SUMÁRIO:
Uma sociedade gestora de participações sociais constitui uma instituição financeira para efeito da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A... - SGPS, S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., S/N, ..., ...-..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de liquidação de imposto de selo incidente sobre operações de crédito, nos períodos de Janeiro de 2015 a Setembro de 2016, bem como da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado relativamente a essas liquidações, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago e a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais, regulada pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, que no âmbito da sua atividade tem vindo a recorrer a financiamento junto de instituições de crédito.
No quadro dos financiamentos realizados, a Requerente celebrou com o B..., em 14 de dezembro de 2014, um contrato de financiamento no montante de € 15.000.000,00.
O B... liquidou imposto do selo, na qualidade de sujeito passivo, que fez repercutir na esfera da jurídica da Requerente enquanto entidade mutuária, que veio a suportar integralmente o imposto.
No entanto, a liquidação é ilegal na medida em que a situação do caso se encontra coberta pela isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo.
Com efeito, a Requerente enquanto sociedade gestora de participações sociais subsume-se como uma instituição financeira ao abrigo da legislação europeia e enquadra-se, em especial, na definição de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/EU e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/2013.
Sendo que, relativamente a sociedades gestoras de participações, esta última norma de direito europeu apenas exclui do conceito de instituições financeiras as “sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”, o que requer, segundo o disposto neste preceito, que pelo menos umas das filiais da sociedade gestora de participações, seja uma empresa de seguros ou de resseguros, o que não é aplicável ao caso.
Sustenta, por fim, que a norma do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo é inconstitucional quando interpretada no sentido de excluir da condição de instituições financeiras, enquanto entidades mutuárias que beneficiam da isenção de imposto, as sociedades gestoras de participações sociais, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proibição de soluções arbitrárias e do princípio da igualdade, consagrados nos artigos 2.º e 13.º da Constituição.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, refere, em síntese, o seguinte.
Da leitura conjugada do ponto 22) do n.º 1 do artigo 3.º da Directiva 2013/36/UE com o ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (UE) 575/2013, conclui-se que uma SGPS não se reconduz, sem mais, à figura “instituição financeira”.
Ao proceder à transposição da Diretiva 2013/36/UE para o ordenamento jurídico nacional, através do Decreto-Lei n.º 157/2014, o legislador nacional interpretou a expressão «uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações» como correspondendo a sociedades gestoras de participações sociais, mas circunscritas, às “sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal.
Concluindo-se que apenas as SGPS que exerçam uma atividade típica de uma instituição de crédito ou sociedade financeira é que ficam abrangidas pela figura “instituição financeira”.
Ora, a Requerente não é uma entidade financeira, não exerce qualquer atividade bancária, não atua no mercado de serviços bancários ou financeiros, caracterizando-se antes como uma SGPS, com o CAE 64202, correspondente a “atividades económicas”, estando-lhe legalmente vedada a possibilidade de exercer serviços bancários ou financeiros.
É por esse facto que não está sujeita à supervisão do Banco de Portugal ou do Banco Central Europeu.
Neste sentido, a Requerente não se qualifica como “instituição financeira” e, consequentemente, não preenche o pressuposto subjetivo da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.
Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.
2. No seguimento do processo, por despacho arbitral de 6 de novembro de 2020, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações, por se não tornar necessária a realização de outras diligências instrutórias e não haver quaisquer novos elementos sobre que as partes de devam pronunciar.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 5 de agosto de 2020.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.
A) A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais, que se encontra regulada pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, e está domiciliada em Portugal;
B) No âmbito da sua atividade, tem vindo a recorrer a financiamento junto de instituições de crédito, tendo celebrado, em 30 de dezembro de 2014, com o B... o contrato de financiamento no montante de € 15.000.000 a que se refere o documento n.º 7 junto com o pedido arbitral;
C) A instituições de crédito liquidou e entregou ao Estado imposto de selo incidente sobre as operações de crédito, nos períodos de janeiro de 2015 a setembro de 2016, de acordo com o quadro abaixo descrito:
Data da liquidação Guia do
Imposto do
Selo (n.º) Natureza do Gasto Montante do Imposto
(€)
Jan/15 ... Utilização de crédito 78.180,00
Abr/15 ... Utilização de crédito 840,00
Jun/15 ... Utilização de crédito 852,00
Set/15 ... Utilização de crédito 858,00
Fev/16 ... Utilização de crédito 6.845,30
Mar/16 ... Utilização de crédito 1.492,73
Jun/16 ... Utilização de crédito 1.353,04
Set/16 ... Utilização de crédito 1.296,81
TOTAL € 91.717,88
D) A instituição de crédito fez repercutir o imposto de selo liquidado na esfera jurídica da Requerente, enquanto entidade mutuária, que suportou integralmente o imposto.
E) Em 3 de janeiro de 2019, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa contra os atos de liquidação de imposto de selo, que foi indeferido por despacho Subdirector-Geral de 20 de Novembro de 2020, praticado ao abrigo de subdelegação de competências, com base na informação dos serviços n.º 2019..., que consta do documento n.º 2 junto com o pedido arbitral e aqui se dá como reproduzida;
F) Na informação conclui-se que os juros, comissões e utilização de crédito referentes às operações de financiamento não estão isentos de imposto de selo, visto que a Requerente não se qualifica como instituição financeira e não preenche os pressupostos da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto de Selo;
Factos não provados
Não há factos não provados que tenham relevo para a apreciação da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e em factos não questionados pelas partes.
Matéria de direito
5. A questão em debate consiste em saber se a Requerente, enquanto sociedade gestora de participações sociais, é considerada instituição financeira para efeito do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, que estabelece, nos termos aí previstos, a isenção de imposto.
A Requerente entende que, enquanto sociedade gestora de participações sociais, se enquadra no conceito de instituição financeira constante do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento UE n.º 575/2013 - para que remete o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22), da Diretiva 2013/36/EU -, no ponto em que essa disposição define como uma instituição financeira uma empresa que não seja instituição de crédito, cuja atividade principal é a aquisição de participações sociais, e apenas exclui as “sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas”.
Em contraposição, a Autoridade Tributária defende que, o legislador nacional, ao proceder à transposição da Diretiva para o direito interno, interpretou a expressão «empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações» como correspondendo a sociedades gestoras de participações sociais que se encontram sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, conforme a definição constante do artigo 2.º-A, alínea z), subalínea i), do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
É esta a questão que cabe dilucidar.
A referida disposição da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, que aqui está especialmente em foco, estatui nos seguintes termos:
Outras isenções
1 - São também isentos do imposto:
(…)
e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças.
A isenção prevista nesta disposição, cuja redação foi introduzida pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, contempla dois requisitos. Um de natureza objetiva, incidindo sobre juros e comissões cobrados pela concessão do crédito, garantias prestadas na concessão do crédito e utilização de crédito concedido, e um outro, de natureza subjetiva na origem, respeitante às entidades financeiras (instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras) que cobram os juros e comissões, recebem as garantias e concedem crédito, e de natureza subjetiva no destino, respeitante às entidades beneficiárias da concessão do crédito, que incluem as sociedades de capital de risco, bem como as sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária. Em qualquer dos casos, as entidades intervenientes devem ser domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, definidos por Portaria do Ministro das Finanças (Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro e respetivas alterações).
A isenção abrange, por conseguinte, segundo a própria terminologia legal, a concessão de crédito a “instituições financeiras previstas na legislação comunitária”.
Esta remissão para a legislação comunitária, agora dito Direito da União Europeia, haverá de entender-se como uma remissão dinâmica, pretendendo referir-se ao conceito de “instituição financeira” que se encontre previsto no direito europeu à data em que se pretenda exercer o direito de isenção.
À data da entrada em vigor da nova redação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo, o dispositivo aplicável era o do artigo 1.º, n.º 5, da Diretiva 2000/12/CE, que caracterizava como uma instituição financeira “uma empresa que não seja uma instituição de crédito, cuja atividade principal consista em tomar participações ou exercer uma ou mais atividades referidas nos pontos 2 a 12 da lista do anexo”.
Essa Diretiva foi entretanto substituída pela Diretiva 2006/48/CE, por sua vez revogada pela Diretiva n.º 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que, juntamente com o Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, constitui o atual enquadramento jurídico que rege o acesso à atividade das instituições de crédito e que estabelece o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento.
A Diretiva 2013/36/EU, no seu artigo 3.º, n.º 1, ponto 22), declara como sendo uma instituição financeira, para efeitos da diretiva, “uma instituição financeira na aceção do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013”.
Por sua vez, o Regulamento (UE) n.º 575/2013 - para que é efetuada a remissão -, no seu artigo 4.º, sob a epígrafe “Definições”, e na parte que mais interessa considerar, prescreve o seguinte:
Artigo 4.º
Definições
1. Para efeitos do presente regulamento, aplicam-se as seguintes definições:
(...)
1) “Instituição de crédito”: uma empresa cuja atividade consiste em aceitar do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria;
3) "Instituição": uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento;
(...)
26) "Instituição financeira": uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”.
A Diretiva 2013/2013/EU foi transposta para o direito interno pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, de 24 de outubro, que, para esse efeito, procede à alteração do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
Uma das disposições aditadas por esse diploma é do artigo 2.º-A, que sob a epígrafe “Definições”, na parte relevante, é do seguinte teor:
Para efeitos do disposto presente Regime Geral, entende-se por:
(…)
z) «Instituições financeiras», com exceção das instituições de crédito e das empresas de investimento:
i) As sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, incluindo as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas;
ii) As sociedades cuja atividade principal consista no exercício de uma ou mais das atividades enumeradas nos pontos 2 a 12 e 15 da lista constante do anexo I à Diretiva n.º 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013;
iii) As instituições de pagamento;
(…).
Este preceito correlaciona-se com o artigo 117.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, que, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, sob a epígrafe “Sociedades Gestoras de Participações Sociais, dispõe o seguinte:
1 - Ficam sujeitas à supervisão do Banco de Portugal as sociedades gestoras de participações sociais quando as participações detidas, direta ou indiretamente, lhes confiram a maioria dos direitos de voto em uma ou mais instituições de crédito ou sociedades financeiras.
2 - O Banco de Portugal pode ainda sujeitar à sua supervisão as sociedades gestoras de participações sociais que, não estando incluídas na previsão do número anterior, detenham participação qualificada em instituição de crédito ou em sociedade financeira.
3 - Excetuam-se da aplicação do número anterior as sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Instituto de Seguros de Portugal.
4 – O disposto nos artigos 30.º a 32.º, com as necessárias adaptações, 42.º-A, 43.º-A e nos n.ºs 1 e 3 do artigo 115.º é aplicável às sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal.
6. Efetuando o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo uma remissão para as “sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”, quando se refere a entidades beneficiárias da concessão do crédito, parece claro que o preceito pretende remeter para as disposições de direito europeu aplicáveis, e, na atualidade, no que se refere às instituições financeiras, essas disposições são - como se viu - a do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22), da Diretiva 2013/36/EU e, por via de remissão, a do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013.
No preceito para que se efetua a remissão, o Regulamento define como "instituição financeira" uma empresa que não seja uma instituição [de crédito], cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, com exclusão das sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”.
Torna-se assim evidente que a remissão da norma que estabelece a isenção de imposto de selo é feita para o direito europeu e, especificamente, para sobreditas disposições da Diretiva 2013/36/EU e do Regulamento (UE) n.º 575/2013, havendo de reconhecer-se, neste contexto normativo, que uma instituição financeira, para o aludido efeito, é, além de outras que exerçam certas atividades enumeradas no anexo, uma empresa que, não sendo uma instituição de crédito, tem como principal atividade é a aquisição de participações, desde que se não trate de sociedades gestoras de participações no setor dos seguros.
Certo é que na transposição da Diretiva 2013/36/EU para o direito interno, o legislador nacional adotou um conceito mais restritivo de “instituição financeira”, caracterizando como tal “as sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal”.
No entanto, para efeitos da aplicação da isenção do imposto de selo, o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), não remete para o direito interno, mas para o direito da União Europeia, o que significa que a definição constante do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aditado pelo diploma que procedeu à transposição da Diretiva, releva para os demais efeitos da regulação das sociedades gestoras de participações sociais, e não para o específico aspeto da isenção de imposto de selo.
7. Segundo o disposto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, que define o regime jurídico das sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), estas sociedades, conforme o seu artigo 1.º, “têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas” (n.º 1), sendo que a participação numa sociedade é considerada forma indireta de exercício da atividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante (n.º 2).
Os contratos pelos quais se constituem as SGPS devem mencionar expressamente como objeto único da sociedade a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas (artigo 2.º, n.º 2), sendo permitida às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações ou com as quais tenham celebrado contratos de subordinação (artigo 4.º, n.º 1).
Tratando-se de sociedades que têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, não oferece dúvidas que as sociedades gestoras de participações sociais se enquadram no conceito de “instituição financeira”, tal como se encontra definido no direito europeu, e, assim sendo, beneficiam da isenção de imposto estabelecida no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo.
Como é tido como assente (alínea A) da matéria de facto) - e não é sequer controvertido pelas partes -, a Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais, que se encontra regulada pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, e está domiciliada em Portugal. E nessa qualidade não pode deixar de se encontrar abrangida pelo conceito relevante de instituição financeira para efeito da aplicação da isenção do imposto de selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto de Selo.
8. Como é de concluir, as operações financeiras em causa preenchem os pressupostos objetivos e subjetivos da isenção de imposto de selo, na medida que respeitam à concessão de crédito por instituição de crédito (B...) a uma sociedade gestora de participações sociais, que se qualifica, à luz da legislação de direito europeu, como instituição financeira, e em que intervieram instituições mutuantes e mutuária que se encontram domiciliadas em Portugal, e não em nenhum dos territórios com regime privilegiado previsto no Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro.
Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios
9. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
No entanto, no caso de pedido de revisão oficiosa, em face do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, apenas são devidos juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, constituindo esse o entendimento jurisprudencial corrente (cfr., acórdão do Pleno do STA de 3 de julho de 2019, Processo n.º 04/19).
No caso, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 3 de janeiro de 2019 e decidido em 19 de setembro de 2019, ainda antes do decurso do prazo de um ano, pelo que não são devidos juros indemnizatórios.
III - Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade e a anulação dos atos tributários de autoliquidação do imposto do selo, no montante de € 91.717,88, relativos ao período de janeiro de 2015 a setembro de 2016, bem como do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa impugnados;
b) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso do imposto indevidamente pago;
c) Julgar improcedente o pedido de condenação no pagamento dos juros indemnizatórios.
Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de € 91.717,88.
Custas
Nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do citado RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, nos termos da Tabela I, anexa àquele regulamento, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira
Notifique.
Lisboa, 18 de novembro de 2020.
O Presidente do Tribunal Arbitral,
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
José Coutinho Pires
O Árbitro vogal
Marisa Almeida Araújo