedade nos painéis laterais de uma viatura clássica de competição e ai permanecerá em testes, ensaios e corridas em circuitos abertos ao público em Braga e no Estoril, nos fins-de-semana chamados de “track Day” num número de horas nunca inferior a quarenta. O que efetivamente se cumpriu conforme fotograficamente registado.

 

24.8. Quanto ao vício de fundamentação formal e substantiva, no caso sub judice a AT decidiu excluir as despesas porque considera que as mesmas não tem cabimento no artigo 23.º do Código do IRC, por entender, designadamente, que são despesas insuficientemente justificadas ou documentadas. A AT desconsiderou os custos com fundamento em juízo e sentimento pessoal do agente. In casu inexistem os pressupostos reais, os motivos concretos suscetíveis de suportarem a decisão de exclusão para efeitos fiscais dos custos suportados pelo Requerente. Assim, os atos tributários controvertidos são ilegais por preterição de formalidades essenciais – ausência de fundamentação substantiva.

24.9. O Requerente alega também preterição de formalidades essenciais – inversão do ónus da prova. Estabelece o artigo 74.º da LGT que o ónus da prova, dos fatos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes, recai sobre quem os invoque. Ora, a AT não procedeu a uma adequada e proporcional averiguação da verdade material. Efetivamente, a AT não provou como lhe competia por força do disposto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT que as despesas registadas não têm uma relação direta com a atividade do Requerente e não se mostram documentadas. 

24.10. No caso dos autos a AT não provou os pressupostos legais, os pressupostos legitimadores da sua atuação em consequência os atos tributários controvertidos são ilegais por preterição de formalidades essências – ilegal inversão do ónus da prova.

24.11. O Requerente alega também a ilegalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito. Da prova documental produzida em relação da cada uma das correções efetuadas pela AT conclui-se que há erro sobre a perceção da realidade e consequentemente erro sobre os pressupostos de facto. Por outro lado a valoração jurídica de factos mostra-se desconforme com a realidade.

24.12. Os pressupostos de que depende a aplicação do artigo 23.º do Código do IRC mostram-se verificados. Face aos critérios de apreciação da indispensabilidade dos gastos, à luz do referido artigo 23.º, impõe-se averiguar se tais critérios se verificam em relação a cada um dos gastos colocados em crise pela AT.

24.13. Da matéria de facto provada, resulta que “situação de facto concreta” não é suscetível de afetar o direito da Requerente de ser tributada pelo lucro real, como medida da sua capacidade contributiva. Acresce que por exigência constitucional, a tributação das empresas incide, fundamentalmente, sobre o lucro real (cfr. n.º 2 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa), desdobrando-se tal princípio em duas vertentes: todos os proveitos devem integrar o objeto de tributação, e todos os gastos e custos ligados à obtenção desses proveitos deverão ser tidos em conta para cálculo do imposto. Inexistindo, por isso, fato tributário.

24.14. O Requerente foi alvo de penhora de saldos bancários. No entanto o Requerente já pagou ou concluirá o pagamento da dívida tributária que teve origem nos atos tributários controvertidos, os quais assentam em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, erro esse que é imputável aos serviços e do qual resultou o pagamento de prestação tributária superior à devida.

24.15. Assim, deve a AT ser condenada a restituir as quantias indevidamente pagas acrescidas de juros indemnizatórios devidos a favor do Requerente, desde a data do pagamento até a data da emissão da correspondente nota de crédito.

25. A posição da Requerida, expressa na resposta, pode ser sintetizada no seguinte:

25.1. Quanto aos gastos registados a título de perdas em inventários, os registos contabilísticos do Requerente estão suportados em documentos emitidos por B..., em que no documento referente ao ano de 2014 (datado de 2014-12-10) são sugeridas correções de preços aos bens acima referidos (num total de 12 bens), alegadamente em função dos valores de mercado correntes à data. Ora, constata-se que o que está em causa não são perdas efetivas, mas antes perdas potenciais, e, consequentemente, estes lançamentos não estão de acordo com a normalização contabilística em vigor e também não são fiscalmente aceites, pois que os gastos (e outras componentes negativas do lucro tributável) são imputáveis ao período de tributação em que sejam suportados (n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC), devendo estes ser comprovadamente gastos incorridos ou suportados (cfr. n.º 1 e n.º 3 do artigo 23.º do Código do IRC).

25.2. Ainda que os gastos em apreço tivessem sido contabilizados como perdas por imparidade (recorde-se que foram contabilizados como “outras perdas” - conta #6848) não poderiam os mesmos ser fiscalmente aceites por não cumprirem os requisitos previstos no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IRC. Pelo que resultam não comprovadas, mormente para efeitos do disposto nos artigos 23.º 26.º e 28.º do Código do IRC, as alegadas imparidades registadas pelo Requerente, de onde não poderão as mesmas ser aceites fiscalmente.

25.3. Quanto aos gastos registados a título de “Correções relativas a exercícios anteriores“ relativos a obras efetuadas na moradia na Avenida ...”, no período de 2014, o Requerente registou na conta SNC#6881- “Correções relativas a exercícios anteriores”, gastos no montante de € 5 977,00 (valor de IVA incluído),titulados pela F127, emitida por I..., Lda. Trata-se de gastos relacionados com obras de remodelação efetuadas na moradia sita no n.º ... na Avenida ... da cidade do Porto. A moradia em apreço encontra-se afeta à habitação sendo propriedade de J..., sendo a morada onde o mesmo também mantém domicílio fiscal, assim como seus familiares seus.

25.4. De acordo com a informação recolhida junto dos serviços municipais de urbanismo do Porto, o referido prédio ainda não possui alvará de utilização e, desde o ano 2009, foram requeridos diversos licenciamentos de obras, o último dos quais corresponde ao processo .../14/CMP (licença espacial para conclusão de obras inacabadas no âmbito do qual foi emitida a licença espacial ALV/.../14/DMU). Saliente-se que, tal como consta da matriz predial, no processo de licenciamento das obras de construção o prédio tem como fim a habitação, o que também se depreende atendendo às características do prédio e das obras nele efetuadas.

25.5. A informação recolhida aponta consistentemente para o facto de que o prédio em questão não ter sido utilizado no âmbito da atividade, seja pelas visitas inspetivas anteriores, seja pela informação recolhida junto dos serviços municipais de urbanismo do Porto, o que também é corroborado pelos elementos da contabilidade, porque as obras registadas no ativo fixo tangível ainda não começaram a ser depreciados e pela necessidade de arrendar espaços para armazenar os bens. No decurso do procedimento inspetivo foi prestada informação em como o prédio estaria presentemente em fase de finalização, apesar de não ter sido facultada a visita ao mesmo, assim como foi referido a existência de um contrato de comodato, documento que, durante o procedimento inspetivo realizado, nunca foi exibido.

25.6. Assim, por não existir conexão dos gastos relacionados com as obras e a atividade geradora de proveitos, sujeita a IRC, não podem os mesmos ser fiscalmente dedutíveis, nos temos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.

25.7. Os Serviços Inspetivos da AT procederam ao acréscimo à matéria coletável do ano de 2014, no montante de € 5.977,00. Estando em causa a qualificação das verbas contabilizadas comos gastos fiscalmente dedutíveis caberá ao contribuinte, quando questionado, o ónus da prova da sua efetivação e da sua conformação à obtenção ou garantia dos rendimentos sujeitos a IRC.

25.8. O encargo da prova deve recair sobre quem alegando o facto correspondente, com mais facilidade, pode documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os rendimentos sujeitos a IRC. A prova a produzir deve ser constituída por elementos concretos e sindicáveis, que permitam à Administração Tributária confirmar a sua aceitabilidade fiscal, não bastando simples alegações afirmativas e conclusivas.

25.9. Quanto aos gastos registados a título de publicidade e propaganda, titulados por fatura que não cumpre os requisitos formais, (emitida pelo sócio-gerente do Requerente enquanto prestador de serviços registado para a atividade enquadrada no CAE 73110 – Agências de publicidade) no ano de 2014. Assim, o Requerente registou na sua contabilidade, através do lançamento 50-120011 a fatura n.º 016, datada de 2014-12-04, emitida pelo seu sócio-gerente J... (NIF:...), o qual se encontra fiscalmente registado pela atividade de “Agências de Publicidade” (CAE73110), desde 2008.

25.10. De facto, do teor das faturas não se consegue estabelecer uma conexão com a operação material subjacente, nem se consegue comprovar se estes gastos foram incorridos no

contexto da atividade ou do objeto social da sociedade, seja para garantir rendimentos ou para manter a fonte de produção.

25.11. Não sendo possível estabelecer uma relação destes gastos com a atividade empresarial não podem os mesmos ser fiscalmente dedutíveis, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, e, a partir do ano de 2014 (atendendo à redação dada pela Lei 2/2014) também nos termos dos n.ºs 3 e 4º do mesmo artigo.

25.12. Na análise do direito de audição, verificaram os Serviços Inspetivos da AT que relativamente às fotografias apresentadas, cuja data a que se reportam não é mencionada, não correspondem a qualquer viatura patrocinada pelo sujeito passivo. Nestes termos os Serviços Inspetivos da AT procederam ao acréscimo à matéria coletável do ano de 2014, no montante de €9 756,10.

25.13. Assim, o artigo 23.º do Código do IRC, estabelece os requisitos, substanciais e formais, cuja verificação é necessária à aceitação fiscal dos gastos e ao ónus da prova dessa verificação.

25.14. Ora, no caso sub judice, as faturas não mencionam a natureza e extensão dos serviços, o local e/ou meios utilizados e as datas em que foram prestados e que as fotos juntas,

que alegadamente identificariam e comprovariam os serviços prestados, não logram efetuar a prova de que os gastos foram incorridos no âmbito da atividade da empresa.

25.15. Por fim, caso o pedido de pronúncia arbitral venha a ser julgado procedente, hipótese que cumpre acautelar por dever de patrocínio, cabe ainda referir que caso essa procedência tenha o seu fundamento em matéria de facto que só na presente instância arbitral foi carreada para os autos, designadamente prova testemunhal, resultará forçoso concluir que não será de aplicar o princípio geral de condenação da parte vencida em custas processuais uma vez que, na circunstância acabada de referir, deverá a parte vencedora ser a condenada em custas por ter sido ela a dar causa ao processo arbitral.

II – Saneamento

26. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.ºs 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

27. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

28. Não foram suscitadas exceções de que cumpra conhecer. Não se verificam nulidades nem quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

III - Matéria de facto

29. Factos dados como provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

A)           O Requerente encontra-se coletado pelo exercício da atividade principal de comércio a retalho em bancas, feiras e unidades móveis de venda de outros produtos (CAE 47890) e como atividade secundária o comércio a retalho de outros produtos novos, em estabelecimento especializado (CAE 47784), sujeito a IRC pelo regime geral e enquadrado para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade mensal, dispondo de contabilidade organizada.

B)           A atividade desenvolvida pelo Requerente consiste em comprar e vender obras de arte e peças decorativas com significado histórico e interesse cultural e opera num setor de nicho, habitualmente dependente da presença em feiras internacionais do setor e de um acompanhamento de clientes ou potenciais clientes com elevado conhecimento técnico.

 

C)           O Requerente apresentou no exercício de 2014, a declaração de rendimentos modelo 22, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º do Código do IRC, na qual apurou o lucro tributável no montante de € 21.989,29.

 

D)           A AT, ao abrigo das ordens de serviço n.º OI2016..., OI2016... e OI2016..., realizou um procedimento inspetivo de natureza externa de âmbito geral ao Requerente com incidência temporal nos exercícios de 2014, 2015 e 2016, que teve início em 20-04-2017.

E)            O Requerente, em 29-11-2017, foi notificado para exercer o seu direito de audição prévia relativamente ao projeto de Relatório da Inspeção Tributária, tendo exercido esse direito, em 22-12-2017002C e foi notificado do Relatório de Inspeção Tributária, em 04-01-2018.

F)            No Ponto III – 9.1 Resumo das correções em sede de IRC do Relatório de Inspeção Tributária, identificado na alínea anterior, relativamente ao ano de 2014 constam os seguintes acréscimos de matéria coletável: (i) Perdas de inventário: € 147.700,00; (ii) Obras na moradia sita na Avenida ...: € 5.977,00; (iii) Faturas que não cumprem os requisitos legais: (7.1) J...: € 9.756,10 (7.2) K...  RL: € 6.876,95.

G)           Em consequência do procedimento inspetivo, identificado na alínea D), o Requerente foi notificado relativamente ao ano de 2014 da: (i) Demonstração de Liquidação de IRC n.º 2018..., de 2018-01-17, no montante de € 44.346,37; (ii) Demonstração da Liquidação de Juros Compensatórios – recebimento indevido - n.º 2018..., relativos ao período de 2014-01-01 a 2014-12-31, no valor de € 399,45; (iii) Demonstração da Liquidação de Juros Compensatórios – retardamento da liquidação - n.º 2018..., relativos ao período de 2014-01-01 a 2014-12-31, no valor de € 4 116,20; (iv) Demonstração de Acerto de Contas (Doc. n.º 2018...), de 2018-01-22, com saldo apurado de € 48.488,46.

 

H)           O Requerente, em 03-07-2018, apresentou a Reclamação Graciosa, que recebeu o n.º ...2018..., deduzida contra o ato de liquidação adicional de IRC identificado na alínea anterior, tendo sido foi notificado para exercer o seu direito de audição prévia relativamente ao projeto de decisão, em 07-03-2019.

 

I)             A Reclamação Graciosa, identificada na alínea anterior, foi parcialmente deferida por despacho do Chefe de Divisão da Direção de Finanças do Porto proferido, em 13-08-2019, ao abrigo de Subdelegação de competências.

 

J)            O deferimento parcial da Reclamação Graciosa prende-se com a aceitação da dedutibilidade fiscal do gasto com base na fatura n.º FACC 2014.02585, emitida em 31-12-2014, por K..., RL, tendo sido determinado a anulação, nessa parte, da liquidação reclamada.

 

K)           No período de 2014 o Requerente considerou gastos relacionados com perdas em inventários, conforme registos efetuados na conta SNC 6848-Outras Perdas, o seguinte:

Ano       Lançamento       Valor Global       Bens

                                               Quantidade       Códigos de Referência

2014      50-120051           €147 700,00       12           321135; 3212166; 3212226

32125573; 3213032; 3213195

3213305; 3213389; 3213390

3214008; 3214095 e 3214110

(vd., alínea F) supra)

 

L)            Os registos contabilísticos constantes do quadro, inserido na alínea anterior, estão suportados em documento, datado de 10-12-2014, da autoria de B..., a sugerir correções de preços de 12 bens em função dos valores de mercado correntes à data.

M)          B... é um cidadão português residente em Londres, antiquário, especialista em peças de porcelana chinesa, membro da British...,

 

N)           B... em carta, de 20-06-2018, dirigida ao Requerente refere-se à avaliação realizada em 10-12-2014, identificado na alínea L), nos seguintes termos:

“A razão da desvalorização do stock sugerida por carta em 10 Dezembro 2014 deve-se principalmente à grande crise financeira de 2008 que afetou o mundo inteiro e da qual ainda hoje estamos a sofrer as consequências.

As pessoas que tinham bens sofreram uma desvalorização dos mesmos, muitos bancos e empresas faliram na Europa e o grande aumento nos impostos tirou a liquidez principalmente da classe média, que eram compradores de antiguidades.

Por outro lado a mudança de gerações nos EUA que foram os maiores e mais poderosos compradores de antiguidades no mundo desde o fim da Segunda Grande Guerra Mundial originou uma mudança de moda na decoração das casas e apartamentos passando-se do estilo inglês para o minimalismo e arte contemporânea.”

 

O)           Os preços dos bens, constantes do quadro inserido na alínea K), sofreram as alterações seguintes:

•             Bem com o código referência 3212573 (Terrina c/ Índias, forma romã, folha tabaco) foi sugerida uma perda de € 20.000,00, alegadamente com base nos valores de mercado. O referido bem tinha sido adquirido, em 31-10-2014, pelo Requerente à leiloeira L... S.A. (NIF:...) pelo valor de € 33.000,00.

•             Bem com o código referência 3213390 (Prato brasonado, Imari,47 cm) foi sugerida, em Dezembro de 2014 uma perda de € 10.000,00 (ou seja o valor passou de € 28.747,70 para € 18.747,70). O bem foi alienado, em 26-03-2015, através da fatura 2015/5 pelo valor de € 44.000,00.

•             Bem com o código de referência 3214095 (Bacia barba, f. verde, Kangxi) foi registada em Dezembro de 2014 uma perda de € 350,00, ou seja, o valor passou de € 1.796,67 para € 1.446,67. O bem foi alienado em Maio de 2015, através da fatura 2015/17, por €10.000,00.

•             Bem com o código de referência 3214108 (Bacia de barbeiro, família rosa) foi registada em Dezembro de 2013 uma perda de €350,00, ou seja o valor passou de €1.388,07 para €1.038,07, tendo o bem sido alienado em Maio/2015 através da fatura 2015/16 pelo valor de € 3.000,00.

 

P)           O Bem com o código de referência 3213389, integrante do quadro da alínea K), continua hoje em poder do Requerente sem comprador.

 

Q)           No período de 2014, o Requerente registou na conta SNC#6881- “Correções relativas a exercícios anteriores”, gastos no montante de € 5 977,00 (valor de IVA incluído), titulados pela Fatura n.º 127, emitida pela empresa I..., Lda. (vd., alínea F) supra).

 

R)           Os gastos, identificados na alínea anterior, respeitam a obras efetuadas no prédio urbano sito na Avenida ... n.º..., da freguesia ...– Porto, descrito no artigo urbano ..., destinado à habitação.

 

S)            O prédio identificado na alínea anterior é propriedade de J..., sócio gerente do Requerente, sendo, no ano de 2014, o seu domicílio fiscal e do seu cônjuge e também sede do Requerente.

 

T)            Através de informação recolhida junto dos serviços municipais de urbanismo do Porto, o prédio, identificado na alínea R), ainda não possui alvará de utilização e desde o ano 2009 foram requeridos diversos licenciamentos de obras, o último dos quais corresponde ao processo .../14/CMP (licença espacial para conclusão de obras inacabadas no âmbito do qual foi emitida a licença espacial ALV/.../14/DMU) tendo como fim a habitação.

 

U)           No ano de 2014, J..., sócio gerente do Requerente, era arrendatário de uma fração do prédio urbano sito na Rua ... n.º..., ..., na freguesia ..., concelho do Porto, propriedade de M... .

 

V)           No âmbito da atividade do Requerente, durante o ano de 2014, foi realizada a expedição e o recebimento de mercadorias no prédio, identificado na alínea R).

 

W)          O Requerente, no ano de 2014, registou na sua contabilidade, através do lançamento 50-120011 a fatura n.º 016, datada de 04-12-2014, emitida pelo seu sócio-gerente J... (vd., alínea F) supra).

 

X)           O sócio-gerente do Requerente, J... (NIF:...), encontra-se fiscalmente registado pela atividade de “Agências de Publicidade” (CAE 73110), desde 2008.

 

Y)            A Fatura, identificada na alínea W), foi objeto de informação complementar, em 22-06-2018, tendo o Descritivo o seguinte teor:

“Prestação de serviços de publicidade, por exibição de logotipo da sociedade nos painéis laterais em viatura clássica de competição em testes e ensaios que se realizaram em circuito aberto ao público em Braga e no Estoril nos fins de semana chamados de “Track Day” num número de horas nunca inferior a quarenta.

O Logotipo a promover esta limpo e visível em todas as provas oficiais e fotos promocionais em que a viatura seja apresentada, excepto se causa de força maior o impedir, como por exemplo acidente.”

 

Z)            No mercado onde opera o Requerente os potenciais compradores costumam ser adeptos dos denominados desportos de elite, nomeadamente os desportos motorizados e o golfe.

 

AA)        O Serviço de Finanças Porto ... instaurou ao Requerente processo de execução fiscal n.º ...2018... e apensos (...2018... e ...2018...) por dívidas de IRC, relativamente aos anos de 2013, 2014 e 2015, para cobrança, da quantia exequenda de € 66.659,12.

 

BB)         Por despacho da Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças do Porto, de 29-04-2020, foi deferido o pedido do Requerente para o pagamento em 60 prestações mensais bem como a garantia oferecida, condicionando a suspensão da execução, identificada na alínea anterior, à constituição do penhor sobre o estabelecimento comercial.

 

30. Factos dados como não provados

Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

31. Fundamentação da matéria de facto

Relativamente à matéria de facto, atendendo ao disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e no artigo 607.º, n.º 3, do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada.

Assim, de acordo com o disposto no artigo 596.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida tendo em conta as questões de Direito suscitadas.

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental, junta aos autos, e a prova testemunhal consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

No caso e para prova dos factos, foram tomados em conta, conjugados e analisados de forma crítica, os depoimentos prestados por: E..., antiquário; F..., leiloeira; G..., engenheiro civil; H..., decorador; B..., antiquário, e D..., empresário do ramo dos transportes. Estes depoimentos foram globalmente considerados credíveis e revelaram conhecimento, designadamente técnico, no âmbito das respetivas atividades e no que respeita à matéria objeto dos presentes autos.

Na formação da convicção do Tribunal quanto à prova foram ainda relevantes o processo administrativo instrutor bem como os demais documentos juntos aos autos e que o Tribunal analisou criticamente em conjugação com as posições das partes espelhadas nos respetivos articulados e alegações.

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou, em qualquer caso, cuja apreciação seria inútil (vd., artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

IV. Matéria de Direito

32. As principais questões decidendas nos presentes autos arbitrais resultam da desconsideração por parte da AT, no âmbito de procedimento inspetivo realizado ao Requerente, dos: (i) Gastos registados a título de perdas em inventários; (ii) Gastos registados a título de obras efetuadas na moradia sita na Avenida ... n.º..., Porto; (iii) Gastos registados a título de publicidade e propaganda com base em fatura emitida pelo sócio-gerente do Requerente.

33. Quanto aos gastos registados a título de perdas em inventários importa começar por estabelecer o enquadramento legal da matéria na perspetiva contabilística e na perspetiva fiscal.

33.1. Impõe-se começar pela perspetiva contabilística, porque de acordo com o disposto no artigo 17.º, n.º 1, do Código do IRC o lucro tributável é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do referido Código.

Cumpre sublinhar também, que conforme resulta do artigo 11.º, n.º 2, da LGT, sempre que nas normas fiscais se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, são os mesmos interpretados no mesmo sentido, exceto se decorrer diretamente da lei um sentido diferente. Ora, relativamente aos termos “inventários” e “perdas por imparidade”, os mesmos devem ser interpretados de acordo com o direito contabilístico e nos termos do disposto no Sistema de Normalização Contabilístico (SNC) vigente  .

 

A Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 12 “Imparidade de activos”, constitui a norma geral do SNC sobre as imparidades e no § 1 afirma:

“O objetivo desta Norma Contabilística e de Relato Financeiro é o de prescrever os procedimentos que uma entidade deve aplicar para assegurar que os seus ativos sejam escriturados por não mais do que a sua quantia recuperável. Um ativo é escriturado por mais do que a sua quantia recuperável se a sua quantia escriturada exceder a quantia a ser recuperada através do uso ou venda do ativo. Se este for o caso, o ativo é descrito como estando com imparidade e a Norma exige que a entidade reconheça uma perda por imparidade. A Norma também especifica as circunstâncias em que uma entidade deve reverter uma perda por imparidade.”

 

De acordo com o estabelecido na alínea a) do §2 esta Norma não se aplica às imparidades em inventários.

O tratamento das imparidades em inventários é estabelecido pela NCRF 18, §1, nos seguintes termos: 

“O objetivo desta Norma Contabilística e de Relato Financeiro é o de prescrever o tratamento para os inventários. Um aspeto primordial na contabilização dos inventários é a quantia do custo a ser reconhecida como um ativo e a ser escriturada até que os réditos relacionados sejam reconhecidos. Esta Norma proporciona orientação prática na determinação do custo e no seu subsequente reconhecimento como gasto, incluindo qualquer ajustamento para o valor realizável líquido. Também proporciona orientação nas fórmulas de custeio que sejam usadas para atribuir custos aos inventários.”

 

No que toca às imparidades em inventários, prevê o §28 da citada norma que, deve proceder-se ao ajustamento da mensuração dos inventários quando se verifique que o seu custo não pode ser recuperado, pela venda ou uso, por estarem danificados, total ou parcialmente obsoletos ou se os preços de venda tiverem diminuído, por redução do valor contabilístico - write down - para o valor realizável líquido estimado.

Segundo os §30 e §31 a estimativa do valor realizável líquido (VRL) assente, nas provas (internas ou externas) mais fiáveis disponíveis no momento deve levar em consideração a finalidade para a qual o inventário é detido.

Nos termos do §34 a imparidade não implica o desreconhecimento do ativo devendo a sua diminuição ser relevada numa conta específica de inventários porquanto, se num período posterior ocorrer um evento que determine a diminuição da quantia de perda por imparidade, a mesma deve ser revertida.

33.2. Na perspetiva fiscal é de notar que todos os lançamentos contabilísticos devem ser apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de apresentação sempre que necessário, de acordo com o disposto no artigo 123.º, n.º 2, alínea a), do Código do IRC.

O Código do IRC trata dos inventários no artigo 26.º, com a epígrafe Inventários, e no artigo 28.º, tendo por epígrafe Perdas por imparidade em inventários. Ambos os preceitos estão inseridos na subsecção II (Mensuração e perdas por imparidades em ativos correntes), da secção XII (Pessoas coletivas e outras entidades residentes que exerçam, a título principal, atividade comercial, industrial ou agrícola) do capítulo III (Determinação da matéria coletável).

As normas do Código do IRC acima referidas têm o seguinte teor:

“Artigo 26.º

Inventários

1- Para efeitos da determinação do lucro tributável, os rendimentos e gastos dos inventários são os que resultam da aplicação dos critérios de mensuração previstos na normalização contabilística em vigor que utilizem:

a) Custos de aquisição ou de produção;

b) Custos padrões apurados de acordo com técnicas contabilísticas adequadas;

c) Preços de venda deduzidos da margem normal de lucro;

d) Preços de venda dos produtos colhidos de activos biológicos no momento da colheita, deduzidos dos custos estimados no ponto de venda, excluindo os de transporte e outros necessários para colocar os produtos no mercado;

e)(Revogada).

2- Podem ser incluídos no custo de aquisição ou de produção os custos de empréstimos obtidos, bem como outros gastos que lhes sejam diretamente atribuíveis de acordo com a normalização contabilística especificamente aplicável.

3- Sempre que a utilização de custos padrões conduza a desvios significativos, a Autoridade Tributária e Aduaneira pode efetuar as correções adequadas, tendo em conta o campo de aplicação dos mesmos, o montante das vendas e dos inventários finais e o grau de rotação dos inventários.

4- Consideram-se preços de venda os constantes de elementos oficiais ou os últimos que em condições normais tenham sido praticados pelo sujeito passivo ou ainda os que, no termo do período de tributação, forem correntes no mercado, desde que sejam considerados idóneos ou de controlo inequívoco.

5- O método referido na alínea c) do n.º 1 só é aceite nos sectores de actividade em que o cálculo do custo de aquisição ou de produção se torne excessivamente oneroso ou não possa ser apurado com razoável rigor, podendo a margem normal de lucro, nos casos de não ser facilmente determinável, ser substituída por uma dedução não superior a 20% do preço de venda.

6- A utilização de critérios de mensuração diferentes dos previstos no n.º 1 depende de autorização da Autoridade Tributária e Aduaneira, a qual deve ser solicitada até ao termo do período de tributação, através de requerimento em que se indiquem os critérios a adotar e as razões que os justificam.”

“Artigo 28.º

Perdas por imparidade em inventários

1- São dedutíveis no apuramento do lucro tributável as perdas por imparidade em inventários, reconhecidas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores, até ao limite da diferença entre o custo de aquisição ou de produção dos inventários e o respetivo valor realizável líquido referido à data do balanço, quando este for inferior àquele.

2-Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por valor realizável líquido o preço de venda estimado no decurso normal da actividade do sujeito passivo nos termos do n.º 4 do artigo 26.º, deduzido dos custos necessários de acabamento e venda.

3-A reversão, parcial ou total, das perdas por imparidade previstas no n.º 1 concorre para a formação do lucro tributável.

4-Para os sujeitos passivos que exerçam a atividade editorial, o montante anual acumulado das perdas por imparidade corresponde à perda de valor dos fundos editoriais constituídos por obras e elementos complementares, desde que tenham decorrido dois anos após a data da respetiva publicação, que para este efeito se considera coincidente com a data do depósito legal de cada edição.

5-A desvalorização dos fundos editoriais deve ser avaliada com base nos elementos constantes dos registos que evidenciem o movimento das obras incluídas nos fundos.”

33.3. Do enquadramento legal descrito resulta o estabelecimento de condições legais restritivas para a aceitação fiscal das perdas por imparidade em inventários de modo a obstar que os inventários sejam utilizados para o reconhecimento de qualquer gasto contabilístico, transformando-se num instrumento de planeamento fiscal abusivo, se não mesmo fraudulento.

Tendo em conta o disposto nos artigos 28.º, n.º 2, e 26.º, n.º 4, do Código do IRC quando a definição do preço não é determinada por elementos oficiais ou pelos últimos preços praticados é necessário demonstrar a sua idoneidade ou que o seu controlo seja inequívoco. Assim, a análise de documentos internos que estabeleçam perdas por imparidade em inventários carece de grande ponderação.

34. Atendendo ao enquadramento referido no n.º anterior e à factualidade provada nos presentes autos arbitrais (vd., alíneas K), L), M), N), O) e P) do n.º 29 supra) verifica-se que, apesar de não estar em causa a idoneidade e o curriculum do avaliador escolhido pelo Requerente, faltam elementos que justifiquem, de forma fundamentada, a determinação do valor das 12 peças constantes do inventário e as correspondentes imparidades. Efetivamente, para fundamentar as imparidades registadas pelo Requerente e tendo em conta as alterações significativas de preços ocorridas posteriormente não bastam afirmações de caracter genérico e conclusivo (vd., alíneas N) e O) do n.º 29 supra).

O Tribunal Arbitral entende que os documentos de suporte apresentados pelo Requerente são insuficientes para comprovar as imparidades registadas. Assim, a desconsideração para efeitos fiscais dos gastos incorridos pelo Requerente com o ajustamento em inventário, no montante de € 147.700,00, realizada pela AT, foi legal e encontra-se justificada.

Em conclusão, nesta parte deve improceder a pretensão do Requerente.

35. Relativamente às restantes questões decidendas (vd., n.º 32, ii) e iii), supra) convém começar por estabelecer o respetivo enquadramento legal.

35.1. O artigo 23.º do Código do IRC estabelece o seguinte  :

“1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação; b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida, doença ou saúde, e operações do ramo 'Vida', contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;

e) Os relativos a análises, racionalização, investigação, consulta e projetos de desenvolvimento

f) De natureza fiscal e parafiscal;

g) Depreciações e amortizações;

h) Perdas por imparidade;

i) Provisões;

j) Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros;

k) Perdas por reduções de justo valor em ativos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;

l) Menos-valias realizadas;

m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.

3 — Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.

5 — (Revogado).

6 - Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.

7 - Os gastos respeitantes a ações preferenciais sem voto classificadas como passivo financeiro de acordo com a normalização contabilística em vigor, incluindo os gastos com a emissão destes títulos, são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável da entidade emitente.

Da análise do preceito resulta que não basta que exista uma conexão entre custos e proveitos para que os primeiros tenham relevância fiscal, é necessário comprovar a sua indispensabilidade para a formação dos referidos proveitos.

35.2. Sobre este ponto importa referir o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 15-11-2017, proferido no Proc. 0372/16, que sintetiza a posição do STA sobre esta matéria nos seguintes termos:

“(…) Mas como deve aferir-se o conceito de indispensabilidade?

Consideramos definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objectiva com os proveitos (Criticando esse entendimento restritivo da indispensabilidade, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, pág. 243 e segs., e TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 131 a 133, e A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40.).

Entendemos a indispensabilidade como referida à ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte. «Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. [...] O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa» (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa. É este o entendimento que vem sendo seguido por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (Entre muitos outros, fazendo um exaustivo tratamento do tema, vide o acórdão de 30 de Novembro de 2011, proferido no processo n.º 107/11, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c0debd9869a94ea78025795f003be743.

Mais recentemente, o acórdão de 28 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 627/16, disponívelemhttp://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9ff886014e34df8d80258152004d86f8.).

Assim, o controlo a efectuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 601.).

Ou seja, sendo a regra a liberdade de iniciativa económica e devendo a tributação das empresas incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. o já referido art. 104.º, n.º 2, da CRP), a norma do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, na redacção vigente à data, ao limitar a relevância dos custos aos «que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» tem de ser entendida como permitindo a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do resultado (êxito ou inêxito) que em concreto proporcionaram.”

Em suma, a indispensabilidade dos custos afere-se, num sentido económico, em função do interesse da empresa, tendo em conta a sua capacidade, o seu escopo lucrativo e o exercício da sua atividade. Um custo será aceite fiscalmente caso seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, independentemente dos resultados que forem obtidos a nível gestionário. Consequentemente, a AT não pode sindicar o mérito e a oportunidade das decisões económicas da gestão de empresas, porque caso contrário estaria a limitar ilegalmente a liberdade e iniciativa económica de entidades privadas.

35.3. A comprovação documental dos gastos é estabelecida no artigo 23.º, n.ºs 3, 4 e 6, do Código do IRC.

De acordo com o n.º 4 do artigo 23.º do Código do IRC os elementos mínimos que o documento comprovativo deve conter são:

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.

O n.º 6 do mesmo artigo dispõe no sentido de que, quando há obrigatoriedade de emissão de fatura, esta deverá ser o documento comprovativo do gasto, aproximando-se, deste modo, às regras previstas no Código do IVA.

Através das normas acima citadas o objetivo do legislador é que sejam provados, por documento idóneo, que os gastos estão diretamente relacionados com a atividade normal do sujeito passivo. Caso contrário, estamos perante encargos não devidamente documentados que não permitem conhecer a operação, evidenciando a respetiva causa, natureza e montante.

36. A questão decidenda que cabe agora analisar respeita aos gastos registados a título de obras efetuadas na moradia situada na Avenida ...n.º..., Porto.

Atendendo ao enquadramento legal supra referenciado e à factualidade provada nos presentes autos (vd., alíneas Q), R), S), T), U) e V) do n.º 29 supra), verifica-se que a sede do Requerente está registada naquele imóvel. Além disso, existem outros indícios relevantes, nomeadamente a existência de expedição de mercadoria daquela morada para feiras em que o Requerente participou e o envio para a mesma morada de mercadoria destinada a ser armazenada, suscetíveis de demonstrar que o Requerente exerceu, no período temporal em causa nos autos, a sua atividade comercial, pelo menos parcialmente, no referido imóvel.

Assim, o Tribunal Arbitral entende que a desconsideração para efeitos fiscais dos gastos incorridos com as obras no referido prédio, no montante de € 5 977,00, efetuada pela AT, não se encontra justificada e padece de erro sobre os pressupostos de fato.

Nestes termos, o Tribunal Arbitral considera procedente, nesta parte, o pedido de pronúncia arbitral. Consequentemente, o despacho do Chefe de Divisão da Direção de Finanças do Porto proferido, em 13-08-2019, relativo à reclamação graciosa apresentada pelo Requerente, e a liquidação adicional de IRC impugnada são anulados, nesta parte, por enfermarem do mesmo vício de erro sobre os pressupostos de fato

37. Por fim, a última questão decidenda que cabe analisar respeita aos gastos registados a título de publicidade e propaganda com base em fatura emitida pelo sócio-gerente do Requerente.

Atendendo à factualidade provada nos presentes autos (vd., alíneas W), X), Y) e Z) do n.º 29 supra), verifica-se que tanto na fatura em causa como na informação complementar, de 22-06-2018, não é identificado o piloto e/ou a equipa patrocinada pelo Requerente, nem constam as datas e as denominações dos eventos desportivos onde seria exibido o alegado patrocínio. Subsistem, até discrepâncias, porque no pedido de pronúncia arbitral afirma-se que o veículo automóvel patrocinado competiu no ... (vd., pedido de pronúncia arbitral n.º 49), mas a informação complementar à fatura, de 22-06-2018, refere apenas “(…)  circuito aberto ao público em Braga e no Estoril” (vd., alínea Y) do n.º 29 supra).

O Tribunal Arbitral, tendo em conta o enquadramento legal referido no n.º 35 supra, entende que o Requerente não comprovou de forma inequívoca a indispensabilidade do referido custo, na medida em que subsistem omissões e inexatidões que afastam a presunção de veracidade dos elementos da contabilidade, de acordo com o disposto no artigo 75.º, n.º 2, alínea a), da LGT, e impedem a caracterização do gasto em causa como indispensável à manutenção da fonte produtora. Assim, a desconsideração, para efeitos fiscais, deste gasto realizada pela AT é legal e encontra-se justificada, porquanto os registos contabilísticos não estão adequadamente documentados.

Também aqui não assiste razão ao Requerente e, nesta parte, deve improceder o pedido de pronúncia arbitral.

38. O Requerente alega a preterição de formalidades essenciais, mais concretamente, vício de fundamentação formal e substantiva e inversão do ónus da prova.

38.1. Quanto à alegada falta de fundamentação, importa ter presente o disposto no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no artigo 77.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT).

O artigo 268.º, n.º 3, da CRP estabelece que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”. 

O artigo 77.º, n.º 1, da LGT prevê que a “(…) decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.

Na anotação ao artigo 77.º da LGT, DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, afirmam “Como o STA vem entendendo, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa. Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.”  

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem sustentado que “(…) o dever de fundamentação exige que um destinatário normal, colocado na posição do recorrente, face ao teor expresso do acto, possa apreender o percurso lógico-jurídico trilhado pela autoridade recorrida para chegar a tal decisão, por forma a poder determinar-se, conscientemente, no sentido da impugnação ou não impugnação.” 

A fundamentação deve consistir numa exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivou a decisão. As razões de facto e os fundamentos de direito da decisão devem ser percetíveis, claros e entendíveis para o contribuinte. O contribuinte poderá obviamente discordar do sentido da decisão da Autoridade Tributária, mas terá é de perceber cabalmente o sentido da mesma e que esta não é uma pura demonstração de arbítrio.

Importa salientar que a fundamentação manifestamente insuficiente equivale a falta de fundamentação para todos os efeitos legais.

Assim, perante um ato tributário concreto a fundamentação exigível é aquela que se revele necessária e adequada para um contribuinte normal, com um conhecimento comum e normalmente diligente, compreender o percurso lógico-jurídico trilhado pela Autoridade Tributária para chegar a tal decisão .

Ora, dos presentes autos arbitrais resulta que o Requerente foi notificado para exercer o seu direito de audição prévia relativamente ao Relatório da Inspeção Tributária e ao projeto de decisão da reclamação graciosa (vd., alíneas E) e H) do n.º 29 supra) e revelou, através do teor da Reclamação Graciosa interposta e do teor do presente Pedido de Pronuncia Arbitral, que compreendeu cabalmente o percurso lógico-jurídico trilhado pela AT para chegar a tal decisão. Assim, improcede o alegado pelo Requerente neste ponto.

38.2. Quanto à inversão do ónus da prova, o Tribunal Arbitral entende, de acordo com o exposto nos n.ºs anteriores, que a AT relativamente aos gastos registados a título de perdas em inventários e aos gastos registados a título de publicidade e propaganda com base em fatura emitida pelo sócio-gerente do Requerente provou, como lhe competia, que os referidos gastos deveriam ser desconsiderados para efeitos fiscais. Também neste ponto improcede o alegado pelo Requerente.

39. Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pelo Requerente (vd., n.ºs 99 a 111 e XLIX das Conclusões do pedido de pronuncia arbitral) cabe dizer o seguinte.

Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

Conforme decorre do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o direito aos mencionados juros pode também ser reconhecido no processo arbitral.

No caso em apreço, o pagamento de juros indemnizatórios só se coloca relativamente à parte parcialmente procedente do pedido de pronúncia arbitral, mais concretamente quanto à questão referida no n.º 36. relativa a gastos registados a título de obras efetuadas na moradia situada na Avenida ... n.º..., Porto.

De qualquer modo, só há lugar a juros indemnizatórios quando há um pagamento indevido de imposto, como decorre do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, mas não se provou que o Requerente tivesse efetuado o pagamento das quantias liquidadas, daí a existência de processos de execução fiscal (vd., alínea AA) do n.º 29 supra). Assim, não pode proceder o pedido de juros indemnizatórios, sem prejuízo de, atendendo à factualidade provada na alínea BB) do n.º 29 supra, esse direito poder vir a ser apreciado em execução de julgado.

 

V – Decisão

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão referida no n.º 36. relativa a gastos registados a título de obras efetuadas na moradia situada na Avenida ... n.º..., Porto;

 

b)           Declarar ilegal e anular, na parte respeitante ao disposto na alínea anterior, o despacho do Chefe de Divisão da Direção de Finanças do Porto proferido, em 13-08-2019, relativo à reclamação graciosa apresentada pelo Requerente, e o ato de liquidação adicional de IRC impugnado, por enfermarem do mesmo vício de erro sobre os pressupostos de fato;

c)            Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão referida no n.º 34 deste acórdão, relativa a gastos registados a título de perdas em inventários;

d)           Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão referida no n.º 37.  deste acórdão, relativo aos gastos registados a título de publicidade e propaganda titulado por fatura emitida pelo sócio-gerente do Requerente;

 

e)           Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios, sem prejuízo de o respetivo direito, relativamente ao disposto na alínea a), poder vir a ser apreciado em execução de julgado;

f)            Condenar ambas as partes nas custas do processo na proporção do respetivo decaimento no montante abaixo indicado (vd.,VII infra.).

 

VI - Valor do Processo

Atendendo ao disposto nos artigos 32.º do CPTA, 306.º, n.º 2, do Código do Processo Civil e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se o valor do processo em € 48.488,46 (quarenta e oito mil quatrocentos e oitenta e oito euros e quarenta e seis cêntimos).

VII - Custas

O montante das custas é fixado em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do RCPAT, a pagar pelas partes na proporção do respetivo decaimento.

Nestes termos, num total de correções à matéria coletável no montante de € 163.433,10, o Requerente obtém vencimento relativamente à anulação de correções da matéria coletável no valor de € 5.977,00, pelo que a responsabilidade das custas é repartida na proporção de 96,35%, a cargo do Requerente e 3,65%, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 2 de dezembro de 2020

 

O Árbitro

(Olívio Mota Amador)