Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 882/2019-T
Data da decisão: 2020-11-09  IRC  
Valor do pedido: € 303.030,09
Tema: IRC - Não residente; Retenção na fonte. Benefício fiscal: artigo 30º, nº1 do EBF. instituição de crédito residente; Estabelecimento estável.
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Sumário:

I.             A interpretação correta do artigo 30.º, n.º 1, do EBF é a de que a referência às «instituições de crédito residentes» abrange, por mera interpretação declarativa, os estabelecimentos estáveis em Portugal de instituições de crédito não residentes.

II.            No caso concreto, verificam-se os requisitos de aplicação do artigo 30.º, n.º 1, do EBF, porquanto: (i) os juros são decorrentes de empréstimos concedidos por uma instituição financeira não residente em Portugal, uma vez que o Requerente contraiu empréstimos junto de uma sociedade residente para efeitos fiscais em Espanha; e (ii) os juros não são imputáveis a estabelecimento estável, pois esse rendimento de capitais não é imputado ao Requerente, enquanto sucursal, para efeitos de determinação do lucro tributável, mas sim à instituição financeira espanhola que os recebeu.

 

Os árbitros Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha (árbitro presidente) (árbitros vogais), Maria do Rosário Anjos e Ricardo Marques Candeias, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 20-12-2019, A...– SUCURSAL EM PORTUGAL, pessoa colectiva titular da matrícula nº..., com representação permanente na Rua ..., nº..., ..., ...-... Lisboa, sucursal em Portugal do B..., sociedade constituída ao abrigo do direito irlandês, com sede em ..., ..., Irlanda, representante em virtude da cessação de C...- SUCURSAL EM PORTUGAL, pessoa coletiva e matrícula nº..., com anterior representação permanente na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, sucursal em Portugal do C... PLC, instituição de crédito com sede e direção efetiva em ..., ..., Londres, ..., Reino Unido (doravante “'Requerente”), veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante “RJAT”) e do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, apresentar pedido de cometimento de processo tributário pendente para arbitragem de pronúncia arbitral.

 

2.            Este pedido tem origem no processo de impugnação judicial nº .../14... BELRS (doravante designado por “impugnação judicial”) visando a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2013..., de 30 de dezembro de 2013, correspondente a € 909.090,27, relativos a retenções na fonte, e € 88.222,64 relativos a juros compensatórios. Posteriormente, no seguimento de pedido de revisão oficiosa da liquidação impugnada, parcialmente deferida pela AT através da sua Unidade de Grandes Contribuintes (UGC) foi a mesma parcialmente anulada no montante liquidado em excesso de €606.060,18, subsistindo no montante remanescente de €303.030,09, impugnado pela Requerente e sujeito a apreciação pelo presente pedido de cometimento de processo tributário pendente para processo arbitral. Este é, por conseguinte, o objeto sujeito a apreciação pelo Tribunal Arbitral.

 

3.            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

4.            O pedido de constituição do tribunal arbitral apresentado em 20-12-2020, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 23-12-2019. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 11-02-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. Em resposta a requerimento apresentado pela Requerida a propósito de eventual conflito de interesses relativamente à nomeação do Árbitro vogal Dr. Ricardo Marques Candeias, notificado para se pronunciar veio o Sr. Árbitro apresentar as suas alegações, nas quais manifesta a sua independência e capacidade para integrar o tribunal coletivo, embora manifeste a sua disponibilidade para recusar a nomeação. Analisado o incidente, veio o Senhor Presidente do Conselho Deontológico juntar despacho fundamentado, em 26-02-2020, nos termos do qual decide pela inexistência de impedimento do Sr. Árbitro, pelo que manteve a nomeação efetuada.

 

6.            Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 12-03-2020. Na mesma data foi proferido despacho arbitral em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

 

7.            A AT apresentou Resposta em 02-07-2020, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral. Não juntou Processo Administrativo (PA), pelo que por despacho de 07-07-2020, o tribunal arbitral notificou a AT para vir aos autos juntar o PA.

 

Em 19-09-2020 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor: “O processo não se mostra ser especialmente complexo no plano da tramitação processual, nem há irregularidades a suprir. Afigura-se que a matéria de facto relevante para a decisão da causa poderá ser fixada com base na prova documental, tornando-se desnecessária quaisquer outras diligências instrutórias. Por outro lado, dos documentos juntos com o pedido já consta o Relatório de Inspecção Tributária e o despacho que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa, não havendo outros elementos sobre que as partes se devam pronunciar.

Assim, e em aplicação dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), dispensa-se a reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º desse Regime, bem como a apresentação de alegações escritas.

Ao abrigo do princípio da colaboração solicita-se às partes a remessa das peças processuais em formato word.

Indica-se o dia 12 de Novembro de 2020 como data previsível para prolação da decisão arbitral, devendo até essa data a Requerente pagar a taxa de arbitragem subsequente.”

 

8.            Em 29-09-2020 a Requerida juntou requerimento aos autos para junção de comprovativo de pagamento da taxa de justiça arbitral e de Acórdão proferido no âmbito do processo arbitral nº 876/2019-T, no qual versa sobre a mesma questão de direito em apreciação nos presentes autos.

 

POSTO ISTO:

 

9.            O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

a)            O Requerente A...– SUCURSAL EM PORTUGAL, com representação permanente na Rua ..., nº..., ..., ...-... Lisboa, é a sucursal portuguesa da sociedade financeira com sede na Irlanda designada por B... PLC, sociedade constituída ao abrigo do direito irlandês, com sede em..., ..., Irlanda.

 

b)           No ano de 2011, data a que se reportam os factos tributários, o Requerente era uma entidade residente para efeitos fiscais no Reino Unido, mas também tributada em Portugal tendo por base os proveitos e os custos imputáveis à atividade desenvolvida em território nacional através da referida sucursal.

 

c)            A atividade do Requerente em Portugal consistia, na data a que se reportam os factos, na prestação de serviços da banca comercial e de investimento, em especial na concessão de crédito a clientes particulares e a empresas.

 

d)           Para desenvolver a sua atividade o Requerente necessitava de se financiar no mercado interno e nos mercados monetários internacionais.

 

e)           Por razões de gestão da sua atividade privilegiava o financiamento junto das empresas do grupo D..., tais como o “E...”, sociedade de direito espanhol e com residência fiscal em Espanha.

 

f)            Em 2011 o montante de juros devidos a título de empréstimo concedido pelo E... ao Requerente foi de €6.060.601,83.

 

g)            O Requerente não efetuou qualquer retenção na fonte sobre tais pagamentos por considerar que os mesmos se encontravam isentos de IRC, por aplicação do disposto no artigo 30º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

 

h)           Em 2013, o Requerente foi alvo de uma ação inspetiva externa, de carácter geral, realizada pela divisão de Inspeção de Bancos e outras Instituições Financeiras (“DIBIF”) da Unidade dos Grandes Contribuintes  relativa ao exercício de 2011.

 

i)             Como resultado final dessa ação inspetiva foi elaborado Relatório final da Inspeção Tributária (RIT) que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, o qual propôs correções técnicas à matéria tributável em sede de IRC e a retenções na fonte do exercício de 2011.

 

j)             No Relatório fundamentador, a páginas 17 a 18, a AT considerou que: “não sendo conhecidas quaisquer causas de exceção à tributação, os juros pagos ou colocados à disposição de entidades não residentes pelo C..., Sucursal em Portugal, encontram-se sujeitos a retenção na fonte a título definitivo. Desta forma calcular-se-á imposto em falta de €909.090,27, resultante da aplicação de 15% sobre os juros pagos pelo C... Portugal à entidade não residente no valor de €6.060.601,83 ao abrigo do artigo 98º do CIRC conjugado com o artigo 11º da convenção celebrada entre Portugal e Espanha para evitar a dupla tributação.”

 

k)            O Requerente não pagou este montante de imposto, tendo sido instaurado um processo de execução fiscal com o nº ...2014..., para cobrança coerciva do montante global de €1.004.180,44.

 

l)             Para suspensão do processo executivo, foi prestada garantia sob a forma de penhor sobre Notes, conforme consta de contrato de constituição de penhor sobre valores mobiliários junto aos autos como documentos nºs 5 e 6.

 

m)          Com a prestação da garantia o Requerente suportou um custo de €7.596,88 a título de Imposto de Selo.

 

n)           O processo executivo foi extinto por pagamento efetuado em 30-09-2015 e, consequentemente, extinta a garantia prestada.

 

o)           Na pendência da impugnação judicial, foi apresentado pedido de revisão oficiosa que correu termos com o nº ...2015..., a qual obteve decisão de deferimento parcial, como consta do despacho exarado no Ofício nº ... de 12-01-2016 da Divisão de Gestão e Assistência Tributária (DGAT) da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC).

 

p)           Do Despacho de deferimento resultou a anulação parcial da liquidação adicional nº 2013..., no montante de imposto liquidado em excesso no valor de €606.060,18, mantendo-se o ato tributário quanto ao montante de imposto liquidado, ou seja, no valor de €303.030,09, este último, em discussão nos presentes autos.

 

q)           Do referido despacho consta como fundamentação o seguinte: “Entendemos que os serviços de Inspeção Tributária não poderiam ter deixado de aplicar a Diretiva 2003/49/CE, de 3 de junho de 2003, uma vez que para situações iguais anteriores procedeu de forma contrária, fazendo desse modo, a Administração Tributária incorrer na violação do princípio da igualdade, na sua vertente material, transversal a todo o ordenamento jurídico. Na verdade, a partir de 01 de julho de 2009, tal Diretiva que, consabido, estabelece um regime fiscal comum aplicável aos pagamentos de juros e royalties efetuados entre sociedades associadas de Estados membros diferentes, prevê a aplicação de uma taxa de 5% (cinco por cento) de retenção na fonte respeitante a juros pagos pelo contribuinte, aqui Requerente, in casu, à entidade «E...– Espanha» sua associada. (…) Esta nossa conclusão em nada prejudica o prosseguimento dos autos de impugnação judicial nº .../14... BELRS, que corre os seus trâmites junto do Tribunal Tributário de Lisboa, visto que aí está em causa a aplicação ou não da isenção prevista no artigo 30 do Estatuto dos Benefícios Fiscais, e já não a mera questão da taxa de retenção na fonte de juros pagos a aplicar”

 

r)            Na sequência deste despacho de deferimento parcial do pedido de revisão oficiosa da liquidação impugnada a Requerente, por requerimento datado de 19-01-2016, requereu a redução do pedido formulado no âmbito da impugnação judicial em curso.

 

s)            Em 29-12-2019 o Requerente apresentou o pedido de cometimento do processo de impugnação judicial, ainda pendente, para arbitragem tributária.

 

A.2. Factos dados como não provados

      Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

10.          A matéria considerada comprovada tem suporte documental junto aos autos pelo Requerente.

A AT não juntou Processo Administrativo (PA).

 

11.          Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).  Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

 

B. DO DIREITO

B.1. Questão a decidir

 

12.          Considerando tudo o que vem exposto no pedido arbitral constata-se que a única questão de direito a decidir é a de saber se o Requerente beneficia ou não da aplicação do disposto no artigo 30.º do EBF, ou seja, da isenção prevista no artigo 30.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, e já não a questão da taxa de retenção na fonte de juros pagos a aplicar a qual ficou resolvida com o deferimento parcial do pedido de revisão decidido pela AT.

 

B.2 A posição da AT

 

13.          Sobre questão decidenda a AT considera que o artigo 30.º do EBF isenta de IRC os juros decorrentes de empréstimos concedidos por instituições de crédito não residentes a instituições de crédito residentes. “No entanto, prevendo este artigo quais os requisitos de concessão do benefício, faz, para esse efeito, ênfase na distinção entre instituições financeiras residentes e não residentes.” Considera que, para este efeito, visto estarmos perante um benefício em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, o conceito em causa se encontrar plenamente definido no n.º 3 do artigo 2.º do código daquele imposto. Neste enquadramento, considera a AT que, para efeitos do presente benefício fiscal, são consideradas residentes as pessoas coletivas e outras entidades que tenham sede ou direção efetiva em território português e que as sucursais em território nacional de empresas estrangeiras não são consideradas residentes. Nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRC, as sucursais são apenas considerados meros "estabelecimentos estáveis", logo não residentes. Aliás, acrescenta, “todo o iter do legislador prossegue neste sentido, uma vez que excluiu da isenção os rendimentos que sejam imputáveis a estabelecimento estável das instituições financeiras não residentes em território português, o que significa que considera as sucursais como não residentes para efeitos da isenção.”

Assim sendo, quando se refere às entidades que obtêm o empréstimo como instituições residentes, não se pode estar a incluir nesse conceito as sucursais de entidades não residentes estabelecidas em território nacional. Conclui que: “Quando a entidade pagadora dos rendimentos configure uma sucursal de uma instituição financeira não residente, como sucede in casu, encontra-se vedada a isenção prevista no n.º 1 do artigo 30.º do EBF.

Na opinião da AT o n.º 1 do artigo 30.º do EBF é muito claro ao estatuir a isenção de IRC relativamente aos juros pagos por instituições de crédito residentes decorrentes de empréstimos concedidos por instituições financeiras não residentes, desde que esses juros não sejam imputáveis a estabelecimento estável destas últimas instituições situado em território português. Nesta linha de pensamento, para a AT não há qualquer possibilidade de incluir no conceito de instituições de crédito residentes (pagadoras dos juros) as sucursais de instituições de crédito não residentes.

Entende ainda a AT que do nº 5 do artigo 13.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, o conceito de sucursal é o estabelecimento de uma empresa desprovido de personalidade jurídica que efectue, diretamente, no todo ou em parte, operações inerentes da empresa.  No caso dos presentes autos estamos, pois, perante um estabelecimento comercial de uma instituição de crédito sem sede ou direção efetiva em território português. Pelo que, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 2º do CIRC, estas entidades não são consideradas residentes e daí conclui que o benefício fiscal em causa não aproveita ao caso em apreço.

 

B.3 A posição do Requerente

 

14.          Em síntese o Requerente não se conforma com o entendimento da AT quanto à questão da isenção prevista no artigo 30.º, nº 1 do EBF. Apesar do deferimento parcial do pedido de revisão do ato de liquidação, que resolveu a questão das taxas de imposto aplicável, o Requerente entende que beneficia da isenção prevista no nº 1 do artigo 30.º do EBF. Alega, por isso, que a interpretação da AT nesta matéria é absolutamente contrária aos princípios constitucionais da igualdade e da liberdade de organização empresarial, respetivamente plasmados nos artigos 13.º e 80.º da CRP e ao princípio da legalidade tributária constante do n.º 2 do artigo 103.º da CRP.

15.          Por fim, entende ainda o Requerente que a posição da AT é frontalmente contrária às disposições basilares do Direito da União Europeia, nomeadamente, à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.º do TFUE. Uma discriminação assente na natureza de entidade residente ou não residente como pressuposto para o reconhecimento da isenção do artigo 30.º, nº 1 do EBF afigura-se intolerável, prejudica a liberdade de estabelecimento e de circulação de capitais, na medida em que dissuade a opção pela criação de sucursais — em claro privilégio da constituição de sociedades de direito português, na medida em que o exercício da mesma se torna prejudicial às contrapartes instituições financeiras não residentes, impedindo-as de usufruir de um benefício fiscal que se lhes encontraria acessível caso a mutuária fosse uma sociedade de direito português. Assim, impõe-se a conclusão de que a sucursal portuguesa terá de ser considerada, para efeitos fiscais, designadamente para efeitos de aplicação do citado artigo 30.º do EBF, de forma plenamente equiparada às entidades residentes em território nacional (como aliás já o é para efeitos de apuramento do seu próprio IRC). Qualquer outra interpretação do artigo 30.º do EBF revelar-se-á desconforme à CRP e ao Direito da União Europeia. Conclui pela inconstitucionalidade e ilegalidade do ato de liquidação.

 

16.          Sistematizadas as posições defendidas pelas partes cumpre decidir a única questão de direito submetida à apreciação deste Tribunal arbitral e que é a de saber qual a correta interpretação do artigo 30.º, nº 1, do EBF, sentido e alcance da isenção de imposto aí consagrada.

 

 B.4 - Questão da interpretação do artigo 30.º, n.º 1, do EBF

 

17.          O artigo 30.º, n.º 1, do EBF, na redação vigente à data dos factos tributários (2011), estabelecia o seguinte:

Artigo 30.º

 

Swaps e empréstimos de instituições financeiras não residentes

 

“1 - Ficam isentos de IRC os juros decorrentes de empréstimos concedidos por instituições financeiras não residentes a instituições de crédito residentes, bem como os ganhos obtidos por aquelas instituições, decorrentes de operações de swap, efectuadas com instituições de crédito residentes, desde que esses juros ou ganhos não sejam imputáveis a estabelecimento estável daquelas instituições situado em território português.” (sublinhado nosso)

 

18.          Pois bem, do teor literal do artigo 30.º do EBF, relativamente ao agente pagador dos juros, apenas se impõe que o devedor dos mesmos seja uma instituição de crédito residente para estes efeitos. O alcance desta regra é explicável pelo fim visado pelo legislador de dinamizar a captação de capitais oriundos de países estrangeiros e fomentar o incremento de capitais oriundos do exterior, como potenciadores de investimento de capital estrangeiro em Portugal. E, assim sendo, não faz sentido afastar a aplicação da isenção com o fundamento de a entidade mutuária assumir a natureza de sucursal. Como se disse, o elemento verdadeiramente relevante para a operacionalidade da isenção é que a beneficiária /pagadora dos juros seja uma entidade residente. Já a mutuária poderá ser ou não uma sucursal. Dito de outro modo, não há qualquer razão justificativa para o ora Requerente ser tratado de forma discriminatória face ao regime em vigor para os residentes, para efeitos fiscais, em Portugal, ainda que o mesmo (i. e., a entidade que procede ao pagamento do juro decorrente de um empréstimo concedido por uma entidade financeira não residente) seja um “mero estabelecimento estável", uma sucursal.

 

19.          Em reforço deste entendimento, diga-se que as regras de IRC aplicadas ao estabelecimento são as aplicáveis às demais entidades com residência em Portugal, sem distinção. Aliás, uma sucursal está sujeita ao mesmo tratamento fiscal das demais sociedades residentes para efeitos de imposto sobre o rendimento, pelo que, também deverá ter o mesmo tratamento fiscal em sede de benefícios fiscais.

 

Sendo assim, interpretar o artigo 30.º do EBF como estando a conceder um benefício fiscal às filiais e a negá-lo às sucursais, condiciona, de forma injustificada, a liberdade de estabelecimento dos cidadãos da União Europeia.

 

20.          Sobre a mesma questão de direito suscitada nos presentes autos foram já proferidas decisões arbitrais, nomeadamente, nos processos arbitrais nºs 877/2019-T, de 20-10-2020 e 876/2019-T de 14-07-2020. Diga-se que aderimos integralmente à jurisprudência vertida nestes Acórdãos arbitrais.

Assim, como bem se refere nos mencionados Acórdãos, nos termos do nº 5 do artigo 13º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, “sucursal é o estabelecimento de uma empresa desprovido de personalidade jurídica que efetue diretamente, no todo ou em parte, operações inerentes á atividade da empresa.” Estamos, pois, perante um estabelecimento comercial de uma instituição de crédito sem sede ou direção efetiva em território português. Também de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 2.º do CIRC, estas entidades não são consideradas residentes». A sucursal, que constitui um estabelecimento estável, não constitui uma empresa autónoma em relação à empresa-mãe, sendo apenas autonomizada, para efeitos fiscais, com aplicação de um regime especial de tributação.

Citando o Acórdão arbitral proferido no processo 876/2019-T “os estabelecimentos estáveis de sociedades comerciais não residentes em Portugal têm personalidade tributária, integrando-se no conceito de «património autónomo» para efeitos de direito tributário. O alcance deste conceito de «património autónomo» para efeitos fiscais foi analisado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-05-2008, proferido no processo n.º 0200/08, em que se refere o seguinte: «Porém, o alcance da atribuição da personalidade jurídica tributária é relevante exclusivamente para efeitos de tributação, para determinação das obrigações fiscais, não transformando as entidades sem personalidade jurídica em pessoas distintas, para efeitos das suas relações com os devedores. A atribuição de personalidade tributária a entidades sem personalidade jurídica, designadamente a estabelecimentos estáveis de não residentes em território português, constitui uma ficção, válida apenas para determinar a medida da tributação, justificada por razões de equidade na repartição interestadual de receitas fiscais, que se reconduz a que a entidade sem personalidade jurídica seja tratada como se fosse um ente distinto da pessoa singular ou coletiva que o cria, para efeitos da determinação da tributação que deve incidir sobre a sua atividade em Portugal. Isto é, a atribuição de personalidade tributária a entidades sem personalidade jurídica que não tenham sede ou direcção efectiva em território português tem em vista apenas determinar a «extensão da obrigação de imposto», na terminologia do art. 4.º, do CIRC, em cujo n.º 2 se refere que «as pessoas colectivas e outras entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos». Mas, a atribuição de personalidade tributária a um «estabelecimento estável» sem personalidade jurídica não tem quaisquer consequências a nível do património da sociedade mãe, pois todos os bens que forem afectados à actividade desse estabelecimento estável, continuam a pertencer à sociedade que o criou.

(...)

Quando se fala em «património autónomo» para efeitos de direito tributário, não é com o sentido que o conceito de património autónomo assume para efeitos do direito civil, que se traduz num regime especial de afectação de determinados bens ao pagamento de determinadas dívidas. No âmbito do direito tributário, «o que imprime a separação ou autonomia, ao património em causa, não é a sua afectação especial, nem carácter separado da sua administração, nem a sua sujeição a um dado regime de responsabilidade por dívidas, mas o facto de a lei submeter uma massa de bens e direitos a um tratamento fiscal unitário». (...) «A autonomia patrimonial de Direito Tributário – e que é vulgarmente designada por “equiparação a empresa independente” (…). No mesmo sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24-9-2008, processo n.º 0199/08. Segundo MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral do Direito Civil, volume I, páginas 218-219, património autónomo é o «conjunto patrimonial a que a ordem jurídica dá um tratamento especial, distinto do restante património do titular, sob o ponto de vista da responsabilidade por dívidas».

«Todavia, entre nós, a autonomia patrimonial dos estabelecimentos não conduziu à atribuição de personalidade jurídica, para efeitos fiscais, de tal sorte que o contribuinte continua a ser o residente no estrangeiro, só que tributado no país em que a sucursal se situa através de uma metodologia idêntica à das pessoas colectivas aí residentes. Com efeito, o artigo 13.º, n.º 1, do CIRS, e o artigo 2.º do CIRC, consideram sujeito passivo do imposto, não o estabelecimento estável, em, si mesmo considerado, mas as pessoas singulares ou colectivas, residentes no estrangeiro, que sejam os seus titulares». Assim, como diz o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão citado, «o contribuinte continua a ser o residente no estrangeiro, só que tributado no país em que a sucursal se situa através de uma metodologia idêntica à das pessoas colectivas aí residentes». Esta ficção de autonomia do estabelecimento estável em relação à empresa  não residente só existe para efeitos da tributação com base no rendimento e no âmbito da determinação do lucro tributável, para que se prevê, nos artigos 55.º e 56.º do CIRC, um regime especial. Com efeito, ressalta do artigo 4.º, n.ºs 2 e 3, do CIRC, que prevêem a «extensão da obrigação de imposto» a entidades não residentes em território português «apenas quanto aos rendimentos nele obtidos», considerando como tal «os imputáveis a estabelecimento estável aí situado», que não se estabelece uma generalizada equiparação do estabelecimento estável a uma entidade independente da empresa-mãe (designadamente para efeitos das tributações previstas no CIRC que não incidem sobre rendimentos, como é o caso das tributações autónomas).”

 

21.          Face ao que vem exposto e em coerência com os conceitos técnico-jurídicos relevantes, não se sufraga a posição da Requerida AT no sentido de «um estabelecimento estável de uma entidade não residente é sempre considerado não residente». Na verdade, desde logo, um estabelecimento estável (neste caso sucursal) nem é considerado residente nem não residente, pois, como se referiu, o contribuinte continua a ser o residente no estrangeiro, só que tributado no país em que a sucursal se situa através de uma metodologia idêntica à das pessoas coletivas aí residentes.

Em suma, concluímos que para efeitos de IRC os rendimentos imputáveis a estabelecimentos estáveis em Portugal de entidades não residentes têm o tratamento das entidades residentes, no que concerne à extensão da obrigação de imposto, sendo precisamente o afastamento as regras da tributação dos não residentes sem estabelecimento estável que justifica a utilização do conceito de estabelecimento estável. É a esta luz que há que interpretar o artigo 30.º do EBF, que na parte que se refere a juros. Assim sendo, à luz da letra da lei, conclui-se que ficam isentos de IRC os juros decorrentes de empréstimos concedidos por instituições financeiras não residentes a instituições de crédito residentes desde que esses juros não sejam imputáveis a estabelecimento estável daquelas instituições situado em território português.

 

22.          Retornando ao caso concreto e analisando a verificação dos requisitos de aplicação desta norma ao caso em apreço, verifica-se que:

a.            os juros têm de ser decorrentes de empréstimos concedidos por instituição financeira não residente, o que se verifica, dado que no caso em apreço foi uma instituição financeira espanhola que concedeu os empréstimos;

b.            os juros não são imputáveis a estabelecimento estável: o que aqui também se verifica, porquanto o rendimento de capitais em causa, não é imputado à sucursal para efeitos de determinação do lucro tributável, mas sim à instituição espanhola que os recebeu; dito de outro modo, a expressão juros «imputáveis a estabelecimento estável» reporta-se aos casos em que é a sucursal que recebe os juros e não àqueles em que esta que os paga.

 

23.          Assim, só podem suscitar-se dúvidas sobre a verificação do último requisito, que é o de os empréstimos terem sido concedidos a instituição de crédito residente. Ou seja, teremos de verificar se “a sucursal”, deve ser equiparada a entidade residente ou não residente, para este efeito. Ora, como vimos já, na delimitação do âmbito do benefício fiscal, para efeitos de imputação do rendimento a quem concede os empréstimos, equipara-se o estabelecimento estável às entidades residentes, pois, em relação a ambos está afastada a aplicação do benefício fiscal: tanto os juros obtidos por estabelecimento estável como os obtidos por entidades residentes estão excluídos do âmbito da isenção. Contudo, como bem refere o Requerente, no que concerne à entidade que concede os empréstimos, a distinção que se estabelece não é entre o estabelecimento estável e as entidades residentes, mas sim, «entre instituições financeiras não residentes com e sem estabelecimento estável em Portugal através do qual obtenham tais rendimentos – recusando às primeiras a isenção que confere às segundas, precisamente porque o estabelecimento estável das primeiras opera como uma instituição residente».

 Por outro lado, o afastamento da aplicação do benefício fiscal aos estabelecimentos estáveis concedentes de empréstimos justifica-se e adequa-se à regra de que, para efeitos  de determinação do lucro tributável, aqueles são equipados aos residentes.

 

24.          Acresce a tudo o que vem exposto o regime resultante do artigo 23.º, n.º 3, da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte para  Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, assinada em Lisboa em 27 de Março de 1968, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 48497, de 24-07-1968 (“CDT”), impõe que «a tributação de um estabelecimento estável que uma empresa de um Estado Contratante tenha no outro Estado Contratante não será nesse outro Estado menos favorável do que a das empresas desse outro Estado que exerçam as mesmas actividades».

 

25.          Por tudo o que se vem a expor é de concluir que o «estabelecimento estável» não pode deixar de ser equiparado às empresas residentes, para efeito de tributação em IRC. No entanto, como bem consta do Acórdão Arbitral proferido no Processo nº 876/2019-T “ esta conclusão não basta para resolver o problema da interpretação do artigo 30.º do EBF, pois não está em causa a tributação do estabelecimento estável, mas sim a da entidade não residente que fez o empréstimo e o âmbito do benefício fiscal depende de a entidade a quem o empréstimo foi feito ser uma das «instituições de crédito residentes». E sobre este ponto, a interpretação não é tão clara, pois, o teor literal desta expressão não tem qualquer alusão aos estabelecimentos estáveis de não residentes. Afigura-se, porém, que, numa perspectiva que tenha em mente a coerência valorativa da unidade do sistema jurídico, ínsita na sua unidade, que é elemento interpretativo primacial (artigo 9.º, n.º, 1, do Código Civil), a interpretação a fazer não pode deixar de ser no sentido de que, também para este efeito, tem de ser efectuada a  equiparação dos estabelecimentos estáveis a entidades residentes, designadamente porque a igualdade de tratamento é necessária para afastar um tratamento fiscal menos favorável para o estabelecimento estável do que o que é dado às empresas residentes que exerçam as mesmas actividades. Com efeito, numa perspectiva teleológica, para apurar se é dado um tratamento fiscal menos favorável ao estabelecimento estável não basta ter em conta apenas a tributação que lhe é imposta directamente, sendo também de considerar a que recai sobre os actos que pratica que, embora não constituam directamente encargo seu, têm potencialidade para se repercutirem na sua esfera jurídica, pois, em qualquer dos casos, estar-se-á perante uma discriminação ao arrepio da equiparação que a CDT pretende assegurar. Ora, como é óbvio, a tributação em IRC dos juros recebidos pelo mutuante tem potencialidade para se repercutir na esfera jurídica do mutuário, pois aqueles juros passarão a ser um custo adicional a suportar pelo mutuante que, à face das regras da vida e da experiência comum, tendencialmente se traduzirá em alguma medida num aumento da taxa de juro a suportar pelo mutuário, como, aliás, implicitamente é reconhecido ela Administração Tributária na citada Informação n.º 2072, ao dizer que ao benefício fiscal «subjaz uma intenção de incrementar a captação de capitais oriundos do exterior, através do desagravamento do custo dos empréstimos obtidos por instituições de crédito residentes junto de instituições de crédito não residentes». Assim, à face da àquela regra da CDT, os desagravamentos fiscais do custo dos empréstimos obtidos pelas instituições de crédito residentes têm de ser reconhecidos também aos estabelecimentos estáveis de instituições de crédito residentes no Reino Unido.”

 

26.          Tudo visto, concluímos que a interpretação correta do artigo 30.º, n.º 1, do EBF, é a de que a referência às «instituições de crédito residentes» abrange os estabelecimentos estáveis em Portugal de instituições de crédito residentes no Reino Unido. Ora, sendo assim, os empréstimos subjacentes à liquidação impugnada (na parte não revogada em sede de revisão do ato tributário) não estavam sujeitos a retenção na fonte de IRC.

 

Nesta conformidade, a liquidação de imposto bem assim como a decisão de revisão do ato tributário (na parte em que manteve a retenção na fonte sobre os juros), enfermam do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que impõe a sua anulação nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

               

Em síntese, entende este Tribunal arbitral coletivo que a interpretação correta do artigo 30.º, n.º 1, do EBF, é a de que a referência às «instituições de crédito residentes» abrange, por mera interpretação declarativa, os estabelecimentos estáveis em Portugal de instituições de crédito não residentes.

No caso concreto, verificam-se os requisitos de aplicação do artigo 30.º, n.º 1, do EBF, porquanto:

(i)           os juros são decorrentes de empréstimos concedidos por uma instituição financeira não residente em Portugal, uma vez que o Requerente contraiu empréstimos junto de uma sociedade residente para efeitos fiscais em Espanha;

(ii)          os juros não são imputáveis a estabelecimento estável, pois esse rendimento de capitais não é imputado ao Requerente, enquanto sucursal, para efeitos de determinação do lucro tributável, mas sim à instituição financeira espanhola que os recebeu.

 

B 5. Questões de conhecimento prejudicado

Declarada a ilegalidade da liquidação objeto do presente processo arbitral, por vício de violação de lei, o que impede a renovação da liquidação anulada, fica prejudicado, por ser inútil

(artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.

Por aplicação do disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao ato impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pelo Requerente.

 

B 6. Indemnização por prestação de garantia indevida.

 

 O Requerente veio ainda requerer o pagamento da correspondente indemnização por prestação de garantia indevida, tendo para o efeito alegado e demonstrado que procedeu à prestação de garantia bancária para efeito de obter a suspensão do processo de execução fiscal que lhe foi instaurado, incorrendo num custo de € 7.596,88.

O artigo 171.º do CPPT garante a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada, que poderá ser requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, havendo de entender-se que o processo arbitral é também o meio processual próprio para deduzir esse pedido visto que poderá ter por objeto a apreciação de pretensões relativas à declaração de legalidade de atos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

O artigo 53.º da LGT admite ainda que o devedor que ofereça garantia bancária ou equivalente para suspender a execução fiscal será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos, salvo quando se verifique na impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, caso em que a indemnização não está dependente do prazo pelo qual vigorou a garantia.  

Como se decidiu na Decisão Arbitral n.º 239/2016-T, o «erro imputável aos serviços na liquidação do tributo» abrange todas as ilegalidades que afetem a validade da liquidação, pelo que, tendo sido julgado procedente, em parte, o pedido arbitral, há lugar à indemnização por prestação de garantia indevida na proporção do vencimento.

No caso vertente, a garantia foi prestada para suspender o processo executivo relativamente ao ato liquidação inicialmente impugnado no montante de € 997.312,91. Na pendência do processo de impugnação judicial, o Requerente veio requerer a redução do pedido para € 303.030,09, por efeito do deferimento parcial do pedido de revisão oficiosa, entretanto apresentado, de que resultou a anulação do ato tributário no montante de imposto liquidado em excesso no valor de € 606.060,18.

 Nestes termos, o pedido de condenação da AT no pagamento de indemnização pelas despesas suportadas com a prestação da garantia bancária procede apenas na proporção correspondente ao valor do pedido que foi objeto de apreciação pelo tribunal arbitral (€ 303.030,09). E embora possa haver lugar a indemnização por prestação indevida de garantia em relação ao valor remanescente de € 606.060,18, essa indemnização apenas poderá ser reconhecida pela Administração, com fundamento em erro imputável aos serviços admitido no âmbito do pedido de revisão oficiosa.

               

B 7. Quanto ao pedido de restituição do imposto pago e juros indemnizatórios

O Requerente pretende que lhe seja «restituído o montante total de imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido e até à sua efetiva e integral restituição» (artigo 166.º do pedido de pronúncia arbitral).

Do disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT em conjugação com o previsto no artigo 61.º do CPPT, resulta que o direito a juros indemnizatórios é reconhecido nos casos em que ocorra «pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

No caso em apreço, como consta dos itens m) e n) da matéria assente, o Requerente provou que “o processo executivo foi extinto por pagamento efetuado em 30-09-2015 e, consequentemente, extinta a garantia prestada”.

Assim, a Administração Tributária está obrigada a restituir ao requerente o valor de imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, contados desde a data de pagamento do imposto indevido até ao da emissão da nota de reembolso e pagamento.

 

C. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

B) Anular a liquidação adicional de IRC, n.º 2013..., de 30 de dezembro de 2013, na parte subsistente após despacho que considerou parcialmente procedente o pedido de revisão de ato tributário formulado pelo Requerente, no valor de €303.030,09, relativos a retenções na fonte e a juros compensatórios.

C) Anular a decisão do pedido de revisão do ato tributário, na parte em que manteve a liquidação;

D) Julgar procedente o pedido de pagamento de indemnização pelas despesas suportadas com a prestação da garantia bancária na proporção correspondente ao valor do pedido que foi objecto de apreciação pelo tribunal arbitral;

E) Julgar procedente o pedido de reembolso e juros indemnizatórios, nos termos fixados no presente Acórdão, sem prejuízo de os respetivos direitos poderem ser reconhecidos em execução do presente acórdão.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 303.030,09, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 5.508,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Notifique-se

 

Lisboa, 9 de Novembro de 2020

 

O Árbitro Presidente

(Carlos Alberto Fernandes Cadilha)

 

O Árbitro Vogal

(Maria do Rosário Anjos)

 

O Árbitro Vogal

(Ricardo Marques Candeias)