Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 134/2020-T
Data da decisão: 2020-11-09  IVA  
Valor do pedido: € 16.043,57
Tema: IVA – enquadramento fiscal de prestação de serviços – desnecessidade de reenvio prejudicial.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 6 de Agosto de 2020, decidiu o seguinte:

 

1.            RELATÓRIO

 

1.1.        A..., Lda., com o número único de matrícula e de pessoa colectiva

..., com sede na Rua ..., nº..., em Portalegre, (adiante designada por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 28 de Fevereiro de 2020, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.        A Requerente, tendo sido notificada das liquidações de IVA relativas aos períodos 201803T (liquidação nº 2019...), 201806T (liquidação nº 2019...), 201809T (liquidação nº 2019...) e 201812T (liquidação nº 2019...), bem como das respectivas demonstrações de liquidação de juros, veio apresentar pedido de pronuncia arbitral no qual peticiona que o mesmo seja considerado provado “(…) devendo declarar-se que a actividade da Impugnante deverá ser enquadrada (…) como sendo operações estreitamente conexas com a prestação dos cuidados de saúde ao paciente e, por essa forma, isentas de Iva, (…), conforme à melhor interpretação de Direito e atendendo ao princípio da igualdade face ao regime aplicável aos Seguros de Saúde, anulando-se consequentemente a liquidação do imposto, bem como o reenvio para o TJUE para definir o direito a aplicar ao caso concreto”.

 

1.3.        O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 2 de Março de 2020 e notificado, na mesma data, à Requerida.

 

1.4.        Em 6 de Julho de 2020, dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, foi a signatária designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.        Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.        Em 5 de Agosto de 2020, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral em 6 de Agosto de 2020 no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.7.        Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

1.8.        A Requerida apresentou Resposta em 28 de Setembro de 2020 (notificada em 30 de Setembro de 2020), na qual se defendeu por impugnação e concluindo que “(…) deve ser julgado improcedente por não provado presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido”.

 

1.9.        Adicionalmente, na mesma data, anexou a Requerida aos autos cópia do processo administrativo.

 

1.10.      Por despacho arbitral de 30 de Setembro de 2020 foi decidido, em síntese, pelo Tribunal Arbitral, em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16º Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)] e da livre condução do processo consignado nos artigos 19º e 29º, nº 2 do RJAT:

 

I.             Ser desnecessária a inquirição das testemunhas apresentadas pela Requerente dado que a posição das Partes está plenamente definida nos Autos e suportada pelos meios de prova documental apresentados;

II.            Dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT;

III.          Em consequência, determinar que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas, a apresentar no prazo sucessivo de 10 dias, a contar da notificação do referido despacho;

IV.          Designar o dia 6 de Novembro de 2020 para efeitos de prolação da decisão arbitral.

 

1.11.      Por último, o Tribunal advertiu a Requerente que, até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD.

 

1.12.      Por despacho arbitral de 12 de Outubro de 2020 reagendou-se a data para a prolação da decisão arbitral para 9 de Novembro de 2020.

 

1.13.      Em 14 de Outubro de 2020, a Requerente apresentou as suas alegações escritas, no sentido de reiterar a argumentação apresentada no pedido arbitral, concluindo nos mesmos termos e reiterando que não lhe “(…) pode ser assacada qualquer responsabilidade pelo eventual desenquadramento da actividade em sede de Iva dado que se limitou a executar a mesma, bem como a enquadrá-la fiscalmente, de acordo com as instruções do seu contabilística certificado”, “razão pela qual (…) considera extremamente importante (…) que seja ouvido como testemunha (…) o seu contabilista (…)”.

 

1.14.      Em 16 de Outubro de 2020, a Requerida apresentou as suas alegações escritas, tendo concluído no mesmo sentido da Resposta.

 

1.15.      Por despacho arbitral de 16 de Outubro de 2020, o Tribunal Arbitral, atentos os argumentos aí apresentados, veio uma vez mais reiterar não ser necessária a inquirição da(s) testemunha(s) arrolada(s) dado que o que está em causa nos autos é uma questão de enquadramento legal de operações, do qual depende a decisão quanto à legalidade/ilegalidade das liquidações de IVA e juros objecto do pedido, afigurando-se para o efeito aquele acto de inquirição como um acto inútil face ao previsto na lei.

 

2.            CAUSA DE PEDIR

 

2.1.        A Requerente começa por referir que “(…) é uma empresa que presta serviços de saúde dentária através de uma rede de clínicas dentárias com a marca B...”, sendo “esta prestação de serviços (…) por si realizada, ainda que de forma indirecta, uma vez que não possui no seu património clínicas dentárias”.

 

2.2.        Prossegue a Requerente referindo que “estas clínicas são associadas directas da Impugnante e prestam aos seus pacientes, os serviços de saúde oral a si contratados”.

 

2.3.        Assim, segundo entende a Requerente, a sua actividade “(…) é directamente comparável com a das sociedades que vendem seguros de saúde, também isentas de tributação em sede de IVA”.

 

2.4.        Aliás, para a Requerente “(…) as similitudes entre os dois regimes são notórias, com a excepção de que no caso da actividade da Impugnante não há risco coberto” porquanto “os planos de saúde vendidos pelas seguradoras aos seus clientes são em tudo idênticos aos planos de saúde vendidos aos clientes finais da Impugnante, usufruindo estes de um "plafond" para gastar nas clínicas da rede da Impugnante como bem aprouverem, tendo em conta o plano subscrito”.

 

2.5.        Com efeito, defende a Requerente que “(…) também no caso dos seguros de saúde, a seguradora não presta directamente os cuidados de saúde oral aos seus clientes, mas sim indirectamente através da sua rede de clínicas”.

 

2.6.        Assim, entende a Requerente que “a expressão "angariador" de potenciais clientes para as referidas entidades parceiras que é referido no Relatório de Inspecção (…), como sendo a actividade da Impugnante, é apenas a interpretação que o Inspector faz de acordo com a Informação vinculativa com o processo n.º ... em 05-01-2005, e que está perfeitamente desactualizada face às alterações desde então verificadas neste sector da saúde dentária e da prestação de serviços neste âmbito”.

 

2.7.        Neste âmbito, reitera a Requerente que “o objecto destes contratos é, seguramente, a prestação de serviços de saúde dentária aos clientes da Impugnante (…)” sendo “esses serviços (…) contratados com a Impugnante em forma de plano de forma a que o cliente final possa escolher a modalidade mais económica e que melhor se adequa às suas necessidades e à sua condição económica”.

 

2.8.        Ora, para a Requerente, “o facto (…) desses mesmos serviços contratados à Impugnante pelos seus clientes (…) não serem pela Impugnante prestados directamente, é apenas acessória e enquadra-se na previsão do n.º 2 do artigo 9.º do CIVA quando se refere a serviços conexos” defendendo a Requerente que “(…) pode-se (…) afirmar que conexas são todas aquelas operações, realizadas em momento anterior ou posterior aos serviços, com os quais apresentam uma ligação ou relação, no sentido de concorrerem para a sua realização, podendo ser vistas como acessórias ou instrumentais em relação à prestação principal”.

 

2.9.        Daí entender e concluir a Requerente que “(…) a (…) oferta destes serviços pela Impugnante como sendo de prestação de cuidados dentários, (…) configurar-se-iam como serviços conexos, sendo prestados de forma indirecta, não deixando por esse facto de ser prestação de serviços de saúde e, como tal, abrangidos pela isenção do artigo 9.º”.

 

2.10.      Nesta medida, a Requerente defende que prosseguiu a sua actividade, “(…), emitindo facturas ao abrigo desta isenção de Iva e cumprindo todas as obrigações fiscais de acordo com este entendimento perante a AT” tendo sido “(…) uma surpresa esta inspecção e as conclusões retiradas, surpresa essa ainda maior quando esta sempre esteve perfeitamente segura de que a sua posição face ao enquadramento da sua actividade em sede de Iva, estava perfeitamente delineada e com o aval do seu Contabilista Certificado e da AT”.

 

2.11.      Alega a Requerente em sua defesa que “se a AT discorda do entendimento seguido em sede de Iva, deverá antes do mais perceber as razões pelas quais a Impugnante configurou e prosseguiu a sua actividade seguindo este seu entendimento (…)”, não compreendendo a Requerente “(…) porque só agora, tendo em conta todas as informações de que dispõe, vem realizar uma inspecção e concluir que o enquadramento fiscal, segundo o seu ponto de vista, está errado”.

 

2.12.      E prossegue a Requerente referindo que “o princípio da cooperação entre Administração e administrados continua a prevalecer e a definir as regras do jogo, não tendo a Impugnante deixado de cooperar com a AT sempre que para tal foi solicitado, pelo que não se compreende que esta tenha chegado a este entendimento e a estas conclusões sem ter sequer ouvido o responsável da mesma (…)” sendo para a Requerente “(…) gritante a necessidade de tomar as declarações do (…) responsável pelo enquadramento fiscal das operações (…)”.

 

2.13.      Não aceita a Requerente a afirmação (produzida no Relatório de Inspecção) de “(…) não existência de uma contra-prestação directa entre o serviço prestado e o pagamento do mesmo (…)” porquanto entende a Requerente que não se “(…) está a ter em consideração as relações estabelecidas entre a Impugnante e as clínicas da sua rede” dado que “(…) estas últimas são entidades jurídicas independentes da Impugnante e não estão sob qualquer forma de dependência económica ou jurídica deste, salvo a contratualização da prestação de serviços dos clientes da Impugnante”.

 

2.14.      Neste âmbito, acrescenta a Requerente que, “tal qual os seguros de saúde, a contra-prestação dos serviços de saúde não é directa e, não é por esse motivo, que a actividade em causa que (…) é totalmente coincidente com a praticada pela Impugnante, deixa de estar isenta de Iva”.

 

2.15.      Assim, para a Requerente, “a conclusão que consta do relatório de que (…) os montantes pagos pelos aderentes do plano B... à A... não resultam de uma contra-prestação directa da administração de cuidados médicos, funcionando antes como uma garantia de disponibilização de um conjunto de serviços de medicina dentária não pode proceder por ser um entendimento (…) anacrónico face à evolução da sociedade e dos mecanismos económicos e da prestação de serviços e cuidados de saúde na sociedade portuguesa e no resto da Europa e do mundo” sendo que “(…) a neutralidade do Iva enquanto imposto, impõe-se sempre que possível, sendo este mecanismo de isenção uma excepção a essa regra”.

 

2.16.      Assim sendo, quando “(…) o paciente (…) contrata um plano de saúde B..., segundo o entendimento da AT, estará a ser prejudicado face a um outro paciente, nas mesmas circunstâncias, (…) que contrate um seguro de saúde com as mesmas características e com as mesmas vantagens de acesso a uma rede clínica para prestação dos cuidados de saúde contra uma prestação económica que ele paga à seguradora, em tudo idêntica à que o cliente dos planos da B... paga” porquanto “(…) tendo em conta que o cliente da B... enquanto cliente final teria de suportar Iva, uma vez que não o pode deduzir, ficaria numa posição claramente desfavorável face à do paciente que contratou um seguro de saúde nas mesmas condições, mas que estaria isento de Iva”.

 

2.17.      E reitera a Requerente, “(…) chamando à colação o princípio da neutralidade que enforma o sistema comum do IVA, verifica-se que o mesmo comporta um duplo conteúdo” porquanto se ”por um lado, exige que os operadores económicos que forneçam bens ou serviços semelhantes, que se encontrem em concorrência entre si, sejam tratados de maneira idêntica no que diz respeito ao IVA, a fim de evitar qualquer distorção de concorrência”, “por outro lado, o princípio da neutralidade implica que os sujeitos passivos possam, por via de regra, em relação aos bens e serviços adquiridos para o exercício das respectivas actividades tributadas em sede deste imposto, desonerar-se do IVA incidente sobre esses bens e serviços”.

 

2.18.      Nesta medida, entende a Requerente que “(…) a aplicação da isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva do IVA deve abranger, desde logo, os operadores económicos que se encontrem em concorrência entre si”.

 

2.19.      Neste âmbito, alega a Requerente que “o TJUE tem-se manifestado no sentido de que o princípio da neutralidade fiscal constitui uma expressão, no domínio do IVA, do princípio geral da igualdade de tratamento, frisando que, enquanto uma estrita violação do primeiro apenas pode ocorrer em relação a operadores económicos concorrentes, a vertente ligada à  igualdade de tratamento inviabiliza outros tipos de discriminações em matéria fiscal, que afectem operadores económicos que, não estando forçosamente numa posição de concorrência, se encontram numa situação comparável noutros aspectos”.

 

2.20.      Já no que diz respeito ao princípio da igualdade de tratamento, afirma a Requerente que “(…) o TJUE, pese embora não ter deixado de referir que os termos de uma disposição de direito da UE devem ser, por via de regra, interpretados de modo autónomo e uniforme em toda a UE, à luz do contexto e dos objectivos prosseguidos, considerou que tal não sucede quando a disposição contiver uma remissão expressa para o direito dos Estados-membros para determinar o seu sentido e alcance”.

 

2.21.      E prossegue a Requerente referindo que “(…) a propósito da norma vertida na alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva do IVA, no acórdão de 27 de Abril de 2006 (C-443/04 e C-444/04, Solleveld e o., n.ºs 29 e 37), o TJUE reiterou que compete a cada Estado-membro definir no seu direito interno as profissões paramédicas, cujos serviços estão isentos do IVA, dado que tal norma concede aos Estados-membros um poder de apreciação a esse respeito, desde que seja apenas aplicada aos serviços efectuados por prestadores com as qualificações profissionais exigidas na lei. Embora uma remissão para o direito interno de cada Estado-membro ocorra no caso da alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva do IVA, não pode perder-se de vista, contudo, que no n.º 35 desse mesmo acórdão, não obstante ter reconhecido a margem de livre apreciação atribuída aos Estados-membros naquela disposição, o TJUE também aditou que a exigência de uma aplicação correcta e simples das isenções não permite aos Estados-membros prejudicarem os objectivos prosseguidos pela Directiva, nem os princípios da direito comunitário, em especial o princípio de igualdade de tratamento, que se traduz, em matéria de IVA, no princípio da neutralidade fiscal”.

 

2.22.      Assim, para a Requerente, “há aqui uma clara distinção feita pela AT quantos ao regime dos Seguros de saúde e dos Planos B... sem que para isso exista qualquer justificação técnica, estando-se perante uma situação em que a Impugnante não liquidou IVA nem o recebeu dos seus clientes, sendo precisamente essa falta de liquidação que está a ser invocada pela AT (…)”.

 

2.23.      Para a Requerente, “as operações referidas no artigo 9.º, traduzem o facto de o sujeito passivo não liquidar imposto nas transmissões de bens ou prestações de serviços que efectuar, não podendo, em contrapartida, deduzir o imposto suportado nas aquisições”.

 

2.24.      Refere a Requerente que “(…) nos números 1 a 5 do artigo 9.º do CIVA vêm previstos um conjunto de isenções na área da saúde humana, em particular no domínio da assistência médica e sanitária” sendo que “as referidas disposições internas têm por base o disposto nas alíneas b) a e) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva do IVA”, defendendo que “(…) as isenções previstas nos números 1 e 2 do artigo 9.º do CIVA, correspondentes às alíneas c) e b) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva do IVA, respectivamente, reportam-se a prestações que tenham por objectivo diagnosticar, ainda que a título meramente preventivo, bem como tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde”.

 

2.25.      E, reitera a Requerente, “tal ponto de vista, já foi expendido pelo TJUE em inúmeras decisões, a propósito das disposições da UE que lhes servem de base”.

 

2.26.      “Por seu turno, o artigo 132.º n.º 1, alínea b) da Directiva IVA, isenta os serviços médicos e sanitários efectuados por estabelecimentos hospitalares, clínicas dispensários e similares” sendo que “esta isenção estende-se às operações estreitamente conexas com a hospitalização e a assistência médica, entendendo-se como tal as transmissões de bens ou prestação de serviços acessórios que se inscrevam logicamente no quadro do fornecimento dos serviços de hospitalização e de assistência médica, desde que constituam uma etapa indispensável no processo de prestação dos serviços isentos, para atingir as finalidades terapêuticas prosseguidas”.

 

2.27.      Conclui a Requerente, alegando que “neste sentido vai o nosso entendimento quanto à prestação dos serviços de forma indirecta, tendo em conta o espírito da lei, considerando estas como sendo operações estreitamente conexas com a prestação dos cuidados de saúde ao paciente e, por essa forma, isentas de Iva, nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artigo 9.º do CIVA (…)”, “pelo que as liquidações de Iva, respeitantes aos trimestres 1803T, 1806T, 1809T e 1812T, bem como as liquidações de juros compensatórios, que se juntam (…) deverão ser anuladas por não devidas, atendendo aos argumentos atrás expedidos”.

 

2.28.      Por último, requer a Requerente “(…) o reenvio prejudicial para o TJUE, face à necessidade de clarificar e definir a jurisprudência aplicável ao caso concreto (…)”.

 

3.            RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.        A Requerida na sua Resposta começa por “(…) remeter e dar como integralmente reproduzida a factualidade assente no Relatório de Inspecção Tributária sub judice (…)”.

 

3.2.        Não obstante, a Requerida defende-se por impugnação, referindo que “determina o n.º 2 do artigo 9.º do CIVA que estão isentas de imposto as prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares” sendo que, “por sua vez, as prestações de serviços efetuadas pelos profissionais de saúde dentária (médicos-dentistas), por se tratar de serviços médicos, estão também isentas de IVA, por força do estabelecido do n.º 1 do referido artigo, desde que no exercício da sua profissão”.

 

3.3.        Adicionalmente, entende a Requerida que “a administração de cuidados médicos está, assim, isenta de liquidação do imposto bem como os fornecimentos de bens ou prestações de serviços, na medida em que estas operações constituem o prolongamento direto dos cuidados dispensados aos utentes”.

 

3.4.        Para a Requerida, “no caso em apreço, a atividade exercida pela Requerente não consubstancia a prática de quaisquer cuidados médicos, sendo estes praticados pelas entidades parceiras (…)” porquanto “a sua atividade resume-se à comercialização dos referidos planos de saúde oral, através da gestão da plataforma digital B...”, situação à qual “acresce ainda a particularidade de cada aderente do plano B... poder utilizar a totalidade, apenas alguns ou mesmo nenhuns dos benefícios ou serviços proporcionados pelas entidades parceiras da Requerente”.

 

3.5.        Defende a Requerida que “poderá, assim, considerar-se que a Requerente é uma angariadora de potenciais clientes para as referidas entidades parceiras, sendo estas que efetivamente prestam os serviços de medicina dentária” pelo que “(…) os montantes pagos pelos aderentes do plano B... à Requerente não resultam de uma contraprestação direta da administração de cuidados médicos, funcionando antes, como uma garantia da disponibilização de um conjunto de serviços de medicina dentária por si devidamente selecionados, em condições vantajosas”.

 

3.6.        Neste sentido, segundo entende a Requerida, “considerando a natureza dos serviços prestados, os montantes em causa encontram-se afastados do campo de aplicação da isenção do imposto, prevista no artigo 9.º do CIVA”, concluindo que “estas operações deverão, portanto, ser consideradas operações sujeitas a IVA e dele não isentas, tributadas à taxa normal, conforme o determinado na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do mesmo diploma legal”.

 

3.7.        Assim, para a Requerida, não obstante o tratamento fiscal conferido pela Requerente, deverão estar sujeitos e não isentos a IVA, à taxa de 23%, o total dos montantes recebidos entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2018, relativos às referidas prestações de serviços.

 

3.8.        Nestes termos, segundo a Requerida, “os valores inscritos nas Declarações Periódicas de IVA (DP´s) referentes às bases tributáveis das operações sujeitas à taxa normal e ao respetivo imposto a liquidar foram corrigidos da seguinte forma”:

 

3.9.        Reitera a Requerida que “os fundamentos apresentados pela Requerente em sede arbitral são os mesmos que foram apresentados em sede de direito de audição sobre o projeto de correções do relatório da (…) inspeção, não apresentando novos argumentos e/ou outros meios de prova”, considerando a Requerida que “(…) da situação factual verificada, a atividade da Requerente resume-se à gestão da plataforma digital B..., cuja finalidade é a venda de planos de saúde oral, e não à prestação de serviços de saúde dentária em si”.

 

3.10.      Neste âmbito, defende a Requerida que “na realidade, quem presta estes serviços de medicina dentária são as clínicas, suas parceiras, com as quais a Requerente celebra um Contrato de Colaboração” pelo que “a mera gestão da referida plataforma e consequente venda dos planos de saúde oral não poderá ser considerada uma prestação de serviços médicos, nos termos do n.º 2 do artigo 9.º do CIVA”, concluindo que “a pretensão da Requerente sugere uma tripla isenção de IVA para as prestações de serviços em causa”.

 

3.11.      Segundo a Requerida, não tem razão a Requerente “ao equiparar a venda de planos de saúde oral aos planos de saúde vendidos por seguradoras (…)” porquanto compara “(…) a sua atividade com a das sociedades que vendem seguros de saúde, também isentas de tributação em sede de IVA”.

 

3.12.      Nesta matéria, defende a Requerida que “de facto, pela sua natureza, os planos de saúde vendidos pelo sujeito passivo não poderão ser considerados seguros de saúde (…)” porquanto “(…) o próprio Contrato de Prestação de Serviços celebrado com os seus clientes/aderentes menciona, no ponto 2., que estes serviços médicos não constituem um seguro de saúde” mas “ainda que assim fosse, ou seja, se as referidas operações consubstanciassem operações de seguro, seriam consideradas operações isentas, não pela prestação de serviços médicos, mas sim pela prestação de serviços de seguro, conforme preceituado no n.º 28 do artigo 9.º do CIVA”.

 

3.13.      Para a Requerida, a Requerente “ao equiparar a venda de planos de saúde oral a serviços conexos, isenta nos termos do n.º 2, do artigo 9.º do CIVA (…) alega, que o facto da prestação desses mesmos serviços contratados ao SP pelos seus clientes e, na realidade, pacientes, não ser pelo SP prestados diretamente, é apenas acessória e enquadra-se na previsão do n.º 2 do artigo 9.º do CIVA quando se refere a serviços conexos”.

 

3.14.      Ora, segundo a Requerida, estipula o n.º 2 do artigo 9.º do CIVA que estão isentas de imposto que “as prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”, estando assim abrangidas por esta isenção os serviços de assistência médica e sanitária e ainda as operações conexas prestadas em meio hospitalar, concluindo que “(…) atendendo à natureza, quer do sujeito passivo (que não reveste a natureza de nenhum dos estabelecimentos acima referidos), quer das operações por si efetuadas (comercialização dos planos de saúde oral, através da gestão da plataforma digital B...), não poderão estas operações serem consideradas estreitamente conexas com a prestação dos cuidados médicos, estes sim, praticados pelas entidades suas parceiras”.

 

3.15.      Adicionalmente, a Requerente salienta que “(…) a limitação da extensão do conceito de serviços conexos vertida na alínea a) do artigo 134.º da Diretiva do CIVA, que exclui do beneficio da isenção as prestações de serviços que não sejam indispensáveis à realização das operações isentas”, referindo ainda que “este conceito de indispensabilidade não está associado/ligado às operações em causa realizadas pela Requerente e as prestações de serviços médicos realizados pelas entidades suas parceiras”.

 

3.16.      Assim, segundo a Requerida, “torna-se evidente que os serviços prestados pela Requerente não cumprem o requisito para poder beneficiar desta isenção, pois não são prestados no exercício daquelas profissões”.

 

3.17.      Por outro lado, entende a Requerida, “no que concerne à imputação de responsabilidades internas, pelo enquadramento fiscal das operações em análise seguido pela Requerente, ao Contabilista, a AT não [se] pode ingerir no âmbito das suas relações jurídico privadas” mas defende que “(…) a Requerente, ou o seu contabilista poderia ter procurado obter, junto da AT, esclarecimento do seu enquadramento em sede de IVA (…)”.

 

3.18.      Refere ainda a Requerida que “no que respeita ao timing do procedimento inspetivo realizado pelos Serviços Inspetivos, a mesma surge na sequência do pedido de reembolso efetuado pela Requerente na Declaração Periódica (DP) relativa ao período 1812T, submetida em 15/02/2019, tal como esta definido no Motivo pela qual se realizou a inspecção (…)”.

 

3.19.      Por último, e no que diz respeito à prova testemunhal apresentada pela Requerente, entende a Requerida que dado que “(…) nos presentes autos (…) as questões a dirimir são no essencial questões de direito (…)” não se vislumbra “(…) a necessidade da produção de prova testemunhal, pelo que deverá a mesma ser dispensada”.

 

3.20.      Conclui a Requerida a Resposta, peticionando que seja “(…) julgado improcedente por não provado [o] presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se (…) a Requerida do pedido”.

 

4.            SANEADOR

 

4.1.        O Tribunal é materialmente competente para apreciação do pedido arbitral e encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

4.2.        O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo porque apresentado no prazo previsto na alínea a), do nº 1, do artigo 10º do RJAT.

 

4.3.        As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, estando devidamente representadas.

 

4.4.        Não foram suscitadas excepções de que cumpra conhecer nem se verificam nulidades.

 

5.            MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.        Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.        Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

Dos factos provados

 

5.3.        A Requerente é uma sociedade por quotas que iniciou a sua actividade em 02/05/2007, estando inscrita, com efeitos a 02/01/2008, com o Código de Actividade Económica – “CAE Principal (47750) - COM. RET. PROD. COSMÉTICOS E HIGIENE, ESTAB. ESPEC.” (Doc. nº 1).

 

5.4.        De acordo com a Certidão Permanente, a Requerente tem como objecto social “a representação de marcas e comércio, por grosso ou a retalho, de produtos cosméticos de beleza, higiene afins e acessórios, actividades de medicina dentária e odontologia, outras actividades de saúde humana, comércio a retalho de outros produtos novos, em estabelecimentos especializados, outras actividades de consultoria, cientificas, técnicas e similares, outras actividades auxiliares de seguros e fundos de pensões” (Doc. nº 1)

 

5.5.        Para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), a Requerente está enquadrada no regime geral de tributação e em sede de IVA, encontra-se sujeita a imposto no regime normal com periodicidade trimestral desde 02/05/2007 (Doc. nº 1).

 

5.6.        No âmbito da sua actividade, a Requerente compra e vende diversos produtos/artigos necessários ao exercício das actividades de medicina dentária, vulgarmente designados por consumíveis (Doc. nº 1).

 

5.7.        Para além da actividade referida no ponto anterior, a Requerente dedica-se à prestação de serviços de comercialização de planos de saúde oral, através da gestão da plataforma digital B..., tendo esta o objectivo de “facilitar e incentivar o acesso à saúde oral de forma transparente e acessível para todos” (Doc. nº 1).

 

5.8.        Para efeitos da prestação de serviços identificada no ponto anterior, a Requerente (designada para o efeito como B...) celebra com pessoa singular ou colectiva (designada para o efeito como ADERENTE), um “Contrato de Prestação de Serviços” no qual a Requerente (B...) “coloca à disposição do aderente o acesso a um conjunto de serviços de saúde bem como a um conjunto de benefícios proporcionados pelas entidades parceiras da B..., que em qualquer momento se encontrem identificados e vigentes no “Diretório Clínico” disponibilizado ao ADERENTE através dos sites em utilização para B..., nomeadamente o B... com, o qual se considera parte integrante do presente contrato” (Anexo 1 ao Doc. nº 1).

 

5.9.        De acordo com o referido contrato de prestação de serviços, “entre o conjunto de serviços de saúde e benefícios colocados à disposição do ADERENTE, o Plano activo permite o acesso a uma Rede de Medicina Dentária Privada a preços ou descontos convencionados, bem como alguns actos médicos sem custos. As vantagens e descontos vigentes são as que se encontrarem disponíveis a cada momento no site B... podendo variar de prestador para prestador e para o mesmo prestador no decurso do tempo” (Anexo 1 ao Doc. nº 1).

 

5.10.      Está ressalvado no contrato de prestação de serviços identificado nos pontos anteriores que “estes serviços médicos não constituem um seguro de saúde” (Anexo 1 ao Doc. nº 1).

 

5.11.      Ainda de acordo com o mesmo contrato de prestação de serviços é referido que “a B... não assegurará o credenciamento, habilitação técnica e legal de todos os seus colaboradores, parceiros e demais entidade referidos no “Directório Clínico” e que fazem parte da sua Rede de Medicina Privada, incluindo hospitais, médicos, enfermeiros, clínicas e outros, doravante designados por “PRESTADORES DE SERVIÇO”, ficando essa responsabilidade entregue ao prestador de serviços que aderiu à rede credenciada B..., não existindo, assim, qualquer subordinação hierárquica, funcional jurídica ou de qualquer outro teor entre o ADERENTE e os PRESTADORES DE SERVIÇO nos termos previsto no presente contrato, não assumindo responsabilidades por quaisquer danos decorrentes dos mesmos” (Anexo 1 ao Doc. nº 1).

 

5.12.      O Directório Clínico, de acordo com o referido no contrato de prestação de serviços acima identificado “(…) poderá, em qualquer altura, ser objecto de modificação pela B..., no que respeita, designadamente, aos PRESTADORES DE SERVIÇO integrantes da sua Rede de Medicina Privada, à natureza, ao preço e/ou à localização dos serviços e benefícios proporcionados ao abrigo deste contrato. Qualquer modificação ao Directório Clínico será disponibilizada online e poderá ser consultada através dos sites em utilização para a B... (…)” (Anexo 1 ao Doc. nº 1).

 

5.13.      Para efeitos de utilização dos serviços previstos no contrato identificado nos pontos anteriores, “a B... entregará ao ADERENTE um cartão denominado “Cartão B...” em formato físico ou electrónico, cuja apresentação, dentro do respectivo prazo de validade, conjuntamente com outro documento de identificação oficial com fotografia, é imprescindível para o acesso ao benefício ou a utilização de quaisquer desses serviços” (Anexo 1 ao Doc. nº 1).

 

5.14.      O Cartão B... é um “(…) documento pessoal e intransmissível” (Anexo 1 ao Doc. nº 1).

 

5.15.      De acordo com o contrato referido nos pontos anteriores, “O ADERENTE é o único responsável pelo pagamento das importâncias que forem devidas aos PRESTADORES DE SERVIÇO, nos termos previstos no “Directório Clínico”, ficando excluída qualquer comparticipação nesses custos por parte da B...” (Anexo 1 ao Doc. nº 1).

 

5.16.      Ainda de acordo com o referido contrato de prestação de serviços, “pela prestação de serviços previstos, o ADERENTE pagará à B... um valor de acordo com o Plano, Prazo e forma de pagamento identificados na Adesão” sendo que “o pagamento mensal, trimestral e semestral será realizado através de débito directo na canta bancária que o ADERENTE indicar na Proposta de Adesão ou por débito no Cartão de Crédito indicado ou por outros meios de cobrança que a B... use” (Anexo 1 ao Doc. nº 1).

5.17.      “Os valores devidos pelo ADERENTE aos PRESTADORES DE SERVIÇO, nos termos previstos no “Directório Clínico” não se encontram incluídos nos valores devidos ou pagos ao abrigo do presente contrato (…)” (Anexo 1 ao Doc. nº 1).

 

5.18.      De acordo com o referido contrato de prestação de serviços, “o não pagamento por parte do ADERENTE das prestações devidas nos termos da proposta de adesão, nos prazos e condições aí referidos, originará a suspensão imediata de todas as obrigações contratuais aqui assumidas pela B..., continuando, porém, o ADERENTE obrigado ao pagamento da totalidade do valor acordado e dos juros de mora que foram devidos por lei” (Anexo 1 ao Doc. nº 1).

 

5.19.      Para efeitos de assegurar, aos Aderentes do contrato de prestação de serviços acima identificado (ou seja, aos clientes), “(…) o acesso a um conjunto de serviços de saúde bem como a um conjunto de benefícios proporcionados pela entidades parceiras da B... (…) identificados e vigentes no Directório Clínico (…)”, a Requerente (designada para o efeito como B... ou Primeira Outorgante) celebrou com diversas entidades (designados contratualmente como Segundas Outorgantes), um Contrato de Colaboração, nos termos do qual, se acordam, nomeadamente, as seguintes cláusulas(Anexo 2 ao Doc. nº 1):

 

                “A Primeira Outorgante é uma entidade que gere sob a marca “B...” um sistema de gestão e promoção da saúde oral, comercializando, gerindo e administrando Planos de Saúde bem como disponibilizando um vasto leque de produtos e serviços para os seus utilizadores, membros, cliente e parceiros, tendo como principal objectivo facilitar e promover o acesso à saúde oral através do seu sistema web (…).

A Segunda Outorgante é uma entidade, legalmente constituída, registada, devidamente licenciada e habilitada, que exerce a sua actividade de prestação de serviços de medicina dentária, utilizando para tal os seus profissionais e colaboradores devidamente habilitados para tal, de acordo com a legislação do país onde a mesma de situa.

A Segunda Outorgante pretende colaborar com a Primeira Outorgante, integrando a rede credenciada da B..., disponibilizando aos membros e utilizadores registados da B... ou dos seus parceiros (…), os seus serviços em condições especiais e vantajosas face ao atendimento privado, regular e indiferenciado.

(…).

Cláusula Primeira - Objecto

1.            A Segunda Outorgante obriga-se a prestar os seus serviços de medicina dentária aos utilizadores e membros titulares, agregados e dependentes, pertencentes aos planos de saúde operados e administrados pela B..., de acordo com os valores e especialidade identificadas e mantidas na área de acesso privado que a B... disponibiliza à Segunda Outorgante (…).

2.            Os serviços médico dentários relativos ao presente documento incluem os atos clínicos e especialidade identificadas na plataforma web da B... (...) que fazem parte integrante e inseparável do presente contrato e obrigam a Segunda Outorgante à prestação de serviços médicos aí identificados respeitando os valores aí definidos.

3.            Os serviços, atendimentos e/ou intervenções médico dentários descritos serão prestados em regime de ambulatório nos consultórios ou clínicas da Segunda Outorgante identificadas também elas na área de acesso privado da plataforma web (…)”.

(…).

Cláusula Terceira – Atendimento

1.            A prestação de serviços, objeto do presente contrato, é da responsabilidade exclusiva da Segunda outorgante, não podendo esta, delegar ou transferir esta competência para terceiros, sem a prévia autorização escrita e expressa da B... .

2.            A Segunda Outorgante obriga-se ao atendimento dos membros dos planos de saúde geridos e administrados pela B... em condições de equidade com os seus demais cliente e paciente (…), não sendo permitido que os seus colaboradores efetuem distinções de qualquer natureza ou ordem.

(…).

Cláusula Quarta – Local da Prestação dos Serviços

1.            O local da prestação dos serviços prestados pela Segunda Outorgante será o [que] estiver definido e aprovado na área de acesso privado (…), não sendo extensivo para outras moradas ou unidades da Segunda Outorgante, a menos que haja um registo e autorização prévia da B... através do seu sistema web (…).

(…).

Cláusula Sexta – Remuneração pelos Serviços Efetuados

1.            A Segunda Outorgante será remunerada pelos serviços prestados aos membros da B... pelos pagamentos efetuados pelos próprios membros da B..., de acordo com a tabela de atos clínicos definidos e aprovados na área de acesso privado (…), à qual acresce a retribuição por pontos, variável, de acordo com o sistema de pontos vigente e definido pela B... (…).

(…).

d.            O valor atribuído pela conversão dos pontos da Segunda Outorgante permanecerá à sua disposição por um período de 90 dias, para utilização exclusiva no sistema web da B..., através de um desconto a operar sobre as compras efectuadas, pelo Segundo Outorgante, neste sistema com um limite de até 20% do valor de cada compra realizada.

(…).

f.             Não é possível a utilização dos pontos e valores convertidos em qualquer outro sistema que não o pertencente à B..., a menos que B... assim o permita, de forma escrita e explícita através do seu sistema web (…).

(…).

2.            (…).

3.            Compete à B... validar e aprovar os atos realizados aos membros da B... que resultarão em ponto apurados a favor da Segunda Outorgante. (…).

4.            Do exposto anteriormente não resulta nem poderá resultar qualquer expectativa de remuneração para a Segunda Outorgante (…).

5.            (…).

6.            A B... reserva-se no direito de rever e alterar, em qualquer momento e sem necessidade de aviso prévio, o sistema de atribuição de pontos descrito, e que será comunicado à Segunda Outorgante através do seu sistema web (…).

7.            A B... reserva-se o direito de poder terminar em qualquer momento, sem aviso prévio e sem a que tenha de o justificar, o sistema de atribuição de ponto supra descrito ou que esteja em vigor no sistema web da B... (…).

(…).

Cláusula Décima Terceira – Independência

1.            Pelo presente contrato nenhuma das Partes adquire qualquer poder para representar ou agir por conta da outra, continuando ambas a ser agentes económicos independentes e assumindo, em consequência, a responsabilidade exclusiva pelos eventuais danos causados a terceiros, quaisquer que sejam esses danos e qualquer que seja o facto gerador dos mesmos.

2.            No âmbito da execução do presente contrato, o Segundo Outorgante dispõe de total autonomia técnica e jurídica no desempenho da atividade que constitui o seu objecto social.

Cláusula Décima Quarte – Disposições Gerais

1.            São da exclusiva responsabilidade da Segunda Outorgante todas as informações prestadas, obrigações legais relativas à sua empresa e os serviços prestados, bem como relativamente aos profissionais envolvidos na sua realização.

2.            (…).

3.            A B... não se responsabiliza por qualquer reparação ou indemnização decorrente de danos morais, físicos e ou materiais que venham a ser exigidos judicialmente ou não, por algum dos membros da B..., derivados de atos praticados pela Segunda Outorgante ou algum dos seus colaboradores (…), cabendo tal responsabilidade sempre e em exclusivo à Segunda Outorgante.

4.            É da inteira responsabilidade técnica da Segunda Outorgante e do seu corpo clínico qualquer tratamento e/ou intervenção clínica por ela praticada junto dos membros da B..., na prestação dos serviços médico dentários objecto do presente contrato, não sendo a B... responsável por qualquer reparação e/ou indemnização que venha a ser exigida pela ocorrência de quaisquer danos decorrentes dos serviços prestados pela Segunda Outorgante.

                (…).”.

 

5.20.      A Requerente foi objecto de uma acção de inspecção externa ao abrigo da Ordem de Serviço nº OI2019..., emitida em 04/06/2019, tendo os actos inspectivos tido início em 31/07/2019 (Doc. nº 1).

 

5.21.      A referida ordem de serviço é de âmbito parcial, incidente sobre o Imposto sobre o Valor Acrescentado, abrangendo o exercício de 2018 e foi aberta com o código de actividade “105-01 – Controlo de pedidos de Reembolso de IVA – Regime Geral” (Doc. nº 1).

 

5.22.      A Requerente foi notificada, por carta registada, do Ofício nº ... de 29/08/2019 (registo nº RH ... PT), relativo à projecto de correcções do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), bem como para exercer, querendo, do direito de audição no prazo de 15 dias (Doc. nº 1).

 

5.23.      Nos termos daquele projecto de correcções, os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) não concordaram com o enquadramento fiscal, dado pela Requerente, de isenção de IVA, de acordo com o artigo 9º, nº 2 do Código do IVA, nas prestações de serviços de comercialização dos planos de saúde oral, através da gestão da plataforma digital B..., porquanto entenderam os SIT que (Doc. nº 1):

 

5.24.      Em consequência, os SIT, no projecto de RIT propuseram as seguintes correcções em sede de IVA (Doc. nº 1):

 

5.25.      Em consequência, os SIT no RIT entenderam que, “decorrente desta proposta de correcção em sede de IVA, o crédito do imposto nas DP´s deixa de existir e o reembolso solicitado pelo sujeito passivo é inconsequente” (Doc. nº 1).

 

5.26.      A Requerente exerceu o direito de audição em 16/09/2019 (Doc. nº 1), tendo alegado os seguintes argumentos que não foram atendidos pelos SIT, como segue:

 

5.27.      A Requerente foi notificado da versão final do RIT (data ilegível), através de carta registada de 21 de Novembro de 2019 (registo nº RH ... PT), no qual se mantiveram as correcções anteriormente propostas porquanto entenderam os SIT que “(…) o sujeito passivo, no exercício do seu direito de audição, não acrescentou ao processo documentos e/ou outros meios de prova que comprovem/justifiquem as alegações apresentadas e que permitam alterar os valores apurados” (Doc. nº 1).

 

5.28.      A Requerente foi notificada das seguintes notas de liquidação de IVA e juros (Doc. nº 3):

 

PERÍODO             LIQUIDAÇÃO     DATA    MONTANTE       NATUREZA

201803T               2019...   25-11-2019         3.176,26               IVA

                                               179,95   JC

201806T               2019...   25-11-2019         4.666,12               IVA

                                               216,81   JC

201809T               2019...   25-11-2019         3.376,35               IVA

                                               123,21   JC

201812T               2019...   25-11-2019         4.278,75               IVA

                                               113,00   JC

                                               26,12     JM

TOTAL   16.156,57            

 

5.29.      A Requerente apresentou, em 28 de Fevereiro de 2020, pedido de pronúncia arbitral no qual peticiona a anulação das liquidações identificadas no ponto anterior.

 

5.30.      A Requerente indicou como valor da causa o montante de EUR 16.043,57 mas, através das cópias das notas de demonstração de liquidação de imposto e juros juntas ao processo pela Requerente, constata-se que os valores das liquidações impugnadas (imposto e juros), identificadas no ponto 5.28., supra, ascendem a um total de EUR 16.156,57.

 

5.31.      Tendo em consideração que a Requerente pretende, com a interposição do pedido de pronúncia arbitral, a declaração de anulação das liquidações de imposto e juros identificadas no ponto 5.28., supra, fixa-se o valor do processo, nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 1, do CPC, em EUR 16.156,37.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

5.32.      No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), no teor dos documentos juntos aos autos pelas Partes, incluindo o processo administrativo.

 

Dos factos não provados

 

5.33.      Não se verificaram quaisquer outros factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.            MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.        Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada, de seguida importa determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a(s) questão(ões) a decidir.

 

6.2.        Nos autos, o pedido formulado pela Requerente é no sentido de o Tribunal Arbitral anular as liquidações de IVA e de juros relativas ao ano 2018, identificadas nos autos, porquanto entende que a actividade subjacente às operações sobre as quais as mesmas incidem (segundo alega a Requerente), “(…) é directamente comparável com a das sociedades que vendem seguros de saúde, (…) isentas de tributação em sede de IVA”.

 

6.3.        Assim, defende a Requerente que a referida actividade [segundo alega, de prestação “(…) de serviços de saúde dentária através de uma rede de clínicas dentárias com a marca B...”], deve ser enquadrada como se tratando de operações estreitamente conexas com a prestação dos cuidados de saúde ao paciente e, desse modo, enquadrada como uma actividade isenta de IVA, “(…) conforme à melhor interpretação de Direito e atendendo ao princípio da igualdade face ao regime aplicável aos Seguros de Saúde (…)”.

 

6.4.        Por outro lado, defende ainda a Requerente que “(…) as isenções previstas nos números 1 e 2 do artigo 9.º do CIVA, correspondentes às alíneas c) e b) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva do IVA, respectivamente, reportam-se a prestações que tenham por objectivo diagnosticar, ainda que a título meramente preventivo, bem como tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde”, sendo que “tal ponto de vista, já foi expendido pelo TJUE em inúmeras decisões, a propósito das disposições da UE que lhes servem de base”.

 

6.5.        Nesta matéria, alega a Requerente que “o artigo 132.º n.º 1, alínea b) da Directiva IVA, isenta os serviços médicos e sanitários efectuados por estabelecimentos hospitalares, clínicas dispensários e similares” sendo que “esta isenção estende-se às operações estreitamente conexas com a hospitalização e a assistência médica, entendendo-se como tal as transmissões de bens ou prestação de serviços acessórios que se inscrevam logicamente no quadro do fornecimento dos serviços de hospitalização e de assistência médica, desde que constituam uma etapa indispensável no processo de prestação dos serviços isentos, para atingir as finalidades terapêuticas prosseguidas”.

 

6.6.        Assim, alega a Requerente que “neste sentido vai o nosso entendimento quanto à prestação dos serviços de forma indirecta, tendo em conta o espírito da lei, considerando estas como sendo operações estreitamente conexas com a prestação dos cuidados de saúde ao paciente e, por essa forma, isentas de Iva, nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artigo 9.º do CIVA (…)”, “pelo que as liquidações de Iva, respeitantes aos trimestres 1803T, 1806T, 1809T e 1812T, bem como as liquidações de juros compensatórios (…) deverão ser anuladas por não devidas (…)”.

 

6.7.        Adicionalmente, neste âmbito, peticiona ainda a Requerente que se proceda ao reenvio prejudicial para o TJUE “(…) face à necessidade de clarificar e definir a jurisprudência aplicável ao caso concreto (…)”.

 

6.8.        Por seu lado, a Requerida, não concorda com o enquadramento dado pela Requerente relativo à actividade subjacente às liquidações de IVA objecto do pedido porquanto entende que a referida actividade, contrariamente ao entendido pela Requerida, “(…) não consubstancia a prática de quaisquer cuidados médicos, sendo estes praticados pelas entidades parceiras (…)”, sendo que “a sua atividade resume-se à comercialização dos referidos planos de saúde oral, através da gestão da plataforma digital B...”.

 

6.9.        Assim, segundo a Requerida, “poderá (…) considerar-se que a Requerente é uma angariadora de potenciais clientes para as referidas entidades parceiras, sendo estas que efetivamente prestam os serviços de medicina dentária” pelo que “(…) os montantes pagos pelos aderentes do plano B... à Requerente não resultam de uma contraprestação direta da administração de cuidados médicos, funcionando antes, como uma garantia da disponibilização de um conjunto de serviços de medicina dentária por si devidamente selecionados, em condições vantajosas”.

 

6.10.      Nestes termos, conclui a Requerida que, “considerando a natureza dos serviços prestados, os montantes em causa encontram-se afastados do campo de aplicação da isenção do imposto, prevista no artigo 9.º do CIVA” pelo que “estas operações deverão (…) ser consideradas operações sujeitas a IVA e dele não isentas, tributadas à taxa normal (…)”.

 

6.11.      Adicionalmente, entende ainda a Requerida que não assiste razão à Requerente “ao equiparar a venda de planos de saúde oral aos planos de saúde vendidos por seguradoras (…)” porquanto “(…) pela sua natureza, os planos de saúde vendidos pelo sujeito passivo não poderão ser considerados seguros de saúde (…)”.

 

6.12.      Nestes termos, nos autos a questão a decidir será a de saber se a actividade desenvolvida, pela Requerente, de prestação de serviços de colocação à disposição, dos Aderentes (Clientes), do acesso a um conjunto de serviços de saúde bem como a um conjunto de benefícios proporcionados pelas entidades parceiras da B... (e identificados no “Diretório Clínico”) através dos sites em utilização, nomeadamente o B...com (planos de saúde oral), tendo o objectivo de “facilitar e incentivar o acesso à saúde oral de forma transparente e acessível para todos”, e mediante o pagamento à Requerente de um valor a fixar de acordo com o definido no Plano de Adesão (incluindo prazo e forma de pagamento):

 

6.12.1.  É ou não enquadrável como “(…) sendo uma operação estritamente conexa com a prestação de cuidados de saúde ao paciente (…)” e, desse modo, isenta de IVA nos termos do disposto nos nº 1 e 2 do artigo 9º do Código do IVA, como defende a Requerente ou;

6.12.2.  Se, pelo contrário, tais prestações de serviços são enquadráveis, como defende a Requerida, como uma actividade comercial de angariação de planos de saúde oral (efectuada através da gestão da plataforma digital B...) e, nessa medida, não poderão ser “(…) consideradas estritamente conexas com a prestação de cuidados médicos (…)”nem poderão ser consideradas como prestadas no exercício “(…) das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”, devendo por isso ser enquadradas como prestações de serviços sujeitas a IVA, à taxa normal.

 

6.13.      Assim, de modo a dar resposta à questão enunciada no ponto anterior, é necessário analisar, preliminarmente, as disposições legais relativas à isenções de IVA de que beneficiam as prestações de serviços de saúde, consignadas no direito comunitário e nas normas que o transpõem para o direito interno (Código do IVA), de modo a enquadrar esta actividade desenvolvida pela Requerente, em sede daquele imposto e, desse modo, decidir se a mesma é ou não susceptível de ficar abrangida por uma das isenções de imposto previstas no artigo 9º do Código do IVA (nº 1 ou nº 2).

 

Breve resenha histórica

 

6.14.      Neste âmbito, refira-se que, à data da adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias, as isenções em matéria de IVA, que ao caso aproveitam, encontravam-se previstas nas alíneas b) e c) do artigo 13º, Parte A (Isenções em benefício de certas actividades de interesse geral), da Diretiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/05/1977 (Sexta Diretiva IVA), nos seguintes termos:

 

“1. Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

(...)

b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente conexas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;

c) As prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício das actividades médicas e paramédicas, tal como são definidas pelo Estado-membro em causa;

(…)” (sublinhado nosso).

 

6.15.      Ora, do normativo referido no ponto anterior decorre, teleologicamente, que o seu objectivo era isentar de imposto as actividades de assistência médica em que estivesse em causa a prestação de serviços de assistência e esta fosse fornecida por uma pessoa que possuísse as qualificações profissionais exigidas para o exercício de uma actividade médica ou paramédica.

 

6.16.      No entanto, a Sexta Directiva veio a ser revogada e substituída, a partir de 1 de Janeiro de 2007, pela Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28/11/2006 (Directiva IVA), tendo esta vindo reformular, numa base consolidada e com adaptações de forma, as Directivas anteriores, nomeadamente no que diz respeito à legislação comunitária existente em matéria de IVA relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros.

 

6.17.      As referidas normas, sem alteração de conteúdo, ficaram em consequência da revogação da Sexta Directiva a constar dos artigos 131º e 132º, nº 1, alíneas b) e c) da Directiva IVA, os quais estabelecem, em matéria de isenções, respectivamente, que “as isenções previstas nos Capítulos 2 a 9 aplicam‑se sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos Estados‑Membros a fim de assegurar a aplicação correta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso” (artigo 131º) e que “os Estados‑Membros isentam as seguintes operações:

(...)

b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;

c) As prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado‑Membro em causa;

(...)” (artigo 132º nº 1) (sublinhado nosso).

 

6.18.      Ora, o disposto nos referidos normativos foi transposto para o direito interno nacional pelos nºs 1 e 2 do artigo 9º (Isenções nas operações internas) do Código do IVA, nos termos do qual, à data a que se reportam as liquidações (2018) previam, respectivamente, que “estão isentas do imposto: 1 - As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas; 2 - As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”.

 

6.19.      Assim, e de uma forma simplista, de acordo com o normativo nacional, estão isentas de IVA as (i) prestações de serviço efectuadas no exercício das profissões elencadas no nº 1 do artigo 9 do Código do IVA, bem como (ii) as prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares.

 

6.20.      Mas como interpretar o alcance das referidas isenções?

 

6.21.      Neste âmbito, como se escreve no Acórdão Arbitral nº 642/2018-T, de 26 de Novembro de 2019, “as isenções (…) contempladas no CIVA e na Directiva IVA constituem isenções com finalidade social — “isenções em benefício de actividades de interesse geral” (…) — cujo propósito está em prevenir o encarecimento e garantir o acesso universal a serviços que se reconhecem indispensáveis à sobrevivência da população. Esta preocupação social compreende-se com facilidade e explica que, com pequena alteração de redacção, uma e outra norma tenham integrado o sistema europeu do IVA desde o momento em que primeiro se codificaram as suas isenções. O art. 13º da Sexta Directiva (…) compreendia normas não muito diferentes das que hoje figuram no art. 132º da Directiva IVA.

O TJUE tem sublinhado que a sua redacção é, em substância, idêntica, e que por isso “devem ser interpretados do mesmo modo” e “a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à primeira dessas disposições serve de fundamento para interpretar a segunda” (…).

Enquanto excepção à incidência e tendencial universalidade do IVA, estas normas de isenção exigem particulares cautelas de interpretação.

O TJUE firmou desde há muito tempo um princípio de interpretação estrita destas normas “dado que constituem derrogações ao princípio geral de acordo com o qual o imposto sobre o volume de negócios é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efectuada a título oneroso por um sujeito passivo” (...).

Ainda assim, o TJUE (…) tem lembrado que esta interpretação estrita não se confunde com uma interpretação restritiva e que as regras de isenção constantes da Directiva IVA não devem ser interpretadas de maneira “a privá-las dos seus efeitos” (…).

                Com o passar do tempo, a doutrina da interpretação estrita foi-se matizando na jurisprudência do TJUE e tornou-se claro que, para o tribunal, o elemento literal representa apenas um ponto de partida na interpretação das regras de isenção da Directiva IVA.

O sentido que fixemos a estas normas de isenção não poderá ir além do que permite a letra da lei mas, respeitado que seja esse limite, importa olhar a outros elementos ainda, desde logo à finalidade que as normas prosseguem e ao princípio da neutralidade — acórdão TJUE, De Fruytier, C-334/14, 2.07.2015.

É com a finalidade das normas em mente que o TJUE vem firmar que apenas estão abrangidas pelas alíneas b) e c) do n. º1 do art. 132º da Directiva IVA as prestações de serviços que possuam fins terapêuticos, nisso estando o que estas disposições têm em comum de mais importante. 

No entendimento do TJUE, o conceito de “assistência médica”, que figura no artigo 132.°, n.°1, alínea b), da Directiva IVA, e o de “prestações de serviços de assistência”, que figura no artigo 132.°, n.°1, alínea c), dessa Directiva, “visam ambos prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde” — acórdão Future Health Technologies, C‑86/09, 10.06.2010, n.ºs 37 e 38.

De onde resulta que a finalidade das prestações de serviços levadas a cabo por profissionais médicos e estabelecimentos hospitalares é pertinente para apreciar se essas prestações estão ou não isentas de imposto.

Aos olhos do TJUE, portanto, a “assistência médica” assegurada por hospitais e os “serviços de assistência” assegurados por profissionais médicos, subordinados em comum a uma finalidade terapêutica, não se mostram substancialmente distintos.

Com as alíneas b) e c) do artigo 132. °, n.°1, da Directiva IVA, o legislador europeu pretenderá simplesmente assegurar-se de que está abrangida “a totalidade das isenções das prestações médicas em sentido estrito”, qualquer que seja o âmbito em que essas prestações médicas sejam realizadas.

O artigo 132.°, n.°1, alínea b), da Directiva — correspondente ao art. 9º, nº 2, do CIVA português — visará assim as prestações efectuadas em meio hospitalar, ao passo que o artigo 132.°, n.°1, alínea c) da Directiva — correspondente ao art. 9º, n.º 1 do CIVA português — visará as prestações médicas fornecidas fora desse âmbito, tanto no domicílio privado do prestador como no domicílio do paciente ou em qualquer outro lugar (…)” (sublinhado nosso).

 

A isenção dos profissionais médicos – requisito objectivo e subjectivo

 

6.22.      Neste âmbito, o Acórdão Arbitral identificado no ponto anterior, refere-se que “o art. 132.º, n. º1, alínea c), da Directiva IVA, estabelece uma isenção para “as prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa”.

Em correspondência, o art. 9º, n. º1, do Código do IVA dispõe que estão isentas “as prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”.

A leitura destas normas deixa ver que a isenção assenta em dois requisitos: um requisito objectivo, que se prende com a natureza do serviço prestado; e um requisito subjectivo, que se prende com a qualidade do respectivo prestador.

Resulta, com efeito, da leitura do artigo 132.°, n.°1, alínea c), da Directiva IVA que “uma prestação deve estar isenta se preencher dois requisitos, a saber, por um lado, constituir uma prestação de serviços de assistência na saúde e, por outro, esta prestação deve ser efectuada no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa” (…).

(…) Requisito objectivo: natureza do serviço

O requisito objectivo da isenção prevista no art. 132.º, n. º1, alínea c), da Directiva IVA, está em consistirem as prestações em causa “serviços de assistência”.

Vimos já que os serviços de assistência a que se refere o art. 132.º, n.º1, da Directiva IVA, nas suas alíneas b) e c), abrangem a generalidade das prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde. Aos olhos do TJUE, portanto, só qualificam para efeitos destas normas as prestações que possuam em si mesmas uma finalidade terapêutica, excluindo-se as intervenções médicas que sejam ditadas por preocupações de outra natureza.

A propósito do art. 132.º, n.º1, alíneas b) e c), da Directiva IVA, o TJUE tem notado que “daí não decorre necessariamente que a finalidade terapêutica de uma prestação deva ser compreendida numa acepção particularmente restrita” e que se deve considerar abrangida por estas isenções a generalidade das “prestações médicas efectuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas” (…).

Poderão assim estar em causa, portanto, intervenções médicas preventivas ou curativas, com contornos mais e menos complexos, mas essas prestações devem sempre possuir, em si mesmas, uma finalidade terapêutica inequívoca.

A verificação do requisito objectivo comum a estas duas isenções exige, por isso, uma análise cuidada por parte dos tribunais.

O TJUE tem-no feito em casos variados em que é chamado a concretizar a noção de “serviços de assistência” assegurados por profissionais médicos — ou de “assistência médica” assegurada por hospitais — decidindo o que pode ou não pode ser dito uma prestação de saúde com fins terapêuticos. (…).

(…).

A este propósito, importa ter presente que, tal como lembra o TJUE, “contrariamente ao teor do artigo 13.º, A, n.º1, alínea b), da Sexta Directiva, o teor da alínea c) desta disposição não contém nenhuma referência a operações estreitamente ligadas com as prestações de cuidados médicos” e que, por isso, “o conceito de ‘operações estreitamente conexas com prestações de cuidados médicos’ não é pertinente para a interpretação do artigo 13.º, A, n.º1, alínea c), da Sexta Directiva — acórdão TJUE, Klinikum Dortmund, C-366/12, 13.03.2004, n.º32.

(…).

(…) Requisito subjectivo: qualidade do prestador

Com efeito, à aplicação desta isenção não basta o requisito objectivo de estarmos perante uma “prestação de serviços de assistência na saúde”, sendo necessário ainda que essa prestação seja realizada “no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa”, requisito subjectivo resultante do art. 132.º, n. º1, alínea c), da Directiva IVA. Esta segunda exigência é explicitada no art. 9º, n. º1, do Código do IVA, quando aí se dispõe que a isenção vale para as prestações de serviços “efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”.

É sabido que os Estados-Membros “dispõem de poder de apreciação para definir as profissões em cujo exercício as prestações de assistência na saúde estão isentas de IVA e, em particular, para determinar quais as qualificações necessárias para o exercício dessas profissões”; que, ao fazê-lo, os Estados-Membros “devem ter em conta, por um lado, o objectivo prosseguido por essa disposição, que é garantir que a isenção seja aplicada unicamente às prestações de assistência na saúde efectuadas por prestadores com as qualificações profissionais exigidas, e, por outro, o princípio da neutralidade fiscal”; e que “devem, assim, em primeiro lugar, garantir o respeito desse objectivo, assegurando que a isenção prevista nessa disposição é aplicada unicamente a prestações de assistência na saúde que tenham um nível suficiente de qualidade” (…)” (sublinhado nosso).

 

6.23.      Nestes termos, face ao exposto no ponto anterior, entende-se que a isenção prevista no artigo 9°, n°1 do Código do IVA implica que a actividade seja prestada por determinados profissionais, devidamente habilitados para o efeito (requisito subjectivo), sendo entendimento do TJUE [designadamente no Acórdão de 14-09-2000 (processo C-384/98)], que se consideram como prestações de serviços médicos as que consistam em prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer anomalia de saúde (requisição objectivo).

 

6.24.      Por outro lado, e no que diz respeito às actividades paramédicas (também subsumíveis na isenção consagrada no nº 1 do artigo 9º do Código do IVA), o regime não delimita o respectivo conceito pelo que, para esse efeito, há que recorrer ao disposto no Decreto-Lei nº 261/93 de 24/07, diploma regulador do exercício das actividades profissionais de saúde designadas por paramédicas.

 

6.25.      Ora, de acordo com o previsto no diploma referido no ponto anterior, o mesmo regula “(…) o exercício das actividades profissionais de saúde, adiante designadas por actividades paramédicas, que compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação” (nº 1 do artigo 1), sendo que “não são abrangidas pelo (…) diploma as actividades exercidas, no âmbito de competências próprias, por profissionais com inscrição obrigatória em associação de natureza pública e ainda por odontologistas, enfermeiros e parteiras” (nº 2 do artigo 1) e concluindo, nos termos do nº 3 do mesmo artigo que “as actividades paramédicas a que se refere o n.º 1 são as constantes da lista anexa ao presente diploma, do qual faz parte integrante”.

 

6.26.      No que diz respeito às condições de exercício profissional, dispõe o artigo 2º, nº 1 do diploma supra referido que “sem prejuízo de regulamentação específica de profissões abrangidas pelo artigo anterior, o exercício de actividades paramédicas depende da verificação das seguintes condições:

                a) Titularidade de curso ministrado em estabelecimento de ensino oficial ou do ensino particular ou cooperativo desde que reconhecido nos termos legais;

b) Titularidade de diploma ou certificado reconhecido como equivalente aos referidos na alínea anterior por despacho conjunto dos Ministros da Educação e da Saúde;

c) Titularidade de carteira profissional, ou título equivalente, emitido ou validado por entidade pública.

(…)”.

 

6.27.      Assim, face ao normativo acima apresentado, questiona-se se pode o mesmo abranger a actividade desenvolvida pela Requerente mas, desde já se adianta que entende este Tribunal Arbitral que não, atentos os argumentos que a seguir se apresentam.

 

6.28.      Desde logo, e como acima já referido, o disposto no nº1 do artigo 9º do Código do IVA tem por base a alínea c) do nº1 da parte A do artigo 13º da Sexta Directiva a respeito da qual, o Acórdão de 27 de Abril de 2006, proferido pelo TJUE (então TJCE) nos processos C-443/03 (caso H. A. Solleveld/ Staatssecretaris van Financiën) e C-444/04 (caso J. E. van den Hout-van Eijnsbergen/ Staatssecretaris van Financiën) afirmou que “(…) no que respeita (…) ao objectivo prosseguido pelo artigo 13.º, A, n.º 1, alínea c), da Sexta Directiva, há que assinalar que o requisito previsto por esta disposição, segundo o qual as prestações de serviços de assistência devem ser efectuadas no âmbito do exercício das actividades paramédicas, tal com são definidas pelo Estado-Membro em causa, visa garantir que a isenção se aplica apenas às prestações de serviços de assistência efectuadas por prestadores com as qualificações profissionais exigidas (acórdão Kügler) (…). Por conseguinte, nem todas as prestações de serviços de assistência beneficiam de tal isenção, pois esta abrange unicamente as prestações que apresentam um nível de qualidade suficiente tendo em conta a formação profissional dos prestadores” (sublinhado nosso).

 

6.29.      Ora, do exposto resulta que a actividade desenvolvida pela Requerente de prestação de serviços de comercialização de planos de saúde oral, através da colocação à disposição dos seus cliente (aderentes) do acesso a um conjunto de serviços de saúde bem como a um conjunto de benefícios proporcionados pelas entidades parceiras da Requerente (que para este efeito é identificada como B...), não pode ser enquadrada como um actividade médica nem como uma actividade paramédica, nos termos do definido pela legislação nacional, para efeitos da isenção do IVA, porquanto a actividade desenvolvida não consiste na realização de uma actividade daquela natureza, seja médica ou paramédica (porquanto só proporciona o acesso a uma actividade que é desenvolvida por outros profissionais) e, por isso, aquela actividade de acesso a um conjunto de cuidados de saúde prestada pela Requerente também não é, em si mesma, prestada por profissionais com as qualificações exigidas, porquanto a Requerente não tem essas qualificações, não cumprindo assim com os requisitos objectivos e subjectivos previstos para a aplicação da isenção de IVA prevista no artigo 9, nº 1 do Código do IVA

 

A isenção para as prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares - requisito objectivo e subjectivo

 

6.30.      Adicionalmente, refira-se que também a actividade, em análise, desenvolvida pela Requerente, não é subsumível na isenção prevista no nº 2 do artigo 9º do Código do IVA (“isenção para as prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”) porquanto esta disposição, na esteira do disposto no artigo 132º, nº 1, alínea b) da Directiva IVA (“isenção para a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos”) assenta a sua aplicabilidade também em dois requisitos: um requisito objectivo, que se prende com a natureza do serviço prestado e um requisito subjectivo, que se prende com a qualidade do respectivo prestador.

 

6.31.      Uma vez mais, em conformidade com o defendido no Acórdão arbitral nº 642/2018-T, acima já citado, refira-se que “resulta, com efeito, da leitura do art. 132.°, n.°1, alínea b), da Directiva IVA, que estas prestações devem estar isentas se preencherem dois requisitos: por um lado, constituírem prestações de serviços de hospitalização ou assistência médica ou operações com elas estreitamente relacionadas; por outro lado, essas prestações serem “asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos”.

Esta dupla exigência é evidente também no art. 9º, nº2, do Código do IVA, que se refere a “prestações de serviços médicos e sanitários e operações estreitamente conexas” na condição, porém, de serem “efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”.

(…) Requisito objectivo: natureza do serviço

As prestações de serviços abrangidas pela isenção do art. 9º, nº2, do Código do IVA, têm muito em comum e também algo de diferente face àquelas a que se refere o seu art. 9º, nº1.

Em comum, uma e outra norma, têm o seu conteúdo essencial. Na concretização que o TJUE tem vindo a dar a estas isenções, o conceito de “assistência médica”, que figura no artigo 132.°, n.°1, alínea b), da Directiva IVA, e o de “prestações de serviços de assistência”, que figura no artigo 132.°, n.°1, alínea c), da mesma Directiva, “visam ambos prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde”.

Quer isto dizer que as prestações de serviços médicos e sanitários a que se refere o art.º 9, nº 2, do Código do IVA, não devem ser concebidas em termos distintos das prestações de serviços realizadas no exercício de profissões médicas e paramédicas a que se dirige o seu art. 9º, nº1, sendo exigível a umas e outras a mesma finalidade terapêutica em que tem insistido o TJUE.

De diferente, o nº 2 do art. 9º, do Código do IVA, tem a referência às “operações estreitamente conexas” com os serviços médicos e sanitários, omissa no nº 1 do mesmo artigo.

Com esta referência, o âmbito objectivo da isenção dirigida aos hospitais e estabelecimentos similares alarga-se algo além do que abrange a isenção dirigida aos profissionais médicos, parecendo ficar assim abrangidas prestações às quais só mediatamente se pode atribuir função terapêutica.

Esta diferença de tratamento, assente na Directiva IVA, compreende-se com alguma facilidade.

A isenção do artigo 132. °, n.°1, alínea c), da Directiva, dirige-se aos profissionais médicos, tendo sido pensada para profissionais liberais que exercem a sua actividade em pequena escala, muitas vezes no domicílio privado do prestador ou no domicílio privado do paciente, como o tem sublinhado o TJUE.

Já a isenção do artigo 132. °, n.°1, alínea b), da Directiva, dirige-se a hospitais e estabelecimentos de saúde similares, que exercem a sua actividade em escala maior, com instalações próprias para o efeito, e que realizam prestações com toda outra complexidade.

Esta complexidade explicará que o legislador europeu tenha feito abranger pela isenção do artigo 132. °, n.°1, alínea b), da Directiva, não só as “prestações serviços de hospitalização ou assistência médica” como também as “operações com elas estreitamente relacionadas”.

A noção de “operações estreitamente relacionadas” tem sido explorada pelo TJUE, embora em decisões menos numerosas do que as que respeitam ao conteúdo essencial da isenção.

No acórdão TJUE, Dornier, C-45/01, 6.11.2003, nº33 ss, o TJUE sublinha que esta noção exclui as prestações “que não apresentem alguma conexão” com os cuidados de saúde hospitalares, abrangendo apenas as prestações que daqueles possam dizer-se acessórias, no sentido em que não constituem um fim em si mesmo mas apenas o meio de melhor beneficiar daqueles cuidados (…).

No acórdão TJUE, Ygeia, C-394/04 e C-395/04, 1.12.2005, nº25, o TJUE fixa que “só as prestações de serviços que se inscrevem logicamente no quadro do fornecimento dos serviços de hospitalização e de assistência médica e que constituem uma etapa indispensável no processo de prestação desses serviços para atingir as finalidades terapêuticas prosseguidas por estes são susceptíveis de constituir «operações [...] estreitamente conexas” (…).

Nos acórdãos TJUE, Copy Gene, C-262/08, 10.06.2010, nº52, e Future Health Technologies, C-86/09, 10.06.2010, nº50, o tribunal conclui que a noção de operações “estreitamente conexas” não abrange actividades como a colheita, transporte, análise de sangue do cordão e armazenamento das células estaminais contidas nesse sangue, “quando a assistência médica prestada em meio hospitalar, com a qual estas actividades só eventualmente são conexas, não existe, não está em curso nem está sequer planifica.

                (…).

                (…) Requisito subjectivo: qualidade do prestador

Com efeito, à aplicação desta isenção não basta o requisito objectivo de estarmos perante prestações de “hospitalização e assistência médica” ou operações com elas “estreitamente relacionadas”, sendo necessário que essas prestações sejam realizadas “por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos” (…).

Esta dupla exigência resulta com clareza também do art. 9º, n. º2, do Código do IVA português, quando aí se determina que a isenção vale para as prestações de serviços médicos e sanitários e para operações com elas estreitamente conexas, sempre que sejam “efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”.

À aplicação do art. 9º, nº2, não basta, portanto, que se demonstre a função terapêutica de uma prestação ou a sua conexão estreita com prestações que tenham essa função, havendo que comprovar que o sujeito passivo que as realiza é um “estabelecimento hospitalar” ou “similar”.

A qualidade do sujeito passivo que realiza as prestações de “hospitalização e assistência

médica” ou as prestações que com estas estejam “estreitamente relacionadas” não é uma questão menor no contexto do art. 132.º, n. º1, alínea b), da Directiva IVA. Este é um requisito subjectivo indispensável à aplicação da isenção (…).

A este respeito, importa notar que o art. 132.º, n. º1, alínea b), da Directiva IVA, tal como o art. 9º, nº2, do Código do IVA, não se refere a prestações realizadas em hospitais mas a prestações realizadas por hospitais e estabelecimentos similares. É assim na versão portuguesa, “por organismos de direito público ou (…) por estabelecimentos hospitalares (…) e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos” (…).

É verdade que o TJUE, ao traçar a linha divisória entre as alíneas b) e c) do art. 132º, nº1, da Directiva IVA, nos diz que a primeira visa as prestações efectuadas “em meio hospitalar” e a segunda as que são efectuadas “fora desse âmbito”.

Sem dúvida que é assim: a alínea d) terá sido pensada com os hospitais e estabelecimentos de saúde em mente; a alínea c) terá sido pensada tendo em mente os médicos enquanto profissionais independentes. Com esta referência muito aberta, no entanto, o TJUE mais não pretende do que sinalizar que existe identidade de natureza nas prestações de assistência médica em causa numa e outra disposições e que, com uma e outra alíneas, fica abrangida “a totalidade das isenções das prestações médicas em sentido estrito”, onde quer que se realizem — acórdão TJUE, Kügler, C‑141/00, 10.09.2002, n.°36.

À aplicação da isenção prevista no art. 9º, nº 2, do Código do IVA, não basta, portanto, que as prestações “estreitamente conexas” sejam realizadas “em meio hospitalar” ou “no contexto da saúde” (…) [sendo] imperativo (…) que sejam realizadas “por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”, i.e., que o sujeito passivo que efectua a prestação reúna em si a qualidade que exige o art.º 132º da Directiva IVA e o art. 9º do Código.

                (…).

                Em nenhuma decisão do TJUE de que este tribunal tenha conhecimento se admitiu a aplicação da isenção prevista no art. 132º, nº1, alínea b), da Directiva IVA, a sujeitos passivos que não fossem, eles mesmos, “organismos de direito público”, “estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico” ou “outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos” (…).

                (…).

Atenta a letra da lei e o princípio da interpretação conforme ao Direito Europeu, não se pode, portanto, reconhecer a aplicação da isenção prevista no art.9º, nº2, do Código do IVA, a “operações conexas” levadas a cabo por sujeitos passivos que não possuam, em si mesmos, a qualidade de “estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”.

(…)” (sublinhado nosso).

 

6.32.      Ora, é na esteira do entendimento do TJUE acima apresentado que se pode citar aqui também o teor da Informação Vinculativa em sede de IVA, proferida por despacho do Director-Geral dos Impostos, no âmbito do Processo S301 2004001, de 05-01-2005, nos termos da qual se esclarece o seguinte:

 

“1. A exponente (…) presta serviços no âmbito da gestão de assistência na área da saúde dentária, tendo adoptado um sistema que designou por Sistema Mútuo de Assistência à Saúde Dentária (…) sistema [que] consiste essencialmente em proporcionar aos seus aderentes o acesso rápido a um conjunto de profissionais, mediante uma tabela de preços reduzidos, acordados com os respectivos médicos dentistas, através de vínculos contratuais estabelecidos entre estes e a exponente.

2. A actividade é desenvolvida nos seguintes moldes:

2.1. O médico dentista compromete-se a aplicar aos clientes da exponente a tabela de preços reduzidos (previamente acordada).

2.2. Por seu lado, a exponente presta serviços de apoio administrativo e logístico aos médicos a ela associados, nomeadamente na aquisição de materiais clínicos descartáveis que lhes disponibiliza gratuitamente.

2.3. A exponente cobra aos seus clientes um pagamento anual de uma quantia pré-determinada, quantia esta que, terá como contrapartida a disponibilização dos serviços de medicina dentária em tempo útil e a preços reduzidos.

3. É ainda objectivo da exponente implementar um serviço de vigilância, relativo à saúde dos seus clientes, através da disponibilização de um serviço telefónico de informação e divulgação de assuntos relacionados com a saúde dentária e com a actividade da empresa.

4. Assim, pretende a exponente saber se está correcto o procedimento de não liquidação do imposto sobre o valor acrescentado sobre os montantes pagos pelos seus clientes, nomeadamente quanto ao valor da quantia paga anualmente, bem como no que diz respeito aos honorários pagos aos profissionais de saúde.

5. (…).

6. (…) determina o nº 2 do art. 9º do CIVA que estão isentas de imposto as “prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”.

7. Por sua vez, as prestações de serviços efectuadas pelos profissionais de saúde dentária (médicos dentistas), por se tratar de serviços médicos, estão também isentas de imposto sobre o valor acrescentado, (…) quer sejam prestadas directamente a doentes, quer a empresas, desde que no exercício da sua profissão.

8. (…).

9. Quanto ao montante pago anualmente à exponente pelos aderentes do “Sistema Mútuo de Assistência à Saúde Dentária”, o mesmo não resulta de uma contraprestação directa da administração de cuidados médicos (o aderente pode não utilizar os serviços respectivos), funcionando, antes, como uma garantia da disponibilização de um conjunto de médicos dentistas devidamente selecionados pela exponente, a uma tabela de preços reduzida.

10. Deste modo, esta quantia, paga anualmente, está afastada do campo de aplicação da isenção do imposto, prevista no art. 9º do Código do IVA, devendo, portanto, ser tributada à taxa normal (…).

11. (…).

12. (…)” (sublinhado nosso).

 

6.33.      Ou seja, na situação que foi objecto do pedido de informação vinculativa, se por um lado foi entendido, diga-se, de forma absolutamente pacífica, e de acordo com o normativo legal em vigor, que “as prestações de serviços efectuadas pelos profissionais de saúde dentária (médicos­dentistas), por se tratarem de serviços médicos, estão (…) isentas de imposto sobre o valor acrescentado, por força do estabelecido no nº 1, do artigo 9º, quer sejam prestadas directamente a doentes, quer a empresas, desde que no exercício da sua profissão (…)”, já por outro lado foi entendido que “quanto ao montante pago anualmente à exponente pelos aderentes do Sistema Mútuo de Assistência à Saúde Dentária, o mesmo não resulta de uma contraprestação directa da administração de cuidados médicos (…), funcionando, antes, como uma garantia da disponibilização de um conjunto de médicos dentistas devidamente seleccionados pela exponente, a uma tabela de preços reduzida. Deste modo, esta quantia, paga anualmente, está afastada do campo de aplicação da isenção do imposto, prevista no artº 9º do Código do IVA, devendo, portanto, ser tributada à taxa normal” (sublinhado nosso).

 

6.34.      Assim, face a tudo o que acima foi exposto, entende este Tribunal Arbitral que os serviços prestados pela Requerente, através da B..., de colocação à disposição dos Aderentes (Clientes) de acesso a um conjunto de serviços de saúde bem como a um conjunto de benefícios proporcionados pelas entidades parceiras da B..., através nomeadamente do site B...com, permitindo-lhes o acesso a uma Rede de Medicina Dentária Privada a preços ou descontos convencionados, não assumem natureza que seja subsumível nas isenções de IVA previstas no artigo 9º, nº 1 e 2 do Código do IVA.

 

6.35.      E, refira-se também que não se pode aceitar, como pretende a Requerente, que a actividade desenvolvida “(…) é directamente comparável com a das sociedades que vendem seguros de saúde, também isentas de tributação em sede de IVA” porquanto, por um lado, a actividade dos seguros, legalmente regulamentada, beneficia de uma outra isenção em sede de IVA (artigo 9º, nº 28º do Código do IVA que isenta “as operações de seguro e resseguro, bem como as prestações de serviços conexas efectuadas pelos corretores e intermediários de seguro”) e, por outro lado, de acordo com a cópia do contrato de prestação de serviços disponibilizado aos SIT, no âmbito do procedimento inspectivo, que foi anexado ao processo (Anexo 1 ao Doc. nº 1), é expressamente referido que os serviços de saúde e benefícios colocados à disposição dos Aderentes (Clientes), pela Requerente (designada contratualmente por B...), com a celebração do referido contrato, não constituem um seguro de saúde, ficando assim aqui ultrapassada a questão da equiparação das duas actividades e da necessidade de assegurar a igualdade de tratamento em relação a operadores económicos concorrentes (porque não o são), bem como da alegada violação do princípio da neutralidade.

 

6.36.      Assim, tendo em consideração a matéria dada como provada (com base na documentação anexada aos autos pelas Partes), atento o acima exposto, bem como a conclusão alcançada no ponto 6.34., será negativa a resposta a dar à questão enunciada no ponto 6.12.1., supra, concluindo este Tribunal Arbitral que a actividade desenvolvida pela Requerente de colocação à disposição dos seus Clientes (Aderentes) do acesso a um conjunto de serviços de saúde bem como a um conjunto de benefícios proporcionados pelas entidades parceiras da Requerente (designada para o efeito como B...), não poderá beneficiar de nenhuma das isenções de imposto previstas no artigo 9°, n°1 e nº 2 do Código do IVA, devendo assim incidir imposto, à taxa normal, sobre o montante pago pelos Aderentes à Requerente, como contraprestação dos serviços prestados, tal como definido no Plano de Adesão.

 

6.37.      Por último, a Requerente refere ainda que o enquadramento fiscal que foi dado às operações em análise tive por base o entendimento do seu contabilística certificado mas, no caso, tratando-se de um processo de impugnação judicial que visa apreciar a legalidade de actos de liquidação de IVA e juros emitidos pela Requerida, não serve de fundamento à pretensão anulatória dos referidos actos de liquidação aqui sindicados, a argumentação expendida pela Requerente nos pontos 21. a 24. do seu pedido de pronúncia arbitral, razão também pela qual se indeferiu o pedido de inquirição da prova testemunhal porquanto se tratava de uma acto inútil para a decisão do pedido.

 

6.38.      Com efeito, a questão relativa à eventual responsabilidade do Técnico Oficial de Contas da Requerente e/ou da sociedade de contabilidade, sempre teria de ser alegada em sede própria e não em procedimento arbitral.

 

Da apreciação do pedido de reenvio prejudicial

 

6.39.      A Requerente, no artigo 47º do pedido de pronúncia arbitral, requer “(…) o reenvio prejudicial para o TJUE, face à necessidade de clarificar e definir a jurisprudência aplicável ao caso concreto (…)” não formulando, contudo, qualquer questão prejudicial que pretende ver esclarecida.

 

6.40.      Nesta matéria, de acordo com o disposto no artigo 19º, nº 3 do TJUE, “o Tribunal de Justiça da União Europeia decide, nos termos do disposto nos Tratados: a) Sobre os recursos interpostos por um Estado membro, por uma instituição ou por pessoas singulares ou colectivas; b) A título prejudicial, a pedido dos órgãos jurisdicionais nacionais, sobre a interpretação do direito da União ou sobre a validade dos actos adoptados pelas instituições; c) Nos demais casos previstos pelos Tratados” (sublinhado nosso).

 

6.41.      Já de acordo com o previsto no artigo 267º do TFUE, “o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial: a) Sobre a interpretação dos Tratados; b) Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União”.

 

6.42.      Ora, a primeira questão que aqui se deverá colocar prende-se com a competência para submeter questões prejudiciais ao TJUE, a qual pertence aos órgãos jurisdicionais dos Estados-membros da União Europeia.

 

6.43.      Neste âmbito, dado que a qualidade de órgão jurisdicional não está densificada em qualquer dos Tratados da União, sendo tal conceito interpretado pelo TJUE, os Tribunais Arbitrais, sempre que estes cumpram os requisitos elencados na jurisprudência do TJUE (a origem legal do órgão que lhe submeteu o pedido, a usa permanência, o caráter obrigatório da sua jurisdição, a natureza contraditória do processo, a aplicação, por esse órgão, das regras de Direito e a sua independência), este Tribunal não tem hesitado em qualificá-los como órgãos jurisdicionais para efeitos do disposto no artigo 267º do TFUE acima referido.

 

6.44.      Com efeito, no preâmbulo do diploma legal que institui o RJAT é referido que “nos casos em que o tribunal arbitral seja a última instância de decisão de litígios tributários, a decisão é susceptível de reenvio prejudicial em cumprimento do §3 do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”, sendo hoje esta questão pacífica face à jurisprudência do TJUE, vertida no acórdão “Ascendi”, prolatado em 12/06/2014 (no processo C-377/13), nos termos do qual o TJUE concluiu pela qualificação dos tribunais arbitrais em matéria tributária, constituídos sob a égide do CAAD, como órgãos jurisdicionais de um Estado-membro, para efeitos do previsto no artigo 267º do TFUE.

 

6.45.      Assim, actualmente é inquestionável que os tribunais arbitrais nacionais em matéria tributária são qualificados como órgãos jurisdicionais de um Estado-membro e, por isso, é-lhes admitida a possibilidade de submeterem questões prejudiciais ao TJUE, desde que tal se afigure necessário e adequado á luz dos pressupostos de base para operacionalizar o reenvio prejudicial.

 

6.46.      No que diz respeito à questão prejudicial propriamente dita, entende-se como tal aquela que um órgão jurisdicional nacional de um qualquer Estado Membro considera necessária para a resolução de um litígio pendente perante si e, ou é relativa à interpretação, ou à apreciação de validade, do Direito da União (com excepção da apreciação de validade dos Tratados) sendo que, perante uma questão assim entendida, o órgão jurisdicional nacional pede ao TJUE (intérprete máximo do Direito da União) que se pronuncie, de forma a ficar esclarecido sobre o correcto entendimento, ou se for caso disso validade, das disposições europeias que condicionam a solução do litígio concreto que é chamado a julgar.

 

6.47.      Por outro lado, sempre que uma questão de natureza prejudicial seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie (reenvio facultativo) mas sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal (reenvio obrigatório), excepto se se verificar uma das excepções à obrigatoriedade do reenvio prejudicial fixadas pela Jurisprudência do TJUE.

 

6.48.      Ora, as decisões arbitrais proferidas pelos tribunais arbitrais tributários constituídos sob a égide do CAAD são, em regra, irrecorríveis quanto ao mérito.

 

6.49.      Com efeito, a recorribilidade permitida circunscreve-se aos casos de violação de normas constitucionais (recurso para o Tribunal Constitucional) ou de desrespeito pela jurisprudência do Tribunal Central Administrativo ou do Supremo Tribunal Administrativo (recurso por oposição de acórdãos para o Supremo Tribunal Administrativo).

 

6.50.      Contudo, como já decidido pelo TJUE (acórdão Cilfit, de 06/10/1982, processo C-283/81), a referida obrigatoriedade de reenvio pode ser dispensada quando (i) a questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal, (ii) o Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma, (iii) o Juiz Nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente (teoria do acto claro, cujos exigentes e cumulativos critérios de verificação foram igualmente definidos no referido acórdão).  

 

6.51.      E é a esta luz que há que apreciar a necessidade de reenvio prejudicial no caso em análise.

 

6.52.      Neste âmbito, seguindo de muito perto o teor do Acórdão Arbitral nº 159/2019-T, de 05/11/2019 (de cujo Tribunal Arbitral Colectivo a signatária fez parte), quanto à questão do reenvio, dir-se-á que “como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia (…)” (sublinhado nosso).

 

6.53.      Ora, “a obrigatoriedade ou não de efectuar o reenvio prejudicial não resulta da vontade das Partes nem pode ser decidida de forma genérica, dependendo apenas do juízo que o Tribunal nacional que tem de proferir a decisão fizer sobre a sua necessidade para decidir os litígios, como tem sido repetidamente afirmado pelo TJUE (…)” (sublinhado nosso).

 

6.54.      Sendo o processo arbitral tributário um meio alternativo ao processo de impugnação judicial (nº 2 do artigo 124º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril), recorde-se que “aos Tribunais do contencioso tributário cabe apenas a função de dirimir os litígios emergentes da prática do acto cuja legalidade é contestada, apreciando as questões suscitadas pelas partes cujo conhecimento seja necessário para apreciar essa legalidade, na estrita medida dessa necessidade, como decorre do princípio da limitação dos actos, actualmente enunciado de forma genérica no artigo 130.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT” (sublinhado nosso).

 

6.55.      Assim, entende este Tribunal Arbitral que, no caso concreto, estão preenchidas duas das três elencadas exceções à obrigatoriedade de reenvio prejudicial para o TJUE, acima elencadas no ponto 6.50., supra) porquanto:

 

6.55.1.  Por um lado, não subsistem dúvidas sobre a correta interpretação das normas jurídicas em causa nos autos (porquanto as normas são perfeitamente claras) e, por isso, não está já em causa interpretá-las, mas sim aplicá-las, o que é da competência do Tribunal Arbitral, tendo aqui total cabimento a teoria do acto claro;

6.55.2.  Por outro lado, existe também nesta matéria jurisprudência do TJUE (acima citada) que não deixa dúvidas de interpretação do normativo da UE que esteve na base do normativo nacional aplicável.

 

6.56.      Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que não há fundamento para proceder ao peticionado reenvio prejudicial para o TJUE sendo, por isso, indeferido o pedido apresentado pela Requerente.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.57.      De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

6.58.      Em termos gerais, de acordo com o disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa sendo que, o nº 2 daquele artigo, concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.59.      Ora, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerente.

 

7.            DECISÃO

 

7.1.        Nestes termos, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:

 

7.1.1.     Indeferir o pedido de reenvio prejudicial apresentado pela Requerente;

7.1.2.     Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, porquanto os actos de liquidação de IVA e juros impugnados não padecem de ilegalidade, devendo ser mantidos na ordem jurídica, com as consequências daí decorrentes, absolvendo-se a Requerida do pedido;

7.1.3.     Em consequência, condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 16.156,57.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 1.224,00, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

*****

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 9 de Novembro de 2020

 

O Árbitro,

Sílvia Oliveira