Sumário:
A norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, incluindo a residentes em estados terceiros, é ilegal por constituir uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo artigo 63.º do TFUE.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A..., titular do número de identificação fiscal ..., residente na Rua ..., ..., ...-... Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos actos de liquidação de IRS n.º 2019 ... e n.º 2019 ... e de liquidação de juros compensatórios n.º 2019 ..., referentes ao ano de 2018, no valor global de € 122.019,81, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, e a condenação da Autoridade Tributária em indemnização pela prestação de garantia que vier eventualmente a ser prestada para suspensão do processos executivos.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
O Requerente e B... eram comproprietários em partes iguais do prédio urbano sito em ... e ..., ..., ..., Rua ..., ..., freguesia de ..., município de Sintra, inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de ... sob o artigo ... .
Em 21 de setembro de 2018, os comproprietários alienaram o prédio pelo preço global de € 1.290.000,00, cabendo € 645.000,00 a cada um deles.
À data da alienação, o Requerente era residente fiscal em Angola enquanto a B..., que então era seu cônjuge, e os restantes membros do agregado familiar eram residentes fiscais em Portugal e o casal (entretanto divorciado) tinha a intenção de reinvestir o valor de realização do prédio na construção de um outro imóvel destinado a habitação do agregado familiar.
Tendo em conta esta intenção de reinvestimento, o Requerente assumiu inicialmente que não estava obrigado a declarar os dados relativos à alienação para efeitos de apuramento do IRS do ano de 2018.
Não obstante – uma vez instado a fazê-lo pela Administração Tributária –, no dia 4 de outubro de 2019, o Requerente submeteu a declaração modelo 3 de IRS n.º..., na qual se identificou como sujeito passivo não residente e declarou a alienação da sua quota-parte do prédio, com os seguintes dados: valor de realização: € 645.000,00; valor de aquisição: € 209.969,00; e despesas e encargos: € 59.962,50.
Na sequência da submissão desta declaração de rendimentos, a Administração Tributária emitiu a liquidação de IRS n.º 2019..., na qual apurou um valor total a pagar de € 92.459,77, dos quais € 91.497,17 correspondem a IRS e € 962,60 correspondem a juros compensatórios.
Essa liquidação corresponde ao resultado da aplicação da taxa de imposto à totalidade do ganho realizado pelo Requerente.
Posteriormente, na sequência de um pedido de esclarecimentos da Administração Tributária, o Requerente, em 31 de outubro de 2019, submeteu uma nova declaração modelo 3 de IRS (a declaração n.º...), na qual corrigiu o valor de aquisição da sua quota-parte do prédio para € 125.280,00 (em vez dos € 209.969,00 anteriormente indicados).
Na sequência da submissão desta nova declaração, o Requerente foi notificado da liquidação de IRS n.º 2019..., no valor de € 122.019,81, dos quais 120.664,06 correspondem a IRS e € 1.355,75 correspondem a juros compensatórios.
Tal como sucedeu com a anterior liquidação n.º 2019..., o valor de imposto apurado pela Administração Tributária na nova liquidação n.º 2019 ... corresponde ao resultado da aplicação da taxa de imposto à totalidade do ganho realizado pelo Requerente.
Não obstante, o Requerente entende que os atos de liquidação de IRS são parcialmente ilegais porque resultam da aplicação da taxa de imposto ao valor total da mais-valia realizada, sem recurso à norma de tributação de apenas 50% aplicável aos residentes em território nacional, consagrada no artigo 43.º do Código do IRS.
De acordo com esta norma, os residentes em território nacional apenas são tributados sobre 50% das mais-valias originadas pela alienação de imóveis em Portugal, mas a redução do valor tributável não se estende aos não residentes.
E sendo assim a norma de direito nacional que exclui os não residentes de uma redução de tributação – e, nessa medida, agrava a sua tributação – restringe a liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, nesse sentido se tendo pronunciado a Acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de outubro de 2007, Processo n.º C- 443/06 (Caso Hollmann).
A Autoridade Tributária, na sua resposta, reconhece que o TJUE, no acórdão C - 443/06 (acórdão Hollmann), decidiu que o artigo 56.° CE (actual artigo 63.º) deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado membro, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.
No entanto, o actual quadro legal já não é o vigente à data da prolação do acórdão do Tribunal de Justiça, tendo em conta que, na sequência dessa jurisprudência, foi efectuada uma alteração legislativa mediante o aditamento dos n.º 7 e 8 (actuais n.ºs 13 e 14) ao artigo 72.° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que passaram a prever que os residentes noutro Estado membro da União Europeia podem optar, relativamente aos rendimentos prediais, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, admitindo igualmente que, para efeitos de determinação da taxa aplicável, são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.
Por força dessa alteração legislativa, as declarações de rendimentos de IRS respeitantes aos anos fiscais de 2008 e seguintes têm um campo para que possa ser exercida a opção pela taxa consagrada no artigo 68.º do CIRS, e, como tal, para efeitos de tributação pela taxa do artigo 68.º, como residente, era necessário ter preenchido os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68.º do CIRS), ou 10 (opção pelas regras dos residentes do artigo 17°-A do CIRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro), opção que o Requerente não utilizou.
Nesse sentido, não é defensável que o quadro normativo atual, resultante da alteração legislativa ocorrida em 2007 para vigorar a partir de 2008, continua a violar o artigo 63.º do TFUE e um entendimento diverso consubstanciaria uma discriminação positiva, violadora do princípio constitucional da igualdade e contrário ao direito nacional e comunitário.
Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.
2. Por requerimento apresentado em 4 de Setembro de 2020, o Requerente informou, nos termos e para os efeitos do artigo 171.º do CPTT, que constituiu garantia, sob a forma de penhor sobre as acções da sociedade C..., S.A., com vista à suspensão dos processos de execução fiscal n.º ...2019... e n.º ...2020..., solicitando que a prestação de garantia seja tido em conta para efeito da indemnização a apurar, em caso de procedência do pedido arbitral.
No seguimento do processo, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações escritas por não haverem quaisquer outros elementos sobre que as partes de se devessem pronunciar.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 5 de Agosto de 2020.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.
A) Até 2018, o Requerente e B..., casados sob o regime de separação de bens, eram comproprietários em partes iguais do prédio urbano sito em ... e ..., ..., ..., Rua ..., Lote ..., freguesia de ..., município de Sintra, inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de ... sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... com o número ...;
B) No dia 21 de setembro de 2018, os comproprietários alienaram o prédio pelo preço global de € 1.290.000,00, cabendo € 645.000,00 a cada um deles;
C) À data da alienação do prédio, o Requerente era residente fiscal em Angola;
D) No dia 4 de outubro de 2019, o Requerente submeteu a declaração modelo 3 de IRS n.º..., na qual se identificou como sujeito passivo não residente e declarou a alienação da sua quota-parte do prédio, com os seguintes dados: valor de realização: € 645.000,00; valor de aquisição: € 209.969,00; e despesas e encargos: € 59.962,50;
E) Na sequência da submissão da declaração de rendimentos, a Administração Tributária emitiu a liquidação de IRS n.º 2019..., na qual apurou um valor total a pagar de € 92.459,77, dos quais € 91.497,17 correspondem a IRS e € 962,60 correspondem a juros compensatórios;
F) Em 31 de outubro de 2019, na sequência de um pedido de esclarecimentos da Administração Tributária, o Requerente submeteu uma nova declaração modelo 3 de IRS com o n.º..., na qual corrigiu o valor de aquisição da sua quota-parte do prédio para € 125.280,00;
G) Na sequência da submissão da nova declaração, o Requerente foi notificado da liquidação de IRS n.º 2019..., no valor de € 122.019,81, dos quais 120.664,06 correspondem a IRS e € 1.355,75 correspondem a juros compensatórios;
H) O valor do imposto apurado pela Administração Tributária nas liquidações de IRS mencionadas nas antecedentes alíneas E) e G) corresponde ao resultado da aplicação da taxa de imposto à totalidade do ganho realizado pelo Requerente, apurado de acordo com os valores inscritos nessas declarações;
I) Tendo sido instaurado processo de execução fiscal para cobrança coerciva da dívida relativa ao imposto, o Requerente, em 19 de Dezembro de 2019, apresentou perante a Autoridade Tributária um pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda, com dispensa de prestação de garantia, referente ao montante de € 93.047,22, que engloba o imposto liquidado, juros de mora e custas;
J) Em 29 de Janeiro de 2020, o Requerente apresentou perante a Autoridade Tributária um pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda, com dispensa de prestação de garantia, referente ao acréscimo de € 29.794,87, resultante do acerto de contas, por efeito da liquidação no valor de € 122. 019,81 emitida na sequência da declaração de substituição de IRS;
K) Em 30 de junho de 2020, o Requerente constituiu garantia, sob a forma de penhor sobre as ações da sociedade C..., S.A. atá ao montante máximo de € 156.423,56, com vista à suspensão dos processos de execução fiscal n. ...2019... e n.º ...2020... .
Factos não provados
Não se encontra provado que o Requerente tenha procedido ao pagamento, parcial ou total, do imposto liquidado.
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e em factos não questionados pelas partes.
Matéria de direito
5. O Requerente não contesta a sujeição a imposto, para efeito do apuramento da mais-valia imobiliária, dos rendimentos decorrentes da transmissão de imóveis, mas unicamente a não aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, pelo qual o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é apenas considerado em 50%, entendendo que o acto de liquidação, ao considerar a totalidade da mais-valia realizada, constitui uma discriminação negativa dos não residentes restritiva da liberdade de circulação de capitais.
A Autoridade Tributária defende, em contraposição, que o legislador nacional procedeu já a adaptação do sistema fiscal ao acórdão do TJUE C-443/06, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que aditou os n.º 7 e 8 (atuais 13 e 14) ao artigo 72.° do Código do IRS, que vieram permitir que não residentes possam optar pela tributação de rendimentos prediais à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.
Esta questão foi já analisada, em situação similar, em diversas decisões arbitrais (cfr., a título de exemplo, os acórdãos proferidos nos Processo n.ºs 208/2019-T, 830/2019-T e 846/2019-T), e, quanto a ela, o STA tem igualmente mantido uma orientação uniforme (acórdãos de 16 de Janeiro de 2008, Processo n.º 439/06, de 22 de Março de 2011, Processo n.º 01031/10, de 10 de Outubro de 2012, Processo n.º 0533/12, de 30 de Abril de 2013, Processo n.º 01374/12, de 18 de Novembro de 2015, Processo n.º 0699/15, de 3 de Fevereiro de 2016, Processo n.º 01172/14, e de 20 de Fevereiro de 2019, Processo n.º 0901/11).
E não há motivo para alterar o entendimento então sufragado, que de seguida se procurará sintetizar.
Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do artigo 10.º, do Código do IRS, “constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis...”.
Esses rendimentos, desde que resultantes da transmissão de direitos reais relativos a imóveis situados em território português consideram-se aqui obtidos (Código do IRS, artigos 18.º, n.º 1, alínea h)), ficando, assim, abrangidos pela incidência deste tributo quando auferidos por titulares não residentes (Código do CIRS, artigos13.º, n.º 1, e 15.º, n.º 2).
Conforme resulta do artigo 10.º, n.º 4, do Código do IRS, o ganho sujeito a tributação é constituído pela diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição, sendo este valor atualizado pelo coeficiente de correção monetária e acrescido de encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos e bem assim das despesas necessárias e efetivamente praticadas inerentes à aquisição e alienação, nos termos dos artigos 50.º e 51.º do mesmo Código.
O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias, integrando a Categoria G do IRS, é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, conforme prevê o artigo 43.º, n.º 1, do citado Código.
No entanto, segundo o n.º 2 do mesmo artigo, na redação em vigor à data da ocorrência do facto tributário a que se reporta o presente pedido de pronúncia arbitral, o referido saldo, positivo ou negativo, quando respeitante a mais-valias imobiliárias, é apenas considerado em 50% do seu valor, quando “respeitante às transmissões efetuadas por residentes”
Quando auferidos por sujeitos passivos residentes esses rendimentos são sujeitos a englobamento e, em conjunto com outros rendimentos auferidos no mesmo ano pelos respetivos titulares, sobre eles incidem as taxas gerais previstas no artigo 68.º do Código do IRS.
Diversamente, se esses rendimentos forem auferidos por titulares não residentes em território português, são sujeitos a tributação autónoma, incidente à taxa especial de 28% sobre a totalidade das mais-valias, nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código.
A assinalada desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias entre os sujeitos passivos residentes e não residentes foi submetida à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, por via de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo STA (acórdão de 28-09-2006, Processo n.º 0439/06).
Respondendo à questão colocada, o Tribunal de Justiça, em acórdão de 11-10-2007, proferido no Processo C-443/06 (Hollmann), declarou que “ O artigo 56º CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.”
Foi na sequência dessa decisão, que o STA proferiu o já citado acórdão de 16-01-2008 (Processo 439/06), em que veio a decidir que “ O n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal, viola o disposto no art. 56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia.”
Porém, o legislador nacional, por via da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, procurou obviar o tratamento discriminatório dos residentes comunitários e do Espaço Económico Europeu, facultando-lhes, em termos opcionais, a possibilidade de tributação das mais-valias imobiliárias em condições similares às aplicáveis aos residentes em território português, aditando ao artigo 72.º do Código do IRS os números 7 e 8 (n.ºs 9 e 10 à data dos factos, na renumeração operada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, a que correspondem os atuais n.ºs 13 e 14), com a seguinte redação:
“9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.
10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”
Contrariamente ao entendimento da Requerida, o regime opcional acima referido não veio sanar o regime discriminatório que se mantém em vigor e foi aplicado às liquidações de IRS ora questionadas.
Após a alteração legislativa acima referida ficaram a vigorar, na área da tributação dos rendimentos qualificados como mais-valias originadas pela transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes: um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento e um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes.
Este regime específico de equiparação aos residentes é opcional, não afastando, contudo, o carácter discriminatório da norma do artigo 43.º, n.º 2, conforme tem vindo a ser decidido em diversas decisões arbitrais.
Com efeito, já na decorrência de situações posteriores à alteração legislativa acima referida, em decisão arbitral de 14-05-2013, Processo 127/2012-T, considerou-se que “(...) a opção que é dada a um sujeito passivo residente na União Europeia ou espaço económico europeu entre um regime que continua a ser discriminatório, por violação do disposto art. 63.º da TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes no território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes. Concluindo aquele aresto que «ao se reconhecer que os referidos efeitos não são eliminados, estar-se-á a admitir que a referida opção valida um regime fiscal que continua em si mesmo a violar o artigo 63.º do TFUE, pelos motivos acima enunciados, o que não se coaduna com o direito comunitário».
Essa orientação tem vindo a ser acolhida na jurisprudência arbitral, e, designadamente, nas decisões proferidas nos Processos n.ºs 748/2015-T, 89/2017-T, 520/2017-T, 617/2017-T, 644/2017-T, 370/2018-T, 583/2018-T, 596/2018-T, 600/2018-T, 613/2018-T e 74/2019-T.
E no mesmo sentido se pronunciou o STA, no acórdão de 20-02-2019 (Processo n.º 0901/11), reportando-se a mais-valias realizadas em 2010, e, portanto, já na vigência das alterações introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007, em que se refere o seguinte:
“O Estado Português, através da Lei 3-B/2010 de 28-04, instituiu um regime opcional, ex vi n.ºs 7 e 8 do artigo 72.º do CIRC, com vista à equiparação dos não residentes aos residentes, permitindo àqueles a opção de englobamento dos rendimentos obtidos por mais-valias imobiliárias e, assim, serem tributados em condições similares às dos residentes.
Tratando-se de um regime opcional e mantendo-se o regime geral discriminatório, a sua apreciação foi objeto do Acórdão Gielan de 18-03-2010 do TJUE, que veio a manter as anteriores conclusões referidas no Acórdão Hollmann.
E no caso sub judice foi a Autoridade Tributária que determinou a forma de tributação, através da correção da liquidação, não validando os elementos declarados pelos Impugnantes na sua declaração anual de IRS, não dando hipótese do exercício desta opção aos Impugnantes.
Mesmo assim, tal regime opcional não vem sanar a discriminação entre as normas do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS e o artigo 56.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, já que a norma anterior se manteve como geral, apenas sendo criada uma outra opcional.
Na verdade, já este STA se pronunciou em situação similar à presente - acórdão de 03-02-2016, Processo 01172/14 – negando provimento a um recurso e decidindo no sentido de que tributação em sede de mais valias imobiliárias apuradas por um não residente, devem ser consideradas apenas em 50%, evitando assim a situação discriminatória que a Fazenda Pública pretende ver aqui reconhecida.
Acompanhando, sem reservas, a jurisprudência do STA e dos tribunais arbitrais, considera o Tribunal que se não suscitam dúvidas quanto a incompatibilidade com o direito europeu das normas aplicadas às liquidações impugnadas.
Resta acrescentar que não altera dos dados do problema a circunstância de, no caso, estar em causa um residente em país terceiro.
Nesse sentido, é elucidativo o acórdão do TJUE de 18 de janeiro de 2018, no Processo n.º C-45/17 (acórdão Jahin). Aí se refere que o artigo 63.º do TFUE estabelece a livre circulação de capitais entre Estados-membros, por um lado, e entre Estados-membros e países terceiros, por outro, de onde decorre que o âmbito de aplicação territorial da livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º TFUE não se limita aos movimentos de capitais entre Estados-membros, mas estende se igualmente aos movimentos de capitais entre Estados-membros e Estados terceiros (parágrafos 19 e 21). No que se refere ao âmbito de aplicação material do artigo 63.º TFUE, embora o Tratado não defina o conceito de «movimentos de capitais», resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que esses movimentos, na aceção desse artigo, compreendem, nomeadamente, as operações mediante as quais os não residentes efetuam investimentos imobiliários no território de um Estado-membro. Pelo que as imposições efetuadas nos termos de uma legislação nacional que incidem sobre os rendimentos prediais e sobre uma mais valia obtida na sequência da alienação de um imóvel, adquirido num Estado-membro por uma pessoa singular que reside num Estado terceiro, estão abrangidas pelo conceito de «movimentos de capitais», na aceção do artigo 63.º TFUE (parágrafos 22 e 23).
Não há motivo, por conseguinte, para deixar de aplicar o entendimento anteriormente expresso quando a discriminação operada pelo artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS incide sobre um residente em país terceiro.
A Autoridade Tributária sustenta, todavia, que uma interpretação segundo a qual a legislação nacional, após o aditamento dos n.º 7 e 8 (actuais n.ºs 13 e 14) ao artigo 72.° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, continua a violar o artigo 63.º do TFUE consubstancia uma discriminação positiva que viola o princípio constitucional da igualdade e o direito europeu.
No entanto, a consideração de que a norma do artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS opera uma discriminação a nível de tributação em relação a não residentes é a que se mostra ser conforme com o direito europeu, segundo a própria jurisprudência do TJUE e, por outro lado, é essa interpretação que elimina a diferenciação de tratamento e restabelece um critério de igualdade na sujeição ao imposto, não podendo falar-se numa discriminação positiva, visto que o que está em causa é a liberdade de circulação de capitais e não um qualquer favorecimento da posição jurídica dos contribuintes não residentes.
Nestes termos, declara-se incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE. Consequentemente, o acto de liquidação em causa, desconsiderando aquela limitação, encontra-se ferido de ilegalidade.
Indemnização por prestação de garantia indevida.
6. Tendo sido citado para o processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva da dívida relativa ao imposto liquidado, o Requerente apresentou perante a Autoridade Tributária um pedido de pagamento da dívida exequenda em prestações, com dispensa de prestação de garantia, referente ao montante de € 93.047,22, englobando o imposto liquidado, juros de mora e custas, e um outro idêntico pedido relativamente ao acréscimo de € 29.794,87, que resultou da liquidação a título de acerto de contas, pedidos que se encontravam pendentes à data da apresentação do pedido arbitral.
No pedido arbitral, o Requerente solicitou o pagamento da correspondente indemnização por prestação de garantia indevida, caso a venha a prestar por virtude do indeferimento dos pedidos de pagamento da dívida exequenda em prestações, com dispensa de prestação de garantia. E na pendência do processo arbitral, veio informar que, face ao indeferimento do pedido formulado perante a Administração, constituiu garantia, sob a forma de penhor sobre as ações da sociedade C..., S.A., até ao montante máximo de € 156.423,56, com vista à suspensão dos processos de execução fiscal, requerendo que a prestação de garantia seja tido em conta para a fixação da indemnização, em caso de procedência do pedido arbitral.
Haverá, por conseguinte, que analisar o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida.
O artigo 171.º do CPPT garante a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada, que poderá ser requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, havendo de entender-se que o processo arbitral é também o meio processual próprio para deduzir esse pedido visto que poderá ter por objecto a apreciação de pretensões relativas à declaração de legalidade de actos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).
O artigo 53.º da LGT admite ainda que o devedor que ofereça garantia bancária ou equivalente para suspender a execução fiscal será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos, salvo quando se verifique na impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, caso em que a indemnização não está dependente do prazo pelo qual vigorou a garantia.
Como se decidiu na Decisão Arbitral n.º 239/2016-T, o «erro imputável aos serviços na liquidação do tributo» abrange todas as ilegalidades que afectem a validade da liquidação, pelo que, tendo sido julgado procedente, em parte, o pedido arbitral, há lugar à indemnização por prestação de garantia indevida na proporção do vencimento.
Tendo sido declarada, na situação do caso, a ilegalidade dos actos de liquidação impugnados, por desconsideração, pela Autoridade Tributária, de disposição de direito da União Europeia que vigora no ordenamento jurídico nacional e a que a Administração não poderia deixar de observar, haverá de entender-se que subsiste um erro imputável aos serviços que origina o direito a indemnização por prestação de garantia indevida, independentemente do prazo pelo qual ela vigorou.
Nestes termos, procede o pedido de condenação da Autoridade Tributária no pagamento de indemnização pelas despesas suportadas com a prestação da garantia, cujo montante, não tendo sido indicado na petição inicial nem comprovado na pendência do processo, será fixado em execução de julgado.
Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios
7. O Requerente pede o reembolso do imposto que vier a ser indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios (artigo 69.º do pedido arbitral).
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
Essas disposições estabelecem que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte “pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
No entanto, no presente caso, não é feita prova de ter sido paga, total ou parcialmente, a quantia liquidada, tendo-se comprovado apenas que o Requerente apresentou, perante a Autoridade Tributária, pedidos de pagamento do imposto em prestações, sem que se demonstre que tenha ocorrido qualquer pagamento (alíneas I) e J) da matéria de facto).
Não há, assim, fundamento para condenar a Administração no reembolso de imposto – que não se demonstra ter sido pago -, nem na liquidação de juros indemnizatórios, que apenas seriam devidos em caso de pagamento indevido do imposto e desde a data desse pagamento.
Nestes termos, é improcedente o pedido de condenação em reembolso de imposto e juros indemnizatórios, sem prejuízo de esses direitos poderem ser reconhecidos em execução de julgado quando se comprove o pagamento.
III – Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido arbitral e anular os actos de liquidação de IRS n.º 2019 ... e n.º 2019... e de liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., referentes ao ano de 2018, no valor global de € 122.019,81, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária;
b) Condenar a Autoridade Tributária em indemnização por prestação indevida de garantia em montante a liquidar em execução de sentença;
c) Julgar improcedente o pedido arbitral quanto ao reembolso do imposto e pagamento de juros indemnizatórios.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 60.881,15, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00 que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 11 de Novembro de 2020,
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
André Festas da Silva
O Árbitro vogal
José Nunes Barata