Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 18/2020-T
Data da decisão: 2020-11-24  IRC  
Valor do pedido: € 289.469,47
Tema: IRC/2015 – Ativo fixo tangível – Gratificações a administradores e trabalhadores – Preços de transferência em rendas imobiliárias – Artigos 18.º, 23.º, 23.º-A, 29.º e 63.º do CIRC e NCRF 7 e 28 – Portaria n.º 1446-C/2001 - Revogação parcial do ato e desistência da instância do remanescente do pedido.
Versão em PDF

Decisão Arbitral

(Revogação parcial da instância e desistência parcial do pedido)

I Relatório

 

Resulta dos autos que a Requerente A..., Lda., apresentou em 7-1-2020, no CAAD, o presente pedido de pronúncia arbitral, pedido que foi aceite em 8-1-2020.

Em 16-1-2020 a Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, confirmou essa apresentação.

Em 24-1-2020 foram designados os representantes da Diretora Geral da AT no processo e feita essa comunicação ao CAAD em 27-1-2020.

Em 28-2-2020 ambas as partes foram notificadas da designação dos árbitros que integrariam o Tribunal Arbitral Coletivo.

Em 6-7-2020 ficou constituído o Tribunal e comunicada essa constituição às partes.

Em 7-7-2020 foi proferido despacho inicial no processo, nos termos do artigo 17.º do RJAT.

Em 29-9-2020 a Requerida, na sequência e em consequência da notificação do despacho referido anteriormente,  apresentou ao Tribunal requerimento alegando que a AT, ao abrigo do disposto no artigo 13.º do DL nº 10/2011, na redação introduzida pelas Leis n.ºs 64-B/2011 e 66-B/2012, tinha procedido à revogação parcial do ato objeto do presente processo e que a Requerente apresentou nos autos, em 2-3-2020, um requerimento a declarar, nos termos do artigo 13.º-2, RJAT, que aceita a revogação parcial do ato e desiste da ação arbitral na parte não revogada do sobredito ato tributário (desconsideração de gastos versus ativos fixos tangíveis, com correções à matéria coletável de €75.886,79, desistência a que a Requerida declarou não se opor.

 

Saneamento do processo

O Tribunal Arbitral é competente.

O processo é o próprio e as partes, legítimas e capazes, estão regularmente representadas.

Não há exceções ou questões prévias a apreciar.

Cumpre decidir.

 

II - Fundamentação

 

O enquadramento factual necessário é o descrito supra e melhor desenvolvido ou comentado adiante, e está comprovado factualmente nos autos.

Está em causa a liquidação adicional de IRC Nº 2019..., de 2019-09-16 respeitante ao período de tributação de 2015, no valor total de €289.469,47 (imposto no montante de €256.024,91 e juros compensatórios no valor de €33.444,56) resultante de correções de natureza meramente aritmética realizadas pela Inspeção Tributária (SIT) no valor de €1.007.061,42.

Foram suscitadas pela Requerente a fundamentar o pedido as seguintes questões:

                a)  Se determinadas despesas devem ser qualificadas (em termos fiscais [e contabilísticos]) como um ativo fixo tangível (sujeitas a amortização) ou como um gasto (total) do exercício – com correções à matéria coletável de 75.886,79€ (III.1 do doc. n.º 1)

                b)   Se as “gratificações eventuais” a trabalhadores e administradores devem (ou não) ser fiscalmente acrescidas ao resultado contabilístico (nos termos do art. 23.º-A do CIRC) – com correções à matéria coletável de 799.547,23€ (III.2 do doc. N.º 1) e

                c)  A Correção ou não da matéria coletável (131.627,40€) por aplicação ou não do instituto dos preços de transferência em rendas imobiliárias (III.3 do doc. nº 1).

 

A Requerida revogou parcialmente o ato tributário, por despacho da Subdiretora-Geral da AT de 18-2-2020 e a Requerente desistiu do pedido relativamente à parte não revogada do ato impugnado.

                Vejamos então:

Segundo Lebre de Freitas, “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a proveniência deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios” – Cfr “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, pág. 633. No mesmo entendimento seguem Lopes do Rego, Comentários, pág. 611 e Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, pág. 381.

In casu verifica-se, como se referiu, que a Requerente, em 7-1-2020, formulou  pedido de pronúncia arbitral tendo por objeto da impugnação do ato de  liquidação adicional de IRC do ano 2015 e juros compensatórios no valor total de 289.469,47€, suscitando, para o efeito, as sobreditas questões.

O pedido foi aceite pelo presidente do CAAD em 8-1-2020, tendo a AT confirmado a apresentação em 16-1-2020, ou seja, no próprio dia em que lhe foi comunicada pelo CAAD.

Seguiram-se, sem incidentes, os procedimentos normais para constituição do Tribunal Arbitral, sendo nomeados os árbitros em 28-2-2020 e o Tribunal constituído em 6-7-2020.

No entretanto, em 2-3-2020, a Requerente apresentou requerimento em que, aceitando a revogação parcial dos atos tributários sob impugnação, declarou desistir da instância relativamente à parte não revogada desses atos.

A Requerida, notificada desse requerimento nessa mesma data (2-3-2020), nada veio declarar ou requerer antes da constituição do Tribunal arbitral em 6-7-2020.

Em 7-7-2020 foi proferido, pelo Tribunal, o despacho inicial, ou seja, a notificação da AT para apresentar resposta e provas adicionais no prazo de 30 dias (artigo 17.º do RJAT).

No prazo da Resposta vem então a AT apresentar, em 29-9-2020, o sobredito requerimento a aceitar a desistência parcial da instância e alegar que havia revogado parcialmente os atos sob impugnação.

                Ou seja: quer pela revogação parcial do ato tributário quer pela desistência na parte não revogada, o processo não poderá prosseguir por falta de objeto.

Na verdade, à luz do artigo 13.º-1 do RJAT, a AT poderia evitar a constituição do Tribunal Arbitral se, no prazo de 30 dias após conhecimento da existência do pedido arbitral, revogasse totalmente os atos objeto daquele pedido e comunicasse ao CAAD nesse prazo a revogação.

No caso, a AT revogou parcialmente os atos sob impugnação, mas só deu conhecimento ao CAAD dessa revogação depois de constituído o Tribunal e, tendo conhecimento do pedido de desistência da Requerente na parte não revogada, não se pronunciou, designadamente no sentido de evitar a constituição do Tribunal.

Assim é que, analisados os autos e, designadamente o despacho de revogação, verifica-se que a correção, no montante de €799.547,23 e o ajustamento negativo ao resultado tributável no montante de €131.627,40 foram anulados e, nessa medida, revogado parcialmente o ato tributário sob impugnação.

Subsistiram depois apenas as correções à matéria coletável de 75.886,79€ (III.1 do doc. n.º 1) e o consequente reflexo na liquidação de IRC na parte não revogada.

Todavia, essa parte subsistente da liquidação foi objeto de desistência da Requerente.

Assim é que, por revogação e por desistência, desaparece o objeto da impugnação.

 

III Decisão

 

À luz do exposto, ponderando o citado quadro factual, as posições de ambas as partes espelhadas nos autos e o disposto no artigo 277.º-d) e e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT, decide este Tribunal:

a)            Declarar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide decorrente da eliminação parcial voluntária da ordem jurídica do ato de liquidação impugnado e

b)           Declarar extinto o pedido, por desistência da Requerente, relativo à parte não revogada do ato de liquidação.

 

Custas

Ficam as custas a cargo de ambas as partes na proporção de 90% pela AT, na medida em que deu causa à extinção da instância (Cfr. artigos 527.º e 536.º-3 e 4 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º do RJAT) e 10% pela Requerente (artigo 537.º-A do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT), fixando-se a taxa de arbitragem em  €5.202,00 (cinco mil duzentos  e dois euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT e  4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

•             Valor do processo

Fixa-se ao processo o valor de € 289.469,47 (duzentos e oitenta e nove mil quatrocentos e sessenta e nove euros e quarenta e sete cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

             Notifique-se.

 

Lisboa, 24 de novembro de 2020

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

Sérgio Pontes

(Vogal)

 

Luís M. S. Oliveira

(Vogal)