Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 290/2020-T
Data da decisão: 2020-11-05  IRS  
Valor do pedido: € 25.432,63
Tema: IRS – Rendimentos da categoria A; compensação por cessação de contrato de trabalho; artigo 2.º, n.ºs 4, alínea b) e 10, do Código do IRS.
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SUMÁRIO:

1.            Nos termos previstos no artigo 2.º, n.º 4, alínea b) do Código do IRS, a tributação incide apenas sobre a parte das importâncias auferidas em virtude da cessação do contrato de trabalho que exceda o montante correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora.

2.            O conceito de “antiguidade” revela-se fundamental para efeitos do cálculo do limite da exclusão de tributação, tal como se encontra prevista no artigo 2.º, n.º 4, alínea b) do Código do IRS.

3.            O n.º 10 do artigo 2.º do Código do IRS opera uma extensão subjetiva do conceito de “entidade patronal”, estatuindo que é considerada entidade patronal toda a que pague ou coloque à disposição remunerações que constituam rendimentos de trabalho dependente, sendo a ela equiparada qualquer outra entidade que com ela esteja em relação de grupo, domínio ou simples participação, independentemente da localização geográfica.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

                I. RELATÓRIO

1. No dia 4 de junho de 2020, A..., NIF..., e B..., NIF..., ambos residentes na Rua ...,  ..., ..., Oeiras (doravante, o Requerente, a Requerente ou, conjuntamente, os Requerentes), apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante, abreviadamente designado RJAT), tendo em vista a apreciação da legalidade da liquidação de IRS n.º 2018..., referente ao ano de 2017, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019... – que teve por objeto aquela liquidação – e da decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2019... contra ela deduzido.

 

Os Requerentes juntaram 6 (seis) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

 

2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), os Requerentes alegam, nuclearmente, o seguinte que passamos a citar:

                «- Em 3 de setembro de 2007 o Requerente iniciou a prestação de trabalho para o Grupo C..., em específico para a sociedade D... SLU.

                - Em 1 de abril de 2016 o Requerente transitou dentro do Grupo C..., da D... SLU para a sociedade E..., Lda., mediante contrato de trabalho contendo cláusula de continuidade de antiguidade (…).

                - Essa cláusula de continuidade da antiguidade estabelecia que, para efeitos do cálculo da compensação por eventual cessação de contrato de trabalho entre o Requerente e a entidade empregadora, seria considerado o período completo de trabalho prestado em ambas as sociedades do Grupo C..., ou seja, desde 3 de setembro de 2007.

                - Em 31 de outubro de 2017 o Requerente e a entidade empregadora celebraram acordo de cessação de contrato de trabalho.

                - (…) o Requerente recebeu como compensação pela cessação do contrato de trabalho o valor de € 55.876,29 (…).  

- Dessa compensação, a entidade empregadora considerou como valor isento de IRS a quantia de € 7.474,00 e como valor sujeito a IRS a quantia de € 48.402,29, tendo aplicado retenção na fonte sobre este último valor à taxa de 41,1% (…), valores que correspondentemente declarou na Declaração Mensal de Remunerações (DMR) de outubro.

- Não concordando com este cálculo, o Requerente comunicou (…) que o valor isento de IRS era superior (…).

- Perante a falta de correção por parte da entidade empregadora, o Requerente e a Requerente segunda declararam na respetiva Modelo 3 de IRS os valores corretos (referentes aos rendimentos de trabalho dependente auferidos unicamente pelo Requerente), (…).

- (…), tendo a relação laboral do Requerente cessado e não tendo sido criado qualquer novo vínculo de qualquer tipo, laboral, profissional ou empresarial, o valor da compensação pago correspondente ao valor médio das remunerações regulares com caráter de retribuição sujeitas a IRS, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos de funções na entidade patronal encontra-se excluído de IRS.

- (…) a entidade empregadora considerou que o montante isento se limitava a € 7.470,00, o que se manifesta desprovido de qualquer sentido para uma relação laboral que se estendeu por 11 anos.

- (…) o Requerente verificou que o erro em questão resultou do cálculo erróneo do limite excluído de tributação, ao ter sido considerado para efeitos fiscais o período de antiguidade apenas na E..., Lda., ou seja, desde 1 de abril de 2016 até 31 de outubro de 2017,      

- o que é incorreto, devendo ter sido considerado o período de 3 de setembro de 2007 e que terminou em 31 de outubro de 2017, pois foi durante esse período completo de 11 anos que o Requerente manteve a relação laboral com a sua entidade empregadora, na figura da D... SLU e E..., Lda. 

- (…) entidade empregadora do Requerente para efeitos do artigo 2.º, n.º 4, do Código do IRS são a D... SLU e a E..., Lda. 

- Deve, portanto, considerar-se os anos ou fração de antiguidade nessas entidades para efeitos do cálculo do montante de compensação excluído de IRS, 11 anos.»

 

3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e notificado à AT em 18 de junho de 2020.

               

4. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 31 de julho de 2020, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 1 de setembro de 2020.

 

5. No dia 26 de setembro de 2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual suscitou a questão prévia do valor do processo e impugnou os argumentos aduzidos pelos Requerentes, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

 

A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, tendo apenas procedido à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).

 

A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação que passamos a citar:   

«- (…), em virtude da cessação da relação contratual ocorrida em 2017, a entidade patronal do Requerente, E..., Lda., contabilizou para determinação do montante indemnizatório devido, não apenas a antiguidade correspondente ao período em que aquele exerceu funções nessa empresa, mas também o período de exercício de funções da D... SLU, sob a égide de um contrato anterior e distinto.

- Este procedimento, isto é, a contabilização da antiguidade do Requerente em ambas as empresas (…) revela-se de plena concordância com a cláusula 18.ª do contrato de trabalho celebrado em 2016, negociada e aceite por ambas as partes, no âmbito da sua liberdade contratual.

- Sendo que, nos termos do artigo 36.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária, o acordado pelas partes vincula-as, mas não se sobrepõe ao enquadramento jurídico-tributário de acordo com a norma aplicável.

- (…), a sociedade E..., Lda. e a anterior entidade patronal do Requerente, cuja relação laboral na sua vertente jurídica e exercício funcional efetivo, decorreu entre setembro de 2007 e final de março de 2016, integravam um mesmo grupo económico, sendo eventualmente este o fundamento para a estipulação da cláusula 18.ª do contrato de trabalho, no âmbito da sua liberdade contratual, mas o que importa apurar é se existia a relação de domínio, grupo ou simples participação, o que tornaria a ponderação tributária à luz do regime do artigo 2.º, n.º 4, alínea b) do CIRS semelhante à verificada no cômputo do montante compensatório.

- Não decorrendo (…) dos elementos disponíveis, (…) que entre a empresa E..., Lda., pagadora da compensação e a anterior entidade patronal D..., SLU, situada em Espanha, se concretize uma situação de domínio ou de grupo ou de simples participação (cfr. art. 2.º, n.º 10).

- Pelo que, o que ocorreu foi a celebração pelo Requerente de dois contratos de trabalho, efetivos e coincidentes na sua vertente jurídica e de prestação laboral, sucedendo-se temporalmente e cujo ponto em comum é o facto de ambas as entidades patronais integrarem um mesmo grupo económico, sem que tal se traduza, à luz do estabelecido no artigo 2.º, n.º 10 do CIRS, considerar a sua equiparação a entidade patronal.»   

   

6. Os Requerentes, notificados para o efeito, pronunciaram-se relativamente à questão prévia do valor do processo, nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

 

7. O Tribunal dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo concedido prazo para a apresentação de alegações escritas e fixado o dia 26 de fevereiro de 2021 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

 

8. Ambas as partes apresentaram alegações escritas, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados.

***

                II. SANEAMENTO

9. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

§1. DO VALOR DO PROCESSO

10. Como acima foi dito, a Requerida suscitou a questão prévia do valor do processo, alegando, nuclearmente, o seguinte:

«- (…), nos termos do art. 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), quando seja impugnada a liquidação, o valor do processo é o da importância cuja anulação se pretende.

- Atendendo a que o Requerente pretende a anulação da liquidação n.º 2018..., no valor de € 4 083,37, deve ser este o valor do processo, pelo que deve o mesmo ser retificado.»

 

Os Requerentes, notificados para se pronunciarem, vieram dizer, essencialmente, o seguinte:

«- O objeto do presente pedido de pronúncia arbitral corresponde à apreciação da legalidade da demonstração de liquidação de IRS do ano de 2017.

- (…), o valor do reembolso apurado naquele ato de liquidação não se afigura correto, uma vez que deveria ascender a € 25.394,39 ao invés de (apenas) € 4.083,37.

- (…) o valor do imposto a reembolsar – de € 25.394,39 – corresponde à utilidade económica do pedido, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, alínea e), do RJAT, razão pela qual não pode proceder o entendimento defendido pela administração tributária.

                - (…) caso se considere que o valor do pedido conforme indicado pelos Requerentes não se encontra correto, (…), sempre o valor do pedido deverá ser corrigido para € 21.311,02 [€ 25.394,39 - € 4.083,37].

- No caso vertente, a importância cuja anulação se pretende é de € 21.311,02, correspondente ao imposto que incidiu sobre a compensação auferida pelo primeiro Requerente.

- (…), o valor cuja anulação os Requerentes pretendem não é de € 4.083,37, correspondente ao reembolso de IRS, mas o imposto que incidiu sobre aquela componente do rendimento, a qual está excluída de tributação e que determinou um reembolso inferior ao devido.»

   

Apreciando e decidindo.

 

11. O artigo 299.º, n.º 1, do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT) estipula que na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, estatuindo o artigo 306.º, n.º 1, do CPC que compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes; como decorre do subsequente n.º 2, o juiz deverá fazê-lo no despacho saneador, salvo nos processos em que não haja lugar a despacho saneador – como acontece in casu –, sendo então fixado na sentença.

 

Nos termos do artigo 10.º, n.º 2, do RJAT, do pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar, além do mais, a indicação do valor da utilidade económica do pedido (alínea e)), sendo que a indicação desse valor segue regras diferentes consoante o sujeito passivo pretenda a discussão da legalidade de atos tributários referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT ou de atos tributários mencionados na alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 2.º.

 

Nas situações em que o ato cuja legalidade se pretende ver apreciada for um ato de liquidação – como sucede neste processo arbitral –, o valor da utilidade económica do pedido é o valor da “importância cuja anulação se pretende”, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT). Conforme refere Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume II, 6.ª Edição, Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 72), nesta norma cabem «todas as situações em que é “impugnada a liquidação”, em que se incluem não só as impugnações diretas de atos de liquidação através do processo de impugnação judicial, como as impugnações de atos de indeferimento de reclamações graciosas ou recursos hierárquicos em que seja apreciada a legalidade de atos de liquidação, as impugnações de atos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamentos por conta, pois em todos os casos é impugnado um ato que determinou uma quantia de imposto», concluindo que o valor do processo «será o da própria liquidação, se for pedida a anulação total, ou o valor da parte impugnada, se se pretender uma anulação apenas parcial.»

 

Acontece que, no caso concreto, não existe a invocada e linear correspondência entre o valor da liquidação e a “importância cuja anulação se pretende”. Com efeito, no pressuposto da hipotética invalidade da liquidação de IRS controvertida e segundo as contas dos Requerentes, aquela contém aritmeticamente um valor de IRS liquidado em excesso de € 25.432,63; assim, da hipotética procedência integral do pedido dos Requerentes resultaria, pelas contas destes, um valor de imposto pago em excesso, a ser-lhes reembolsado pela AT, de € 25.432,63.

 

Este entendimento emana e é corolário do princípio geral de que o valor da causa representa a utilidade económica imediata do pedido; neste mesmo sentido, pronunciou-se o TCA Sul, no acórdão proferido em 13 de março de 2014, no processo n.º 7125/13:

«Nos termos do artigo 296.º/1, do CPC, “[a] toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”. Dispõe o artigo 297.º/1, do CPC, que “[s]e pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício”.

Por seu turno, determina o artigo 32.º, n.º 1, do CPTA, “[q]uando pela ação se pretenda obter o pagamento de quantia certa, é esse o valor da causa”; nos termos do n.º 2 do preceito, “[q]uando pela ação se pretenda obter um benefício diverso do pagamento de uma quantia, o valor da causa é a quantia equivalente a esse benefício”. […]

No que respeita à determinação da utilidade económica do pedido, “[h]á que ter em conta [que este] se funda sempre na causa de pedir que o explica e delimita. Dela não abstrai o critério da utilidade económica imediata do pedido, pelo que este não é considerado abstratamente, mas sim em confronto com a causa de pedir, para o apuramento do valor da causa”1. A causa de pedir consiste no facto constitutivo da situação jurídica que o autor quer fazer valer ou negar, cabendo-lhe a função de individualização e de delimitação do pedido. […] 1- José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, CPC, anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 1999, p. 543.»

 

                Assim, como se refere neste aresto, o critério fixado no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT não se desprende do quantitativo correspondente ao benefício económico a obter com a procedência da ação.

 

Na mesma linha interpretativa, pronunciou-se ainda o TCA Sul, no acórdão proferido em 17.01.2019, no processo n.º 62/18.4BCLSB, como resulta do respetivo sumário: «1. O valor dos processos arbitrais em matéria tributária é determinado pelo artigo 97.º-A do CPPT, ex vi do artigo 29.º do RJAT (…). 2. Para efeitos do valor da causa, a utilidade económica imediata do pedido, sempre que este não é definido através de uma quantia certa em dinheiro, deve ser avaliada em função do pedido e da causa de pedir. 3. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, o valor da causa corresponde ao valor da liquidação ou ao valor da parte impugnada desta, consoante se peça, respectivamente, a sua anulação total ou parcial, isto é, a quantia certa e líquida que na procedência da impugnação o impugnante deixará de pagar ou lhe será devolvida. 4. Caso se cumulem pedidos com o pedido de anulação da liquidação (v.g., pagamento de juros indemnizatórios), o valor da causa é sempre o valor da liquidação na parte impugnada. (…)»

 

No caso concreto, a hipotética procedência do pedido dos Requerentes traduz, segundo as suas contas, um ingresso de € 25.432,63 na sua esfera patrimonial, correspondente ao valor de imposto de que irão ser supostamente reembolsados em caso de pronúncia arbitral anulatória sobre o ato de liquidação de IRS controvertido, cujo efeito repristinatório ex tunc implica a reposição da situação hipotética atual que se verificaria se aquele ato de liquidação nunca tivesse existido, em conformidade com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, que impõe à AT o dever de “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

 

Nestes termos, o valor do presente processo arbitral é fixado em € 25.432,63 (vinte e cinco mil quatrocentos e trinta e dois euros e sessenta e três cêntimos).

*

12. Não existem quaisquer exceções ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.

***

 

III. FUNDAMENTAÇÃO 

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

13. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

a) Em 3 de setembro de 2007, o Requerente iniciou a prestação de trabalho para a empresa “D... SLU” (doravante, “D...”), sediada em Espanha.

b) Em 1 de abril de 2016, o Requerente celebrou um contrato de trabalho com a empresa “E..., Lda.” (doravante, “E..., Lda.”), NIPC...– que está anexo, como documento n.º 1, ao PPA e aqui se dá por inteiramente reproduzido –, no qual, além do mais, foi estipulado o seguinte:

«(…)

QUARTA

(Retribuição)

1.            A remuneração base do Trabalhador será de € 2.960,00 (dois mil, novecentos e sessenta euros) ilíquidos mensais.

2.            O Trabalhador tem ainda direito a um subsídio diário de alimentação no valor de € 6,80 (seis euros e oitenta cêntimos) por cada dia de trabalho completo efetivamente prestado.

3.            O Trabalhador auferirá ainda, mensalmente, a título de retribuição especial por isenção de horário de trabalho, o valor ilíquido de € 740,00 (setecentos e quarenta euros).

4.            Com carácter excecional, o Trabalhador terá direito, a título de prémio de assinatura do presente contrato, a receber o montante de e 350,00 (trezentos e cinquenta euros), o qual será pago com o primeiro salário.

5.            Sobre as retribuições devidas incidirão os descontos legais aplicáveis, nomeadamente os correspondentes à Taxa Social Única e IRS.

6.            O pagamento da retribuição será feito por meio de transferência bancária para conta bancária da titularidade do Trabalhador, (…), até ao último dia útil de cada mês.

7.            O Trabalhador poderá ainda vir a auferir bónus ou prémios variáveis, pagáveis de acordo com os critérios unilateralmente estabelecidos pela Entidade Empregadora, os quais poderão ser fixados em função do desempenho do Trabalhador, bem como ficam diretamente dependentes do cumprimento de objetivos estabelecidos pela Entidade Empregadora.

8.            Os bónus ou prémios referidos no anterior número 6, ficam sujeitos às regras e critérios livre e discricionariamente instituídos pela Entidade Empregadora, reservando-se esta o direito de os revogar, total ou parcialmente, não constituindo o presente contrato fundamento para a invocação pelo Trabalhador de qualquer direito adquirido.

9.            As Partes acordam expressamente que quaisquer montantes que venham a ser pagos a título de prémios se consideram montantes globais e incluem todos os componentes remuneratórios que com eles estejam relacionados, designadamente a título de férias e de subsídio de Natal.

(…)        

DÉCIMA OITAVA

(Regra Especial de Cálculo de Compensação)

1.            O Trabalhador expressamente reconhece que o cumprimento da obrigação de satisfação de quaisquer dos seus direitos decorrentes do contrato de trabalho que celebrou com a sociedade D... SLU, ou da respetiva cessação, cabem, exclusivamente, a esta última, pelo que em caso algum demandará a Entidade Empregadora, para satisfação de tais créditos.  

2.            Sem prejuízo do disposto no número anterior as Partes acordam que, em caso de cessação do presente contrato de trabalho por acordo entre o Trabalhador e a Entidade Empregadora, serão considerados, para o cálculo da compensação a ser paga ao Trabalhador, o número de anos completos ou fração, de trabalho por este prestado à D... SLU, cujo início se verificou em 3 (três) de Setembro de 2017, aplicando-se, para o cálculo desta parte da compensação, o valor da retribuição base estabelecida no número 1 da Cláusula Quarta, ou seja € 2.960,00 (dois mil, novecentos e sessenta euros). 

3.            Para efeitos do cálculo da compensação as partes acordam em aplicar, aos fatores estabelecidos no número anterior, o número de dias de retribuição base que, para cada ano ou fração, sejam aplicáveis, de acordo com as regras estabelecidas na Lei 69/2013 de 30 de Agosto, na redação em vigor à presente data.

(…)»

c) A empresa “D...” e a empresa “E..., Lda.” estão integradas no grupo económico/societário “C...”, dominado pela empresa “F..., Inc.”, sediada nos Estados Unidos da América. [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA]

d) Em 31 de outubro de 2017, o Requerente e a “ E..., Lda.”, enquanto entidade empregadora, celebraram um acordo de cessação do mencionado contrato de trabalho.

e) As remunerações pagas pela “ E..., Lda.” ao Requerente, nos 12 (doze) meses anteriores ao da cessação do contrato de trabalho, ou seja, entre outubro de 2016 e setembro de 2017, foram as seguintes [cf. documento n.º 4 anexo ao PPA]:

 

f) Pela cessação do contrato de trabalho, a “E..., Lda.” pagou ao Requerente uma compensação no montante total de € 55.876,29 (cinquenta e cinco mil oitocentos e setenta e seis euros e vinte e nove cêntimos), calculada nos termos da cláusula de antiguidade constante da Cláusula Décima Oitava do Contrato de Trabalho. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA] 

g) Relativamente a essa compensação pela cessação do contrato de trabalho, a “E..., Lda.” considerou como valor isento de IRS a quantia de € 7.474,00 (sete mil quatrocentos e setenta e quatro euros) e como valor sujeito a IRS a quantia de € 48.402,29 (quarenta e oito mil quatrocentos e dois euros e vinte e nove cêntimos) – tendo procedido a retenção na fonte sobre este último valor, à taxa de 41,1% –, valores que declarou na Declaração Mensal de Remunerações (DMR) de outubro de 2017. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]     

h) Por entenderem que o valor da compensação por cessação do contrato de trabalho, isento de IRS, foi erradamente calculado e reportado na DMR pela “E..., Lda.” – considerando os Requerentes que tal valor deverá ser de € 57.783,07 (cinquenta e sete mil setecentos e oitenta e três euros e sete cêntimos) –, os Requerentes declararam na declaração Modelo 3 de IRS, atinente ao ano de 2017, os valores que consideram corretos, tendo daí resultado imposto a receber no montante de € 25.394,39. [cf. PA]   

i) Por terem sido detetadas divergências, o Requerente foi notificado pela AT para esclarecer a diferença entre os valores declarados na declaração Modelo 3 de IRS e os valores inscritos pela “E..., Lda.” na DMR de outubro de 2017, o que o Requerente fez, explicando que entende que o valor da compensação por cessação do contrato de trabalho, isento de IRS, deve ser de € 57.783,07. [cf. PA]    

j) Sequentemente, o Requerente foi notificado pela AT para substituir a declaração Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2017, com os valores declarados pela “E..., Lda.”, o que os Requerentes fizeram. [cf. PA]

k) Nessa sequência, a AT emitiu a liquidação de IRS n.º 2018..., datada de 07.11.2018, referente ao ano de 2017, da qual resultou imposto a reembolsar no montante de € 4.083,37 (quatro mil e oitenta e três euros e trinta e sete cêntimos). [cf. PA] 

l) Em 04.02.2019, o Requerente deduziu reclamação graciosa contra aquela liquidação de IRS – cujo requerimento inicial aqui se dá por inteiramente reproduzido –, a qual foi autuada sob o n.º ...2019... e correu termos pelo Serviço de Finanças de Lisboa-..., tendo a mesma sido indeferida, por despacho da Chefe de Finanças, datado de 21.03.2019, nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, importando destacar os seguintes segmentos da respetiva fundamentação [cf. PA]:

«(…)

3 – Assim, o reclamante veio justificar que os rendimentos de trabalho de 2017 correspondem a compensação por cessação do contrato de trabalho ocorrido em Outubro. Alega que a compensação excluída de IRS, nos termos do art. 2.º, n.º 4 do CIRS, foi erradamente calculada e reportada na DMR pela entidade empregadora à AT, já que esta considerou como valor excluído de IRS a quantia de € 7.474,00 e como valor sujeito a IRS a quantia de € 48.402,29, com retenção na fonte à taxa de 41,1%. Considera que o valor excluído deverá ser € 57.783,07.

4 – Na sequência de notificação para esclarecer o alegado pelo reclamante, a entidade empregadora veio informar que a compensação por rescisão do contrato de trabalho, só engloba uma parte isenta de € 7.474,00, dado que não contam os anos de trabalho na empresa sediada em Espanha, por não ter ligação directa com a E... Portugal.

5 – Notificado para substituir a declaração de IRS com os valores declarados pela entidade empregadora, o reclamante procedeu à substituição da mesma. É desta liquidação que o contribuinte vem reclamar, juntando fotocópias do Contrato de Trabalho, junto a fls. 14 e seguintes dos autos, invocando a cláusula 18.ª para reiterar os valores para cálculo da compensação por cessação de contrato de trabalho.

6 – Pedidos novos esclarecimentos à entidade empregadora, veio esta esclarecer que o colaborador em causa iniciou funções na E..., Lda., a 1 de Abril de 2016 e a revogação por mútuo acordo deu-se a 31-10-2017, pelo que a compensação foi de € 45.000,00, composta por uma parte isenta e outra sujeita a IRS. A retenção sobre a compensação foi paga à AT e a respectiva DMR entregue; informa ainda que a E..., Lda. teve em atenção o tempo que o trabalhador foi funcionário da D..., sendo que, para o cálculo do valor a pagar por compensação para o limite fiscal de isenção, considerou as regras estabelecidas na Lei 69/2013, de 30 de Agosto.

(…)»

m) O Requerente foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa através do ofício n.º..., datado de 25.03.2019, do Serviço de Finanças de Lisboa-.... [cf. PA]

n) Em 12.09.2019, o Requerente interpôs recurso hierárquico contra aquela decisão de indeferimento da reclamação graciosa – cujo requerimento inicial aqui se dá por inteiramente reproduzido –, o qual foi autuado sob o n.º ...2019... e correu termos pela Direção de Serviços do IRS, tendo o mesmo sido indeferido, por despacho da Chefe de Divisão (por subdelegação), proferido em 20.02.2020 sobre a informação n.º 248/2020, nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, importando destacar os seguintes segmentos da respetiva fundamentação [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]:

«(…)

2. O montante compensatório disponibilizado pela sociedade E..., Lda (NIPC...) em razão da cessão do contrato de trabalho celebrado em Abril de 2016 enquadra-se enquanto rendimento de trabalho dependente nos termos do art. 2.º, n.º 4 do CIRS; a alínea b), no entanto, determina que uma parte desses montantes pode beneficiar de exclusão de tributação, sendo a sua contabilização resultante da multiplicação do valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, pelo número de ambos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora.

3. Relativamente ao que se entende por remuneração com caráter de retribuição, importa atender ao conceito delimitado no Código do Trabalho (art. 258.º, bem como art. 260.º e 262.º), sendo de contabilizar, atém do vencimento base, os subsídios de férias e Natal, os complementos de vencimento e as diuturnidades, mas não assumindo essa natureza e como tal não integra este conceito, o subsídio de refeição (em regra – art. 26.º, n.º 2 do CT), os prémios ou gratificações.

4. O montante apurado nos termos supra deve ser ponderado no período de 12 meses de exercício efetivo na entidade devedora do montante compensatório, o que no caso concreto não parece que suscite qualquer questão, ao contrário do fator multiplicador “antiguidade” constante do dispositivo.

5. Efetivamente, se em razão da cessão da relação contratual verificada em 2017, a entidade patronal do requerente –E..., Lda veio contabilizar para determinação do montante indemnizatório devido, não apenas a antiguidade correspondente ao período em que o contribuinte exerceu funções nessa empresa, mas também o período de exercício de funções na D... SLU, sob a égide contrato de trabalho distinto e anterior.

6. Ora, a contabilização da antiguidade do sujeito passivo em ambas as empresas pela entidade patronal E..., única entidade patronal à data da cessação do vínculo contratual que se encontra na origem da atribuição do montante compensatório, revela-se de plena concordância com ao clausuras constantes do contrato de trabalho de 2016, que ambas as partes livremente aceitaram no âmbito da sua liberdade contratual e, como tal assumindo plena relevância jurídica que à Administração Tributária não compete pronunciar-se.

7. A problemática apenas se coloca em sede jurídico-tributária i.é, para efeitos tributários não pode impor-se o acordado entre as partes e apenas o disposto legalmente.

8. Portanto a problematização situa-se no disposto na al. b) do n.º 4 do art. 2.º do CIRS e a necessária atenção ao disposto no n.º 10 deste mesmo artigo 2.º, que identifica como entidade patronal aquela que coloca à disposição os rendimentos devidos em contrapartida do trabalho prestado, a esta sendo equiparadas as entidades que estejam em relação de domínio ou de grupo ou simples participação, o que se traduz na adoção do conceito económico para além do simples vínculo jurídico.

9. Na situação concreta, em 2017 cessa não apenas o único vínculo jurídico-laboral existente, como também a efetiva prestação de trabalho, ambos coincidentes numa mesma sociedade no papel de entidade patronal, pelo que assumindo a obrigação de pagamento da remuneração devida. É certo que a E... e a anterior entidade patronal do recorrente (cuja relação laboral na sua vertente jurídica e exercício funcional efetivo se situava no passado) integravam um mesmo grupo económico, o que torna compreensível a clausula 18 do contrato ao estipular a contabilização de antiguidade de modo “extensivo”, a questão é saber se existia a relação de domínio ou de grupo ou simples participação, que o contribuinte argumenta, o que tornaria a ponderação tributária semelhante à verificada no cômputo do montante pago.

10. O art. 21.º (relações de domínio ou de grupo) do D.L. n.º 357-A/2007 de 21.10 determina (de forma simplificada) que se considera existir relação de domínio ou de grupo quando uma das partes possa exercer, direta ou indiretamente, uma influência dominante, nomeadamente por dispor da maioria dos direitos de voto ou possa exercer essa maioria em razão de acordo parassocial ou pelo poder de nomear ou destituir a maioria dos titulares dos órgãos de administração ou de fiscalização de uma outra sociedade.

11. Ambas as sociedades são, entre outras, parte integrante como subsidiárias de um mesmo grupo económico e como tal, ambas se encontram na contingência de cumprir os procedimentos estabelecidos pela cúpula do grupo, no caso sita nos USA e direcionada para a comercialização e prestação de serviços de administração e investimento imobiliário, podendo retirar-se do documento intitulado “Annual Report” que a empresa do D... sita em Espanha se encontra mais direcionada para serviços de gestão e investimento, enquanto a empresa E..., Lda sita em Portugal, sob a mesma marca assume objeto mais direcionado para a comercialização e gestão imobiliária.

12. Na realidade, não se encontra nos autos, nomeadamente dos elementos carreados pelo contribuinte recorrente, ou da informação prestada pela empresa face a pedido de esclarecimento por parte da AT em razão da ponderação da reclamação graciosa, que entre entidade patronal do contribuinte ente 2016 e 2017 a anterior, se concretize uma relação de domínio ou de grupo ou mesmo de participação nos termos acima já melhor identificados; do mesmo modo que inexiste, sequer tal é alegado pelo sujeito passivo, uma “transferência” do trabalhador entre duas unidades económicas, com transferência da prestação de trabalho efetiva de trabalho, porquanto parece indubitável que o que ocorreu foi a celebração de dois contratos de trabalho, efetivos e coincidentes na sua vertente jurídica e de prestação laboral, sucedendo-se temporalmente e cujo ponto comum é o facto de ambas estas entidades integrarem um mesmo grupo económico, mas não existindo entre elas qualquer subserviência ou dependência nos termos visados pela previsão do n.º 10 do art. 2.º do CIRS. 

13. O entendimento que tem sido veiculado pela Administração Tributária – seja em 2010 – Proc. n.º 1818, seja recentemente no Proc. n.º 415/16, corroborado mais recentemente por Parecer do Centro de Estudos Fiscais (Reg. n.º 01/2016), igualmente mostra-se aceite doutrinariamente, citando-se a este propósito o expresso em artigo da revista “Fiscalidade” de Janeiro/Abril de 2003, por Manuel Faustino onde se defende que para a AT o conceito de antiguidade no contexto do art. 2.º, n.º 4 b) CIRS corresponde ao período de prestação de serviço efetivo na entidade devedora, não sendo oponíveis os períodos em que o trabalhador se encontra com o vinculo suspenso, seja qual for o motivo, igualmente não sendo oponíveis os acordos de assunção de antiguidade e, por outro lado, importando as remunerações regulares com carácter de retribuição auferidas nos últimos 12 meses.

14. Mostrando-se correta a informação constante da DMR e, consequentemente a liquidação IRS do ano de 2017, emitida em conformidade não apenas com o documento supra, bem como com a informação inscrita pelo próprio, igualmente não pode assistir razão no pedido de juros indemnizatórios que o contribuinte formula.

(…)

1. Em cumprimento do disposto no art. 60.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária, foi o contribuinte notificado pelo of.º ... de 08.11.2019, sob registo, do teor do projeto de decisão proferido em razão do recurso hierárquico interposto relativamente ao IRS de 2017.

2. Exercendo o direito de audição para o qual foi notificado, veio o contribuinte pronunciar-se por exposição expedida via CTT/sob registo em 25.11.2019, cujo teor se dá por reproduzido na sua totalidade, (…)

3. (…) o contribuinte não apresenta argumentação inovadora face à expressa quando da interposição do recurso hierárquico, bem como da reclamação graciosa.

4. Em causa encontram-se duas sociedades económicas que, integrando um mesmo grupo económico –C..., diferenciam-se jurídica e funcionalmente; o requerente celebrou contrato de trabalho em 2007 com a D..., sita em Espanha e, posteriormente, em 2016, um outro contrato de trabalho com a E..., sita em Portugal.

5. Efetivamente, não se verificou uma “transição” do requerente entre empresas, dentro de um mesmo grupo económico e sim a cessão de um contrato de trabalho e a celebração de um outro cujo término veio a concretizar-se em 31.10.2017, por mutuo acordo e em razão do qual foi pago determinado montante compensatório; portanto, apenas se encontrava em questão um único contrato válido e uma única entidade patronal – E..., tendo sido esta a disponibilizar o montante compensatório e para cujo cálculo se atendeu ao estipulado no contrato por ambos os intervenientes no âmbito da sua liberdade contratual.   

6. Não se ilude a premissa de que ambas as sociedades para as quais o contribuinte trabalhou integram um mesmo grupo económico como subsidiárias do mesmo e, eventualmente, a cláusula da contagem do período de antiguidade tenha sido aceite pela ex-entidade patronal E..., no entanto o acordado inter partes não se pode impor à previsão jurídico-fiscal, i.é, para efeitos fiscais o que releva é apurar da existência de uma relação de domínio ou de grupo ou simples participação no sentido em que tal implique uma influência dominante, de dependência ou qualquer tipo de subserviência de uma empresa sobre outra ou outras e tal não se verifica no caso concreto. 

7. Na realidade não se encontra contradição no expresso no projeto de decisão, em particular nos pontos 11 e 12, conforme o recorrente refere, porquanto se é certo que ambas as sociedades integram o mesmo grupo económico, mas tal não permite concluir sem mais que a “entidade patronal” do sujeito passivo é a F... sita nos USA.

8. Atendendo ao n.º 10 do art. 2.º CIRS mostra-se inquestionável que a entidade patronal do contribuinte que promoveu o pagamento do montante compensatório em razão do contrato de trabalho vigente ao tempo, é apenas e só a E... e, tendo presente o disposto na 2.ª parte deste dispositivo legal, apenas se poderia admitir a equiparação existido uma relação de influência dominante, conforme foi expresso no ponto 10 do projeto de decisão, o que não se mostra demonstrado ou sequer decorre dos documentos que o contribuinte refere; destes afere-se integrarem as sociedades o mesmo grupo económico e a área funcional e mesmo territorial a que cada uma se dedica, mas não a capacidade de “interferir” na gestão, administração e atuação de uma sobre outra.

(…)»

o) O Requerente foi notificado da decisão de indeferimento do recurso hierárquico através de ofício da Direção de Serviços do IRS, datado de 21.02.2020. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]

p) Em 04.06.2020, os Requerentes apresentaram o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

14. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

 

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

15. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consubstanciadas em afirmações meramente conclusivas e, por isso, insuscetíveis de prova e cuja veracidade terá de ser aquilatada em face da concreta matéria de facto consolidada. 

 

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório de natureza documental (incluindo o processo administrativo) carreado para os autos, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.  

 

III.2. DE DIREITO

§1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO

16. A questão jurídico-tributária que consubstancia o epicentro do dissidio entre as partes respeita à incidência de IRS sobre a compensação recebida pelo Requerente, em 2017, por cessação por mútuo acordo do contrato de trabalho celebrado com a “E..., Lda.”, à face do disposto no artigo 2.º, n.ºs 4, alínea b), e 10, do Código do IRS. 

 

O Tribunal tem, ainda, de pronunciar-se sobre os pedidos de reembolso de imposto e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

§2. ENQUADRAMENTO NORMATIVO

17. O artigo 2.º do Código do IRS, com a redação à data dos factos e na parte que aqui importa atentar, estatui o seguinte:

Artigo 2.º

Rendimentos da categoria A

1. Consideram-se rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular, provenientes de:

a) Trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado;

(…)

3. Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente:

(…)

e) Quaisquer indemnizações resultantes da constituição, extinção ou modificação de relação jurídica que origine rendimentos do trabalho dependente, incluindo as que respeitem ao incumprimento das condições contratuais ou sejam devidas pela mudança de local de trabalho, sem prejuízo do disposto no número seguinte e na alínea f) do n.º 1 do artigo seguinte;

(…)

4. Quando, por qualquer forma, cessem os contratos subjacentes às situações referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, mas sem prejuízo do disposto na alínea d) do mesmo número, quanto às prestações que continuem a ser devidas mesmo que o contrato de trabalho não subsista, ou se verifique a cessação das funções de gestor público, administrador ou gerente de pessoa coletiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente, as importâncias auferidas, a qualquer título, ficam sempre sujeitas a tributação:

(…)

b) Na parte que exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos, salvo quando nos 24 meses seguintes seja criado novo vínculo profissional ou empresarial, independentemente da sua natureza, com a mesma entidade, caso em que as importâncias serão tributadas pela totalidade.

5. Para efeitos do referido no número anterior, considera-se também criado um novo vínculo empresarial quando sejam estabelecidas com a entidade com a qual cessaram as relações laborais, comerciais ou de prestação de serviços, por sociedade ou outra entidade em que, pelo menos, 50% do seu capital seja detido, isoladamente ou em conjunto com algum dos elementos do respetivo agregado familiar, pelo beneficiário ou por uma pluralidade de beneficiários das importâncias recebidas, exceto se as referidas relações laborais, comerciais ou de prestação de serviços representarem menos de 50% das vendas ou prestações de serviços efetuadas no exercício.

(…)

10. Considera-se entidade patronal toda a que pague ou coloque à disposição remunerações que, nos termos deste artigo, constituam rendimentos de trabalho dependente, sendo a ela equiparada qualquer outra entidade que com ela esteja em relação de grupo, domínio ou simples participação, independentemente da respetiva localização geográfica. 

               

                18. Relativamente à tributação em sede de IRS das indemnizações recebidas pela cessação de contratos de trabalho, ou de outros contratos subjacentes à obtenção de rendimentos do trabalho dependente, afirma Paula Rosado Pereira  que as mesmas «são tributáveis apenas nas situações em que não preencham as condições previstas no artigo 2.º, n.º 4, alínea b) do Código do IRS, complementado pelos n.ºs 5, 6 e 7 do mesmo artigo; ou, estando tais condições preenchidas, na parte que exceda o limite máximo de exclusão de tributação calculado nos termos do artigo 2.º, n.º 4, alínea b) do Código do IRS.  

                (…)

                Nos casos em que as indemnizações pela cessação do contrato de trabalho sejam total ou parcialmente tributáveis em sede de IRS – por falta de preenchimento das condições de exclusão de tributação ou por excederem o respetivo limite –, elas são sujeitas a tributação no âmbito da categoria A. Este rendimento do trabalho dependente, quando recebido por sujeitos passivos residentes, é objeto de englobamento, ficando sujeito às taxas gerais de IRS, previstas no artigo 68.º do respetivo Código.  

                A indemnização (ou a parte da indemnização) tributável encontra-se sujeita a retenção na fonte, nos termos aplicáveis aos rendimentos do trabalho dependente (vide, em especial, o previsto nos artigos 99.º, 99.º-B, 99.º-C e 99.º-F do CIRS). Trata-se de uma retenção com a natureza de pagamento por conta do imposto devido em termos finais.

                (…)

                Nos termos previstos no artigo 2.º, n.º 4, alínea b) do Código do IRS, a tributação incide apenas sobre a parte das importâncias auferidas em virtude da cessação que exceda o montante correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora.

                O valor de indemnização sujeito a tributação é, portanto, calculado com base na seguinte fórmula:

                VT = VA – (N x RR últimos 12 meses / 12) > 0

                VT: Valor tributável

                VA: Valor auferido de indemnização

               N: Número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções

                RR: Remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto

                (…)»

 

19. Como salienta, ainda, Paula Rosado Pereira , «[o] conceito de “antiguidade” no exercício de funções revela-se fundamental para efeitos do cálculo do limite da exclusão de tributação, tal como se encontra prevista no artigo 2.º, n.º 4, alínea b) do Código do IRS»; sobre a questão da “antiguidade” pronunciaram-se a doutrina e a jurisprudência, sem coincidência de pontos de vista. 

 

Na perspetiva doutrinal, afirma Manuel Faustino  que «[n] é oponível à Administração Fiscal a cláusula do ACTV setor bancário que impõe, na transferência de um trabalhador entre instituições de crédito, a contagem do tempo de antiguidade verificado na anterior ou anteriores instituições de crédito de que tenha sido trabalhador. Como, por maioria de razão, também o não são quaisquer acordos que, respeitando à garantia dos benefícios inerentes à antiguidade, hajam sido celebrados entre o trabalhador e a entidade patronal. Sem considerações que hoje poderiam ser propiciadas pela extensão subjetiva do conceito de entidade patronal operada pelo n.º 10 do artigo 2.º, uma vez que aquela assenta nas relações de domínio ou de grupo entre sociedades, independentemente da sua localização geográfica, reafirmamos aqui a conhecida orientação da Administração Fiscal segundo a qual o tempo de antiguidade relevante é, tão só, o tempo de antiguidade “adquirido” na entidade com que se cessa o contrato individual de trabalho, como literalmente decorre da lei, não parecendo haver qualquer margem para outro tipo de interpretação.» 

               

                De igual modo, Filipe Fraústo da Silva e Cláudia Reis Duarte  discordam do entendimento jurisprudencial segundo o qual o artigo 2.º, n.º 4, alínea b), do Código do IRS acolhe a noção de antiguidade na sua amplitude jus-laboral que atende ao número de anos de antiguidade do trabalhador que resultem da lei, de convenção coletiva do trabalho ou do próprio contrato de trabalho. 

               

Estes autores extraem da letra do Código do IRS que «o número de anos ou fração a considerar como critério multiplicador na aplicação da fórmula para chegar ao recorte do valor delimitado negativamente (e excluído de tributação em IRS), quer nas situações de cessação dos contratos, quer na cessação do exercício de funções, é o número de anos ou fração verificado “…na entidade devedora…”.»

 

Consideram ainda que a lei laboral não define explicitamente nenhum conceito de antiguidade, mas se à mesma houvesse de ir buscar-se a delimitação deste conceito, na sua expressão mais corrente, este corresponderia «à medida da duração da situação laboral que, paradigmaticamente, envolve um trabalhador e um empregador vulgarmente designada antiguidade na empresa».

               

Por outro lado, a revogação é uma das modalidades de cessação do contrato de trabalho admitidas e reguladas no Código do Trabalho (artigo 340.º), sendo usual as partes estabelecerem uma compensação pecuniária global para o trabalhador (artigo 349.º, n.ºs 4 e 5, do Código do Trabalho) que, sendo uma «contrapartida negociada da cessação do contrato de trabalho por acordo, além de acidental, não obedece a nenhum critério legal na sua fixação, estando na total disponibilidade das partes», não sendo o respetivo montante «matéria limitada por nenhuma norma legal injuntiva».

               

Concluem que a «solução mais consentânea com a letra expressa da lei, assim como a interpretação mais correta mesmo que se não retirasse já da letra escrita e houvesse que recorrer-se ao direito laboral, é a que considera, como fator multiplicador para efeitos de determinação da delimitação negativa de incidência, a antiguidade na empresa ou na entidade devedora». Se se tomasse «como referência para preenchimento da norma fiscal o conceito de antiguidade adotado para efeitos laborais no momento da cessação do contrato e para efeitos de cálculo da compensação a atribuir ao trabalhador, estaria encontrada a via para que o limite da exclusão de tributação fosse livremente manipulável pelas partes, o que, conviremos, não foi certamente – não pode ter sido – a intenção do legislador fiscal.»

 

                Também Rui Morais  parece partilhar desta posição ao afirmar que «[o] limite da não sujeição é o valor médio das remunerações regulares com caráter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora (n.º 4, al. b), do art. 2º). O excedente será tributado segundo as regras gerais.»

 

                Por seu turno, Paula Rosado Pereira propugna que «apesar da importância do conceito de “antiguidade” ao nível do cálculo das partes sujeitas e não sujeitas a IRS, da compensação pela cessação do contrato de trabalho, este conceito não se encontra previsto no Código do IRS. Podem, assim, suscitar-se dúvidas acerca da contagem da antiguidade para efeitos fiscais.

                A questão torna-se particularmente complexa, na prática, (…) caso, em momento anterior ao início do exercício das suas funções na atual entidade patronal, tenha já trabalhado para outra empresa do mesmo grupo ou para entidade a partir da qual foi transferido para a aludida entidade patronal; ou caso, por algum motivo, lhe tenha sido reconhecida pela entidade patronal cessante uma antiguidade superior à correspondente ao tempo de serviço nessa mesma entidade.

                (…)

                A este respeito, importa aludir ao artigo 11.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária (“LGT”), nos termos do qual “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei”. Desta forma, perante a inexistência de um conceito de “antiguidade” especificamente previsto ou definido no âmbito do direito fiscal – e, em particular, no âmbito do Código do IRS –, deve recorrer-se ao conceito de “antiguidade” que decorre do direito do trabalho.

                (…)

                O artigo 2.º, n.º 4, alínea b) do Código do IRS refere-se ao “número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora” (sublinhado nosso).

                Significará isto que, para efeitos do cálculo da parte da indemnização pela cessação do contrato de trabalho excluída de tributação, a antiguidade a considerar tem necessariamente de ter-se verificado na esfera da entidade que paga tal indemnização (por regra, a entidade patronal com a qual cessa o contrato de trabalho)? E isto, mesmo que o conceito de “antiguidade” do direito do trabalho permita, em determinadas circunstâncias, abarcar o tempo de serviço prestado a outras empresas / entidades patronais? 

                Pensamos que a resposta a estas duas questões é negativa. A interpretação do artigo 2.º, n.º 4, alínea b) do Código do IRS deve, a nosso ver, seguir o conceito de “antiguidade” decorrente da legislação e da jurisprudência laboral, designadamente ao nível das situações nas quais se admita a contagem do tempo de serviço prestado a outras empresas / entidades patronais.

                Com efeito, uma posição contrária redundaria na negação da própria essência do artigo 11.º, n.º 2 da LGT. Até porque (…) não nos parece que, do Código do IRS, decorra diretamente outro sentido de antiguidade, distinto do resultante do direito do trabalho. A referência do artigo 2.º, n.º 4, alínea b) do Código do IRS à antiguidade na entidade devedora – visto ser concretizada com recurso ao direito do trabalho – não deve excluir, a nosso ver, situações em que a antiguidade noutras empresas seja equiparada, por este ramo do direito, à antiguidade na entidade patronal.»

 

Na perspetiva jurisprudencial, importa começar por aludir à posição perfilhada pelo TCA Sul que é no sentido de que não resulta da norma prevista no artigo 2.º, n.º 4, alínea b), do Código do IRS que o conceito de antiguidade se refira restritamente ao tempo de serviço na entidade devedora da compensação pela cessação do contrato de trabalho, não se justificando uma interpretação restritiva da mesma. Acolhe-se um conceito amplo de antiguidade, que permite a tomada em consideração do tempo de serviço e categoria já alcançados noutras entidades patronais, alicerçado no argumento de que, sendo a antiguidade um conceito laboral, é neste que deve procurar-se o seu esclarecimento, de harmonia com o cânone interpretativo consagrado no artigo 11.º, n.º 2, da LGT.

 

De acordo com esta jurisprudência, a norma de delimitação negativa de incidência de IRS deve considerar a antiguidade majorada que decorra do tempo de serviço noutras entidades do mesmo setor, quando esta seja prevista pela legislação laboral, ou pelas fontes do direito do trabalho por esta reconhecidas nos artigos 1.º a 3.º do Código do Trabalho: os instrumentos de regulamentação coletiva negociais e o contrato individual de trabalho.

 

Deste modo, a noção mais ampla e consequente majoração da antiguidade que provenha da legislação laboral, dos instrumentos de regulamentação coletiva negociais ou de estipulação do contrato individual de trabalho – prática que não é proibida por lei e é frequentemente atendida nos instrumentos de regulamentação coletiva e nos usos da profissão do trabalho e das empresas – deve ser aceite para cálculo do valor não sujeito a IRS – cf. acórdãos do TCA Sul n.ºs 06002/01, de 11 de maio de 2004; 03748/10, de 21 de setembro de 2010; e 05971/12, de 12 de março de 2013.

 

Esta orientação foi seguida em diversas decisões arbitrais que convocam, para efeitos de incidência de IRS, um conceito amplo de antiguidade recortado no direito laboral, abrangendo, portanto, as três fontes acima referidas de direitos e obrigações laborais – cf. decisões arbitrais n.ºs 230/2016-T, de 14 de novembro de 2016; 158/2017-T, de 17 de novembro de 2017; 277/2017-T, de 29 de novembro de 2017; 321/2017-T, de 7 de dezembro de 2017; 353/2017-T, de 10 de dezembro de 2017; 349/2017-T, de 14 de dezembro de 2017; e 512/2017-T, de 28 de fevereiro de 2018.

 

No entanto, mesmo acolhendo a conceção lata de antiguidade, são múltiplas as decisões arbitrais de improcedência, por falta de demonstração ou mesmo inexistência dos pressupostos em que assenta a antiguidade invocada ao abrigo da lei laboral, designadamente por o trabalhador não ser filiado num sindicato, e, em consequência, não ser subjetivamente abrangido pelo regime (mais favorável) do ACT, segundo o princípio da dupla filiação do artigo 496.º do Código do Trabalho (decisão arbitral n.º 616/2015-T, de 2 de maio de 2016); ou por o ACT ou a entidade patronal aderente (por ressalva) condicionarem a “extensão” da antiguidade (considerando o tempo de serviço prestado noutras entidades empregadoras) à sua previsão no contrato individual de trabalho, sem que nos casos concretos tal se tenha verificado (decisão arbitral n.º 126/2017-T, de 19 de outubro de 2017, e acórdãos arbitrais n.ºs 308/2017-T, de 20 de novembro de 2017, e 227/2017-T, de 5 de janeiro de 2018). 

 

Acresce salientar que na declaração de voto relativa ao acórdão n.º 505/2017, expressa-se uma tese intermédia, segundo a qual a norma fiscal seria compatível com a aplicação de um conceito de antiguidade delimitado por um instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, cujo âmbito e força vinculativa decorrem da própria lei, mas já não com um conceito recortado por mero acordo entre as partes (leia-se, por contrato individual de trabalho ou por acordo de revogação do contrato de trabalho). Refere-se aí que «um conceito de antiguidade baseado unicamente num acordo individual entre entidade patronal e trabalhador vai para além da ratio da norma em causa pois o legislador não pode ter desenhado uma norma cuja aplicação em concreto possa fundamentar benefícios injustificados para trabalhadores, por força [de] alterações convencionais (nomeadamente singulares) ao conceito de antiguidade, aceitando um conceito que facilmente desembocaria em situações de violação do principio da igualdade e não discriminação. Neste caso estaremos nitidamente numa zona de inconstitucionalidade com as implicações descritas no Acórdão deste tribunal arbitral pelo que não pode proceder o pedido do Requerente.»

 

Por fim, preconizando uma conceção oposta à da jurisprudência do TCA Sul e arbitral acabadas de descrever, as decisões arbitrais n.ºs 357/2017-T, de 18 de dezembro de 2017; 505/2017-T, de 16 de março de 2018; e 599/2017-T, de 30 de abril de 2018, contrapõem que a lei fiscal contém um conceito próprio de antiguidade, que alude estritamente ao tempo de serviço na entidade devedora da compensação pela cessação do contrato de trabalho, pelo que não tem lugar a densificação do conceito por apelo a outros ramos de direito (no caso ao direito do trabalho), nem, por conseguinte, a majoração da antiguidade pelo tempo de serviço prestado noutras entidades.

 

De harmonia com esta jurisprudência é também inadmissível a consideração de fontes não legislativas, por versar matéria de incidência fiscal e violar o princípio da legalidade, a que acresce o facto de o princípio da dupla filiação discriminar os trabalhadores sindicalizados face aos não sindicalizados, colidindo com o princípio da igualdade.

 

Neste conspecto, o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 8 de maio de 2019, proferido no processo n.º 0407/18.7BALSB, uniformizou jurisprudência com o seguinte sentido: «A antiguidade a que se refere o disposto no artigo 2.º, n.º 4, al. b) do CIRS respeita unicamente à antiguidade do trabalhador na entidade devedora da

compensação/indemnização pela cessação do contrato de trabalho.» Na respetiva fundamentação é dito, além do mais, o seguinte:

«Não relevando agora as situações em que o trabalhador não tem legalmente direito a qualquer compensação por cessação da relação laboral, v.g. a rescisão com aviso prévio, resulta do Código do Trabalho, na redacção à data, artigos 366.º, 372.º e 379.º que a compensação pela cessação do contrato de trabalho correspondente a x dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, artigos 391.º e 392.º, que a compensação se fixa entre x e y dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade e artigo 396.º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre x e y dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.

Em todas estas situações da cessação do contrato de trabalho a antiguidade refere-se ao período de tempo em que o trabalhador esteve ao serviço da entidade patronal devedora da compensação ou indemnização a que se referem tais normas, não se refere a toda a antiguidade do trabalhador desde que iniciou funções na sua profissão, independentemente da entidade patronal.

(…)

Tal como nestas normas do direito laboral, na norma fiscal o legislador usou uma redacção em tudo semelhante para fazer referência ao período de tempo que deve ser contabilizado para o cálculo do imposto, número de anos ou fração de antiguidade, tendo-lhe acrescentado o esclarecimento que tal período é o referente à entidade devedora – na verdade o legislador definiu claramente no mesmo artigo 2.º, n.º 10 que para efeitos deste imposto, do IRS, considera-se entidade patronal toda aquela que pague ou coloque à disposição remunerações que constituam rendimentos de trabalho dependente nos termos deste artigo, tendo por sua vez especificado na norma em análise que a antiguidade se reportava à entidade devedora.

(…)

Não é, assim, coerente que se possa interpretar com um sentido diferente as expressões usadas para editar a norma que visa tributar a compensação pela cessação do contrato de trabalho daquele que serve para interpretar as expressões usadas para editar as normas que definem o modo pelo qual se fixa a indemnização/compensação pela cessação do contrato de trabalho, uma vez que são idênticas e são utilizadas com o mesmo sentido.

Aliás (…), sendo o princípio da igualdade um princípio fundamental da tributação, não permite que as normas fiscais sejam interpretadas por apelo a conceitos resultantes de contratos individuais de trabalho ou resultantes de acordos colectivos de trabalho que abrangem unicamente os cidadãos que se encontram enquadrados em determinado sector de actividade, só assim a interpretação das normas tributárias respeita a unidade do sistema jurídico (…).»

 

                A propósito deste aresto, importa tecermos algumas considerações a fim de dilucidarmos o efetivo alcance do sentido decisório fixado a final. Assim, há que começar por frisar que neste acórdão foi apreciada uma situação de antiguidade “acrescida” por efeito do reconhecimento do tempo de trabalho prestado a anteriores empregadores, em aplicação de regra prevista na regulamentação coletiva de trabalho (concretamente, do setor bancário). Temos então que se afiguram irrelevantes, para efeitos de aplicação do disposto no artigo 2.º, n.º 4, alínea b), do Código do IRS, quer os casos em que do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho decorre a obrigação do empregador assumir a antiguidade que o trabalhador adquiriu ao serviço de anteriores e distintos empregadores integrados no mesmo setor de atividade, quer os casos em que haja um reconhecimento casuístico, unilateral ou por acordo com o trabalhador, de uma antiguidade acrescida.  

 

                Contudo, a nosso ver, o aresto não se pronuncia quanto à (contagem da) antiguidade do trabalhador nos casos em que a mudança de entidade empregadora ocorre no âmbito da mesma relação de trabalho, em virtude de transmissão ou trespasse de estabelecimento ou empresa, cisão, fuão ou outras causas de transferência da titularidade de unidade económica a que estejam afetos trabalhadores (vide artigo 285.º do Código do Trabalho).

 

                Acresce, ainda, que, nos termos do estatuído no artigo 2.º, n.º 10, do Código do IRS, é considerada entidade patronal toda a que pague ou coloque à disposição remunerações que constituam rendimentos de trabalho dependente, sendo a ela equiparada qualquer outra entidade que com ela esteja em relação de grupo, domínio ou simples participação, independentemente da localização geográfica. Como afirma Paula Rosado Pereira , por via da equiparação que faz entre entidade patronal e qualquer outra entidade que com ela esteja em relação de grupo, domínio ou simples participação, a norma em apreço opera um alargamento subjetivo do conceito de entidade patronal, não estando, pois, aqui em causa um conceito amplo de antiguidade. Também Manuel Faustino  considera existir uma «extensão subjetiva do conceito de entidade patronal operada pelo n.º 10 do artigo 2.º, (…) [que] assenta nas relações de domínio ou de grupo entre sociedades, independentemente da sua localização geográfica». Ainda a propósito da referenciada norma, na Ficha Doutrinária referente ao processo 1818/10, com despacho concordante do Substituto Legal do Diretor-Geral, de 10 de outubro de 2010, sobre o «Enquadramento fiscal de contagem de antiguidade para efeitos de tributação das indemnizações», a AT sustenta a seguinte posição: «Atendendo à equiparação legal entre entidade patronal – definida esta como entidade pagadora dos rendimentos – e qualquer outra entidade que com ela esteja em relação de domínio ou de grupo, tendo ocorrido mudança (jurídica) de entidade empregadora dentro do grupo (por celebração de contrato de trabalho com outra empresa do mesmo), tal “transferência” do trabalhador não obsta a que na aplicação do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS à compensação auferida por cessação do contrato do trabalho sejam considerados os anos de antiguidade em ambas as entidades.» 

 

Ora, a nosso ver, o decidido no aludido acórdão também não coloca em causa, nem afasta a relevância da antiguidade adquirida no âmbito do grupo societário, numa das indicadas configurações, para o apuramento do valor da compensação pela cessação do contrato de trabalho que não está sujeita a tributação em IRS, nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS.   

 

                20. Ainda a propósito do disposto no n.º 10 do artigo 2.º do Código do IRS e tendo em vista delimitar o alcance do alargamento subjetivo do conceito de entidade patronal que ali é operado, importa dilucidar o que sejam entidades que com ela estejam em relação de grupo, domínio ou simples participação (independentemente da localização geográfica).

 

O que sejam sociedades em relação de grupo, domínio ou simples participação são conceitos que não se encontram previstos no Código do IRS, pelo que, perante a inexistência de tais conceitos especificamente previstos ou definidos no âmbito do direito fiscal (particularmente, no Código do IRS), devemos, nos termos do artigo 11.º, n.º 2, da LGT, recorrer aos conceitos de sociedades em relação de grupo, domínio ou simples participação que decorrem do direito das sociedades comerciais. 

 

Como é explicitado por José A. Engrácia Antunes , o grupo de sociedades consubstancia uma «unidade de ação económico-empresarial onde se combinam, simultaneamente, a manutenção da personalidade jurídica das empresas societárias componentes e a respetiva sujeição a um centro de decisão comum e a um interesse económico de conjunto», pelo que os seus elementos básicos e definidores são essencialmente dois: a «independência jurídica» e a «unidade de direção económica». O primeiro porque, apesar da sua integração numa unidade económica e a sua subordinação a interesses externos, as sociedades agrupadas mantêm sempre a sua personalidade jurídica própria e distinta; e o segundo porquanto, de um ponto de vista material, a sociedade agrupada encontra-se sempre dependente da estratégia e interesse económico definido pela sociedade-mãe, a líder do grupo societário. Assim, a «tal direção económica unitária reflete-se na existência de uma estratégia ou política económica geral do grupo (“group plannig process”, “konzernpolitik”), a qual, definida pelo núcleo dirigente do grupo (situado via de regra junto da sociedade mãe: “group top-management”), incidindo potencialmente sobre os diversos aspetos setoriais do respetivo funcionamento (política comercial, laboral, de produção e vendas, de pessoal, de marca, de investimentos, etc.) e assumindo diferentes graus de integração (que vão da total centralização até formas atenuadas de controlo descentralizado), coordena e superintende as atividades económicas particulares das várias sociedades agrupadas». Será por força da existência destes diferentes graus de integração jurídico-societária que se justifica a presença de diversas modalidades de sociedades coligadas no nosso ordenamento jurídico, previstas no artigo 482.º do CSC.

 

Em sentido amplo, «utiliza-se a expressão “grupos de sociedades” para designar a generalidade das sociedades coligadas enunciadas no artigo 482.º [do CSC]» ; em sentido restrito, «o grupo caracteriza-se pela direção económica unitária de duas ou mais sociedades, que conservam a sua personalidade jurídica autónoma, bem como, formalmente, a respetiva estrutura e organização» .

 

Por outro lado, é importante fazer a distinção entre “grupos de direito” e “grupos de facto”, sendo que, segundo Ana Perestrelo de Oliveira , «fala-se em “grupos de direito” para referir os grupos em que a direção económica unitária resulta de um instrumento expressamente previsto na lei: no caso do CSC, os grupos de direito podem resultar de contrato de grupo paritário, de contrato de subordinação ou da detenção de participação totalitária no capital de outra sociedade (cf. 488.º ss.). Existe, em contrapartida, um “grupo de facto” quando a direção unitária assenta em instrumento não tipificado na lei: no CSC, sempre que uma sociedade dispõe de influência dominante sobre outra, verifica-se uma relação de domínio (486.º); ora, se a sociedade dominante exercer uma direção económica unitária das sociedades envolvidas, existirá um grupo de facto.»

 

Dito isto. Seguindo o conceito avançado por Paulo Olavo Cunha , por «sociedades coligadas devemos entender a junção de duas ou mais sociedades que estejam sujeitas a uma influência comum, porque uma participa na outra, ou nas demais ou porque todas elas se subordinam à orientação de uma delas ou de uma terceira entidade. Quer dizer, pode haver uma terceira entidade que não participa nas sociedades, mas que as controla, que exerce uma influência determinante na actividade uma ou mais sociedades, ou pode haver uma terceira entidade que participa no próprio capital dessa(s) sociedade(s) e, deste modo, a lei configura a relação de sociedades coligadas».

 

A coligação de sociedades pode apresentar-se, conforme decorre do estatuído no artigo 482.º do CSC, sob as formas de simples participação, de participações recíprocas, em relação de domínio e em relação de grupo.

 

A coligação de sociedades em relação de simples participação ocorre quando uma sociedade é titular de quotas ou ações de outra em montante igual ou superior a 10% do respetivo capital social, desde que entre elas não exista nenhuma das outras modalidades de coligação tipificadas (artigo 483.º, n.º 1, do CSC).

 

A relação de participações recíprocas verifica-se, como a própria designação indica, quando ocorre o cruzamento de participações de 10% ou mais dos respetivos capitais sociais (artigo 485.º do CSC).

 

A relação de domínio sobrevém quando uma sociedade, dita dominante, pode exercer sobre a outra (a dominada), direta ou indiretamente, uma influência dominante (artigo 486.º, n.º 1, do CSC).

 

As sociedades em relação de grupo são aquelas que, em virtude da constituição inicial (artigo 488.º), da aquisição de ações/quotas superveniente (artigo 489.º do CSC), ou por contrato (artigos 492.º e 493.º do CSC), apresentem uma direção unitária comum.

 

§3. O CASO CONCRETO: SUBSUNÇÃO NORMATIVA

21. Volvendo ao caso concreto, resultou comprovado, tendo por base o documento n.º 5 anexo ao PPA, que a empresa “D... SLU” e a empresa “E..., Lda.” estão integradas no grupo económico/societário “C...”, dominado pela empresa “F..., Inc.”, sediada nos Estados Unidos da América (cf. facto provado c)).

 

Aliás, tal factualidade não resulta contestada pela Requerida, nem no âmbito das decisões de indeferimento quer da mencionada reclamação graciosa (cf. facto provado l)), quer do referenciado recurso hierárquico (cf. facto provado n)), nem na Resposta apresentada neste processo, onde é afirmado expressamente o seguinte:

«32. De acordo com os elementos integrantes do processo administrativo, a sociedade E..., Lda. e a anterior entidade patronal do Requerente, cuja relação laboral na sua vertente jurídica e exercício efetivo, decorreu entre Setembro de 2007 e final de Março de 2016, integravam um mesmo grupo económico, sendo eventualmente este o fundamento para a estipulação da cláusula 18.ª do contrato de trabalho, no âmbito da sua liberdade contratual (…).

33. Definidos que estão, no Código das Sociedades Comerciais, os conceitos de sociedades em relação de grupo, domínio ou simples participação, o que se verifica in casu, consultados os elementos juntos ao presente processo, é que ambas as sociedades em questão são, entre outras, partes de um grupo económico, e como tal, ambas se encontram na contingência de cumprir os procedimentos estabelecidos por F... Inc, com sede nos EUA e que direciona a sua atividade para a comercialização e prestação de serviços de administração e investimento imobiliário, sendo que do documento junto “Annual Report” retira-se que a empresa D... SLU, situada em Espanha, se encontra mais direcionada para serviços de gestão e investimento, enquanto que a situada em Portugal E..., Lda. tem por objeto a comercialização e gestão imobiliária.

(…)

36. (…) o que ocorreu foi a celebração pelo Requerente de dois contratos de trabalho, efetivos e coincidentes na sua vertente jurídica e de prestação laboral, sucedendo-se temporalmente e cujo ponto em comum é o facto de ambas as entidades patronais integrarem um mesmo grupo económico, (…)»   

 

Posto isto, atenta a factualidade provada e o enquadramento normativo acima exposto, entendemos que a empresa “D... SLU” e a empresa “E..., Lda.” estão, entre si, em relação de grupo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2.º, n.º 10, do Código do IRS, uma vez que são sociedades que, conjuntamente com outras, estão integradas num grupo económico/societário, estando ambas sujeitas/subordinadas a um centro de decisão comum (a sociedade dominante “F..., Inc.”) e a um interesse económico comum (refletido na segmentação da atividade global do grupo pelas diversas empresas que o integram, atuando cada uma destas no respetivo segmento de mercado em que está inserida); consequentemente, no apuramento do valor da compensação auferida pelo Requerente, em virtude da cessação do contrato de trabalho celebrado com a “E..., Lda.”, que não está sujeita a tributação em IRS, nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS, deve ser tida em consideração a antiguidade por ele adquirida no âmbito do grupo societário “C...”, ou seja, deve ser computado todo o período de tempo decorrido entre 3 de setembro de 2007 e 31 de outubro de 2017 (cf. factos provados a), b) e d)).

 

22. Nesta conformidade, o ato de liquidação de IRS n.º 2018..., referente ao ano de 2017, padece de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 2.º, n.ºs 4, alínea b), e 10, do Código do IRS, na parte em que não considerou a antiguidade adquirida pelo Requerente no âmbito do grupo societário “C...” – ou seja, o período de tempo decorrido entre 3 de setembro de 2007 e 31 de outubro de 2017 – para apuramento do valor da compensação auferida pelo Requerente, em virtude da cessação do contrato de trabalho celebrado com a “E..., Lda.”, que não está sujeita a tributação em IRS e, consequentemente, tem de ser anulado nessa mesma parte (artigo 163.º, n.º 1, do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).

 

Uma vez que mantiveram, integralmente, o ato de liquidação oficiosa de IRS controvertido, também a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019... e a decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2019... padecem do mesmo vício invalidante, o que determina igualmente a respetiva declaração de ilegalidade e consequente anulação.

 

§4. O REEMBOLSO DO MONTANTE DE IMPOSTO INDEVIDAMENTE SUPORTADO, ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

23. Os Requerentes peticionam, ainda, o «reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios».

 

O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece que a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão.

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao estatuir que é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, então está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

 

Isto posto, cumpre, então, apreciar os pedidos de reembolso do montante de imposto indevidamente suportado e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

§4.1. DO REEMBOLSO DO MONTANTE DE IMPOSTO INDEVIDAMENTE SUPORTADO

24. Na sequência da declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação de IRS controvertido, nos termos acima enunciados, há lugar a reembolso da prestação tributária indevidamente suportada pelos Requerentes, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se aquele ato tributário não tivesse sido praticado nos termos em que foi.

 

Destarte, procede o pedido de reembolso aos Requerentes do montante de imposto indevidamente suportado, cujo respetivo valor deverá ser determinado em execução de julgado.

 

§4.2. DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

25. O artigo 43.º, n.º 1, da LGT estatui que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT que os “juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos”.

               

No caso concreto, verifica-se que a ilegalidade e a consequente anulação do ato de liquidação de IRS controvertido, nos termos acima enunciados, é inteiramente imputável à AT; o mesmo sucedendo, aliás, quanto à declaração de ilegalidade e anulação quer da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019..., quer da decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2019... .

 

Destarte, concluímos que os Requerentes têm direito a juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, a liquidar após a determinação, em cumprimento da presente decisão, do valor de imposto indevidamente suportado; uma vez determinado esse montante, deverão então ser liquidados os respetivos juros indemnizatórios, nos termos legais.

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26. A finalizar, há que salientar que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras. 

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IV. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

a)            Declarar ilegal e anular a liquidação de IRS n.º 2018..., referente ao ano de 2017, na parte em que não considerou a antiguidade adquirida pelo Requerente no âmbito do grupo societário “C...”– ou seja, o período de tempo decorrido entre 3 de setembro de 2007 e 31 de outubro de 2017 – para apuramento do valor da compensação auferida pelo Requerente, em virtude da cessação do contrato de trabalho celebrado com a “E..., Lda.”, que não está sujeita a tributação em IRS, com as legais consequências;

b)           Declarar ilegal e anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019..., com as legais consequências;

c)            Declarar ilegal e anular a decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2019..., com as legais consequências;

d)           Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira:

(i)           A reembolsar aos Requerentes o montante de imposto que, em execução da presente decisão, se determine ter sido por eles indevidamente suportado;

(ii)          A pagar juros indemnizatórios aos Requerentes, calculados sobre a quantia a reembolsar, nos termos legais;

(iii)         No pagamento das custas do presente processo.

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VALOR DO PROCESSO

Atento o acima exposto e decidido, o valor do processo é de € 25.432,63 (vinte e cinco mil quatrocentos e trinta e dois euros e sessenta e três cêntimos).

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CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), cujo pagamento fica a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

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Notifique.

 

Lisboa, 5 de novembro de 2020.

 

O Árbitro,

(Ricardo Rodrigues Pereira)