DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Pedro Miguel Bastos Rosado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:
I. Relatório
1. A..., S.A., NIPC..., com sede no ..., n.º..., ...-... Linda-a-Velha, doravante designada por Requerente, apresentou, em 13 de setembro de 2019, pedido de pronúncia arbitral, tendo por objecto o indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada pela Requerente em 27 de dezembro de 2018 contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2018..., de 20 de agosto de 2018, relativa a IRC do ano de 2017, no valor de € 9.127,51 (nove mil cento e vinte e sete euros e cinquenta e um cêntimos), sendo Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante designada por Requerida ou AT.
2. A pretensão do objeto do pedido de pronúncia arbitral consiste na declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão da AT de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada pela Requerente, determinando a anulação da liquidação de IRC, por vícios de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.
3. Pede, ainda, a Requerente que seja proferida decisão a condenar a AT no pagamento de indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação da garantia bancária indevida, ao abrigo do disposto no artigo 53.º da LGT.
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em 16 de setembro de 2019, e posteriormente notificado à AT.
5. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou, em 29 de outubro de 2019, o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do prazo legal.
6. Em 29 de outubro de 2019, as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo arguido qualquer impedimento.
7. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 28 de novembro de 2019.
8. Para fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:
8.1. Que “(…) a decisão de indeferimento da reclamação graciosa da liquidação de IRC, sob contestação, é ilegal na medida em que nega a dedução à coleta (individual) da ora Requerente do valor dos PEC’s apurados individualmente pela Requerente, e por ela suportados durante os períodos de tributação em que foi aplicado o RETGS”
8.2. Que “A solução propugnada pela AT, nos termos da qual, uma vez cessados os efeitos do RETGS relativamente a todas as sociedades do Grupo, apenas a (anterior) Dominante pode reportar os PEC’s não deduzidos ao nível do grupo, não tem qualquer sustento legal “;
8.3. Que “Não existe na Lei uma norma que preveja que terminada a aplicação do RETGS, os PEC’s entregues ao Estado durante os períodos de tributação em que se aplicou o regime não podem ser imputados a cada uma das sociedades que integravam o Grupo, ou que determine que o valor dos PEC não são dedutíveis à coleta de cada uma das sociedades que integrasse o Grupo.”;
9. Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta e remeteu o “processo administrativo” (adiante designado apena por PA).
10. Na sua resposta, a AT invocou, em síntese, o seguinte:
10.1. Que “Quando cessa a aplicação do RETGS a um Grupo, deverá ser a Entidade Dominante a reportar os PEC efectuados e ainda não deduzidos à colecta no âmbito do grupo, podendo, decorridos os períodos do direito à dedução, solicitar o reembolso da parte não deduzida, nos termos do n.º 3 do art.º 93.º do CIRC.”;
10.2. Que “o PEC reclamado no valor de €11.761,56, relativo aos pagamentos efectuados durante a aplicação do RETGS ao Grupo, apenas pode ser recuperado através do reembolso, solicitado pela entidade dominante- B... SGPS SA e até ao termo do prazo previsto para o direito ao reembolso.”;
10.3. Que “(…) se mantém integralmente válida e legal a liquidação ora impugnada, concluindo-se pela legalidade da mesma. “.
11. Por despacho de 14 de maio de 2020, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi determinado que, restringindo-se a controvérsia a questões de direito, se afigurava, em consonância com o preceituado artigo 113.º, n.º 1, do CPPT, serem desnecessárias alegações e, como tal, foi a sua produção dispensada.
12. Dada a situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a suspensão de prazos desde 9 de março de 2020 até 2 de junho de 2020, bem como a complexidade de algumas das questões a decidir, o Tribunal decidiu a prorrogação do prazo para a prolação da decisão arbitral, nos termos do artº 21º nº 2 RJAT (Despachos de 17 de agosto de 2020 e de 16 de outubro de 2020).
II. Saneamento
1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
2. As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
3. O processo não enferma de nulidades.
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral é tempestivo.
5. O Tribunal é competente.
III. Matéria de facto
1. Factos provados
Dão-se como provados os seguintes factos com potencial relevo para a decisão:
A) Desde 2002 até maio de 2017, a Requerente fez parte de um grupo de sociedades tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), do qual apenas faziam parte a ora Requerente e a sociedade B... SGPS S.A., NIPC..., como sociedade dominante, adiante identificada apenas por B... SGPS.
B) Até maio de 2017, a B... SGPS detinha 100% das ações representativas do capital social da Requerente.
C) Por deliberação da Assembleia Geral de acionistas da B... SGPS, S.A., datada de 26.05.2017, foi aprovada uma redução do capital social (em espécie) dessa sociedade destinada à libertação de excesso de capital, tendo o capital social da mesma sido reduzido em € 4.912.966,00, passando de € 5.000.000,00 para € 87.034,00 – cf. Certidão Permanente com código de acesso ..., inscrição 8 – Ap.102/20170526, junta com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido.
D) No âmbito da referida operação, foram adjudicadas/entregues aos acionistas (C..., SGPS, S.A. e D..., S.A.), a totalidade das participações sociais que eram detidas pela B... SGPS na aqui Requerente, na proporção da respetiva participação (50%/50%).
E) Em consequência da referida operação, a B... SGPS (anterior Dominante do grupo), deixou de deter qualquer participação no capital social da aqui Requerente (anterior Dominada), o que determinou a cessação do RETGS.
F) Os efeitos da cessação do RETGS reportaram-se ao final do período de tributação anterior, ou seja, a 31.12.2016.
G) Nos períodos de tributação de 2013 a 2017, os valores do PEC individualmente calculados para aqui Requerente e para a B... SGPS foram os seguintes:
Período
de tributação PEC
Requerente PEC
Dominante PEC
global
2013 7.382,28 1.000,00 8.382,28
2014 7.120,96 1.000,00 8.120,96
2015 6.335,08 1.000,00 7.335,08
2016 5.917,24 1.000,00 6.917,24
2017 5.398,14 850,00 N/A (6.248,14)
H) O PEC apurado individualmente pela Requerente, nos períodos de tributação de 2013 a 2016, ascendeu a € 26.755,56.
I) Em cada um dos períodos de tributação de 2013 a 2016, o montante do PEC global do grupo foi entregue ao Estado pela então dominante B... SGPS, em duas prestações (Março e Outubro) – (documentos n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dão como reproduzidos);
J) O valor dos PEC’s relativos à Requerente e individualmente calculados, apurados nos exercícios de 2013 a 2016, bem como a 1ª prestação do PEC do exercício de 2017, foram integralmente imputados à Requerente e por ela financeiramente suportados (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
L) Nos referidos períodos de tributação, não foi apurada colecta ao nível do grupo, pelo que os PEC’s pagos nesses períodos de tributação - quer o individual da Requerente quer o da Dominante - não foram utilizados/deduzidos.
M) No que respeita ao exercício de 2017, a 1ª prestação do PEC, ainda relativa ao Grupo, no valor total de € 3.124,07 (sendo € 2.699,07 relativo à aqui Requerente e € 425,00 relativo à Dominante B... SGPS), foi entregue ao Estado pela B... SGPS – (documentos n.º 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dão como reproduzidos);
N) No que respeita ao exercício de 2017, a 2ª prestação de PEC devido pela Requerente, no valor de € 2.699,07 foi entregue ao Estado pela ora Requerente (documentos n.º 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dão como reproduzidos);
O) Em junho de 2018, a Requerente submeteu a Declaração de Rendimentos Modelo 22 referente ao período de tributação de 2017 (cfr. Processo Admnistrativo).
P) Na declaração referida em O) foi apurada uma coleta total de € 11.761,56 (campo 378 do Q. 10), tendo a Requerente inscrito no campo 356 (“Pagamento Especial Por Conta”) o valor de € 11.761,56, que foi deduzido à coleta de IRC, até à concorrência da mesma.
Q) O valor dos PEC’s inscritos pela Requerente na Declaração de Rendimentos Modelo 22 foi decomposto do seguinte modo: i. € 7.382,28 - referente a PEC do período de tributação de 2013 (1ª e 2ª prestação); ii. € 4.379,28 – parte do PEC referente ao período de tributação de 2014 (do total de € 7.120,96).
R) Em outubro de 2018, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC referente ao período de 2017 (Liquidação nº 2018..., de 20/08/2018) e respetivos juros de mora, no montante total de € 9.127,51, que inclui € 121,05 a título de juros de mora (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
S) A liquidação adicional de IRC resulta da correção efetuada pelos Serviços da AT ao valor do PEC inscrito pela Requerente no campo 378 do Q. 10 da DM 22, de € 11.761,56 para € 2.699,07.
T) Em 27 de dezembro de 2018, a Requerente deduziu junto da AT, reclamação graciosa contra o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2018..., de 20 de agosto de 2018, relativa a IRC do ano de 2017, no valor de € 9.127,51 (nove mil cento e vinte e sete euros e cinquenta e um cêntimos), que veio a corresponder ao procedimento de reclamação graciosa nº. ...2019... (Cfr. Processo Administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);
U) Através de Ofício de 19-07-2019 da AT, a Requerente foi notificada (Via CTT) do despacho de 17-07-2019 de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa nº. ...2019... do Chefe de Divisão de Direção de Finanças – DF Lisboa –...(Cfr. documento nº 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o Processo Admnistrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
I – DESCRIÇÃO SUMÁRIA DO PEDIDO
A... S.A., NIF: ..., com domicílio fiscal na ..., Nº ... em LINDA-A-VELHA, vem nos termos do artigo 70º do CPPT apresentar RECLAMAÇÃO GRACIOSA, da liquidação 2018... de 20 de agosto de 2018, referente ao exercício de 2017, no montante de €9.127,51.
II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
a) O reclamante tem legitimidade no presente procedimento tributário, porquanto é sujeito passivo da relação tributária, nos termos do art. 65º da Lei da Geral Tributária (LGT) e do art. 9º do CPPT.
b) A reclamação apresentada em 2018/12/27, é tempestiva, de acordo com o estatuto no art.º 70º do CPPT.
c) O procedimento de reclamação é o meio próprio, nos termos do artigo 70º do CPPT.
d) Na presente data, não há conhecimento de que tenha sido apresentada qualquer impugnação judicial sobre a matéria em análise
III – ALEGAÇÕES
Alega que desde 2002 até maio de 2017, a reclamante fez parte de um grupo de sociedades tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), grupo esse que apenas fazia parte, a reclamante e a entidade B... SGPS SA, NIF..., como sociedade dominante.
Na sequência da redução de capital social da entidade Dominante do grupo, esta deixou de deter qualquer participação social da reclamante/dominada, o que determinou a cessação do RETGS, uma vez que deixou de se verificar o requisito previsto no nº 2 do artigo 69 do CIRC,
Em 18/06/2018 a Reclamante submeteu a declaração de rendimentos modelo 22, referente ao exercício de 2017, e em 28/06/2018, auto liquidou o imposto no montante de € 15.310,03.
Apurou uma coleta de total de €11.761,56, e inscreveu na rubrica de Pagamento Especial por Conta (PEC) o montante de €11.761,56, que deduziu à coleta de IRC, até à concorrência da mesma.
Foi efetuada uma liquidação adicional, para alterar o valor de PEC de € 11.761,56 para €2.699,07.
O PEC inserido na declaração no valor de €11.761,56 é composto pelo montante de €7.382,28 relativamente à tributação de 2013, e de €4.379,28 relativo à parte do valor total de €7.120,96, referente ao período de tributação de 2014.
A liquidação adicional inclui apenas o montante de € 2.699,07 referente à segunda prestação do PEC de 2017.
Evoca o disposto no artigo 93 nº 1 e nº 3 do CIRC, para deduzir a coleta de 2017, os PEC pagos em 2013 e 2014
Conclui do referido artigo 93 do CIRC, que só a Reclamante é que podia deduzir esses montantes pagos pela reclamante e apenas foram retidos e entregues nos cofres do Estado pela Reclamante.
Considera que a entidade dominante após a cessação do REGS, não pode deduzir à sua coleta o PEC que foi suportado pela dominada, nem impor que seja a anterior entidade dominante a pedir o reembolso do PEC suportado pela reclamante, esta situação provocaria um enriquecimento justificado da dominante.
Considera que cessados os efeitos dos RETGS, as sociedades são tributadas individualmente, afigura-se senão logico que os PEC’s pagos por estas entidades nos períodos anteriores, e que não puderam ser deduzidas a coleta de grupo, devam ser individualmente imputados a cada uma das sociedades que integravam o perímetro do Grupo.
Conclui que a anterior sociedade dominante é titular de um crédito de PEC em valor suficiente para cobrir a coleta apurada no exercício de 2017. Pelo que, deverá ser anulada a liquidação adicional, devendo ser totalmente considerado o valor inserido no campo 356 da Modelo 22 no montante de €11.761,56
E caso assim não se entenda, no limite dever-se-ia admitir a dedução á coleta do exercício de 2017 da totalidade do PEC apurado pela reclamante nesse ano, no valor de €5.398,14.
IV – DESCRIÇÃO SUMARIA DOS FACTOS
Da consulta ao sistema informático da AT, constata-se o seguinte:
- Na VISÃO DO CONTRIBUINTE – Relações Cessadas, verifica-se que a reclamante teve como dominante, a entidade B..., SGPS, SA, com o NIF..., desde o período de 2002/01/01 a 2016/12/31 (fl.33):
- Nas Declarações de IRC, constata-se que a reclamante até ao exercício de 2016 submeteu declarações na qualidade de Grupo, como entidade dominada “declarações não liquidáveis”, e em 2017, apos a cessação do grupo RETGS, submeteu a declaração modelo 22 individualmente, “declaração liquidada – Transf. Para Cobrança” (fl.314 a 315);
- No saldo PEC da reclamante, através da listagem, consta os pagamentos de PEC a partir da segunda prestação de 2017, a utilização por liquidação do exercício de 2017 e os pagamentos PEC de 2018
Nas Guias de Pagamentos Especiais por Conta verifica-se que, a primeira prestação do ano de 2017 ainda foi submetida e paga na ótica do Grupo, pela empresa Dominante. A segunda prestação já foi individual, ou seja, foram submetidas duas guias, uma guia submetida e paga pela reclamante, e a outra guia submetida e paga pela (anterior) dominante B... SGPS S A (fls. 36 a 38).
-No tocante à anterior Entidade Dominante (... – B... SGPS S A), apesar de, na visão do contribuinte constar que o grupo foi cessado em 2016/12/31, constata-se da consulta as Declarações de IRC, relativamente ao exercício de 2017, submeteu uma declaração individual, no Regime de Tributação de Grupo de Sociedade, como documento “Não Liquidável” (... datada de 2018/06/18), (fl. 39 a 41).
- Da consulta ao Saldo de PEC (fl.42), da anterior Entidade Dominante B... SGPS S A, verifica-se que foram efetuados, todos os anos, pagamentos de PECS, sem qualquer utilização de PEC por liquidação enquanto grupo de sociedades, (último pagamento efetuado 31/03/2017).
V -ANÁLISE DO PEDIDO E PARECER
A Reclamante esteve abrangida pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedade desde o período de 2002/01/01 a 2016/12/31.
Foi deliberado em Assembleia Geral datada de 26/05/2017, que para efeitos da cessação do RETGS, que o período de tributação se reporta a 31/12/2016, conforme o estipulado na alínea c) do nº 9 do artigo 69º do CIRC.
A reclamante no exercício de 2017, deduziu à coleta € 11.761,56 referente aos PEC que efetuou no exercício de 2013 e 2014, durante o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedade.
A AT efetuou uma liquidação adicional à entidade dominada, ora reclamante, relativa ao exercício de 2017, tendo como objetivo a retificação do montante de € 11.761,56 para €2.699,07, inserido no Quadro 10, no Campo 356 – Pagamento Especial por Conta, da declaração modelo 22.
O PEC considerado pela AT, no valor de €2.699,07, corresponde à guia submetida e paga pela reclamante, fora do Grupo referente à segunda prestação do PEC.
Quando cessa a aplicação do RETGS a um Grupo, deverá ser a Entidade Dominante a reportar os PEC efetuados e ainda não deduzidos à coleta no âmbito do grupo, podendo, decorridos os períodos de direito à coleta no âmbito do grupo, podendo, decorridos os períodos de direito à dedução, solicitar o reembolso da parte não deduzida, nos termos do nº 3 do art.º 93º do CIRC.
Por conseguinte, o PEC reclamado no valor de €11.761,56, relativo aos pagamentos efetuados durante aplicação do RETGS ao Grupo, apenas poderá ser recuperado através de reembolso, solicitado pela entidade Dominante –B... SGPS S A e até ao termos do prazo previsto para o direito ao reembolso.
No tocante à primeira prestação do PEC, verifica-se que foi efetuada através duma guia submetida e paga pela entidade Dominante, apos os efeitos da cessação do grupo, mas antes da deliberação da Assembleia, consequentemente a sua recuperação, deverá ser efetuada pela mesma entidade que a submeteu.
Contudo, apesar de o PEC ser devido em março, apos efeitos da cessação do grupo, como a deliberação foi em maio, a guia referente a 1ª prestação, relativa à reclamante, anteriormente entidade dominada foi submetida pela entidade Dominante.
Pelo que, deverá ser a entidade dominante, a recuperar os PEC efetuados e não deduzidos, no âmbito do grupo.
Assim a reclamante apenas pode deduzir os PEC que submeteu, como foi retificado pela AT na liquidação adicional.
VI – CONCLUSÃO
Do exposto, concluir-se que, a liquidação adicional não enferma de qualquer ilegalidade.
Assim, e dado que não se verifica, in casu os pressupostos do nº1 do artigo 43º da LGT, não assiste à reclamante o direito a juros indemnizatórios.
VII – PROPOSTA DE DECISÃO
Propõe-se o indeferimento da reclamação, de acordo com os fundamentos da presente informação.
À Consideração Superior.
V) A Requerente não efetuou o pagamento do imposto notificado.
X) Pelo Serviço de Finanças de Oeiras-... foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2018... para a cobrança coerciva da alegada dívida tributária.
Z) Para suspensão do processo de execução fiscal ...2018..., a Requerente prestou a garantia bancária n.º..., emitida pelo E... em 04.01.2019, no valor de € 11.794,90 (Cfr. documento nº 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
AA) Até á data da apresentação do presente pedido, a Requerente suportou custos de prestação e manutenção da garantia bancária que somam € 393,91 (Cfr. documentos nº 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dão como reproduzidos).
AB) Em 13 de setembro de 2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
AC) Até à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo, a ex-sociedade dominante, B... SGPS não apresentou qualquer pedido de reembolso de PEC’s.
2. Fundamentação da matéria de facto dada como provada
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, cuja autenticidade não foi colocada em causa, bem como nas posições assumidas pelas partes nos articulados apresentados.
3. Factos não provados
Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
IV. Matéria de Direito
1. Da legalidade da liquidação de IRC
Como bem sintetiza a Requerente, a questão objeto do presente pedido de pronúncia arbitral é a de saber como se processa a dedução dos PEC’s que não possam ter sido deduzidos ao nível do grupo nos períodos de aplicação do RETGS, quando ocorre a cessação do RETGS.
Segundo a Requerente, a solução para esta questão não foi expressamente prevista na letra da Lei.
Ainda no entender da Requerente, quer a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, quer a liquidação de IRC em crise, são ilegais na medida em que negam a dedução à coleta (individual) da Requerente do valor dos PEC’s apurados individualmente e por si suportados suportados durante os períodos de tributação em que foi aplicado o RETGS, dado que “não existe na Lei uma norma que preveja que terminada a aplicação do RETGS, os PEC’s entregues ao Estado durante os períodos de tributação em que se aplicou o regime não podem ser imputados a cada uma das sociedades que integravam o Grupo, ou que determine que o valor dos PEC não são dedutíveis à coleta de cada uma das sociedades que integrasse o Grupo.”
No entender da AT, uma vez cessados os efeitos do RETGS relativamente a todas as sociedades do Grupo, apenas a ex- Dominante pode reportar os PEC’s não deduzidos ao nível do grupo.
Mais entende a AT que quando cessa a aplicação do RETGS a um Grupo, deverá ser a Entidade Dominante a reportar os PEC efectuados e ainda não deduzidos à colecta no âmbito do grupo, podendo, decorridos os períodos do direito à dedução, solicitar o reembolso da parte não deduzida, nos termos do n.º 3 do art.º 93.º do CIRC.
Pelo que, também no entender a AT, os PEC’s reclamados no valor de €11.761,56, relativo aos pagamentos efectuados durante a aplicação do RETGS ao Grupo, apenas pode ser recuperado através do reembolso, solicitado pela ex- dominante B... SGPS SA e até ao termo do prazo previsto para o direito ao reembolso.
O RETGS é um regime fiscal de tributação em que os grupos de sociedade podem optar para determinar uma matéria coletável conjunta das empresas pertencentes ao grupo.
O artigo 69.º do Código do IRC (CIRC) define a opção para uma tributação dos grupos de sociedades.
Este Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) estabelece que a sociedade dominante tem a opção de determinar uma matéria coletável conjunta em relação a todas as sociedades do grupo.
O nº 2 do artigo 69.º do CIRC estabelece que existe grupo de sociedades, em que se pode aplicar o RETGS, quando uma sociedade dita dominante detenha, direta ou indiretamente, pelo menos, 75% do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas e desde que tal participação lhe confira mais de 50% dos direitos de voto e, ainda, quando essa participação seja detida há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime.
A opção pelo regime deve ser comunicada à Autoridade Tributária e Aduaneira, pela sociedade dominante, na declaração de alterações apresentada, via Internet (Portal das Finanças), devendo preencher o Quadro 24, até ao fim do terceiro mês do período de tributação em que se pretende iniciar a aplicação do regime.
O lucro tributável do grupo de sociedades é determinado pela soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, e não por qualquer lucro consolidado determinado em termos contabilísticos.
As sociedades individualmente envolvidas, incluindo a sociedade dominante, bem como o grupo de sociedades, sendo entidades que exercem, a título principal, uma atividade comercial, industrial ou agrícola, estão sujeitas às normas de pagamento de imposto previstas nos artigos 104.º a 107.º do CIRC, sendo que, de acordo com o artigo 115.º, a sociedade dominante tem a responsabilidade pelo pagamento do imposto.
Os pagamentos por conta das sociedades abrangidas pelo RETGS são efetuados apenas pela sociedade dominante, com base no imposto liquidado por esta, nos termos do n.º 1 do artigo 90.º (coleta), relativamente ao exercício imediatamente anterior àquele em que se devam efetuar esses pagamentos, líquido da dedução a que se refere a alínea f) do n.º 2 do mesmo artigo (retenções na fonte efetuadas por terceiros).
Apenas no primeiro exercício e no exercício seguinte da determinação do IRC pelo RETGS existem regras distintas de cálculo dos pagamentos por conta do grupo de sociedades, conforme os nº 5 a 7 do artigo 105º do CIRC.
No primeiro exercício de aplicação do RETGS, os pagamentos por conta são efetuados por cada uma das sociedades do grupo, sendo o total destas importâncias tido em consideração para cálculo do imposto a pagar ou a recuperar pela sociedade dominante. Nos exercícios seguintes, têm por base a coleta correspondente ao lucro tributável do grupo.
Os prejuízos das sociedades do grupo verificados em exercícios anteriores ao do início de aplicação do RETGS só podem ser deduzidos ao lucro tributável do grupo até ao limite do lucro tributável da sociedade a que respeitam, conforme a alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do CIRC.
Quando se opte pelo RETGS, sendo devido um PEC por cada uma das sociedades do grupo, incluindo a sociedade dominante, cabe a esta última as obrigações de determinar o valor global do PEC, deduzindo o montante dos pagamentos por conta respetivos, e de proceder à sua entrega, em conformidade com o disposto no n.º12 do artigo 106.º do Código do IRC.
Assim, a sociedade dominante deve proceder ao somatório dos PEC das várias sociedades do grupo, incluindo da sociedade dominante, abatendo a esse somatório os pagamentos por conta efetuados pelo grupo no exercício. Estes pagamentos por conta devem ser abatidos ao somatório e não ao cálculo individual de cada PEC.
No preenchimento de cada uma das Modelo 22 individuais das sociedades do grupo, a sociedade deve colocar no campo 701 – "Resultado Líquido do Período”, o respetivo resultado líquido apurado nas suas demonstrações financeiras individuais, que esta efetivamente influenciado pela estimativa do imposto efetuada com base no RETGS.
No entanto, tal não tem qualquer impacto na determinação do lucro tributável (ou prejuízo fiscal) de cada uma das sociedades do grupo, pois o imposto estimado (qualquer que seja o seu valor) é acrescido para a determinação do lucro tributável no campo 724 ou campo 725 do Quadro 07 da Mod. 22.
Nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 120.º do CIRC, cada sociedade pertencente ao grupo, em que se esteja a aplicar o RETGS, incluindo a sociedade dominante, deve continuar a entregar uma declaração Modelo 22 individual nos termos gerais do CIRC como se o referido regime não estivesse a ser aplicado. De seguida, essa sociedade dominante irá entregar uma declaração modelo 22 especial, com a opção pelas regras do RETGS.
Todavia, o eventual IRC a pagar ou a reembolsar determinado nessas Modelos 22 individuais não tem qualquer relevância, sendo substituído pelo imposto a pagar ou a reembolsar determinado no âmbito do RETGS.
Enunciado os princípios do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, importa atentar na questão específica da dedução/reembolso dos pagamentos especiais por conta (PEC).
Da matéria de facto dada como provada, decorre que o Grupo iniciou a aplicação do RETGS em 01/01/2002 e a sua cessação ocorreu em 31/12/2016, pelo que importa para os presentes autos, analisar a dedução do PEC após a cessação do RETGS ao grupo.
Nos períodos de tributação anteriores a 1 de janeiro de 2013, o PEC a entregar nos termos do n.º 12 do art.º 106.º do CIRC, é igual à soma dos PEC individuais, calculados com base no n.º 2 do art.º 106.º do CIRC deduzida do pagamento por conta do grupo e/ou dos PEC individuais, calculados com base no n.º 5 do art.º 105.º do CIRC.
Todavia, a partir de 1 de janeiro de 2013, o apuramento do PEC do grupo deve ser calculado individualmente por cada sociedade, como se estas não pertencessem ao grupo, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art.º 106.º do CIRC, sendo o PEC a entregar pela sociedade igual ao somatório destes valores.
Por conseguinte, no caso dos autos, o cálculo do PEC, no âmbito do RETGS, continua a ser determinado numa base individual e entregue pela sociedade dominante, passando a ser considerado como montante a deduzir, o valor dos pagamentos por conta que seriam devidos se o regime não fosse aplicável.
Dispõe o artº 93º do CIRC, sob a epígrafe “Pagamento especial por conta”, que:
1 - A dedução a que se refere a alínea d) do n.º 2 do artigo 90.º é efetuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao 6.º período de tributação seguinte, depois de efetuadas as deduções referidas nas alíneas a) a c) do n.º 2 e com observância do n.º 9, ambos do artigo 90.º
2 - Em caso de cessação de atividade no próprio período de tributação ou até ao 6.º período de tributação posterior àquele a que o pagamento especial por conta respeita, a parte que não possa ter sido deduzida nos termos do número anterior, quando existir, é reembolsada mediante requerimento do sujeito passivo, dirigido ao chefe do serviço de finanças da área da sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em que estiver centralizada a contabilidade, apresentado no prazo de 90 dias a contar da data da cessação da atividade.
3 - Os sujeitos passivos podem ainda, sem prejuízo do disposto no n.º 1, ser reembolsados da parte que não foi deduzida ao abrigo do mesmo preceito no final do período aí estabelecido, mediante requerimento do sujeito passivo, dirigido ao chefe do serviço de finanças da área da sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em que estiver centralizada a contabilidade, apresentado no prazo de 90 dias a contar do termo daquele período.
É entendimento do Tribunal que, no regime jurídico português, a substância económica do regime de tributação especial dos grupos de sociedades assenta na possibilidade de determinação de uma base de tributação comum e não se assume como um modelo de consolidação total e pleno.
Ou seja, aquilo que existe é um modelo de Group Pooling que permite a agregação dos resultados individuais de cada membro do grupo societário (rendimentos e perdas) por forma a permitir-se a compensação.
É certo que a gestão dessa agregação é da competência da sociedade dominante, mas não implica a perda da existência jurídica individual e das obrigações fiscais individuais de cada uma das sociedades dominadas.
Daí resultam implicações práticas na forma como os direitos e as obrigações fiscais são tratados.
Com efeito, a alteração da composição do grupo societário ou a passagem de uma entidade de grupo empresarial para outro grupo empresarial não implica dissolução da entidade nem afasta os seus direitos e as suas obrigações, uma vez que a entidade continua a ser juridicamente autónoma.
E esta concepção coaduna-se com o disposto no artigo 70.º, n.º 1, do Código do IRC, que prevê que, não obstante a agregação dos resultados, cada entidade pertencente ao grupo tem de apresentar declaração periódica individual, sendo com base nessas múltiplas declarações individuais – devidas por cada um dos membros do grupo – que a sociedade dominante poderá calcular o lucro tributável do grupo.
Ou seja, não há a criação de um novo sujeito passivo de imposto, mas antes a sujeição a um regime especial de tributação (sobre estes aspectos, cfr. o acórdão do CAAD proferido no Processo n.º 133/19-T).
Sendo este o regime jurídico aplicável, não pode sequer configurar-se uma lacuna de regulação legal no que se refere à dedução dos pagamentos especiais por conta de que as empresas eram já titulares.
É certo que questão dos autos não deixa de ser controversa, pois o legislador não primou pela clareza na solução a dar às questões da dedução/recuperação dos PEC’s quando cessa a aplicação do RETGS a um Grupo.
No entendimento da AT, a dedução dos PEC deverá ser efectuada pelo grupo, perdendo a sociedade ex- dominada, a aqui Requerente, o direito à sua dedução após a saída do perímetro. E apenas isso.
Todavia, o RETGS e, em especial, o artigo 93.º do CIRC, não pode deixar de merecer uma interpretação à luz dos elementos teleológico, sistemático, bem como dos pertinentes parâmetros constitucionais, designadamente o princípio Constitucional da Tributação do Lucro Real, previsto no n.º 2 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa.
E, não se olvide, que após a saída da aqui Requerente do perímetro do grupo, este na verdade deixou de existir uma vez que do “Grupo” apenas faziam parte a ora Requerente e a sociedade B... SGPS S.A., como sociedade dominante.
Por conseguinte, não tendo os PEC’s individualmente apurados e suportados pela Requerente sido deduzidos à coleta do Grupo em nenhum dos períodos de tributação em que se aplicou o RETGS, tendo o RETGS cessado os efeitos da vigência a 31.12.2016, relativamente a todas as sociedades do Grupo (que deixou de existir) , tendo a Requerente apurado coleta de € 11.761,56 no período de 2017, é entendimento deste Tribunal que Requerente podia deduzir à coleta do exercício de 2017, e até à concorrência da mesma, os PEC’s pagos nos períodos de tributação de 2013 e 2014, ao abrigo do artigo 93º nº 1 do CIRC.
Como bem refere a Requerente na sua petição, sem prejuízo da aplicação do RETGS, o PEC entregue ao Estado pela sociedade Dominante sempre foi apurado por referência a cada uma das sociedades individualmente consideradas que integravam o grupo – no caso, a ex Dominante B... SGPS e a ora Requerente, tendo sido sempre a sociedade ex dominada, aqui Requerente, quem suportou o pagamento do PEC que lhe era imputado e que apenas, em atenção ao RETGS, que apenas foi entregue nos cofres do Estado pela sociedade Dominante. (cfr. artigo 106.º, n.º 12 do CIRC).
E compreende-se que esteja também aqui em causa os princípios da justiça material e da proporcionalidade que devem nortear a actividade da AT.
Finalmente, entende ainda este Tribunal que a interpretação das normas em causa é a única que se harmoniza com o princípio da eficiência que constitui parâmetro interpretativo da norma ordinária.
Conclui-se, assim, ser manifestamente errónea a interpretação da Requerida do artigo 93.º CIRC, enfermando o ato de liquidação em causa de erro nos pressupostos de facto e direito.
Este vício justifica a anulação da liquidação impugnada, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
O indeferimento expresso da reclamação graciosa enferma do mesmo vício, já que se mantém a liquidação, com os fundamentos que constam do Despacho de indeferimento do Chefe de Divisão da Direção de Finanças da DF Lisboa -... .
Os juros de mora integram-se na própria dívida do imposto, pelo que a liquidação de juros de mora é afectada pelo vício que afecta a liquidação de IRC.
Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerações, impõe-se concluir que a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2018..., de 20 de agosto de 2018, relativa a IRC do ano de 2017, no valor de € 9.127,51 (nove mil cento e vinte e sete euros e cinquenta e um cêntimos), é ilegal, devendo ser anulada.
2. Questão do pedido de indemnização por garantias indevidas
No pedido de pronúncia arbitral consta expressamente o seguinte:
“Para suspensão do referido processo de execução fiscal, a Requerente prestou a garantia bancária n.º..., emitida pelo E... em 04.01.2019, no valor de € 11.794,90, conforme Documento n.º 7 que se junta, e se dá por reproduzida, para os devidos efeitos legais.” (artº 21º do PPA);
“Até á data da apresentação do presente pedido, a Requerente suportou custos de prestação e manutenção da garantia bancária que somam € 393,91, conforme o provam os comprovativos bancários que se juntam como Documento n.º 8 e que se dão por reproduzidos, para todos os efeitos legais.” (artº 22º do PPA);
“Assim, tendo sido prestada garantia bancária para suspender a execução - conforme se demonstrou pela junção do Doc. 7, para o qual se remete para todos os efeitos legais - , em caso de procedência do presente pedido de pronúncia arbitral, deve a ora Requerente ser indemnizada pelos prejuízos resultantes da prestação indevida da referida garantia, ao abrigo do artigo 53º da Lei Geral Tributária.” (artº 68º do PPA).
E na parte do Pedido, a Requerente requer:
“(…) em caso de procedência do presente pedido, o pagamento de indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária, ao abrigo do disposto no artigo 53.º da LGT.”.
Na sua Resposta (vide em especial o artº 13º), a AT não põe em causa ter sido prestada a garantia.
Com a constituição, apresentação, manutenção e cancelamento das garantias bancárias para suspender o processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva da quantia liquidada, a Requerente incorreu em despesas, cujo montante não surge quantificado, na sua total extensão, até à presente data.
O artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda».
Conforme temos vindo a entender (vide, a título de exemplo, na decisão do Processo 39/2018-T do CAAD), parece inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação e sua imputabilidade.
O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.
A referência à «liquidação» na expressão «houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo» deve ser entendida em sentido lato, como reportando-se ao procedimento de liquidação, constituído pelo conjunto de actos tendentes à definição de uma obrigação de pagamento do montante de um tributo por um determinado sujeito passivo, abrangendo não só a liquidação stricto sensu (constituída pelo acto em que se determina a colecta, efectuando as operações aritméticas de cálculo do tributo a pagar), mas também a fase de lançamento (em que se determinam os sujeitos passivos e a matéria colectável ou tributável e a taxa a utilizar no caso de serem potencialmente aplicáveis mais que uma).
É com esse sentido lato que a expressão «liquidação» é utilizada, por exemplo, nos artigos 54.º, n.º 1, alínea b), da LGT e 10.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, em que não se indicam competências da Administração Tributária especificamente referentes ao lançamento dos tributos.
Mas, insere-se ainda no procedimento de liquidação a respectiva notificação ao destinatário, pois, antes da notificação, as operações realizadas são meros actos internos, livremente revogáveis, que não definem a posição da Administração Tributária em relação ao contribuinte.
Aliás, na maior parte dos casos, os erros dos actos de liquidação não resultam do próprio acto que concretiza as operações aritméticas de determinação do tributo a pagar, mas de outros actos do procedimento que lhe estão subjacentes pelo que não se compreenderia uma interpretação do termo «liquidação» utilizado no n.º 2 do artigo 53.º com o sentido restrito, pois não há razões para distinguir, para efeitos de indemnização pelos prejuízos sofridos com a prestação de garantia, entre as lesões provocadas por actos não renováveis em que os vícios se reportam ao próprio acto de liquidação e as que derivam de vícios de outros actos do respectivo procedimento de liquidação.
Para além disso, o sentido lato referido é a interpretação que melhor se compagina com a expressão «liquidação», a qual é adequada a referenciar todo o procedimento de liquidação - sendo antes utilizada para referenciar o sentido estrito, por mais precisa, a expressão «acto de liquidação».
A isto acresce que o artigo 53.º da LGT visa facilitar aos lesados por uma actuação ilegal da Administração Tributária a reparação a que constitucionalmente têm direito (artigo 22.º da CRP) e o princípio da igualdade impõe que esse direito seja reconhecido a todos os contribuintes que suportaram despesas com prestação de garantias, por ter sido praticado um acto de liquidação que enferme de uma ilegalidade que inviabiliza a sua renovação, como é o caso da caducidade do direito de liquidação.
Assim, tendo de presumir-se que o legislador consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), é de concluir que aquela expressão «erro imputável aos serviços na liquidação do tributo», abrange todas as ilegalidades que afectem a validade da liquidação, inclusivamente as relativas à sua notificação, que é o acto final do procedimento de liquidação, como está subjacente ao regime do artigo 45.º, n.º 1, da LGT.
Por conseguinte, é de concluir que a Requerente tem direito a ser indemnizada, pois o erro que afecta a validade das liquidações é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, e a garantia foi prestada para suspender o processo de execução fiscal instaurado com base nessa liquidação inválida.
Nestes termos, procede o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente, a título de indemnização, a quantia incorrida pelas despesas que suportou com a prestação da garantia bancária, a determinar, na sua total extensão, em execução da sentença, uma vez que a Requerente apenas provou custos incorridos até à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral (cfr. artº 22º do PPA e documento nº 8 junto com o PPA).
V. Decisão
Em face do exposto, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular o despacho de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa nº. ...2019..., de 17 de julho de 2019, e a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2018..., de 20 de agosto de 2018, relativa a IRC do ano de 2017, no valor total de € 9.127,51 (nove mil cento e vinte e sete euros e cinquenta e um cêntimos), que inclui € 121,05 (cento e vinte e um euros e cinco cêntimos) de juros de mora;
b) Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento à Requerente de uma indemnização pelas despesas incorridas com a prestação e manutenção de garantia bancária para a suspensão do processo de execução fiscal n.º ...2018..., em quantia a concretizar em sede execução da sentença, bem como determinar o levantamento da garantia bancária prestada.
VI. Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 9.127,51 (nove mil cento e vinte e sete euros e cinquenta e um cêntimos).
VII. Custas
De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 17 de dezembro de 2020
O Árbitro,
Pedro Miguel Bastos Rosado