Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 318/2020-T
Data da decisão: 2020-11-12  IRS  
Valor do pedido: € 5.797,33
Tema: IRS – Mais-valias imobiliárias – Não residentes.
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Sumário:

A norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, incluindo a residentes em estados terceiros, é ilegal por constituir uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo artigo 63.º do TFUE.

 

DECISÃO ARBITRAL

I. RELATÓRIO

I.1

1.            Em 26 de junho de 2020 o contribuinte A..., maior, de nacionalidade britânica, casado sob o regime de separação de bens, contribuinte fiscal nº..., detentor do passaporte com o número ..., válido até 07.11.2023, residente em ..., III Manchester ..., ..., ..., requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.

2.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 30 de junho de 2020.

3.            O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n. º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 

4.            A AT apresentou a sua resposta em 03 de outubro de 2020.

5.            Por despacho de 08.10.2020, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações finais escritas.

6.            Em 02 de novembro de 2020 o Requerente apresentou as alegações.

7.            A Requerida apresentou as suas alegações em 08 de novembro de 2020.

8.            Pretende o Requerente que o Tribunal Arbitral declare ilegal e anule parcialmente a liquidação n.º 2019... do IRS do ano de 2019 relativa aos rendimentos auferidos no ano de 2018, no montante total de €5.797,33, com todas as legais consequências, nomeadamente o reembolso ao Requerente do montante de imposto indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.

 

I.2. O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

1.            A nota de liquidação do imposto de IRS referente ao ano de 2018, tem por base a totalidade dos rendimentos de mais-valias obtidos pelo ora impugnante, o que resulta numa nota de liquidação ferida de ilegalidade pois não respeita a legislação aplicável.

2.            Aquando do apuramento do rendimento coletável pela Autoridade Tributária, esta não aplicou a regra do artigo 43º nº2 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, nem tao pouco respeitou a jurisprudência comunitária e nacional.

3.            No artigo 43º nº2 do CIRS, bem como no artigo 72º do mesmo diploma legal, a tributação dos rendimentos de mais valias assume um caráter diferenciado, pois estes preceitos distinguem entre residentes e não-residentes em território Português.

4.            No artigo 43º nº2, vem regulado a tributação sobre 50% das mais-valias imobiliárias obtidas por residentes portugueses, e o artigo 72º regula a taxa de 28% sobre a totalidade dos rendimentos de mais-valias obtidos por não residentes em Portugal.

5.            Estes preceitos evidenciam um regime diferenciado entre residentes e não residentes em território Português, o que por sua vez origina um regime manifestamente mais favorável a residentes em território nacional e conduz a uma violação grosseira de um princípio basilar e estruturante da União Europeia, O Princípio da Não Discriminação.

6.            Porém, tal não é o entendimento da Autoridade Tributária, uma vez que no seu despacho, sustenta o indeferimento da reclamação apresentada na não opção por parte do contribuinte na escolha do englobamento dos seus rendimentos aquando do preenchimento do Modelo 03 do IRS.

7.            Tal “possibilidade” que é concedida aos contribuintes não-residentes, surgiu no âmbito das alterações legislativas criadas pelo legislador português através da Lei 67-A/02007, de 31.12 (Lei do Orçamento de Estado para 2008), que visou a eliminação do regime diferenciado existente.

8.            Nestas alterações, o legislador Português procedeu ao aditamento dos nº13 e nº14 ao artigo 72º do CIRS (anteriores nº9 e nº10), cujo conteúdo é o seguinte:

“9 - Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.” 

9.            Tais alterações não afastam a existência dos regimes diferenciados e discriminatórios existentes na lei portuguesa no que concerne à tributação de rendimentos em sede de IRS.

10.          A verdade é que estas alterações legislativas criam um ónus suplementar sobre os não-residentes comparativamente aos residentes, o que não tendo fundamento em situações não comparáveis objetivamente ou que sejam suscetíveis de se justificar por razões imperiosas de interesse geral, continua a desrespeitar do princípio da não discriminação.

11.          Ainda na letra do artigo 72º nº10 parece-nos haver uma clara contradição face ao princípio da territorialidade em matéria de IRS expresso no artigo 15º do CIRS, uma vez que a opção do englobamento abrange não só os rendimentos obtidos em Portugal, como todos aqueles fora dele.

12.          O erro aqui em causa é imputável aos serviços tributários, pelo que, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos dos artigos 100º e 43º da LGT.

 

I.3 Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:

1.            A Lei n.º 67-A/2007, de 31/12 é o Orçamento de Estado para 2008. E, por força dessa alteração legislativa, as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 (em vigor a partir de Janeiro de 2009) e seguintes, mais concretamente o Modelo 3, têm um campo para ser exercida opção pela taxa do artigo 68º do Código do IRS.

2.            Consultada a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS entregue em nome do Requerente (relativa ao ano fiscal de 2018), verifica-se que no quadro 8B foi assinalado o campo 4(não residente), não assinalando quaisquer outras opções.

3.            Assim, as alegações do Requerente não podem obter provimento, face à alteração do artigo 72.º, efetuada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, nomeadamente o aditamento dos n.ºs 7 (atual n.º 9) e 8 (atual n.º 10). O n.º 8 (atual n.º 10) do artigo 72° do Código do IRS é taxativo, no sentido de que devem ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano (quer em Portugal, quer no estrangeiro).

4.            O quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (Acórdão C - 443/06 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 2007OUT11), tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.º 7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72 ° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12.

5.            Saliente-se, ainda, que o artigo que o Requerente pretende que lhes seja aplicado (43° n.º 2 do Código do IRS) está incluso no capítulo II do Código do IRS que tem como epígrafe "Determinação do rendimento coletável".

6.            Estamos, pois, perante a determinação do rendimento.

7.            Para efeitos de incidência (no que toca à matéria das mais-valias) os artigos relevantes são o 9° e 10° do Código do IRS.

8.            Assim, o disposto no n.º 2 do artigo 43° do Código do IRS não pode ser aplicável ao caso aqui em análise.

9.            A redação introduzida ao artigo 72º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, resulta um novo quadro normativo que ainda não foi alvo de análise para efeitos de verificação da sua compatibilidade com o direito comunitário.

10.          Quadro normativo esse que passou a prever duas situações/possibilidades/alternativas de tributação do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, resultantes da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição por alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

11.          Assim, por um lado, o Requerente podia ter optado pela tributação desses rendimentos (mais valias) à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRS, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, sendo que a determinação da taxa teria em conta todos os rendimentos incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes, o que não fez.

12.          Por outro lado, o Requerente podia ter optado, como o fez, pela taxa autónoma de 28%, conforme previsto no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS. 32.

13.          Refira-se que a alteração introduzida ao artigo 72º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, veio, salvo melhor opinião, adequar plenamente a legislação nacional ao direito comunitário,

14.          Em face do exposto, salvo melhor opinião, entendemos que o Tribunal Arbitral deve considerar que a jurisprudência supra exposta não é vinculativa, em face do atual quadro legal nacional,

15.          assim como, julgar não verificadas a hipótese de ato claro ou de ato aclarado, pelo que tem de forçosamente considerar que se levantam dúvidas suficientes, em face da jurisprudência que vimos de invocar, que obstam à aceitação do entendimento do aqui Requerente sem prévia consulta ao TJUE, para que este possa exercer as suas competências próprias, nos termos dos Tratados.

16.          Pelo que, deverá suspender a presente instância arbitral e sujeitar a questão ao Tribunal de Justiça, nos termos previstos no instituto do reenvio prejudicial (artigo 267.º do TFUE), a que o Estado Português se vinculou nos termos do TFUE.

17.          Não estão reunidos os requisitos para que possam ser atribuídos juros indemnizatórios.

18.          Acresce que, relativamente ao direito à restituição das quantias pagas, bem como ao recebimento dos juros indemnizatórios, com base no presente pedido (violação do artigo 63.º do TFUE), nunca a restituição, bem como a quantia sobre que incidem os juros indemnizatórios poderia ser total.

19.          Assim, a ser concedido o pedido, aplicando-se o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, o montante a restituir seria de 50% e não da totalidade.

20.          Pelo que, também os juros indemnizatórios, caso sejam devidos, serão calculados sobre os 50% e não sobre a totalidade do valor.

 

II. SANEAMENTO

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e encontram-se legalmente representadas.

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

O processo é o próprio.

Inexistem questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito dos pedidos

 

III. THEMA DECIDENDUM

 

A questão central a decidir, tal como colocada pelo Requerente, está em saber se no caso de mais-valias resultantes da alienação de bens imóveis, o regime diferenciado de tributação aplicável a residentes no território nacional e a não residentes no território da União Europeia, no que concerne à  limitação da incidência de IRS para os aqui residentes de 50% do saldo das mais-valias, configura, ou não, uma discriminação no domínio da liberdade da circulação de capitais, violadora do art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, quando não abrange os residentes noutro Estado Membro da União Europeia.

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

1.            Em 2018 o Requerente residia no Reino Unido tendo aí o seu domicílio fiscal.

2.            Com referência ao ano de 2018, o Requerente, apresentou a declaração Modelo 3 de IRS, tendo na mesma evidenciado rendimentos de mais valias.

3.            O contribuinte declarou pretender que a tributação da mais valia devida fosse efetuada pelo regime geral.

4.            O contribuinte declarou uma mais valia resultante da venda de 50 % do prédio urbano denominado “...”, situado em ..., freguesia de ..., concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número ..., daquela freguesia, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., pelo preço de €100.000.00, adquirido por ele a 5 de junho de 2014, pelo preço de €56.250,00.

5.            O contribuinte declarou a quantia de €21.920,24 a título de despesas e encargos.

6.            Com a referida venda, realizada em abril de 2018, o Requerente obteve um rendimento de mais-valias, que, após a dedução das despesas, originou um rendimento global de 20.704,76€.

7.            Em agosto de 2019, o Requerente foi notificado da liquidação nº 2019..., com montante final a pagar em sede de IRS de 5.797,33€.

8.            O Requerente apresentou em 04/09/2019 uma Reclamação Graciosa contra a liquidação nº 2019..., que originou o processo nº ...2019... .

9.            A 21 de novembro de 2019 foi proferido, pela Requerida, um despacho de indeferimento da reclamação graciosa.

10.          Em 20 de dezembro de 2019 o contribuinte apresentou um recurso hierárquico (proc. n.º ...2019...), tendo o mesmo sido indeferido pela Requerida a 04/03/2020 e comunicado por ofício datado de 5 de Março de 2020.

 

IV.2. Factos não provados

1.            Não se encontra provado que o Requerente tenha procedido ao pagamento, parcial ou total, do imposto liquidado (liquidação nº 2019...).

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 10 são dados como assentes pela análise do processo administrativo e pela posição assumida pelas partes.

No que diz respeito ao facto não provado foi dado como não provado porque não foi junto qualquer comprovativo de pagamento.

 

V. Do Direito

 

As questões em análise já foram analisadas, em situações similares, em diversas decisões arbitrais onde o signatário interveio (cf. a título de exemplo, as decisões proferidas nos Processo n.ºs 834/2019-T, 782/2019-T, 600/2019-T e 548/2018).

E não há motivo para alterar o entendimento então sufragado, que de seguida se procurará sintetizar.

 

I)             Reenvio Prejudicial

 

A Requerida requereu o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) para verificação de conformidade da tributação das mais valias dos rendimentos dos não residentes com a legislação da União Europeia.

Nos termos do disposto no art.º 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE):

“O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:

a) Sobre a interpretação dos Tratados;

b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.

 

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.

(…)”

 

O Tribunal Arbitral é considerado um órgão jurisdicional de um estado membro para os efeitos do art. 267º do TJUE. Cfr. Ac. do TJUE de 12.06.2014, proc. n.º C-377/13.

Sucede que, a questão em apreciação (art. 43º, n. º2 do CIRS e sua não aplicação a não residentes) já foi apreciada previamente pelo TJUE, tendo sido reconhecida a sua desconformidade face ao disposto no art. 63º do TFUE - Acórdão Hollmann do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), proferido em 11.10.2007, processo C-443/06.

Alega ainda a Requerida que o quadro legal vigente em 2018 não é o mesmo do que existia aquando da apreciação do TJUE no citado Acórdão Hollman. A Lei n.º 67-A/2007, de 31/12 aditou ao artigo 72º do Código do IRS o n.º 7 (atual n.º 14), cujo teor à data dos factos, era o seguinte:”9 -Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e)) do n.º 1 e no n.º2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.”

Por sua vez, o n.º 8 (atual n.º 15) do mesmo artigo e diploma legal, também aditado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, prescrevia, à data dos factos, que:”10-Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”

É verdade que, entretanto, foram feitas alterações legislativas, com entrada em vigor a partir de 2008.

Após a alteração legislativa acima referida ficaram a vigorar, na área da tributação dos rendimentos qualificados como mais-valias originadas pela transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes:

-um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento;

- um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes.

Contrariamente ao entendimento da Requerida, o regime opcional acima referido não veio sanar o regime discriminatório que se mantém em vigor e foi aplicado no caso em concreto à liquidação de IRS ora questionada. No caso em apreço foi aplicada uma legislação cuja ilegalidade já foi reconhecida pelo TJUE.

Mais, a opção que o não residente possui não afasta o carácter discriminatório em vigor aplicado ao caso sub judice.

O TJUE num caso com evidente paralelismo já se pronunciou no sentido de que o contribuinte não se pode ver na circunstância de optar entre um regime legal e um regime ilegal. Citando o Ac. Gielen de 18/03/2010, proc. C- 440/08:

“Sucede que a existência deste regime não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda em vigor e que foi aplicado à liquidação de IRS em causa.

De facto, atualmente, em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não residentes neste território, mas residentes noutro Estado membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu, resulta do disposto nos n.ºs 1 e 8 do artigo 72.º do Código do IRS que, coexistem dois regimes fiscais:

i. O regime que sujeita os rendimentos a uma taxa especial de 28% e

ii. O regime equiparado ao que vigora para os sujeitos passivos residentes em território português, segundo o qual, os mesmos rendimentos são sujeitos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do nº 2 do citado artigo 43.º do Código do IRS.

Porém, a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não sendo a opção de equiparação suscetível de excluir a discriminação em causa.

No Ac. Gielen de 18/03/2010 está em apreciação a violação do direito de estabelecimento e liberdade de prestação de serviços (arts. 26º, 49º a 62º do TFUE). A sua citação não é aqui feita por estar em causa a apreciação do mesmo direito comunitário, mas sim, por apreciar regimes discriminatórios (restrições proibidas) entre residentes e não residentes, em sede de tributação relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, o que justifica o paralelismo.

Este agravamento de formalidades diferenciador entre residentes e não residentes afigura-se-nos desconforme ao disposto no art. 63º do TFUE, podendo mesmo despoletar uma situação potencial de restrição ou de discriminação dos não residentes.

O agravamento de formalidades, para os não residentes, ocorre porque:

a) vêm-se na contingência de ter que optar entre dois regimes legais;

b) vêm-se na contingência de ter que declarar todos os seus rendimentos no local de residência e outra vez em Portugal.

Estas contingências, às quais os residentes em Portugal não se sujeitam, constituem, na nossa opinião, um agravamento de formalidades exigidas aos não residentes em Portugal.

Acresce que, segundo a jurisprudência do TJUE, um tratamento fiscal desfavorável contrário a uma liberdade fundamental não pode ser considerado compatível com o direito da União pelo facto de existirem outros benefícios, mesmo supondo que esses benefícios existam (cf., neste sentido, acórdãos de 6 de Junho de 2000, Verkooijen, C 35/98, e Amurta, C 379/05, de 08.11.2007).

Por outro lado, mesmo uma restrição de pequeno impacto ou de menor importância a uma liberdade fundamental é proibida pelo Tratado (v., neste sentido, acórdãos de 15 de Fevereiro de 2000, Comissão/França, C 34/98; de 11 de Março de 2004, de Lasteyrie du Saillant, C 9/02; e de 14 de Dezembro de 2006, Denkavit Internationaal e Denkavit France, C 170/05).

Para o Requerente, a norma aplicada em 2018 e o quadro factual existente são iguais ao que foi apreciado no Acórdão Hoolman do TJUE, não se justificando por isso qualquer inversão interpretativa.

A obrigação de reenvio para o TJUE não existe quando o TJUE já produziu uma interpretação anteriormente num processo análogo onde as questões de facto eram materialmente idênticas. Neste sentido cfr. O Direito Processual da União Europeia – Contencioso Comunitário, João Mota de Campos e outros, Fundação Calouste Gulbenkian, 2º Ed., 2014, pág. 429

Citando o Ac. do TJUE de 27.03.1963, proc. C-28/62 “a obrigatoriedade de reenvio pata o TJUE perde a sua razão de ser “quando a questão suscitada é materialmente idêntica a uma questão que foi já objecto de uma decisão a título prejudicial num processo análogo.”

Por existir uma interpretação anterior do TJUE e por, neste caso concreto, não se afigurar de dificuldade particular a interpretação do direito da União Europeia é recusado o reenvio prejudicial, bem como, a suspensão deste processo.

 

II)           Violação do art. 63º do TFUE

 

O Requerente obteve em 2018 um ganho decorrente de uma mais valia obtida pela alienação onerosa de um bem imóvel.

Este rendimento é classificado como rendimento da categoria G – Mais Valia - (art. 10º, n. º1º, al. a) do CIRS), sendo esse ganho constituído pela diferença entre o valor da realização e o valor da aquisição (art. 10º, n. º4 do CIRS).

Uma vez que o ganho foi obtido em território português (art. 18º, n. º1, al. h) do CIRS) está sujeito a tributação, em sede de IRS, em território Português (art. 13º, n. º1 e 15º, n. º2 do CIRS). 

Depois de apurado o valor da mais valia, o art. 43º, n. º2 do CIRS estatui o seguinte:

“2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor.”

 

Face à norma citada, o valor da mais valia é considerado apenas em 50%. Contudo, esta exclusão de tributação é apenas aplicada aos residentes, estando os não residentes afastados do âmbito de incidência da norma.

No caso em apreciação, sendo o Requerente não residente, esta exclusão de 50% não lhe foi aplicada. Sobre a não aplicação desta exclusão de tributação, tal como mencionada pelo Requerente na petição arbitral, o Acórdão Hollmann do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), proferido em 11.10.2007, processo C-443/06, veio considerar que o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, ao limitar a tributação a 50% do saldo apurado entre mais-valias e menos-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal e não para os não residentes, para efeitos de determinação da matéria coletável em IRS, “constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.º CE” (atual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia - TFUE).

Esta conclusão assenta nos seguintes argumentos principais:

(a) Uma operação de liquidação de um investimento imobiliário constitui um movimento de capitais, prevendo o Tratado uma norma específica que proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais;

(b) No caso de venda de um bem imóvel sito em Portugal, ocorrendo a realização de mais-valias, os não residentes ficam sujeitos a uma carga fiscal superior que é aplicada a residentes, encontrando-se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos;

(c) Com efeito, enquanto a um não residente é aplicada uma taxa de 25% (a taxa atual é de 28%) sobre a totalidade das mais-valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria coletável correspondente às mais-valias realizadas por um residente permite que este beneficie sistematicamente, a esse título, de uma carga fiscal inferior, qualquer que seja a taxa de tributação aplicável sobre a totalidade dos seus rendimentos, visto que a tributação do rendimento dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42% (o escalão mais elevado hoje é de 48% acrescido da taxa adicional de solidariedade);

(d) Este regime torna a transferência de capitais menos atrativa para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado;

(e) A discriminação da norma nacional não é justificável pelo objetivo de evitar penalizar os residentes (que se encontram sujeitos a uma tabela de taxas progressivas que podem ser muito superiores e são tributados sobre uma base mundial, ao contrário dos não residentes, que são tributados à taxa proporcional de 25% - a taxa atual é de 28% -, não ocorrendo o englobamento), porque, como acima salientado, sendo o escalão mais elevado 42% (o escalão mais elevado hoje é de 48% acrescido da taxa adicional de solidariedade) conduz sempre, nas mesmas condições, a uma tributação mais gravosa do não residente, tendo em conta a redução a 50% do rendimento coletável do residente, não existindo, objetivamente, nenhuma diferença que justifique esta desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias, entre as duas categorias de sujeitos passivos.

f) Deparamo-nos, portanto, com um regime discriminatório e incompatível com o Direito Comunitário, por violação do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

A este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 16.01.2008, proferido no processo n.º 0439/06, veio igualmente decidir pela incompatibilidade da aplicação do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS e, consequentemente, pela violação do preceituado no artigo 56.º (atual 63º) do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, em obediência ao primado do direito comunitário estipulado no nosso ordenamento jurídico no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático” (Cfr no mesmo sentido, o acórdão do STA de 22.03.2011, processo n.º 01031/10, de 10.10.2012, Proc. n.º 0533/12, de 30.04.2013, Proc. n.º 01374/12, de 18.11.2015, Proc. n.º 0699/15, de 03.02.2016, Proc. 01172/14).

Mais recentemente o STA no proc. n.º 0901/11.0 BEALM 0692/17 de 20.02.2019, pronunciou-se sobre esta questão, analisando factos de 2010, portanto, posteriores às alterações legislativas efetuadas em 2007, reiterando a desconformidade da legislação nacional com o direito da União Europeia. O STA decidiu da seguinte forma:

“O art. 56.º do TCE (actual 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais, entre Estados-Membros - são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros -.

O TJUE em acórdão de 11/10/2007, proferido no processo C-443/06, declarou que: “O artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel..”.

Seguindo a jurisprudência do TJUE a operação de liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa neste processo, constitui um movimento de capitais, à face da jurisprudência daquele Tribunal cfr. Acórdão de 16 de Março de 1999, Trummer e Mayer, C-222/97, Colect., p. I-1661, n.º 24., sendo, por isso, abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia.

Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU.

 

Contrariamente ao alegado pela recorrente, em face do que se expôs apenas pode concluir-se que o acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo).”

Pelo que, tendo em conta a prevalência da jurisprudência do TJUE, em matéria de direito comunitário, não se pode concluir e decidir de forma diversa nos presentes autos, atenta as questões ali versadas serem semelhantes à do caso em apreço, bem como a norma legal na qual as mesmas se fundaram.

Face a esta situação, seguimos a fundamentação jurídica dos citados Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo, bem como no Acórdão Hollman do TJUE. Assim, a interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, no sentido de excluir da limitação da incidência do imposto em 50% as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, realizadas por um residente noutro Estado, sendo aquela unicamente aplicável a residentes em território português, consubstancia uma violação do disposto no artigo 63.º do TFUE, por se traduzir num regime fiscal discriminatório para os não residentes.

A jurisprudência dos tribunais superiores (STA proc. n.º 0439/06 de 16.01.2008 e proc. n.º 0901/11.0 BEALM 0692/17 de 20.02.2019) e do CAAD (proc. n.º 45/2012, de 05.07.2012, proc. n.º 127/2012 de 14.05.2013, proc. n.º 748/2015, 27/07/2016, proc. n.º 89/2017 de 05/07/2017, proc. n.º 644/2017 de 30.05.2018, proc. n.º 617/2017 de 22.06.2018, proc. n.º 370/2018 de 18.01.2019, proc. n.º 687/2018 de 26.07.2019, 55/2019, de 10.07.2019, proc. n.º 63/2019 de 18.06.2019, proc. n.º 65/2019 de 11.10.2019, proc. n.º 67/2019 de 27.08.2019, proc. n.º 74/2019 de 22.05.2019, proc. n.º 590/2018 de 08.07.2019, proc. n.º 562/2018 de 24.07.2019, proc. n.º 208/2019 de 16.10.2019, proc. n.º 332/2019 de 13.12.2019, proc. n.º 904/2019 de 30/07/2020, proc. n.º 846/2019 de 06/06/2020, proc. n.º842/2019 de 28/08/2020, proc. n.º837/2019 de 06/07/2020 e proc. n.º834/2019 de 15/07/2020), a cuja fundamentação aderimos, tem reconhecido a ilegalidade do art. 43º, n.º2 do CIRS face ao disposto no art. 63º do TFUE, não encontrando este Tribunal qualquer fundamento legal para alterar o sentido destas decisões.

As alterações legislativas ocorridas em 2007 não eliminaram o caráter discriminatório do art. 43º, n. º2 do CIRS. A intervenção do legislador nacional não eliminou a violação do direito da União Europeia.

Ainda assim, cabe-nos em sede nacional verificar se a restrição à livre circulação de capitais é permitida face ao disposto no artigo 65º do TFUE.

O art. 65º do TFUE prescreve o seguinte:

1. O disposto no artigo 63.o não prejudica o direito de os Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

2. (…).

3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.os 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.

4. (…).

 

Nos termos do art. 65º, n. º1, al. a) do TFUE a distinção entre residentes e não residentes é permitida desde que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis e desde que não seja uma discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais.

No caso em apreço, os rendimentos quer sejam obtidos por residentes ou por não residentes são integrados na mesma categoria (categoria G) e o rendimento em ambas as situações é obtido em território nacional.  

Estando os residentes e os não residentes em situações idênticas não se nos afigura que exista uma qualquer razão que justifique esta desigualdade de tratamento.

Citando a decisão do TJUE no Proc. C-184/18 de 06.09.2018:

 

Resulta do exposto que não existe nenhuma diferença objetiva das situações dessas duas categorias de contribuintes em causa no processo principal que justifique a desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais valias por eles realizadas em resultado da alienação de um bem imóvel situado em Portugal. Por conseguinte, a situação em que se encontram os contribuintes não residentes, como os recorridos no processo principal, é comparável à dos contribuintes residentes.

 

No que respeita à existência de justificações baseadas em razões imperiosas de interesse geral (art. 65º, n. º1 al. b) do TFUE, ex: assegurar a eficácia da supervisão fiscal ou o combate à evasão fiscal), não se nos afigura existirem, até porque nos presentes autos, nada foi alegado. Ainda assim citando o Acórdão Hollmann do TJUE:

“Consequentemente, há que considerar que a restrição resultante da legislação fiscal em causa no processo principal não pode ser justificada pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal.”

 

Em conclusão, as restrições à livre circulação de capitais com países terceiros admitida pelo artigo e 65º do TFUE não se verifica no caso em julgamento.

Destarte, o disposto no art. 43º, n. º2 do CIRS, quando não aplicável a não residentes, viola do disposto no art. 63º, n. º1 do TFUE. Em face do princípio do primado do direito da União Europeia reconhecido pelo art. 8º, n. º4 da CRP, a não aplicação do disposto no art. 43º, n. º2 do CIRS aos não residentes é ilegal.

 

III)          Juros Indemnizatórios

 

O Requerente formulou no seu pedido, para além da anulação do ato tributário, igualmente o pagamento de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária». 

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, bem como o reembolso da quantia paga, que é a base de cálculo dos juros.

 

Cumpre, assim, apreciar o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação, há lugar a reembolso do imposto que eventualmente se mostre pago, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade do ato de liquidação é imputável à Autoridade Tributária, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.

Consequentemente, o sujeito passivo terá direito a juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, sempre que se verifique o pagamento indevido de tributo.

Ora, no caso dos vertentes autos, não há qualquer suporte probatório que permita concluir que o Requerente procedeu ao pagamento da liquidação objeto destes autos.

Em face do supra, não tendo sido demonstrado o pagamento do ato tributário aqui arbitralmente sindicado, não se verifica o primeiro dos pressupostos contidos no artigo 43º da LGT que conferem o direito a juros indemnizatórios, pelo que não pode o pedido formulado obter o pretendido provimento.

 

VI) DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

 

a) julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação n.º 2019..., relativa ao exercício de 2018 e em consequência anular parcialmente aquela liquidação, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais valia imobiliária;

b) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios.

c) Condenar a Requerida nas custas do processo face ao decaimento.

 

Fixa-se o valor do processo em €5.797,33 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n. º1 do artigo 29.º do RJAT e do n. º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 12 de novembro de 2020  

 

O Árbitro

(André Festas da Silva)