Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Maria da Graça Martins e Dra. Cristina Aragão Seia (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 06-07-2020, acordam no seguinte:
1. Relatório
A... PLC, sociedade de investimento mobiliário constituída ao abrigo da lei irlandesa, com sede em ..., ..., Irlanda, com o número de contribuinte fiscal irlandês ... e com o número de contribuinte fiscal português ..., (doravante, "Requerente"), em representação dos subfundos B..., C... e D... apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), tendo em vista a anulação actos de retenção na fonte respeitantes a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) de 2017, consubstanciados nas guias n.º ... e n.º ..., referentes aos períodos de Maio e Setembro de 2017, como a decisão da reclamação graciosa que sobre eles recaiu com o n.º ...2019... .
O Requerente pede ainda reembolso da quantia, acrescido de juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 07-01-2020.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 28-02-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 06-07-2020 (considerando a suspensão de prazos prevista no artigo 7.º da Lei n.º 1-A/20202, de 19 de Março).
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e requereu a suspensão da instância até decisão pelo TJUE do pedido de reenvio prejudicial das questões prejudiciais formuladas no âmbito do processo n.º 93/2019-T.
A Requerente pronunciou-se sobre o requerimento de suspensão da instância, dizendo, em suma, que não se justifica por não subsistirem dúvidas quanto à interpretação a conferir às normas de direito da União Europeia relevantes, designadamente os artigos 63.º e 65.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que já foram interpretadas por várias decisões arbitrais e, a não ser aceite a sua interpretação deverá ser suspensa a instância para efectuar reenvio prejudicial nos termos referidos no artigo 169.º do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 29-10-2020, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A) A Requerente é uma pessoa coletiva de direito irlandês, que se encontra organizada em subfundos ou compartimentos patrimoniais autónomos, inclusivamente os subfundos B..., C... e o D... (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
B) A Requerente está constituída como organismo de investimento coletivo (OIC), sendo sujeito passivo de IRC não residente e sem estabelecimento estável, sendo residente na Irlanda, no ano de 2017 (documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
C) No ano de 2017, a Requerente recebeu dividendos com origem em Portugal, cuja retenção na fonte foi efectuada pela entidade responsável pelos títulos – E..., com o NIF..., nos montantes que constam dos quadros que seguem (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral e documentos n.ºs 1 e 2):
D) Relativamente aos períodos de Maio e Setembro de 2017, o E... efectuou à Administração Tributária, com base nas guias de retenção na fonte n.ºs ... e ..., os pagamentos que constam dos documentos n.ºs 1 e 2 juntos com a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, cujos teores se dão como reproduzidos;
E) Em 07-05-2019, a Requerente apresentou reclamação graciosa dos actos de retenção na fonte referidos, que foi indeferida por despacho de 12-09-2019 (documentos n.ºs 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e processo administrativo);
F) Na fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa refere-se, além do mais, o seguinte:
II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
2. Nos termos do artigo 65.º da Lei Geral Tributária (LGT) e n.º 1 do artigo 9.º do CPPT, a reclamante tem legitimidade no presente procedimento, não tendo nomeado representante fiscal, sendo essa nomeação meramente facultativa para residentes em Estados Membros da União Europeia (para os efeitos dos n.ºs 6 a 8 do artigo 19.º da LGT e do nº 1 e 2 do artigo 126.º do CIRC).
3. A petição é subscrita por mandatário (a fls. 32), conforme procuração junta de fis. 33 a 36 dos autos, pelo que se encontram preenchidos os requisitos do mandato tributário do artigo 5.º do CPPT.
4. Atendendo as datas das guias de retenção na fonte identificadas, a reclamação graciosa é tempestiva (a fls. 432) e o meio de defesa utilizado é o próprio (n.º 2 do artigo 137.º do Código do IRC e n.ºs 3 e 4 do artigo 132.º do CPPT), por invocar imposto pago em excesso a título definitivo, sendo este o órgão competente para a decisão, nos termos do nº 1 do artigo 75.º do CPPT.
5. Não há conhecimento que tenha sido apresentada impugnação judicial até à presente data.
III – ALEGAÇÕES
Invoca a reclamante, resumidamente:
6. A reclamante e uma pessoa coletiva de direito irlandês, que se encontra organizada em subfundos ou compartimentos patrimoniais autónomos (conforme prospecto junto a fls. 37 a 410), no que ora releva os subfundos B..., C... e o D..., constituída enquanto organismo de investimento coletivo (OIC), sendo sujeito passivo de IRC não residente e sem estabelecimento estável(certificado de residência na Irlanda, a fis. 412).
7. No ano de 2017, a reclamante recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte, cuja retenção na fonte foi efetuada pela entidade responsável pelos títulos – E..., com o NIF...– à taxa de 15%, nos termos de al. c) do nº 1, al. c) do nº 3, ambos do artigo 94.º e do nº 4 do artigo 87.º, ambos do CIRC, e artigo 10.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre o Estado Português e a Irlanda, nos termos do Anexo.
8. Tendo em conta o disposto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), considera a reclamante que sujeitar a retenção na fonte os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC's não residentes, ao mesmo tempo que a isenta quando distribuídos a OIC's domiciliadas em Portugal, consubstancia uma discriminação em razão da residência e, por via disso, uma restrição a uma das liberdades fundamentais previstas no TFUE, bem como vicia o disposto no artigo 63.º do TFUE (proibição de qualquer restrição a livre circulação de capitais).
9. A reclamante não consegue recuperar o imposto pago em Portugal no seu Estado de residência – Irlanda – sendo que esta distribuição é passível de ser qualificada como movimento de capital na aceção do artigo 63.º do TFUE e da Diretiva 88/361ICEE do Conselho, de 1988-06-24.
10. Este entendimento tem por base a jurisprudência do TJUE, invocando-se, para o efeito, diversos acórdãos nos quais, face a este tratamento diferenciado, se conclui pela incompatibilidade das normas nacionais com o Direito da União Europeia, nomeadamente do artigo 22.º do EBF com o artigo 63.º do TFUE e, como tal, vicia os princípios da legalidade tributária e do primado do direito internacional, previsto no artigo 8.º da CRP.
11. Atendendo ao invocado, solicita o reembolso das retenções na fonte de dividendos aqui reclamadas, no montante de € 167.357,94, acrescido de juros indemnizatórios ao abrigo da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.
IV – DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
12. Nos meses de maio e setembro de 2017 foram distribuídos dividendos das participações que a reclamante detinha nas sociedades descritas no ponto 7 supra, cuja custódia foi atribuída ao E... S.A, NIF..., sujeitos a tributação em sede de IRC, a taxa de 15%.
13. Quanto a entrega do imposto retido nos cofres do Estado pelo substituto tributário, foram indicadas pela reclamante as guias de retenção na fonte n.º ... e ..., do período de maio e de setembro de 2017, as quais apresenta valores muito superiores ao reclamado.
14. Uma chamada de atenção para uma incoerência verificada através da consulta das aplicações informáticas da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT): não existe qualquer Declaração Modelo 30 (1) da reclamante quanto ao ano de 2017 para corroborar os valores de dividendos derivados de participações sociais e respetivas retenções na fonte. Como tal, não tem a AT elementos suficientes que permitam salvaguardar que houve efetivamente estas retenções na fonte a esta reclamante nem tão pouco a sua entrega nos cofres do Estado.
V – ANÁLISE DO PEDIDO E PARECER
15. A reclamante, não residente fiscal em Portugal e sem estabelecimento estável, é sujeito passivo de IRC, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRC, incidindo o imposto apenas sobre os rendimentos obtidos em território nacional (país da fonte), nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 3.º e n.º 2 do artigo 4.º, ambos do CIRC, a taxa de 15% nos termos do nº 4 do artigo 87.º do CIRC e artigo 10.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre o Estado Português e a Irlanda, objeto de retenção na fonte a título definitivo ou liberatório, na data da verificação do facto tributário (pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos), cujas importâncias retidas devem ser entregues nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte aquele em que forem deduzidas, nos termos da al. o) do n.º 1, al. b) do n.º 3, n.º 5 e n.º 6, todos do artigo 94.º do CIRC.
16. Quanto à alegada desconformidade das normas legais internas com o Direito da União Europeia, mais precisamente, a não consideração destes rendimentos para efeitos do apuramento do lucro tributável, prevista no nº 3 do artigo 22.º do EBF e sua impossibilidade de aplicação aos rendimentos distribuídos aos Organismos de Investimento Coletivo com sede fora de Portugal, cumpre dizer o seguinte:
17. Através do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro (2), procedeu-se à reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), alterando, no que aqui importa ressaltar, a redação do artigo 22.º do EBF, aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário e sociedades de investimento mobiliário e imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (3), conforme resulta do n.º 1 do artigo 22.º do EBF e Circular n.º 61201 5 (4).
18. Com a nova redação, estabeleceu o legislador, para esses sujeitos passivos de IRC, uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código de IRS, conforme resulta do n.º 3 do referido artigo 22.º do EBF.
19. Exclusão esta não aplicável à reclamante – pessoa coletiva de direito irlandês – por falta de enquadramento com o disposto no n.º 1 do artigo 22.º do EBF, o que é por si contestado no presente pedido, pelas razões que constam já elencadas no ponto III da presente informação.
20. A consagração da liberdade de circulação dos capitais e, consequentemente, a proibição de adoção de medidas restritivas de mesma, encontra-se consagrada nos artigos 63.º e seguintes do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), concretização do artigo 18.º do TFUE, aplicável entre Estados-membros que integram a UE.
21. Não obstante, conforme resulta da alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, é permitido que os Estados-membros apliquem "(...) as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido", tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que, verificado o nº 3 da mencionada disposição legal.
22. Evidenciando-se que, ao contrário do que se verifica com 0 IVA, não existe no TFUE uma previsão quanto à harmonização de impostos sobre o rendimento ou tributação direta (5), embora, numa tentativa de aproximação de legislações dos Estados-membros, a mesma encontre alguma expressão, nos artigos 114.º e 115.º do referido Tratado.
23. Cumpre referir que não compete à AT avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, nem tão pouco apreciar da sua constitucionalidade, realçando-se que, na senda do entendimento acolhido pela recente jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Administrativo (6), atendendo ao disposto nos artigos 266.º da CRP e 55.º da LGT, a Administração Tributária deve atuar em conformidade com a lei, não podendo, por regra, deixar de aplicar uma norma tributária constante de diploma legal, por alegada inconstitucionalidade, a não ser quando o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do artigo 281. º da CRP.
24. E, por outro lado, não pode a AT aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) quando estas não têm, na sua origem, a apreciação da compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu.
25. Sendo que a jurisprudência trazida à colação pela reclamante respeita a normas legais de outros ordenamentos jurídicos, não se conhecendo, quaisquer decisões do TJUE que tenham concluído pela desconformidade do artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2615, de 13 de janeiro, com o TFUE.
26. Todavia, sempre se dirá que, de acordo com Paula Rosado Pereira (7), "(..,) no Caso Schumacker, o Tribunal de Justiça aceitou que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes (...)", considerando a autora que "A análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, assim, que na perspectiva deste órgão, em termos genéricos, e uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas CDT, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação consagradas no TFUE."
27. Pelo exposto, é de indeferir o presente pedido.
28. Acrescenta-se, ainda que, por não se verificarem in casu os pressupostos do artigo 43.º da LGT, não assiste a reclamante o direito a juros indemnizatórios.
G) O Chefe e Equipa emitiu parecer nestes termos:
Concordo com o teor da presente informação, pelo que sou de parecer que a reclamação graciosa deduzida contra a retenção na fonte no ano de 2017, no valor de € 167.357,94 alegadamente por ser desconforme com o TFUE, deverá ser indeferida, porquanto e em face do que vem informado, a retenção em apreço não enferma de ilegalidade na exata medida em que foi efetuada em estreita obediência ao quadro legal vigente. Sem embargo e no que respeita a alegada violação das normas do TUE, mormente no que à violação do princípio da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais, importará sublinhar que não cabe à AT avaliar de tal conformidade, mas antes atuar em harmonia com as normas vigentes, cabendo tal missão aos órgãos com competência para tal, conforme infra vem devidamente informado. Mais se propõe que o sujeito passivo seja notificado nos termos e para efeitos do exercício do direito de audição prévia a que alude o artº 60º da LGT.
H) Em 06-01-2020, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
Quanto à data da apresentação da reclamação graciosa, deu-se como provada com base no carimbo nela aposto que consta da 1.ª parte do processo administrativo.
Não se provou se as quantias retidas na fonte pelo E..., SA, relativas aos pagamentos efectuados à Requerente estão incluídas nas guias de pagamento n.ºs ... e ... .
Como diz a Administração Tributária na fundamentação da decisão da reclamação graciosa e sua resposta, as guias referidas apresentam valores muito superiores aos que a Requerente impugna e não há outros elementos que permitam esclarecer a que se referem.
No entanto, não sendo suscitada a questão da falsidade dos documentos juntos pela Requerente como documento n.º 3, considerou-se provado que foram efectuadas pelo E..., SA as retenções na fonte referidas pela Requerente.
Por outro lado, o facto referido na decisão da reclamação graciosa de que «não existe qualquer Declaração Modelo 30 (1) da reclamante quanto ao ano de 2017» não tem relevo para este efeito, pois a «reclamante» a que se refere é a Requerente no presente processo, que não tinha dever de apresentar declaração modelo 30. Na verdade, esta declaração deve ser apresentada pela entidade que efectua a retenção na fonte e não por aquele a quem a quantia retida é subtraída, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 119.º do CIRS.
A isto acresce que é à Administração Tributária, a quem foram apresentadas as guias de retenção na fonte que cabe apurar a materialidade subjacente, no exercício dos seus deveres de controle da legalidade, designadamente através de eventual pedido de esclarecimento, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 59.º da LGT. Ao contribuinte, a quem foram retidas quantias a título de pagamento de impostos, bastará demonstrar que lhe foram efectuadas as retenções.
3. Matéria de direito
A Requerente é uma é uma pessoa coletiva de direito irlandês, que está constituída como organismo de investimento coletivo (OIC), sendo sujeito passivo de IRC não residente e sem estabelecimento estável, sendo residente na Irlanda, no ano de 2017.
Nos meses de Maio e Setembro de 2017 foram distribuídos dividendos das participações que a Requerente detinha nas sociedades indicadas na alínea C) da matéria de facto, cuja custódia foi atribuída ao E... S.A, dividendos esses que foram sujeitos a tributação em sede de IRC, a taxa de 15% (ponto 12 da fundamentação da decisão da reclamação graciosa).
O artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de Janeiro estabelece o seguinte:
Artigo 22.º
Organismos de Investimento Coletivo
1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.
4 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo -os, de um ou mais dos 12 períodos de tributação posteriores, aplicando -se o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC.
5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.
6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.
7 – Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.
8 – As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.
9 – O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo no entanto ser inferior a um ano civil:
a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil;
b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade.
10 – Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.
11 – A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código.
12 – O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC.
13 – As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC.
14 – O disposto no n.º 7 aplica -se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.
15 – As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.
16 – No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto -Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro.
Nos termos do artigo 7.º daquele Decreto-Lei n.º 7/2015, «as regras previstas no artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, são aplicáveis aos rendimentos obtidos após 1 de julho de 2015».
No referido n.º 1 do artigo 22.º estabelece-se que o regime nele previsto é aplicável aos «fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional».
A Requerente é constituída ao abrigo da lei irlandesa e não da lei nacional, sendo por esse motivo que a Administração Tributária entendeu que a sua situação não se enquadra neste regime:
18. Com a nova redação, estabeleceu o legislador, para esses sujeitos passivos de IRC, uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código de IRS, conforme resulta do n.º 3 do referido artigo 22.º do EBF.
19. Exclusão esta não aplicável a reclamante – pessoa coletiva de direito irlandês – por falta de enquadramento com o disposto no n.º 1 do artigo 22.º do EBF, o que é por si contestado no presente pedido...
3.1. Posições das Partes
A Requerente defende, em suma, que do regime que se prevê no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) resulta um tratamento discriminatório para os OIC não residentes em relação aos residentes, que é incompatível com os artigos 63.º e 65.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE),
Que estabelecem o seguinte:
Artigo 63.º
(ex-artigo 56.º TCE)
1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
Artigo 65.º
(ex-artigo 58.º TCE)
1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.
2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.
3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.
Alega a Requerente o seguinte, em suma:
– os dividendos auferidos em Portugal pelos subfundos da Requerente foram sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 15% e, se fossem auferidos por um Organismo de Investimento Coletivo (OIC) constituído e a operar de acordo com a legislação nacional, estariam excluídos de tributação, nos termos do n.º 3 do artigo 22.º do EBF;
– esta diferença de tratamento configura uma restrição à liberdade de circulação de capitais, a qual é proibida pelo artigo 63.º do TFUE;
– o Direito da União prevalece sobre o Direito Nacional;
– o entendimento da Administração Tributária de que não tem poder para desaplicar normas que ainda não tenham sido julgadas inconstitucionais com força obrigatória geral pelo Tribunal Constitucional, não pode prevalecer;
– há jurisprudência do TJUE que esclarece a questão no sentido favorável à Requerente;
– a legislação interna coloca no mesmo plano, para efeitos de tributação em IRC, os fundos de investimento e sociedades de investimento não residentes e os fundos de investimento e sociedades de investimento residentes, mas não estabelece um tratamento equivalente entre sociedades de investimento residentes e sociedades de investimento não residentes;
– a situação da Requerente, sociedade de investimento não residente, encontra-se numa situação comparável à de uma sociedade de investimento residente;
– a legislação nacional, concretamente o artigo 22.º, n.º 3, do EBF, consente efectivamente um tratamento desvantajoso dos fundos de investimento e sociedades de investimento não residentes;
– a carga fiscal aplicada aos dividendos auferidos por um fundo de investimento ou por uma sociedade de investimento não residente, não é idêntica à aplicada aos dividendos (da mesma origem) auferidos por um fundo de investimento ou por uma sociedade de investimento residente;
– a legislação nacional não prevê qualquer mecanismo ulterior que permita atenuar ou eliminar a carga fiscal a que os dividendos auferidos por um fundo de investimento ou por uma sociedade de investimento não residente estão sujeitos;
– a diferença de tratamento claramente desvantajosa e discriminatória é suscetível de dissuadir investidores, residentes em países terceiros ou noutros Estados-membros, de investir em sociedades com sede em território português;
– a derrogação consagrada no n.º 1 do artigo 65.º do TFUE é limitada pelo n.º 3 do mesmo normativo que prevê que a derrogação à livre circulação de capitais não pode constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada;
– no que concerne à alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, a situação da Requerente é objetivamente comparável à de uma sociedade de investimento residente;
– relativamente à alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, não se pode considerar que a restrição à livre circulação de capitais resultante da legislação nacional esteja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral, caso em que, além do mais, deveria não apenas ser adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue mas também não ultrapassar o que é necessário para atingir esse objetivo, respeitando um princípio de proporcionalidade;
– não se pode justificar a restrição em causa pelo risco de evasão fiscal uma vez que decorre de jurisprudência constante que esse fundamento não justifica, por si só, uma restrição fiscal à livre circulação de capitais, se não for invocado em ligação com um objetivo específico de luta contra expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, cujo objetivo é de eludir o imposto normalmente devido;
– a Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Irlanda, a qual permite a troca de informações;
– não existe nexo direto entre a exclusão de tributação da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional recebidos por uma sociedade de investimento residente e a tributação na esfera dos participantes, quando da “redistribuição” desses mesmos dividendos;
– a redução de receitas fiscais não pode ser considerada uma razão imperiosa de interesse geral, suscetível de ser invocada para justificar uma medida, em princípio, incompatível com uma liberdade fundamental.
A Requerente sugere que se efectue reenvio prejudicial, caso não se considere clara a jurisprudência do TJUE.
A Autoridade Tributária e Aduaneira mantém o entendimento adoptado na decisão da reclamação graciosa, acrescentando porém o seguinte, em suma:
– diferença de tratamento dos OIC residentes e não residentes não é incompatível com o Direito da União Europeia, porque, em suma, corresponde a uma opção legislativa de deslocação para a esfera do Imposto do Selo da tributação dos rendimentos típicos dos OIC residentes [isto é, dos rendimentos de capitais (artigo 5.º do Código do IRS), dos rendimentos prediais (artigo 8.º do Código do IRS) e das mais-valias (artigo 10.º do Código do IRS) conforme previsto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF], e ainda a isenção de derrama municipal e de derrama estadual, nos termos do n.º 6 do artigo 22.º do EBF:
– «os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF – tal como ocorre com os fundos de pensões - por beneficiarem de isenção parcial de IRC, estão obrigados a liquidar e entregar a tributação autónoma incidente sobre os lucros distribuídos, quando as correspondentes partes sociais não sejam detidas, de modo ininterrupto, há pelo menos um ano»;
– conforme se retira da doutrina e da jurisprudência do TJUE, para avaliar da existência de um tratamento discriminatório, a análise da comparabilidade deve ser realizada, não com base na consideração estrita na sujeição/isenção da retenção na fonte sobre os dividendos mas entrando em linha de conta com a carga fiscal global passível de incidir sobre tais rendimentos quando auferidos por sociedades de investimento mobiliárias residentes e não residentes, já que só deste modo, é possível concluir se existe, ou não, um tratamento desvantajoso para uma das situações, que seja suscetível de dissuadir os não residentes de investir em Portugal;
– um OIC ou uma sociedade de investimento mobiliário constituídos e estabelecido em Portugal, embora isentos de retenção na fonte, estão sujeitos a uma tributação autónoma sobre os dividendos, à taxa de 23%, se as correspondentes partes sociais não forem detidas, de modo ininterrupto, pelo período de um ano e, além disso, o montante do investimento em acções bem como os dividendos reinvestidos integram
o valor líquido global determinado, em cada trimestre, para efeitos da liquidação do Imposto do Selo;
– ao passo que os dividendos distribuídos por uma sociedade residente em Portugal a uma sociedade de investimento mobiliário constituída ao abrigo da legislação irlandesa apenas foi objeto de retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 15% (taxa máxima estabelecida no artigo 10.º da CDT);
– não está demonstrado cabalmente que, embora a Requerente não consiga recuperar o imposto retido na fonte (Portugal) no seu estado de residência (Irlanda), devido ao seu estatuto de entidade abrangida por um regime de semi-transparência fiscal, a parte do imposto não recuperado pelo fundo não venha a ser recuperado pelos investidores;
– para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e se tal diferenciação é suscetível de afectar o investimento em ações emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo - que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos;
– o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera dos investidores, questão que a Requerente também omitiu, ou, pelo menos, não esclareceu;
– não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis;
– o que existe é uma aparência de discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, mas, a que não corresponde uma discriminação em substância;
– o TJUE debruça-se sobre casos concretos, o que justifica que a AT se considere inibida de transpor para os casos que lhe são submetidos;
– a restrição provocada pelo tratamento desigual encontra justificação na preservação da coerência do sistema fiscal;
– a derrogação prevista no artigo 65.º do TFUE leva a que não seja de concluir, como faz a Requerente que há violação do artigo 63.º do Tratado;
– quanto à alegada violação do artigo 8.º da CRP que afirma o primado do direito comunitário sobre o direito nacional, importa notar que não está em causa a observância de normas do Direito Europeu contidas em Regulamentos ou Diretivas, mas, tão-só, decisões do TJUE que têm subjacentes factos concretos e disposições de ordenamentos jurídico-fiscais de outros Estados-Membros;
– nada tem a opor ao reenvio prejudicial, mas, uma vez que esta mesma questão já se encontra em análise pelo TJUE, por via de reenvio prejudicial no processo n.º 93/2019-T do CAAD, processo prejudicial n.º C-545/19 (ainda que com referência a um fundo residente na Alemanha a questão suscitada é em tudo idêntica à dos presentes autos), deve ser suspensa a instância até à decisão do TJUE.
3.2. Apreciação da questão
3.2.2. Interpretação do artigo 22.º, n.º 1, do EBF
O artigo 22.º do EBF estabelece um regime consideravelmente mais favorável que o regime geral de tributação em IRC, pois, nos termos do seu n.º 3, «para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1» e isenção de derramas estadual e municipal (n.º 6).
O n.º 1 do artigo 22.º do EBF estabelece que «são tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional», pelo que exclui do âmbito do regime aí previsto as sociedades como a Requerente, que não foram constituídas de acordo com a legislação nacional.
3.2.3. Violação do Direito da União
De harmonia com o disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
A Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem decidido pacificamente no sentido da primazia do direito internacional convencional sobre o direito interno, como pode ver-se pelos acórdãos de 01-07-2015, proferido no processo n.º 0188/15, 17-06-2015, proferido no processo n.º 0187/15, e de 25-06-2015, proferido no processo n.º 0464/15, em que se entendeu que «nos termos do art. 8.º, n.º 2, da CRP, as normas de convenção internacional, quando regularmente adoptadas pelo Estado Português e publicadas na forma legal, prevalecem sobre o direito interno infraconstitucional, em tudo que seja conflituante com este, motivo por que os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que viole tratado internacional a que Portugal se tenha vinculado", na esteira de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, página 261. ( )
A Requerente defende que a norma do artigo 22.º, n.º 1, do EBF é incompatível com a «proibição de discriminações injustificadas materializada no tratado sobre o funcionamento da União Europeia - liberdade de circulação de capitais e liberdade de estabelecimento».
Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).
Quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem equacionar a colocação da questão da ao TJUE através de reenvio prejudicial.
No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81.
Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de Direito da União Europeia suscitada (doutrina do acto claro) (idem, n.º 14).
3.2.3.1. A tributação agravada dos OIC´s não residentes comparativamente aos residentes
É manifesto que dos n.ºs 1 e 3 do artigo 22.º do EBF e do n.º 4 do artigo 87.º e da alínea c) do n.º 1 do artigo 94.º do CIRC, os OIC’s residentes em Portugal e os OIC’s residentes noutro Estado Membro estão sujeitos, quanto aos dividendos que lhes são distribuídos por sociedades residentes em Portugal, a um tratamento distinto, pois apenas os dividendos distribuídos por aquelas a OIC’s não residentes estão sujeitos a IRC através de retenção na fonte.
A Administração Tributária defende que a não tributação dos OIC’s residentes em sede de IRC é compensada pela tributação trimestral destes em Imposto do Selo, nos termos da verba 29 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), e a possibilidade de ser aplicável aos OIC´s residentes tributação autónoma, designadamente a prevista no n.º 11 do artigo 88.º do CIRC.
No que concerne à referida tributação em Imposto do Selo, ocorre apenas quando «os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário sejam constituídos e operem de acordo com a legislação nacional» (artigo 4.º, n.º 7, do Código do Imposto do Selo), pelo que se trata, de facto, de uma tributação que não se aplica aos OIC´s não residentes.
Mas, esta tributação incide sobre o valor líquido global dos OIC´s residentes, à taxa de 0,0025%, por cada trimestre, quando invistam exclusivamente em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e, nos restantes casos, em que a base tributável poderá incluir os dividendos distribuídos, à taxa 0,0125%, por cada trimestre.
É manifesto, porém, que esta tributação em Imposto do Selo que poderá atingir, no máximo, nesta segunda hipótese, a taxa de 0,05% anuais (na soma dos quatro trimestres), apesar de incidir sobre o valor líquido global dos OICS´s, não se pode considerar equivalente à que resulta da tributação dos dividendos em IRC à taxa de 15%, ( ) 300 vezes superior. ( )
Por outro lado, a tributação autónoma prevista no n.º 11 do artigo 23.º do CIRC, invocada pela Administração Tributária como compensatória da não tributação os dividendos, aplica-se, à taxa de 23 %, aos lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.
No entanto, desde logo, a aplicação desta tributação autónoma tem lugar apenas quando ocorra de detenção de partes sociais por período inferior a um ano, pelo que, não se aplicando em todas as situações, sempre se terá de concluir que não tem potencialidade para assegurar sempre a eliminação da situação de desvantagem dos fundos não residentes.
Por outro lado, esta tributação autónoma nem sequer se aplica aos OIC´s residentes, quanto aos dividendos, pois não se trata de entidades isentas de IRC, mas apenas isentas quanto a derrama estadual e municipal, por força do n.º 6 do artigo 22.º do EBF. Na verdade, as isenções a que se refere o n.º 11 do artigo 88.º do CIRC são benefícios fiscais (artigo 2.º, n.º 2, do EBF) e não se consideram benefícios fiscais as situações de não sujeição tributária, designadamente «as medidas fiscais estruturais de carácter normativo que estabeleçam delimitações negativas expressas da incidência» (artigo 4.º, n.ºs 1 e 2 do EBF). No caso em apreço, a não consideração, para efeitos do apuramento do lucro tributável dos OIC´s residentes, dos rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, constitui uma medida «estruturante do próprio modelo de tributação dos fundos de investimento adotado pelo legislador, retirando da incidência do imposto sobre o rendimento os rendimentos, distribuídos aos fundos constituídos e funcionando segundo a legislação nacional. Não constituí, assim, qualquer benefício fiscal, mas pertence à tipologia das normas delimitadoras da sujeição» ( ) .
Como bem se diz na citada decisão arbitral,
«68. Esvaziaria, aliás, o alcance dessa norma - diferir a tributação dos rendimentos dos fundos do momento da sua perceção pelos fundos para o momento da sua distribuição aos participantes – a tributação autónoma dos dividendos distribuídos aos fundos, cumulada com a tributação dos rendimentos distribuídos aos participantes. Assim, o Decreto-Lei n.º 7/2015, 13 de janeiro ao contrário do que seria publicitado e resulta do seu preâmbulo, teria, nessa interpretação, acabado por agravar a tributação em IRC dos rendimentos dos fundos de investimento, contrariamente à intenção manifestada pelo legislador».
69. Por outro lado, o referido n.º 11 do artigo 88.º do CIRC é uma norma anti-evasiva, limitando as isenções subjetivas do imposto sobre o rendimento aos rendimentos obtidos no âmbito da atividade estatutária dos titulares, presumindo obtidos fora dessa atividade os dividendos de participações sociais adquiridas menos de um ano antes da distribuição, sem caráter de permanência. Visa, por outro lado, com a consagração de um período mínimo de retenção, evitar a transmissão, anterior à distribuição dos dividendos, das participações sociais de sujeitos passivos sujeitos para os sujeitos passivos isentos, com vista à evitação da retenção na fonte.
70. Esses objetivos, por natureza, não são suscetíveis de se verificarem nos OIC’s, patrimónios autónomos que resultam da agregação e aplicação de poupanças de entidades individuais e coletivas em mercados primários e/ou secundários de valores, não havendo, pois, qualquer desvio da sua atividade estatutária na detenção das participações por período inferior a um ano».
Por isso, é de concluir que do artigo 22.º do EBF resulta uma tributação agravada dos OIC´s não residentes em relação aos OIC´s residentes, que não é totalmente compensada pela tributação destes em Imposto do Selo, que é a tributação que apenas onera os residentes.
Para além disso, como diz a Requerente, a legislação nacional não prevê qualquer mecanismo ulterior que permita atenuar ou eliminar a carga fiscal a que os dividendos auferidos por um fundo de investimento ou por uma sociedade de investimento não residente estão sujeitos.
3.2.3.2. Violação da proibição de restrições à circulação de capitais (artigo 63.º do TFUE)
Refere-se no acórdão do TJUE de 10-04-2014, proferido no processo n.º C-190/12:
38 Importa recordar, antes de mais, que, embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C 338/11 a C 347/11, n.º 14 e jurisprudência referida).
39 A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são de molde a dissuadir os não residentes de investirem num Estado Membro ou a dissuadir os residentes desse Estado Membro de investirem noutros Estados (acórdãos de 18 de dezembro de 2007, A, C-101/05, Colet., p. I-11531, n.º 40; de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C-436/08 e C-437/08, Colet., p. I-305, n.º 50; e Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.º 15).
40 No caso vertente, a isenção fiscal prevista pela legislação fiscal nacional em causa no processo principal era concedida unicamente aos fundos de investimento que exerciam a sua atividade em conformidade com a Lei sobre os fundos de investimento.
41 Resulta igualmente da decisão de reenvio que, nos termos da legislação nacional em causa no processo principal, os fundos de investimento só beneficiam da isenção na condição de a sua sede se situar em território polaco. Por conseguinte, os dividendos pagos a fundos de investimento não residentes não podiam beneficiar, apenas devido ao local de estabelecimento desses fundos, da isenção da retenção na fonte, mesmo que esses dividendos pudessem eventualmente ser objeto de uma redução da taxa de tributação ao abrigo de uma convenção preventiva da dupla tributação.
42 Ora, uma tal diferença de tratamento fiscal dos dividendos entre os fundos de investimento residentes e os fundos de investimento não residentes é suscetível de dissuadir, por um lado, os fundos de investimento estabelecidos num país terceiro de adquirirem participações em sociedades estabelecidas na Polónia e, por outro, os investidores que residem nesse Estado Membro de adquirirem participações em fundos de investimento não residentes (v., neste sentido, acórdão Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.º 17).
43 Daqui resulta que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é de molde a conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE.
Está ínsito neste acórdão do TJUE que a distribuição de dividendos efectuada por sociedades residentes em Portugal a OIC´s não residentes se engloba no conceito de movimento de capital, para efeitos do artigo 63.º do TFUE, o que não é objecto de controvérsia.
Afigura-se ser claro que à situação que se depara nestes autos se aplica esta jurisprudência do TJUE, pois, à face do artigo 22.º, n.º 1, do EBF, o tratamento privilegiado não se aplica à Requerente exclusivamente por a sua constituição não ter sido feita segundo a legislação nacional.
Por outro lado, as sociedades constituídas noutro Estado Membro serão tendencialmente não residentes em Portugal (como sucede no caso em apreço), pelo que este artigo 22.º, n.º 1, impondo-lhes um regime de tributação consideravelmente mais gravoso do que o aplicável às sociedades constituídas segundo a legislação nacional, tem potencialidade para «dissuadir os não residentes de investirem num Estado Membro», desde logo porque têm de enfrentar a concorrência das sociedades que usufruem de situação de vantagem fiscal, que ficam em melhores condições para comercialização os seus produtos de investimento.
É certo que a alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, permite que os Estados Membros apliquem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido, tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que verificado o n.º 3 do mesmo artigo.
Mas, como se refere no n.º 3 deste artigo 65.º, «as medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º».
No caso em apreço, sendo tributados em Portugal os OIC´s não residentes, a sua situação é comparável à dos OIC´s nacionais quanto ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em território nacional, pelo que devem ser objecto de tratamento equivalente ao aplicável aos OIC’s residentes.
Como se diz na decisão arbitral proferida no processo n.º 90/2019-T, «embora não estejam sempre numa situação comparável, residentes e não residentes são colocados nessa posição a partir do momento em que o Estado-Membro que se considere, unilateralmente ou por convenção, opte por tributar os acionistas não residentes de maneira menos favorável que os residentes, relativamente aos dividendos que uns e outros recebam de sociedades residentes. Especialmente relevante, em sede das liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais, é o facto de o tratamento fiscal menos favorável dos não residentes os dissuadir, na qualidade de acionistas, de investirem no Estado da residência das empresas distribuidoras de dividendos, e constituir, igualmente, um obstáculo à obtenção de capital no exterior por parte dessas empresas».
Para além disso, no que concerne à alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, não se pode entender que o tratamento desfavorável dos OIC´s não residentes possa ser justificado por uma razão imperiosa de interesse geral ou por risco de evasão fiscal, que só é relevante estiverem em causa expedientes artificiais, que tenham como objectivo primacial evitar o pagamento de imposto normalmente devido, e as restrições não podem exceder o necessário. ( )
Neste contexto, há que ter em conta que a Convenção entre a República Portuguesa e a Irlanda para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 29/94, de 24 de Junho (doravante “CDT”) assegura a troca de informações entre as administrações fiscais dos dois países (artigo 26.º), pelo que não se demonstra que o tratamento diferenciado dos OIC’s não residentes possa justificar-se por risco de evasão fiscal.
Para além disso, mesmo que se entenda, em sintonia com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08-02-2017, proferido no processo n.º 0678/16, que só se está perante um tratamento diferenciado relevante para este efeito quando «aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação», não é essa a situação que se depara nos autos. Neste caso, não há qualquer norma da CDT entre Portugal e Irlanda, que permita neutralizar a maior tributação da Requerente em relação às sociedades constituídas segundo a legislação nacional. Na verdade, o que se prevê no artigo 10.º, n.º 2, da CDT é apenas a garantia da limitação a 15% da tributação do rendimento bruto dos dividendos, e não a neutralização do que é pago a mais pelos OIC’s residentes na Irlanda comparativamente aos OIC’s residentes em Portugal, por terem recebido dividendos idênticos.
Pelo exposto, afigura-se ser claro que há precedentes na jurisprudência europeia sobre a interpretação dos artigos 63.º e 65.º do TFUE, pelo que não se justifica o reenvio prejudicial sobre esta questão, nem que se suspenda a instância até decisão do reenvio prejudicial efectuado no processo arbitral n.º 93/2019-T.
Acrescente-se ainda que, relativamente à decisão arbitral invocada pela Administração Tributária na sua resposta, proferido ano processo n.º 96/2019, trata-se de situação baseada em factos distintos, pois reporta-se a uma entidade residente na Alemanha e a decisão baseia-se no regime legal vigente na Alemanha e respectiva CDT. No caso da CDT Portugal Irlanda, «o termo «nacional» designa: (...) i) Relativamente à Irlanda, todos os cidadãos irlandeses e todas as pessoas colectivas, associações ou outras entidades constituídas de harmonia com a legislação em vigor na Irlanda», em que se incluem os OIC´s [artigo 3.º, n.º 1, alínea h) da CDT] o que configurará um regime diferente do que naquela decisão se entendeu decorrer da CDT relativa à Alemanha.
De harmonia com o exposto, declara-se ilegal o artigo 22.º, n.º 1, do EBF na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia.
Assim, tem de se concluir que as retenções na fonte e a decisão da reclamação graciosa que as confirmou, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios
A Requerente pede reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.
Como se referiu na fundamentação da decisão da matéria de facto, as guias de retenção na fonte juntas aos autos apresentam valores muito superiores aos que a Requerente impugna e não há outros elementos que permitam esclarecer a que se referem, mas não sendo suscitada a questão da falsidade dos documentos juntos pela Requerente como documento n.º 3, considerou-se provado que foram efectuadas pelo E..., SA as retenções na fonte referidas pela Requerente.
Sendo efectuadas as retenções na fonte pelo substituto tributário, considera-se pago o imposto pelo substituído, como decorre do n. 1 do artigo 28.º da LGT, em que se estabelece que «em caso de substituição tributária, a entidade obrigada à retenção é responsável pelas importâncias retidas e não entregues nos cofres do Estado, ficando o substituído desonerado de qualquer responsabilidade no seu pagamento».
É indiferente para este efeitos, que o imposto retido venha ou não a ser entregue ao Estado pelo substituto, pois esta é uma relação jurídica a que o substituído é alheio. Este, através da retenção, pagou a quem a lei encarrega de fazer a cobrança, pelo que está extinta a sua responsabilidade pelo pagamento.
E, se a retenção não devia ter sido efectuada, o pagamento em que ela se consubstancia tem de ser considerado indevido.
Como também se diz na decisão da matéria de facto, é indiferente, para este efeito de considerar paga pelo substituído as quantias retidas, que a entidade devedora dos rendimentos tenha ou não apresentado a declaração modelo 30, pois esta é uma obrigação posterior ao pagamento, que incumbe à entidade que efectuou a retenção e não ao substituído (artigo 119.º, n.ºs 1 e 7, do CIRS.
No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
No caso em apreço, na sequência da ilegalidade das retenções na fonte e da decisão da reclamação graciosa, há lugar a reembolso das quantias indevidamente retidas, como consequência da anulação daquelas, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
A ilegalidade da decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa.
No entanto, os erros que afectam as retenções na fonte não são imputáveis à Administração Tributária, pois não foram por ela praticadas e, consequentemente, não há direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática, à face do preceituado no artigo 43.º da LGT.
No entanto, o mesmo não sucede com a decisão da reclamação graciosa, pois deveria ter sido deferida a pretensão da Requerente e este erro é imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Esta situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção. ( )
No caso em apreço, a reclamação graciosa foi indeferida em 12-09-2019, mas foi apresentada em 07-05-2019, pelo que deveria ter sido proferida decisão até 09-09-2019, primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 artigo 57.º da LGT.
Assim, a partir de 09-09-2019, começam a contar-se juros indemnizatórios, relativamente às quantias retidas na fonte.
Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, contados desde 09-09-2019, até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
5. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Indeferir o requerimento de reenvio prejudicial;
b) Declarar ilegal o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia;
c) Julgar procedente o pedido de anulação das retenções na fonte efectuadas através dos documentos que constam do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, no valor total de € 167.357,94;
d) Anular a autoliquidação e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
e) Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias pagas, no montante global de € 167.357,94 e condenar a Administração Tributária a pagar este montante à Requerente;
f) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão e condenar a Administração Tributária a pagá-los a Requerente.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 167.357,94.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 06-11-2020
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Maria da Graça Martins)
(Cristina Aragão Seia)