Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 15/2013-T
Data da decisão: 2013-07-10  IRC  
Valor do pedido: € 1.896,79
Tema: IRC - Derrama Municipal nos grupos de sociedades ((RETGS)
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PROCESSO Nº 15/2013-T

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – RELATÓRIO

 

1.      A (de ora em diante identificada apenas por Requerente), Pessoa Colectiva nº …, com sede na …, apresentou em 20 de Março de 2012, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante identificado apenas pelas iniciais RJAT).

 

2.      Na Petição Inicial apresentada, a Requerente solicitou que o Tribunal Arbitral funcionasse com árbitro singular, conforme vem previsto no artigo 5º, nº 2, do referido Decreto-Lei 10/2011, na medida em que o valor do pedido de pronúncia não ultrapassa duas vezes o valor da alçada do Tribunal Central Administrativo.

 

3.      No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro.

 

4.      Nos termos do nº 1 do artigo 6º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou árbitro singular, considerando-se, na sequência dessa designação e a partir de 4 de Abril de 2013, por despacho proferido pelo Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral devida e regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

5.      Sustenta a Requerente, em síntese, a sua pretensão, no seguinte:

 

(i)                 Que, no exercício de 2010, integrava um grupo de sociedades (de ora em diante identificadas apenas como o “Grupo”), de que era a sociedade dominante e que estava sujeito ao Regime Geral de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), previsto e regulado nos artigos 69º e seguintes do Código do IRC;

(ii)               Que, nesse exercício as seguintes sociedades integravam esse Grupo:

·         B, com o NIPC …;

·         C, com o NIPC …;

·         D, com o NIPC …;

·         E, com o NIPC …;

·         F, com o NIPC …;

·         G, com o NIPC …;

·         H, com o NIPC …;

·         I, com o NIPC …;

·         J, com o NIPC …;

·         L, com o NIPC …;

(iii)             Que em 31 de Maio de 2011, a Requerente entregou a sua Declaração Modelo 22 (a declaração do Grupo), relativa ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), referente ao exercício de 2010 (a qual foi anexada ao Requerimento apresentado como Doc. 1) tendo procedido à autoliquidação da Derrama Municipal considerada devida no valor de € 36.766,29.

(iv)             Que este valor correspondia à soma das derramas apuradas nas diferentes sociedades do Grupo, e assim distribuídas:

·         A própria Requerente apurou uma derrama no valor de € 27.655,94;

·         A sociedade J (acima integralmente identificada) apurou uma derrama no valor de € 1.533,29;

·         A sociedade C (acima integralmente identificada) apurou uma derrama no valor de € 89,53;

·         A sociedade G (acima integralmente identificada) apurou uma derrama no valor de € 3.654,48;

·         A sociedade D apurou uma derrama no valor de € 3.932,27;

·         A sociedade E (acima integralmente identificada) apurou uma derrama no valor de € 60,51;

·         A sociedade H, apurou uma derrama no valor de € 869,28

 

(v)               Que, este valor de Derrama foi autoliquidado pela Requerente dentro do prazo de pagamento voluntário, conforme demonstra o Documento nº 9 anexo ao requerimento inicial

(vi)             Que em 19 de Julho de 2012, e por considerar que a referida liquidação não estava correcta, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa daquela autoliquidação (a qual foi anexada ao Requerimento apresentado como Doc. 10), através da qual se pedia a reforma da autoliquidação em apreço, o correspondente reembolso no valor de € 1.896,79 acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios calculados à taxa legal;

(vii)           Que esta reclamação foi indeferida por despacho proferido pelo Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de … proferido em 30 de Outubro de 2012 (o qual foi anexado ao Requerimento apresentado como Doc. 12).

(viii)         Onde se alegava que se mantinham em vigor as instruções constantes do Ofício-Circulado nº 20132 de 14 de Abril de 2008;

(ix)             Que a autoliquidação da derrama assentou em erros de interpretação, porque teve em atenção os lucros tributáveis individuais das sociedades que compõem o Grupo e não lucro tributável do Grupo, metodologia que não se afigurava como correcta à luz das normas legais aplicáveis à época.

(x)               Que, de acordo com o art. 14º da Lei das Finanças Locais (de ora em diante também identificada pelas iniciais LFL) “Os municípios podem deliberar lançar uma Derrama, até ao limite máximo de 1.5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, que corresponde à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território.”

(xi)             Que, em função desta redacção da LFL houve uma profunda alteração da forma de cálculo da derrama a a qual passou a ser liquidada sobre o valor do lucro tributável em sede de IRC em alternativa à liquidação sobre o valor da colecta.

(xii)           Que, ao contrário do que a Administração Fiscal sustenta no Ofício nº 20132, acima referido, no caso do RETGS, o lucro tributável relevante para efeitos de apuramento da Derrama devida, deve corresponder à soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas de cada uma das sociedades pertencentes ao Grupo, conforme resulta do artigo 64º do CIRC.

(xiii)         E não, tendo em conta os lucros tributáveis apurados individualmente pelas sociedades incluídas no Grupo Fiscal;

(xiv)         Que considerando o entendimento sufragado nos mais recentes desenvolvimentos jurisprudenciais, a doutrina do citado Ofício da Administração Fiscal consubstancia uma interpretação ilegal das normas aplicáveis ao caso em apreço;

(xv)           Que, de acordo com a legislação aplicável e o entendimento da Jurisprudência, se deve concluir que, no exercício de 2010, o apuramento da Derrama do Grupo deveria ter sido efectuado sobre o lucro tributável desse Grupo relevante para efeitos de IRC, e não sobre o lucro tributável das sociedades individualmente consideradas.

(xvi)         Que a prevalecer a interpretação da Administração Fiscal toda a lógica de unidade fiscal que está na base do RETGS seria aniquilada;

(xvii)       Que a Administração Fiscal não pode, através de uma informação genérica, alterar a base de incidência da derrama, olvidando que essa incidência apenas pode ser determinada por lei, nos termos do artigo 103º nº 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP porque constitui uma matéria da exclusiva competência da Assembleia da República;

(xviii)     Que o referido Ofício está em clara desconformidade com a lei, sendo que a Requerente apenas está obrigada e vinculada ao cumprimento da Lei e não das instruções emanadas pela Administração Fiscal (conforme resulta, aliás, de diversos Acordãos proferidos pelo STA e da melhor Doutrina – cf. Prof. Soares Martinez in “Direito Fiscal”, 7ª edição);

(xix)         Que, sobre a forma de cálculo da derrama, o STA também já se pronunciou através do Acordão de 2 de Fevereiro de 2011 (confirmado em posteriores decisões também do STA), proferido no âmbito do Recurso nº 909/10;

(xx)           Onde se conclui o seguinte: “E assim, determinado o lucro tributável para efeitos de IRC, está necessariamente encontrada a base de incidência da derrama.”

(xxi)         Que, assim, em face de tudo o exposto, incidindo a derrama sobre o lucro tributável do Grupo dominado pela Requerente, a derrama devida é de € 34.869,50 e não de € 36.766,29,

 

6.      A Requerente termina a sua petição pedindo;

(i)                  A declaração de ilegalidade parcial da autoliquidação da derrama contestada, por se ter demonstrado ter existido erro na autoliquidação;

(ii)               A indemnização da Requerente de todos os prejuízos sofridos resultantes do pagamento excessivo da autoliquidação da derrama contestada, incluindo os respectivos juros indemnizatórios, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 43º da LGT e no artigo 61º do CPPT.

 

7.      Na sua contestação a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante identificada apenas pelas iniciais AT), invocou, primeiramente, determinadas Questões Prévias, a saber:

 

(i)                  Da articulação de determinados preceitos legais – conferir artigos 238º, 254º e 241º da CRP, do artigo 53º nº 1 h) da Lei 169/99 de 18 de Setembro (LAL) e do artigo 14º da Lei 2/2007 de 15 de Janeiro (LFL), do artigo 2º do Código do IRC (CIRC) – resulta que, no caso concreto da derrama municipal os sujeitos activos serão os Municípios, sendo sujeitos passivos as os sujeitos passivos identificados no citado artigo 2º do CIRC;

(ii)                No caso concreto da derrama, a qualidade de sujeito activo não se resume ao papel de destinatário da cobrança daquele imposto na medida em que também assume um papel activo ao nível do seu lançamento, recaindo sobre os municípios não só a legitimidade de decidir se pretendem lanças a derrama mas igualmente decidir qual a taxa aplicável.

(iii)              Aos Municípios cabe assim, e em larga medida, a administração da derrama municipal, sendo, pois estes os sujeitos activos do imposto.

(iv)             Dessa forma, a legitimidade passiva para intervir neste litígio, será igualmente dos Municípios e não da AT em exclusivo, porque o seu objecto é, exclusivamente, a derrama municipal.

(v)               Daqui – qualidade de sujeito activo e competência de administração - resulta também, um interesse premente dos Municípios em agir o que reforça a sua legitimidade para ser parte no processo.

(vi)             Por isso, deve ser ponderada a verificação de uma intervenção provocada dos Municípios nos processos que tenham por objecto a Derrama Municipal.

(vii)           Essa intervenção provocada justifica-se ainda porque os Municípios, sendo os directos beneficiários da Derrama Municipal (pois, o Estado transfere para eles o produto da cobrança), terão um interesse directo no resultado da acção por ficarem obrigados ao reembolso das quantias recebidas em caso de um eventual decaimento do presente litígio.

(viii)         A AT não tem capacidade de representação dos Municípios, porque, nem o RJAT, nem a Portaria 112-A/2011 (Portaria de Vinculação) conferem, no entendimento da Requerida, ao dirigente máximo da AT o papel de representante de outra entidade que não a própria AT (anteriormente DGCI e DGAIEC).

(ix)              Assim, os Municípios, para além de não estarem devidamente representados, não estão vinculados às decisões do Tribunal Arbitral

(x)                Considera a Recorrida, dessa forma, que estas circunstâncias acarretam necessariamente a impossibilidade de um Tribunal Arbitral constituído sob a égide do CAAD se considerar legitimo para proferir decisão arbitral de mérito, cujo objecto abranja interesse pessoal e directo de entidades com personalidade e capacidade jurídica que não se encontram vinculadas à sua jurisdição, nem representadas em juízo, nem os seus interesses devidamente acautelados.

(xi)              Este entendimento da autonomia processual dos Municípios é corroborado pelo teor do artigo 7º do DL 433/99 de 26 de Outubro e pelo nº 2 do artigo 54º do ETAF.

(xii)            Em resumo, o representante da AT suscitou, essencialmente, a excepção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral, bem como, em face da natureza da Derrama Municipal, a ilegitimidade da AT para estar, isoladamente e sem a presença dos Municípios interessados, presente em juízo e representar, nesta demanda, esses Municípios (essa competência caberia ao representante da Fazenda Nacional).

(xiii)          A falta dos Municípios é, em face do exposto, motivo de ilegitimidade, sendo que, caso o tribunal não entenda estarmos perante uma situação de litisconsórcio necessário, impõe-se a obrigatoriedade de uma intervenção acessória, verificados que estão todos os pressupostos de uma intervenção acessória provocada.

(xiv)         Nestes termos, a Recorrida colocou à disposição do Tribunal Arbitral as seguintes questões prévias:

– A ilegitimidade passiva da AT – Autoridade Tributária e Aduaneira como única demandada em matéria respeitante a Derrama Municipal;

– O interesse directo e pessoal dos Municípios em agir neste litígio; e,

– A sanação do vício da ilegitimidade passiva da AT através de um incidente de intervenção provocada, a qual depende, da análise prévia da questão da vinculação dos Municípios às decisões do CAAD e à questão da incompetência do Tribunal Arbitral proferir decisão de mérito sobre a questão em litígio, porquanto este não está apto a fazer caso julgado em relação aos Municípios.

(xv)           Á cautela, mas sem conceder, a AT, impugnando, sustenta a legalidade da autoliquidação da Requerente, rebatendo os argumentos invocados por esta, nomeadamente questionando a base legal que sustenta que os prejuízos tributáveis de algumas das sociedades do grupo possam influenciar a base tributável das Derramas das demais sociedades dominadas que integram o perímetro do grupo

(xvi)         Depois de analisar a relevância da Derrama Municipal no ordenamento jurídico-fiscal nacional, especialmente a sua relevância para a autonomia financeira e fiscal dos municípios – desígnios constitucionalmente consagrados – a Requerente pronuncia-se sobre natureza jurídica da Derrama.

(xvii)       Assim, e considerando a tipologia dos impostos dominante na Doutrina portuguesa a Derrama assume a natureza de um imposto geral, ordinário, directo, real, periódico e não estadual (o sujeito activo do imposto é o município, enquanto pessoa colectiva de direito público).

(xviii)     Relativamente à perspectiva imposto principal ou acessório ou independente, considera a Recorrida que, à face da nova Lei das Finanças Locais – Lei 2/2007 – a Derrama deixou de assumir natureza acessória, devendo ser sufragado o entendimento do Prof. Saldanha Sanches (vertido na Revista Fiscalidade nº 38), segundo o qual se impõe “a conclusão no sentido da autonomia deste imposto”que apenas se socorre das regras de cálculo do IRC para apuramento do lucro tributável.

(xix)          Em face desta posição e do disposto na LFL, conclui a Recorrida que:

(xx)            É sujeito activo do imposto o município correspondente à área geográfica no qual é gerado o rendimento, podendo haver tantos sujeitos activos quantos os municípios onde uma sociedade gera rendimentos.

(xxi)          Quanto à incidência real, a derrama municipal recai sobre o lucro tributável das sociedades, sendo que para efeitos de determinação da base de incidência da Derrama, o legislador se socorreu dos mecanismos previsto no Código do IRC.

(xxii)        Havendo um grupo de sociedades tributadas pelo RETGS, cada sociedade que integra esse perímetro deve, para efeitos de Derrama, ser tributada tendo por base o seu próprio lucro tributável.

(xxiii)      A nova redacção introduzida pela Lei nº 64-B/2011 (Lei do OGE para 2012) ao artigo 14º da Lei 2/2007 (Lei das Finanças Locais) visou reparar a sua desadequação à Lei Fundamental, pois, a partir dessa alteração ficou consagrado, expressamente, que “quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a Derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115º do Código do IRC.”

(xxiv)     O propósito desta alteração visou obstar à dimanação de jurisprudência eivada de inconstitucionalidade porque violadora dos princípios constitucionais ínsitos nos artigos 81º e 238º da CRP.

(xxv)       Em sustentação deste entendimento, a AT apoia-se na argumentação constante do Assento do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) onde, de acordo com a AT, e em contraposição à doutrina dimanada pelo Prof. Baptista Machado, se defende ser de natureza interpretativa a lei que, sobre um ponto em que a regra de direito é incerta ou controvertida, vem consagrar uma solução que a jurisprudência, por si só, poderia ter adoptado.

(xxvi)     A Doutrina Administrativa resultante do Oficio Circulado nº 20132 tinha sido afrontada em dois Acordãos do STA, ambos subscritos pelo mesmo relator, pelo que, o legislador, no uso das suas competências, entendeu dirimir esta divergência, introduzindo através da Lei nº 64-B/2011 (Lei do OGE para 2012) uma nova redacção ao artigo 14º da Lei 2/2007.

(xxvii)   Tendo esta norma, por isso, uma natureza verdadeiramente interpretativa e não inovadora, devendo, dessa forma, ser aplicável a situações anteriores.

(xxviii) O legislador não atribuiu de forma expressa, natureza interpretativa a esta norma, porque a sua intenção, na redacção original do artigo 14º da LFL era já a de a tributação se concretizar nos termos agora explicitados.

(xxix)      Em face do exposto na sua contestação, termina a Recorrida dizendo que a Derrama Municipal liquidada pela Recorrente não padece de qualquer irregularidade, sendo manifestamente conforme à lei, razão pela qual não deve ser deferida a sua pretensão de restituição da Derrama autoliquidada.

 

8.      A Requerente não veio exercer o contraditório relativamente às excepções invocadas pela Recorrida.

 

 

 

II – FACTOS PROVADOS

 

1.      A Requerente - A – encabeça um grupo de sociedades, de que é a sociedade dominante e o qual está sujeito ao Regime Geral de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), previsto e regulado nos artigos 69º e seguintes do Código do IRC (artigo 63º à data dos factos tributários invocados pela Requerente).

2.      Em 31 de Maio de 2011, a Requerente entregou a sua Declaração Modelo 22 (a declaração do Grupo), relativa ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), referente ao exercício de 2009 e liquidou, a título de Derrama Municipal, a quantia de € 36.766,29.

3.      Em 18 de Julho de 2012, e por considerar que a referida liquidação não estava correcta, a Requerente apresentou, ao abrigo do previsto no artigo 131º do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), uma reclamação graciosa daquela autoliquidação a qual foi recepcionada pelo Serviço de Finanças de Amadora 2 no dia seguinte, ou seja, no dia 19 de Julho de 2012

4.      Reclamação esta que foi indeferida pelo Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa por despacho proferido em 30 de Outubro de 2012.

5.      Os factos acima mencionados resultam provados pelos documentos anexados pelas partes, não se tendo provado outros factos considerados relevantes para a decisão objecto do presente processo.

 

 

Cumpre, agora, apreciar e decidir.

 

 

 

 

III – DECISÃO

 

 

1.      DAS QUESTÕES PRÉVIAS

 

1.1.Da Competência do Tribunal Arbitral

 

1.1.1.      E necessário e imperioso apreciar, em primeiro lugar, a questão da competência do Tribunal Arbitral, porquanto, a considerar-se que o tribunal é incompetente para julgar a questão suscitada, não poderá o tribunal, em virtude dessa incompetência analisar todas as restantes questões apresentadas, quer pela Requerente, quer pela Recorrida.

1.1.2.      Assim, a Recorrida fundamenta a sua pretensão no facto de, no que se refere à Derrama Municipal, a AT apenas ter funções de arrecadação de arrecadação do imposto, o qual deve, posteriormente, entregar ao município.

1.1.3.      Deste modo, a legitimidade passiva para intervir no processo em litígio pertencerá, não à AT, mas aos Municípios, enquanto sujeitos activos deste imposto e titulares de um interesse directo na sua resolução.

1.1.4.      Assim sendo, a incompetência do Tribunal Arbitral decorreria do facto de os municípios não se encontrarem submetidos à jurisdição arbitral, por falta de vinculação.

1.1.5.      Ou seja, o Tribunal Arbitral é incompetente para a apreciação da questão ou questões colocadas, porque os municípios não se encontram, nos termos legais, vinculados às decisões a proferir por Tribunais Arbitrais.

1.1.6.      Na análise desta questão seguiremos, de perto, a decisão tomada no âmbito do Processo 5/2012-T proferida em 26.01.2012.

1.1.7.      Assim, de acordo com essa decisão, que, com a decida vénia se transcreve, “…., em geral a competência do tribunal deve ser aferida em função do pedido formulado pelo autor e dos fundamentos (causa de pedir) que o suportam, tendo em conta o modo como surgem formulados na petição inicial, independentemente da sua procedência ou não. A competência apura-se, portanto, de acordo com o quid disputatum ou o quid decidendum tal como o mesmo é configurado pelo auto (vd., assim, entre muitos os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04.03.2010, proc. 2425/07.1TBVCE.P1.S1 e de 10.12.09, proc. 09S0470, divulgados em www.dgsi.pt).”

1.1.8.      Ora, no caso “subjudice”, o pedido formulado pela Requerente é a declaração parcial da ilegalidade do acto de autoliquidação da Derrama Municipal, estando, pois, relacionado com a forma de liquidação deste imposto no âmbito da existência de um grupo tributários sujeito ao RETGS.

1.1.9.      Ora, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT, e em atenção ao disposto no artigo 2º da Portaria nº 112-A/2011, a competência dos tribunais arbitrais inclui a apreciação da ilegalidade dos actos de liquidação de impostos.

1.1.10.  Da referida Portaria, resulta ainda claro, que a AT está vinculada à jurisdição dos Tribunais Arbitrais, quando se trate de impostos que sejam administrados pela Requerida, ou seja, pela própria AT.

1.1.11.  Ora, não podem restar dúvidas, que a Derrama Municipal, apesar de a receita reverter para os Municípios, é administrada pela AT.

1.1.12.  Na verdade, é à AT que compete conduzir o procedimento de liquidação e cobrança da Derrama Municipal, confirmando os valores declarados e liquidados pelos sujeitos passivos, que cabe emitir liquidações adicionais e/ou oficiosas, e também fiscalizar o cumprimento das obrigações tributárias em sede deste imposto.

1.1.13.  É ainda atributo da AT, apreciar e decidir sobre as reclamações graciosas que, numa fase inicial de contencioso, sejam interpostas pelos sujeitos passivos, bem como emitir orientações genéricas relativas à aplicação da Derrama e responder aos pedidos de informação vinculativa.

1.1.14.  Ou seja, é indiscutível a competência – exclusiva – da AT, da prática dos actos de administração da Derrama Municipal, apesar dos municípios serem os credores tributários da receita arrecadada e os sujeitos activos da relação tributária.

1.1.15.  Ora, como se referiu anteriormente, o Tribunal Arbitral é competente para julgar questões relativas a impostos que sejam administrados pela AT, aqui Requerida.

1.1.16.  Assim sendo, e em face do aqui exposto, julga-se improcedente a invocada excepção de incompetência do Tribunal Arbitral.

 

 

1.2.Da Ilegitimidade Processual da Administração Tributária e do Incidente da Intervenção Provocada.

 

1.2.1.      A questão da competência atribuída à AT para a gestão e administração da Derrama tem, igualmente, decisivas implicações ao nível da representação em juízo.

1.2.2.      Em primeiro lugar, cabe dizer que as normas invocadas pela Recorrida para fundamentar a ilegitimidade passiva da AT  – artigo 7º do Decreto-Lei nº 433/99 (diploma que aprovou o CPPT) e artigo 54º nº 2 do ETAF - não têm aplicação no caso em apreço.

1.2.3.      Quanto ao segundo dos citados preceitos (que determina que quando “estejam em causa as receitas fiscais lançadas e liquidadas pelas autarquias locais, a Fazenda Pública é representada por licenciado em direito ou por advogado designado para o efeito pela respectiva autarquia”) o mesmo é afastado porque não compete aos municípios o lançamento e liquidação da Derrama.

1.2.4.      Idêntico raciocínio deve presidir ao “afastamento” do artigo 7º do Decreto-Lei 433(99 pois não estamos, como já se demonstrou, perante um tributo administrado pelos municípios.

1.2.5.      Assim, tal como se refere no Acordão proferido no âmbito do Processo nº 22/2011-T do CAAD (tese que perfilhamos), e que, com a devida vénia reproduzimos, “assegurando a AT, nos termos legalmente previstos, a administração da Derrama Municipal relativamente a cujos actos intermédios ou finais (administrativos) detém a competência decisória, parece ser de concluir assistir a essa entidade os poderes para a representação da entidade credora em juízo arbitral no que tange à legalidade de actos de liquidação ou de autoliquidação da receita tributária a que se reportam os autos.”

1.2.6.      Mais adiante no mesmo Acordão conclui-se que, actuando a AT, em matéria de Derrama Municipal, ao abrigo de um mandato legal de natureza pública, caberá à AT os poderes de representação em juízo, incluindo arbitral, salvo disposição expressa em contrário.

1.2.7.      Ora, não havendo disposição desta natureza, deve-se concluir pela legitimidade passiva, em exclusivo, da AT, para estar em juízo ainda que para apreciação da legalidade de actos tributários cujo credor ou sujeito passivo sejam os municípios.

1.2.8.      Acresce que não parece minimamente aceitável que seja a AT a desempenhar a maior parte das tarefas administrativas e a interagir exclusivamente com os sujeitos passivos (como fica bem evidente no processo administrativo que, no âmbito deste processo, precedeu o recurso ao Tribunal Arbitral) e, depois, retirar-lhe a jurisdição arbitral com o argumento que não é à AT que cabe aquela administração ou que não lhe cabe em exclusivo.

1.2.9.      Nestas circunstâncias e, em face do exposto, não se verifica igualmente a suscitada questão da Ilegitimidade Processual da AT, pertencendo a esta, em exclusivo, a legitimidade para representar, em juízo, quando esteja em discussão a legalidade de um acto de liquidação de um tributo, mesmo tratando-se de uma Derrama Municipal.

1.2.10.  Verificando-se essa competência exclusiva da AT, considera-se prejudicada a apreciação prévia da intervenção principal provocada dos Municípios.

 

2.      DA ILEGALIDADE PARCIAL DA LIQUIDAÇÃO DA DERRAMA.

 

2.1.Da questão da base de incidência da Derrama Municipal quando se verifique a existência de um grupo de sociedades sujeitas ao RETGS

 

2.1.1.      A questão a decidir consiste em apurar se para efeitos de determinação da Derrama de um grupo de sociedades que se encontra sujeita ao RETGS, deve relevar o lucro tributável do Grupo ou se, ao contrário, deve ser considerado o lucro tributável de cada uma das sociedades que integram esse mesmo Grupo.

2.1.2.      Convém, numa fase inicial, apontar qual o quadro legal aplicável à data dos factos.

2.1.3.      O RETGS vem regulado, presentemente, nos artigos 69º a 71º do CIRC, os quais correspondem aos anteriores artigos 63º a 65º, que estavam em vigor à data da ocorrência dos factos tributários em apreciação nos presentes autos.

2.1.4.      Dispunha o citado artigo 63º do CIRC, na redacção vigente em 2010, que “Existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo.”

2.1.5.      O artigo 64º do CIRC dispunha no seu nº 1, por seu lado, que “… o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.”

2.1.6.      Finalmente, o artigo 14º da Lei 2/2007 (Lei as Finanças Locais), dispunha, à data dos factos que “Os municípios podem deliberar lançar anualmente uma Derrama, até ao limite de 1.5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza ……”.

2.1.7.      Importa ainda salientar a alteração introduzida neste preceito pela Lei nº 64-B/2011 de 30 de Dezembro (Lei do OGE para 2012), que veio consagrar para a Derrama uma norma autónoma de apuramento do lucro tributável estatuindo que, sendo aplicável, o RETGS “…. a Derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115º do Código do IRC.”

2.1.8.      Como já vimos anteriormente, a Requerente e a Requerida têm um entendimento diametralmente oposto relativamente à questão em apreciação.

2.1.9.      Efectivamente, entende a Requerente, com base no então artigo 64º do CIRC, que o Grupo de sociedades é tributado numa base agregada, como se de um único sujeito passivo se tratasse. E, sustentada neste princípio, considera que, com a entrada em vigor da Lei das Finanças Locais, a Derrama passou a ser calculada com base no lucro tributável do Grupo e não nos lucros tributáveis de cada uma das sociedades que integram esse Grupo.

2.1.10.  Ao contrário, a Requerida, baseia a sua posição na doutrina que emana do Ofício Circulado nº 20.132 o qual considera que “No âmbito do regime especial de tributação de grupos de sociedades, a determinação do lucro tributável do grupo é feita pela forma referida no artigo 64º do Código do IRC, correspondendo à soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais. Se é verdade que nas declarações periódicas individuais não há um verdadeiro apuramento da colecta, o mesmo já não se pode dizer relativamente ao lucro tributável. Com efeito, cada sociedade apura um lucro tributável na sua declaração individual. Assim, para as sociedades que integram o perímetro do grupo abrangido pelo regime especial de tributação de grupos de sociedades, a Derrama deverá ser calculada e indicada individualmente por cada uma das sociedades na sua declaração, sendo preenchido, também individualmente, o Anexo A, se for caso disso.

2.1.11.  A posição defendida pela Requerente tem suporte – unânime - na jurisprudência do STA.

2.1.12.  Com efeito, conforme resulta do Acordão proferido no processo 909/10 pelo STA “Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a Derrama deve incidir sobre o lucro tributável do grupo e não sobre o lucro individual de cada uma das sociedades.”

2.1.13.  Esta posição do STA veio a ser reiterada em acórdãos posteriores, do qual salientamos o proferido, já em Maio de 2012, em que se reafirmou que “I – De acordo com o actual regime da Derrama que resulta da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei 2/2007, de 15 de Janeiro, a Derrama passou a incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC. II – Sendo aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, face à redacção do art.º 14º da Lei das Finanças Locais anterior à Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro, a Derrama devia incidir sobre o lucro tributável do grupo e não sobre o lucro tributável de cada uma das sociedades. III – O art.º 14º, nº 8, da Lei das Finanças Locais, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 57º da Lei do Orçamento do Estado para 2012 (Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro) é uma norma inovadora e não interpretativa.” (sublinhado nosso).

2.1.14.  Este último acórdão assume particular significado, na medida em que o Tribunal se pronuncia sobre a natureza da modificação introduzida pela referida Lei do OGE para 2012, o qual, como já se referiu supra, veio alterar o artigo 14º da LFL, consagrando, expressamente que a Derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades integrantes do grupo.

2.1.15.  Concluindo que, da análise à redacção do artigo 57º da Lei do OGE para 2012 (artigo que introduziu a alteração o já citado artigo 14º da LFL), a referida norma não tem natureza interpretativa, tendo antes um carácter totalmente inovador.

2.1.16.  E, sendo, consequentemente, aplicável apenas para o futuro, dessa forma se respeitando, aliás, o princípio, constitucionalmente consagrado da não retroactividade da lei fiscal (consagrado no artigo 103º nº 3 da CRP).

2.1.17.  Daqui resultando que o regime decorrente da alteração introduzida no artigo 14º da LFL apenas produzirá efeitos para o futuro, não sendo aplicável aos actos tributários praticados antes da sua entrada em vigor.

2.1.18.  Assim sendo, e acompanhando o a Douta decisão do STA de 02.02.2011 no processo 0909/10, reiterada em diversos acórdãos posteriores, e ainda a jurisprudência anterior do CAAD (que se debruçou sobre situações idênticas algumas delas citadas no Requerimento Inicial), somos do entendimento que, não tendo, à data dos factos, o regime legal da Derrama normativo que dispusesse especificamente sobre a determinação da sua matéria colectável, deve esta, quando se trata de um Grupo de sociedades, ser determinada pela aplicação das regras do IRC no que tange à tributação dos grupos de sociedades.

2.1.19.  Assim, sendo o lucro tributável, para efeitos de IRC, determinado através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações individuais, deve idêntica regra ser aplicável para determinar lucro tributável para efeitos de Derrama.

2.1.20.  Ou seja, determinado o lucro tributável do Grupo para efeitos de IRC, fica automaticamente determinado o lucro tributável para efeitos de Derrama.

2.1.21.  É, pois, convicção deste Tribunal que, à data a que se reportam os actos tributários, o cálculo da Derrama devida por um grupo de sociedades sujeita ao RETGS, deverá incidir sobre o lucro consolidado desse grupo e não sobre o lucro tributável de cada uma das sociedades que o integram, assim se acolhendo a tese invocada perfilhada pela Requerente.

 

2.2.Do pedido de juros indemnizatórios.

 

2.2.1    A Requerente pede ainda que, à devolução do valor da Derrama Municipal que liquidou, acresça o pagamento, pela AT, de juros indemnizatórios à taxa legal, nos termos dos artigos 43º nº 2 e 100º, ambos da LGT

2.2.2. Dispõe o artigo 43º nº 2 da LGT que ”Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.”

2.2.3. Ora, quando se determine que houve erro imputável aos serviços, considera o nº 1 do citado artigo 43º da LGT que são devidos juros indemnizatórios.

 2.2.4. Ficou provado que a Requerente efectuou a autoliquidação da Derrama Municipal com base no entendimento constante de uma orientação genérica da AT, mais concretamente do Ofício-Circulado nº 20132 de 14 de Abril de 2008

2.2.5. Por isso, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, desde a data em que realizou o pagamento da quantia de € 1.896,79 e a data em que for efectuado o eventual reembolso, como resulta do nº 4 do artigo 43º e nº 10 do artigo 35º da LGT, nºs 2, 3, 4 e 5 do artigo 61º do CPPT e artigo 559º do Código Civil.

 

3.      CONCLUSÃO

 

Face ao exposto, decide-se pela improcedência das excepções suscitadas pela Requerida relativas à incompetência do tribunal arbitral e da ilegitimidade processual passiva da autoridade tributária, bem como pela improcedência do pedido de desencadeamento do incidente de intervenção provocada, julgando-se procedente o pedido de anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e de correcção da autoliquidação efectuada pela Requerente, condenando-se a autoridade tributária e aduaneira a restituir à Requerente o valor de € 1.896,79 (mil oitocentos e noventa e seis cêntimos e setenta e nove cêntimos acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, desde a data em que realizou o pagamento desta quantia e a data de emissão da correspondente nota de crédito a favor da Requerente.

 

 

Custas calculadas em conformidade com a Tabela I do regulamento de custas dos processos de arbitragem tributária em função do valor do pedido, a cabo da Requerida, e que fixo em € 306,00 (trezentos e seis euros)

 

Notifique-se

Lisboa, 10 de julho de 2013

O ÁRBITRO

 

João Marques Pinto

 

            A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.