Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 573/2019-T
Data da decisão: 2020-12-04  IRS  
Valor do pedido: € 80.204,83
Tema: IRS – Residente não habitual; Englobamento; opção.
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SUMÁRIO:

I.             Para que uma opção exercida pelo sujeito passivo numa primeira declaração de rendimentos entregue seja irreversível, é necessário que a lei o diga;

II.            Confrontada com duas opções incompatíveis feitas por um sujeito passivo na sua declaração de rendimentos, e resultando da prevalência de uma ou de outra tributação significativamente diferente, deve a AT, por força do disposto no n.º 5 do art.º 57.º do CIRS-2015, bem como dos princípios da cooperação e da boa-fé, indagar se o contribuinte pretende ou não manter as opções incompatíveis, esclarecendo-o das consequências, ao nível da concreta tributação, das opções que pretenda manter.

 

DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 29 de Agosto de 2019, A..., contribuinte n.º..., e B..., casados, ambos residentes na ..., Apartado ..., ...-... Vila Nova de Cacela, apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando, de forma imediata, a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRS n.º 2015..., no valor de €30.616,14 e do acto de liquidação de IRS n.º 2016 ... do qual resultou valor adicional a pagar de €49.588,69, ambos relativos ao período de tributação de 2014 e, de forma mediata, o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que teve as referidas liquidações como objecto.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alegam os Requerentes, em síntese, o seguinte:

 

i.             a opção pelo englobamento exercido no anexo E, não obriga ao englobamento de todos os rendimentos, nomeadamente, dos rendimentos de fonte estrangeira relativamente aos quais se tenha optado pela aplicação do método de isenção;

ii.            a AT foi além da natureza meramente anulatória da reclamação graciosa, tendo aproveitado esse procedimento para incluir novos rendimentos (supostamente) obtidos pelos Requerentes e emitir novas liquidações, quando o que deveria ter feito seria abrir um procedimento autónomo e oficioso, nos termos do n.º 7 do artigo 59.º do CPPT, através do qual averiguaria a existência de eventuais rendimentos não declarados;

 

3.            No dia 30-08-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 22-10-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 21-11-2019.

 

7.            No dia 07-01-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, abstiveram-se as partes de as apresentar.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as eventuais prorrogações, determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            Os Requerentes são casados e foram residentes para efeitos fiscais em território português no ano de 2014.

2-            Os Requerentes beneficiam do Estatuto de Residentes Não Habituais, pelo período de 2013 a 2022.

3-            Em 30-05-2015, os Requerentes submeteram via Internet, a declaração Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2014, identificada pelo n.º ... .

4-            Os Requerentes declararam um rendimento global de €102.397,70.

5-            A referida declaração Modelo 3 de IRS, foi apresentada com:

•             1 anexo E - rendimentos de capitais auferidos em Portugal, no qual os Requerentes declararam rendimentos no valor de €15.000,00;

•             2 anexos J - rendimentos auferidos no estrangeiro, nos quais os Requerentes declararam rendimentos no valor de €87.397,70;

•             2 anexos L - rendimentos auferidos por sujeitos passivos com estatuto de residentes não habituais.

6-            Tanto por referência aos rendimentos de fonte portuguesa, como por referência aos rendimentos de fonte estrangeira, os Requerentes optaram pelo englobamento.

7-            No anexo L, quadro 6, os Requerentes optaram pela tributação autónoma e pelo método de isenção como mecanismo de eliminar a dupla tributação internacional.

8-            Na sequência disso, em 20-08-2015, os Requerentes foram notificados da liquidação n.º 2015..., no valor de €30.616,14.

9-            Na referida liquidação, a AT não aplicou a isenção prevista nos n.ºs 4 e 5, do artigo 81.º do Código do IRS para os residentes não habituais.

10-         Em 27-08-2015, os Requerentes apresentaram, via Internet, declaração de substituição de IRS relativa ao ano de 2014, identificada pelo n.º ... .

11-         Na referida declaração de substituição, os Requerentes apenas alteraram o campo 451 dos anexos J, passando a constar que não optavam pelo englobamento dos rendimentos declarados no campo 408.

12-         A declaração Modelo 3 de substituição foi convolada em reclamação graciosa que deu origem ao processo de reclamação graciosa n.º ...2015... .

13-         Para efeitos de apreciação da reclamação graciosa, os Requerentes juntaram documentos comprovativos dos rendimentos por si auferidos e declarados.

14-         Através da informação n.º .../2015, de 24-09-2015, prestada pela DSRI, a AT constatou que o Requerente marido obteve rendimentos de dividendos de fonte francesa no valor de € 97.500,00.

15-         Através do ofício n.º..., de 15-10-2015, os Requerentes foram notificados do projecto de decisão da reclamação graciosa, no qual se propunha o deferimento parcial.

16-         A proposta de decisão foi convertida em definitiva através do Ofício n.º..., de 30-10-2015.

17-         Em resultado da decisão do processo de reclamação graciosa, em 23-11-2015, os Requerentes foram notificados de uma nova liquidação de IRS identificada pelo n.º 2015 ... e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2015..., na qual se apurou imposto no montante de €33.736,22, resultando imposto a pagar no valor de €3.120,08.

18-         Nesta 2ª liquidação, o rendimento global dos Requerentes passou de €102.397,70 para €108.716,45.

19-         Os Requerentes não foram notificados da fundamentação que originou o aumento de rendimentos considerados pela AT, nem foram notificados para exercer direito de audição sobre a mesma.

20-         Não se conformando com esta 2ª liquidação, em 26-01-2016, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa n.º ...2016... .

21-         Através do ofício datado de 24-02-2016, foi proposto o indeferimento da reclamação graciosa.

22-         Posteriormente, a proposta de decisão foi convertida em definitiva através da decisão final constante do Ofício n.º..., datado de 11-03-2016.

23-         Em 01-03-2016, os Requerentes apresentaram uma nova exposição que foi convolada oficiosamente em reclamação graciosa, tendo-lhe sido atribuído o n.º ...2016... .

24-         A referida reclamação graciosa veio a ser indeferida através da decisão constante do Ofício n.º..., de 05-09-2016.

25-         Os Requerentes apresentaram recurso hierárquico tendo por objecto a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, ao qual foi atribuído o n.º ...2016... .

26-         O recurso hierárquico foi indeferido através da decisão constante do Ofício n.º..., de 06-11-2018.

27-         Em 20-07-2016, os Requerentes foram notificados de uma nova liquidação de IRS n.º 2016... e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2016..., relativa ao ano de 2014, na qual foi apurado imposto no montante de €83.324,91.

28-         Nesta liquidação foi adicionado ao rendimento global, o montante ilíquido dos dividendos de fonte francesa obtidos pelo Requerente em 2014, no montante de €97.500,00.

29-         O rendimento global dos Requerentes foi incrementado de €108.716,45 para €206.216,45.

30-         Em 16-01-2019, os Requerentes apresentaram pedido de revisão oficiosa onde peticionaram a anulação da primeira (n.º 2015...) e terceira (n.º 2016...) liquidações atrás referidas.

31-         Até ao momento da apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes não haviam sido notificados da decisão do pedido de revisão oficiosa, pelo que presumiram o seu indeferimento tácito.

32-         Os Requerentes aderiram ao Programa Especial de Redução do Endividamento do Estado, consagrado no Decreto-Lei n.º 67/2016, de 3 de Novembro, tendo efectuado o pagamento parcial da dívida resultante das liquidações, em montante, à data da apresentação do pedido arbitral, de € 24.897,00.

33-         Após interpelação da AT quando à propositura do presente pedido de pronúncia arbitral, foi decidido, através de despacho da Sra. Subdiretora-Geral do Rendimento, dar provimento parcial ao solicitado, por entender que “ainda que se tenha verificado em sede de reclamação graciosa a existência de rendimentos relativos a dividendos auferidos no estrangeiro, omissos na declaração entregue pelos contribuintes, tal correção aos rendimentos não poderia ser efetuada no âmbito daquele procedimento, mas sim através de um procedimento autónomo devidamente fundamentado e notificado aos sujeitos passivos, conforme artigos 65.º e 66.º, ambos do CIRS”.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

i. do objecto do processo:

                Conforme resulta do Requerimento inicial apresentado, os Requerentes pretendem a anulação dos actos de liquidação de IRS n.º 2015..., no valor de €30.616,14 e n.º 2016 ... do qual resultou valor adicional a pagar de €49.588,69.

                O acto de liquidação n.º 2016..., tem o valor de €83.324,91, sendo aquele valor indicado pelos Requerentes, o correspondente à diferença entre aquele valor de €83.324,91, e o valor liquidado em actos anteriores, ou seja, no já referido acto de liquidação de IRS n.º 2015..., no valor de €30.616,14, e no acto de liquidação de IRS n.º 2015..., no valor de €33.736,22.

                Conforme tem sido profusamente explicado pela doutrina e pela jurisprudência, “o acto tributário adicional é aquele através do qual a Administração Fiscal, verificando que mercê de uma omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. Ao invés do que sucede com a anulação, o acto adicional não revoga o acto tributário viciado. Porque se trata de uma nulidade simplesmente parcial, a lei mantém todos os efeitos do acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração, pela prática de um novo acto, titule juridicamente o excedente ou diferença que não fora previamente objecto de declaração. Longe de o destruir, o novo acto “adiciona-se” ao primeiro concorrendo ambos para a clarificação da prestação legalmente devida” .

                Ou seja, e em suma, cada acto de liquidação adicional, revoga por substituição as liquidações anteriores, na parte em que for inovador, mantendo-se na ordem jurídica a definição do Direito operada nos actos tributários precedentes, relativamente à qual o novo acto é meramente confirmatório.

                Assim, sendo, como se deverá entender que é, haverá que ter presente que a presente acção arbitral incide sobre os referidos actos de liquidação de IRS n.º 2015..., no valor de €30.616,14 e n.º 2016... do qual resultou valor adicional a pagar de €49.588,69, conforme expressamente indicado pelos Requerentes, ficando de fora do objecto daquela o acto de liquidação de IRS n.º 2015..., que liquidou adicionalmente o montante de € 3.120,08, como também expressamente os Requerentes indicam .

 

*

ii. Do fundo da causa

a.            Da liquidação de IRS n.º 2015 ...

Relativamente a este acto de liquidação, está ora em causa aferir da consideração, ou não, da opção, que os Requerentes pretendem exercer, de não englobamento dos rendimentos de fonte estrangeira relativamente aos quais optaram pela aplicação do método de isenção.

                Efectivamente, e como resulta dos factos dados como provados, os Requerentes,           no anexo L, quadro 6, optaram pela tributação autónoma e pelo método de isenção como mecanismo de eliminar a dupla tributação internacional.

                Não obstante, a AT não aplicou a isenção prevista nos n.ºs 4 e 5, do artigo 81.º do Código do IRS para os residentes não habituais, emitindo a liquidação ora em apreciação.

                Não tendo sido emitida nenhuma fundamentação contemporânea à emissão daquela , verifica-se que, a posteriori, a AT externou o entendimento de que, uma vez que no quadro relativo aos rendimentos da categoria E os ora Requerentes preencheram o quadro 4B, opção de englobamento de rendimentos, o que determinou, na perspectiva da AT, e à luz dos n.ºs 4 e 5 do art.º 22.º do CIRS aplicável, a obrigação de englobamento dos rendimentos auferidos em Portugal e no estrangeiro, motivo pelo qual a opção pelo método de isenção dos rendimentos auferidos no estrangeiro, exercida no Anexo L, não foi considerada.

                Assim, e antes de mais, e como o STA esclareceu já no seu Acórdão de 29-06-2016, proferido no processo 099/16, “Para que a opção exercida pelo sujeito passivo na primeira declaração de rendimentos entregue fosse irreversível, como administrativamente pretendido, necessário era que a lei o dissesse”.

                Não resultando, de parte alguma do CIRS aplicável que a opção pelo englobamento dos rendimentos da categoria E, é irreversível, nada impede os Requerentes de a reverterem, como, desde o início das suas intervenções em sede graciosa, inequivocamente manifestaram ser seu propósito.

                Daí que, em todas as decisões graciosas emitidas ao longo do processo, incluindo no indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que abriu a presente via contenciosa, carecesse de qualquer fundamento a insistência da AT em remeter-se, de forma coriácea, ao preenchimento da Modelo 3 de IRS, efectuado pelos requerentes, desprezando, aquele que era o seu real propósito e intenção, claramente comunicado e facilmente perceptível.

                Assim, sendo evidente, de todo o processado, que – face ao entendimento da AT de que opção de englobamento de rendimentos da categoria E , determinava a obrigação de englobamento dos rendimentos auferidos em Portugal e no estrangeiro, com a consequente desconsideração da opção pelo método de isenção dos rendimentos auferidos no estrangeiro, exercida no Anexo L – o opção pelo englobamento dos rendimentos da categoria E foi motivada por erro, era aquela opção que deveria ser desconsiderada pela AT – conforme claramente expressado pelos contribuintes – e não a opção de isenção dos rendimentos auferidos no estrangeiro, exercida no Anexo L.

                Dito de outro modo, ao ter sido expressado inequivocamente pelos contribuintes que não era seu propósito exercer a opção pelo englobamento dos rendimentos da categoria E, com as consequências daí retiradas pela AT, o que a esta se impunha, por respeito à opção do contribuinte, era liquidar imposto, como se aquela opção não tivesse sido exercida, e atendendo às restantes, ou seja, e no que para o caso interessa, a opção de isenção dos rendimentos auferidos no estrangeiro, exercida no Anexo L.

                Deste modo, o entendimento da AT de que opção de englobamento de rendimentos da categoria E, que determinou à luz dos n.ºs 4 e 5 do art.º 22.º do CIRS aplicável, a obrigação de englobamento dos rendimentos auferidos pelos Requerentes em Portugal e no estrangeiro é ilegal, sendo-o, consequentemente, a liquidação por si operada com base em tal entendimento, por erro nos pressupostos de facto, dado que, no uso da faculdade que lhes é reconhecida pelo STA, na jurisprudência acima citada, os Requerentes reverteram a opção assinalada na sua modelo 3, de englobamento de rendimentos da categoria E, pelo que nenhum óbice há, designadamente o indicado pela AT, a que opere a de isenção dos rendimentos auferidos no estrangeiro, exercida por aqueles no Anexo L.

                Ainda que assim não fosse, e como o os Requerentes apontam, o n.º 5, do art.º 57.º do Código do IRS, na redacção em vigor à data dos factos, dispunha que:

“Sempre que as declarações não forem consideradas claras ou nelas se verifiquem faltas ou omissões, a Autoridade Tributária e Aduaneira notifica os sujeitos passivos ou os seus representantes para, por escrito, e no prazo que lhes for fixado, não inferior a 5 nem a superior a 15 dias, prestarem os esclarecimentos indispensáveis.”.

                No caso, confrontada com a declaração dos Requerentes, a AT confrontou-se, face à interpretação que fez da Lei, com duas opções que entendeu conflituantes, ou seja, com a opção pelo englobamento de rendimentos da categoria E, e pela isenção dos rendimentos auferidos no estrangeiro.

                Sendo, no caso, evidente e notório, face à disparidade desproporcionada da tributação resultante de uma e outra opção, deveria, ab initio, a AT ter considerado que – no enquadramento legal por si operado, a vontade dos Requerentes seria a de prevalência da isenção dos rendimentos auferidos no estrangeiro, ainda que à custa da desconsideração da opção, por si assinalada, de englobamento dos rendimentos da categoria E.

                Sem prejuízo disso, e mesmo que dúvidas tivesse, incumbiria à AT, nos termos do supra-indicado artigo 57.º, n.º 5, do CIRS aplicável, que mais não é do que uma expressão dos princípios gerais da boa-fé e da cooperação, esclarecer tais dúvidas junto dos contribuintes.

                Ao abster-se de o fazer, avançando para a tributação que aplicou, incorreu a AT na violação daquela norma.

                Assim, e face ao exposto, deve ser anulada a liquidação de IRS n.º 2015..., na parte em que desconsiderou a opção dos Requerentes pela isenção dos rendimentos auferidos no estrangeiro, procedendo, nesta parte, o pedido arbitral.

 

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                b. Da liquidação de IRS n.º 2016...

                Conforme resulta dos factos provados, nesta liquidação foi adicionado ao rendimento tributável global dos Requerentes, o montante ilíquido dos dividendos de fonte francesa obtidos pelo Requerente em 2014, no montante de €97.500,00.

                Conforme resulta igualmente dos mesmos factos dados como provados, a AT entende que “ainda que se tenha verificado em sede de reclamação graciosa a existência de rendimentos relativos a dividendos auferidos no estrangeiro, omissos na declaração entregue pelos contribuintes, tal correção aos rendimentos não poderia ser efetuada no âmbito daquele procedimento, mas sim através de um procedimento autónomo devidamente fundamentado e notificado aos sujeitos passivos, conforme artigos 65.º e 66.º, ambos do CIRS”.

                Assim, e sem necessidade de mais considerações, enfermando o acto de liquidação ora em apreço nos termos expressamente reconhecidos pela própria AT, deverá proceder, também nesta parte, o pedido arbitral, anulando-se aquele.

 

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                c. Dos juros

Quanto ao pedido acessório de restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios formulado pelos Requerentes, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afecta as liquidações adicionais anuladas é de considerar imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que as praticou sem o necessário suporte factual e legal.

Têm, pois, direito os Requerentes a ser reembolsados da quantia que pagaram indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos anulados e, ainda, a ser indemnizados do pagamento indevido através de juros indemnizatórios, desde a data do correspondente pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Anular os actos de liquidação de IRS do ano de 2014 n.º 2015..., no valor de €30.616,14, e n.º 2016 ... do qual resultou valor adicional a pagar de €49.588,69, bem como o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que teve as referidas liquidações como objecto;

b)           Condenar a AT na restituição do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados;

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 80.204,83, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 4 de Dezembro de 2020

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Suzana Fernandes da Costa)

 

O Árbitro Vogal

(Álvaro Caneira)