DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. No dia 23-02-2020, A..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, NIPC..., com morada na..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção actual (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a anulação do dos actos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2019..., relativo ao exercício de 2015, no que respeita à tributação autónoma de € 31.500,00, n.º 2019..., relativo ao exercício de 2016, no que respeita à tributação autónoma de € 15.750,00 e respectivos juros compensatórios, nos montantes de € 4.183,86 e € 1.461,94, a condenação da AT à restituição dos montantes indevidamente pagos e, ainda, ao pagamento dos juros indemnizatórios.
2. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que as liquidações em apreço são ilegais, por vício de violação de lei, na medida em que o artigo 88.º, n.º 13, alínea b), do Código do IRC não prevê a tributação autónoma sobre remunerações fixas, ainda que acessórias, de administradores ou gerentes, mas sim a tributação de bónus e outras remunerações variáveis.
3. No dia 24-02-2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 06-07-2020, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 05-08-2020.
7. No dia 30-09-2020, a AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
8. Alega a Requerente, em síntese, que:
i. O montante anual pago ao administrador não residente B..., a título de “Subsídio Anual” para despesas de expatriamento é uma das componentes do pacote remuneratório, enquanto benefício associado ao cargo exercido, tal como são os prémios, ou outras participações, consequentemente cabem na previsão do artigo 88.º, n.º 13, alínea b) do Código do IRC, estando sujeitas à taxa de tributação autónoma aí prevista.
ii. A sujeição a tributação autónoma dos gastos com “bónus e outras remunerações variáveis”, não está dependente da específica designação atribuída aos montantes pagos, sob pena de se abrir uma porta a todo o tipo de subterfúgios.
9. Em 15-10-2020, a AT juntou o Processo Administrativo.
10. Não tendo sido suscitada a verificação de qualquer excepção que obste ao conhecimento do mérito da questão controvertida e atenta a natureza da mesma, tratando-se essencialmente de matéria de direito, por despacho arbitral de 19-10-2020, foi determinada a dispensa da reunião prevista no artigo 18.ºdo RJAT.
11. Não foram apresentadas alegações escritas.
12. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1. A A..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL tinha como objecto social o exercício da actividade seguradora e resseguradora, em todos os ramos e operações de seguros não vida legalmente autorizados, podendo exercer ainda as actividades conexas com as de seguros e resseguros.
2. No exercício de 2015 e no primeiro semestre de 2016, a sociedade tinha como Administrador-delegado o Senhor Dr. B... .
3. No âmbito das condições remuneratórias do referido Administrador-delegado, o mesmo tinha direito a um montante fixo de € 90.000,00 anuais para fazer face a despesas pessoais e familiares.
4. Essa verba constava do “pacote remuneratório” daquele Administrador-delegado [cfr. Anexo 9, pp. 15/26 e 16/26 do Relatório de Inspecção junto à PI como Documento n.º 5].
5. Tratava-se de uma verba fixa e constante, paga anualmente no mês de Maio [cfr. Anexo 9, pp. 1/26 e 7/26 do Relatório de Inspecção junto à PI como Documento n.º 5].
6. No exercício de 2016, considerando que o referido Administrador-delegado cessou funções no dia 30-06-2016 (não obstante ter formalizado a sua renúncia apenas no dia 15-07-2016), no acerto de contas efectuado no recibo de remunerações desse mês, foi operado o estorno de 50% dessa verba [cfr. Anexo 9, pág. 10/26 do Relatório de Inspecção junto à PI como Documento n.º 5], pelo que o referido Administrador-
-delegado apenas recebeu a final metade dessa mesma verba fixa correspondente ao seu tempo de funções, isto é, € 45.000,00.
7. Tratando-se de uma remuneração fixa e regular, a mesma era objecto de declaração e tributação em sede de Segurança Social [cfr. Anexo 9, pp. 1/26 e 7/26 do Relatório de Inspecção junto à PI como Documento n.º 5].
8. No decurso de 2019, a A..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL foi objecto de uma inspecção tributária aos exercícios de 2015 e 2016, que teve por base a Ordem de Serviço n.º OI2018.../....
9. Desta inspecção resultaram diversas correcções em sede de IRC e IVA, referindo o Relatório de Inspecção:
“(...) o sujeito passivo juntou ao referido esclarecimento as comunicações do presidente do conselho de administração da entidade ao administrador B... relativas à sua remuneração “fixa e variável”. Nessa comunicações pode ler-se que nas mencionadas condições remuneratórias se inclui uma “verba anual de € 90,000 para fazer face a despesas de expatriamento pessoais e familiares” (sublinhados nossos) (cf.anexo 9 ao presente relatório).
Nas citadas comunicações do presidente do conselho de administração da entidade, verifica-se que a remuneração de B..., quer em 2015, quer em 2016, tem quatro componentes:
a) Uma “remuneração fixa” anual de € 245.700;
b) Três componentes adicionais designadas “complemento garantido” (€ 140.000), “bónus” (Até € 70.000) e ainda a “verba anual de € 90.000”.
Do que se depreende que aquelas três componentes adicionais não têm a natureza de “remuneração fixa”, pois nesse caso estariam compreendidas sob essa designação. E o que não é fixo é de algum modo variável, ou em função de critérios definidos, ou por decisão arbitrária. (...)”
10. Vindo finalmente a concluir:
“Atenta a situação na globalidade, tais verbas anuais de € 90.000 pagas a B... deveriam ter sido sujeitas a tributação autónoma prevista na alínea b) do n.º 13 do artigo 88º do CIRC, à taxa de 25%, i. e., num montante de tributação autónoma de IRC de € 31.500 por ano (2015 e2016) dado não haver razões para a exclusão da sua incidência”.
11. A A..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL veio a apresentar direito de audição tendo referido:
“A inspecçao tributária considerou como sujeito a tributação autónoma (TA) o montante de subsídio anual pago ao ex-administrador B... nos exercícios de 2015 e 2016, tendo quantificado a base sujeita a TA em € 90.000 no ano de 2015 e € 90.000 no ano de 2016.
Sucede que o referido ex-administrador cessou o seu mandato e vínculo com a empresa em Junho de 2016, pelo que 50% do seu subsídio anual desse mesmo ano de 2016 foi objecto de devolução à empresa, conforme documentos analisados pela Inspecção Tributária e juntos, aliás, como anexos ao presente Projecto de Relatório. Veja-se em particular o anexo 10, 19/32 (pág. 141) em que o valor de € 45.000 é descontado das remunerações a pagar nesse período (junho de 2016)”.
12. A AT, em sede de Relatório de Inspecção, veio a reflectir o referido em sede de direito de audição, tenho operado a liquidação de tributação autónoma nos montantes de € 31.500,00 por referência ao exercício de 2015 e de € 15.750,00 por referência ao exercício de 2016.
13. Na sequência do referido Relatório de Inspecção, foram emitidas as liquidações de IRC e juros compensatórios em apreço, que a A..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL veio a pagar no prazo devido.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem outros factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
Nos termos do artigo 88.º, n.º 13 do Código do IRC:
São tributados autonomamente, à taxa de 35 %:
(...)
b) Os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a (euro) 27 500, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.
Ou seja, estão em causa bónus e outras remunerações variáveis.
Analisando a remuneração do Administrador-delegado em causa, este tinha uma remuneração anual principal fixa, de € 245.700,00, uma remuneração acessória, também fixa, de € 90.000,00 (verba anual) e duas componentes de remunerações variáveis em função do desempenho pessoal da empresa e do grupo.
Remuneração que está perfeitamente em linha com a política de remunerações praticada (transcrita pela AT no Relatório de Inspecção), que determina que os membros executivos do Conselho de Administração têm três componentes remuneratórias, a saber:
a) valor fixo;
b) retribuição variável anual; e
c) benefícios de “seguro de saúde, seguro de vida, seguro de acidentes pessoais e plano individual de reforma”.
Com efeito, resulta claro que a verba anual de € 90.000,00 paga ao Administrador-delegado B... não era um bónus nem uma remuneração varável, pois não dependida da sua performance anual nem dos resultados da empresa ou do grupo, nem de uma atribuição discricionária por terceiro.
Pelo contrário, era uma remuneração fixa, ainda que acessória da sua remuneração principal, que decorria directa e necessariamente das funções desempenhadas enquanto Administrador-
-delegado, sendo paga todos os anos e no mesmo valor.
Ora, a norma em causa não prevê a tributação autónoma sobre remunerações fixas, ainda que acessórias, de administradores ou gerentes (como é o caso em apreço), mas sim a tributação de bónus e outras remunerações variáveis.
Consequentemente, as liquidações operadas são ilegais por vício de violação de lei, devendo em conformidade ser anuladas.
*
A Requerente formula pedido de juros indemnizatórios.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IRC e juros compensatórios, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, pois a ilegalidade daqueles actos, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à AT.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre as quantias que pagou indevidamente, à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Declarar ilegais e anular as liquidações demostrações de liquidações de IRC e respectivos juros compensatórios relativos aos exercícios de 2015 e 2016;
c) Condenar a AT a devolver à Requerente as quantias que pagou referentes às liquidações impugnadas acrescidas de juros indemnizatórios desde as datas em que ocorreram os pagamentos até ao efectivo reembolso.
D. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 52.895,80, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 27 de Novembro de 2020
O Árbitro
(Hélder Faustino)