SUMÁRIO
I – A taxa de IRC de 21%, fixada no nº 1 do artigo 87º do Código do IRC, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 192º da Lei nº 82-B/2014, de 21.12 (Lei do OE para 2015) aplica-se aos períodos de tributação em curso em 01.01.2015, cujo facto gerador do imposto se venha a verificar (nº 9 do artigo 8º do CIRC) após 01.01.2015.
II – A conclusão anterior flui da aplicação no tempo do nº 1 do artigo 261º da Lei nº 82-B/2014, de 21.12 (Lei do OE para 2015), conjugado com o primeiro segmento da norma contida no artigo 14º da Lei 2/2014, de 16.01, quando remete, nomeadamente, para o nº 2 do artigo 8º da mesma Lei 2/2014, de 16.01.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
a) Em 21 de Fevereiro de 2020, a Requerente, A..., S.A. NIPC..., com sede social na Rua ..., n.º..., ..., ...-... ..., veio deduzir pedido de pronúncia arbitral (PPA), ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), tendo em vista obter pronúncia sobre a legalidade da:
(1) “decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa ... apresentado no dia 26 de julho de 2019, relativamente à liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ... n.º 2016..., emitida em 2 de maio de 2016;
(2) bem como a demonstração de acerto de contas, com a data de compensação de 9 de maio de 2016 ... respeitante ao período de tributação 2014, a qual veio substituir a liquidação de IRC n.º 2015..., emitida em 3 de agosto de 2015”
b) É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por AT ou Requerida;
c) A Requerente termina pedindo ao Tribunal Arbitral Singular (TAS) que julgue pedido de pronúncia arbitral procedente, por provado, determinando-se, em consequência:
i. “A anulação da decisão de indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa do ato tributário; e, por via disso,
ii. A anulação da liquidação de IRC n.º 2016..., emitida em 2 de maio de 2016, relativa ao período de tributação de 2014, em resultado da aplicação ilegal de uma taxa de IRC de 23% e, por via disso, ser reconhecido o direito à Requerente ao reembolso do imposto que deixou de ser reembolsado, no valor de Euro 52.916,60 (cinquenta e dois mil, novecentos e dezasseis euros e sessenta cêntimos), acrescido dos juros indemnizatórios devidos até à data do reembolso integral do montante ilegalmente liquidado, nos termos legais”.
d) O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular (TAS) foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 24-02-2020.
e) Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 31.03.2020, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
f) O TAS encontra-se desde 05 de Agosto de 2020 regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).
g) A fundamentar o pedido a Requerente alega o seguinte:
i. No período de tributação de 2014, encontrava-se sujeita ao regime geral de IRC, tendo adotado um período de tributação não coincidente com o ano civil, com início a 1 de Abril e fim a 31 de Março.
ii. Por referência ao período de tributação de 2014, procedeu à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC e depois uma declaração de substituição, tendo sido emitidas liquidações, à taxa de IRC de 23%.
iii. Inconformada, em 26 de Julho de 2019, apresentou um pedido de revisão oficiosa da liquidação, não tendo a Requerida respondido no prazo legal, pelo que, face à presunção de indeferimento, interpôs o presente PPA;
iv. Considera ocorrer ilegalidade do acto de liquidação impugnado, uma vez que “de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC - na redação dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que procedeu à reforma do Código do IRC -, a taxa do IRC em vigor no ano de 2014, e até 31 de dezembro, era de 23%”, uma vez que “por força do disposto no artigo 14.º da referida Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, as alterações introduzidas ao Código do IRC por via da entrada em vigor deste diploma, aplicaram-se aos períodos de tributação que se iniciassem, ou aos factos tributários que ocorressem, em ou após 1 de janeiro de 2014”.
v. Resultando que “da transposição do que vem dito resulta que, em 1 de abril de 2014, data em que se iniciou o período de tributação de 2014 da Requerente, a taxa de IRC em vigor era de 23%”.
vi. “Contudo, ... no final do ano de 2014, fruto da aprovação do artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (“Lei do Orçamento de Estado para 2015”), a taxa de IRC de 23% prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC, até à data em vigor, foi alterada para 21%”, tendo tal alteração legislativa, por via da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2015, produzido efeitos a partir do dia 1 de janeiro de 2015, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 261.º do respetivo diploma.
vii. Concluindo que “... a partir de 1 de janeiro de 2015, a taxa geral de IRC em vigor passou a ser de 21%”, uma vez que “contrariamente ao contemplado em Leis do Orçamento do Estado de anos anteriores, o certo é que na Lei do Orçamento do Estado para 2015, o legislador não estabeleceu qualquer disposição transitória relativa à alteração da taxa de IRC e à sua aplicação temporal, pelo que a sua clara intenção foi de diminuir a taxa de imposto para os períodos de tributação que terminaram a partir da data da respetiva entrada em vigor”.
viii. Uma vez que “se no caso da alteração produzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2015, em apreço o legislador não estabeleceu qualquer norma transitória, certamente foi porque não o quis fazer, não se podendo retirar outra “conclusão que não seja o facto do legislador ter pretendido a aplicação da nova taxa de IRC de 21% a todos os períodos de tributação iniciados em 1 de janeiro de 2015, após essa data ou até mesmo em curso em 1 de janeiro de 2015”
ix. A própria evolução das alterações legislativas efetuadas ao artigo 87.º do Código do IRC, acaba por espelhar isto mesmo, como se retira da Lei do OE para 2000, para 2002 e para 2004, em que se estabeleceu que as alterações de taxas de IRC se aplicavam nos períodos de tributação cuja início ocorresse no dia 1 de Janeiro de vigência destas leis.
x. Por outro lado, “em sede de IRC, prevê o n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, que o “facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação””;
xi. Pelo que, da transposição “desta norma para o caso sub judice resulta claro que, tendo o período de tributação da Requerente, relativo ao exercício de 2014, terminado apenas no dia 31 de março de 2015 (correspondente ao último dia desse período de tributação), necessariamente terá que se considerar essa data como o momento do facto gerador do imposto” e “nesta medida, tendo o facto tributário gerador do IRC devido, relativamente ao período de tributação de 2014, ocorrido já após a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2015, forçosamente terá que se considerar o mesmo abrangido pelo âmbito de aplicação das normas aí previstas, e logo, pela aplicação de uma taxa de IRC, ao período de tributação de 2014, de 21%.”
xii. Termina a Requerente apurando o imposto a reembolsar, no valor de Euros 52.916,60, correspondente à diferença entre o valor de IRC a reembolsar inicialmente liquidado e o efetivamente devido.
h) Notificada a AT, respondeu em 25.09.2020, juntando o PA e referindo o seguinte:
i. Começa por identificar a questão de fundo a dirimir neste processo, nos seguintes moldes: “a questão principal do presente pedido prende-se com a entrada em vigor da Lei n.º 82B/2014 de 31 de dezembro, a qual estabeleceu para o artigo 87.°, n.º 1 do CIRC uma taxa de IRC de 21% e consequentemente em saber se tal taxa se aplica ou não ao período tributário que, no caso em apreço, se iniciou em 01/04/2014 e teve o seu términus em 31/03/2015”.
ii. Reconhece que “... a obrigação tributária que nasce depois da aprovação e publicação da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro de 2014, isto é, o disposto no n.º 1 do art.º 97.º do CIRC apenas se aplica aos períodos de tributação com inicio em ou após 01 de Janeiro de 2015”, mas que “questão diferente é a do facto gerador do imposto se considerar verificado no último dia do período de tributação, que pode ou não coincidir com o ano civil”, uma vez que
iii. “em direito fiscal o princípio da anualidade assume especial relevância no que respeita aos impostos sobre o rendimento, na medida em que segmenta em termos anuais o respetivo regime, construindo períodos tributários temporalmente delimitados”.
iv. “Assim, em sede de IRC, em conformidade com este princípio, estabeleceu-se que o lucro tributável das empresas será determinado anualmente, correspondendo, em regra, cada período de tributação, ao ano civil. Com efeito, nos termos do artigo 8º nº 1 do CIRC, o IRC é devido por cada período económico, e, sendo um imposto periódico, o facto gerador produz-se de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, tendendo a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar”.
v. “Ou seja, o facto gerador do imposto é complexo e de formação sucessiva ao longo de um ano”. “Deste modo, definida que esteja a incidência objetiva e subjetiva do imposto, o facto gerador não se confunde nem com a determinação da matéria coletável, nem com a taxa aplicável, as quais têm a sua própria autonomia conceptual, concretizando-se em momentos diferentes”.
vi. “O que nos conduz ao caso em concreto, no qual o ano de tributação de 2014 se inicia em 1 de Abril de 2014 e termina a 31 de Março de 2015, devendo a taxa a aplicar ser a definida para o ano de 2014, sob pena de ferir o princípio da igualdade tributária, porquanto teríamos no mesmo exercício a aplicação de taxas diferentes, apenas pelo facto de terem sido definidos períodos de tributação diferentes e não por qualquer fator distintivo de criação de riqueza”.
vii. Concluindo: “... a taxa a aplicar, independentemente de o ano de tributação começar em 01.01.2014 e terminar em 31.12.2014 ou começar em 01.04.2014 e terminar em 31.03.2015 (como sucede no caso em apreço), sempre será a definida para o exercício de 2014, inexistindo qualquer norma de direito transitório criadora de um regime de exceção como pretendido pela Requerente”.
viii. A nível da lei aplicável refere: “para o período de 2014, nos termos do n.º 1 do artº. 87.° do CIRC, na redação dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 janeiro, a taxa de IRC era de 23%”. “Com a Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro de 2014 (OE 2015), o n.º 1 do art. 87. ° do CIRC foi de novo objeto de alterações, passando a taxa geral de IRC em vigor, para o período de tributação de 2015, a ser de 21%”. “Em conformidade com o art.° 261.° do OE 2015, aquela Lei entrou em vigor a 1 de janeiro de 2015, ou seja a lei nova tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período em que entra em vigor, ou seja, in casu, em 2015, aplicando-se aos períodos de tributação que se iniciem após aquela data”.
ix. “Ainda que o n.º 9 do art.º 8 do CIRC disponha que o facto gerador do imposto se considera verificado no último dia do período de tributação, certo é que também não o podemos subsumir a um facto de natureza instantânea”.
x. E conclui “O disposto no n.º 1 do art.° 87. ° do CIRC apenas se aplica aos períodos de tributação com início em ou após 1 janeiro de 2015”.
xi. “Destarte, a taxa de IRC para o período de 2014 é de 23 %, nos termos da redação em vigor para os períodos de tributação que se iniciassem em ou após 1 de janeiro de 2014, dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 janeiro, que implementou a Reforma do IRC”, “... em conformidade com o disposto no art. 14.° daquela lei: “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.°, a presente lei aplica -se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014.”
xii. E termina referindo que “... não decorrendo da LOE de 2015 qualquer norma revogatória deste art. 14, a sua redação encontrava-se em vigor em 31 de março de 2015 e por conseguinte a taxa de IRC para o período de tributação de 2014 era 23%, independentemente de coincidir ou não com o ano civil”.
xiii. “E não se diga que a ausência de norma transitória consubstancia uma revogação daquela disposição. Conclusão a que chegou, aliás, a decisão vertida nos autos de processo n.º 411/2019-T e invocada pela requerente, e que acaba por fazer críticas ao sentido de decisão vertido nos autos de processo n.º 179/2018-T”.
xiv. Acaba, reproduzindo as Decisões CAAD P. 411/2019-T e P. 893/2019-T, que deram acolhimento à posição aqui defendida, propugnando pela improcedência do PPA.
i) A Requerente apresentou alegações escritas em 16.10.2020, sustentando o que já havia referido em sede de PPA.
j) A Requerida apresentou alegações escritas também em 16.10.2020, referindo: “mantém-se a nossa posição vertida em sede de resposta, bem como as críticas que tecemos à jurisprudência que a requerente invoca em abono da sua tese e a qual mereceu análise nos acórdãos vertidos nos processo n.º 411/2019-T e 893/2019-T. Atendendo a que o tribunal no despacho proferido notou que a decisão vertida no proc. 893/2019-T, ainda, não se encontra publicada anexa-se ao presente requerimento a referida decisão anonimizada”.
II – SANEAMENTO
a) As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
b) Tempestividade - o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD em 21 de Fevereiro de 2020. A Requerente impugna imediatamente a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa, apresentada em 26 de Julho de 2019, por a Administração tributária não ter proferido decisão no prazo legal.
c) A AT não alegou a extemporaneidade da apresentação do pedido. Assim, nos termos conjugados dos artigos 102º, nº 1, alínea d), do CPPT e 10º, nº 1, alínea a), do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral configura-se como sendo tempestivo.
d) O processo arbitral não padece de nulidades.
Cumpre apreciar.
III - MÉRITO
III-1- MATÉRIA DE FACTO
Factos considerados provados
Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:
a. A Requerente é um sujeito passivo de IRC, nos termos do disposto no artigo 2.°, n.º 1 alínea a) do CIRC, que iniciou a sua atividade em 29/06/1973, tem como principal atividade a fabricação e montagem de material ótico e fotográfico, e encontra-se inscrita no cadastro da AT com a CAE 26701- FABR.INSTRUMENTOS E EQUIPAMENTOS OPTICOS NÃO OFTALMICOS – conforme artigos 7º e 8º da resposta da AT e artigo 18º do PPA;
b. No período de tributação de 2014, encontrava-se sujeita ao regime geral de IRC, tendo adotado um período de tributação não coincidente com o ano civil, com início a 1 de Abril e fim a 31 de Março – conforme artigos 20º e 21º do PPA e artigo 9º da Resposta;
c. Em 29 de Julho de 2015, por referência ao período de tributação de 2014, a Requerente procedeu à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, com o código de identificação n.º ... - conforme documento n.º 3 e 4 juntos com o PPA e artigos 21º a 23º do PPA;
d. Em 27 de abril de 2016 procedeu à entrega de uma Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC de substituição, relativa ao mesmo período de tributação, identificada sob o n.º..., tenho ido emitida, em 2 de maio de 2016, a liquidação de IRC n.º 2016..., nos termos da qual foi apurada uma matéria coletável no valor de Euro 2.645.830,38 e uma coleta de IRC no montante de Euros 608.540,99, com um montante de IRC a reembolsar de Euros 327 432,90 – conforme artigos 24º e 25º do PPA, documentos nºs 2 e 5 em anexo ao PPA e artigo 10º da resposta;
e. O valor reembolsado à Requerente, de Euros 327 432,90, foi apurado mediante a aplicação da taxa de IRC de 23%, e caso fosse aplicada a taxa de IRC de 21%, esse valor seria de Euros 380 349,50, resultando uma diferença de 52 916,60 Euros - conforme documento nº 6 em anexo ao PPA e artigos 26 e 75º do PPA;
f. Em 26 de Julho de 2019, a Requerente apresentou um Pedido de Revisão Oficiosa da liquidação referida em d), não tendo a AT emitido pronúncia sobre o mesmo - conforme artigos 35º e 36º do PPA e documento nº 1 em anexo ao PPA;
g. Em 21 de Fevereiro de 20120 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral (PPA).
Factos considerados não provados
Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.
Fundamentação da fixação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.
III-2- DO DIREITO
III-2-1 – Quanto ao mérito
A) Apreciação da questão de fundo.
Identificação da questão de fundo a dirimir
Quanto à identificação da questão de fundo a dirimir neste processo, é a própria AT que a indica no artigo 12º da Resposta da seguinte forma: “a questão principal do presente pedido prende-se com a entrada em vigor da Lei n.° 82B/2014 de 31 de dezembro, a qual estabeleceu para o artigo 87.°, n.º 1 do CIRC uma taxa de IRC de 21% e consequentemente em saber se tal taxa se aplica ou não ao período tributário que, no caso em apreço, se iniciou em 01/04/2014 e teve o seu terminus em 31/03/2015”.
O que de certa forma tem correspondência com o que a Requerente expressa no artigo 71º do PPA, quando refere o seguinte:
• “A Lei do Orçamento do Estado para 2015 alterou a taxa de IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC, e veio reduzir a mesma de 23% para 21%;
• A Lei do Orçamento do Estado para 2015 não estabeleceu norma transitória sobre a aplicação temporal da nova taxa de IRC de 21%;
• A Lei do Orçamento do Estado para 2015 entrou em vigor no dia 1/01/2015;
• O período de tributação de 2014 da Requerente, iniciado em 1/04/2014 (findo em 31/03/2015) já se encontrava em curso quando a Lei do Orçamento do Estado para 2015 entrou em vigor;
• Nos termos do n.º 1 do artigo 12.º da LGT, as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor;
• Nos termos do n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, o facto gerador de IRC considera-se verificado no último dia do período de tributação.
• O facto gerador de IRC do período de tributação da Requerente verificou-se no dia 31/03/2015; e
• A taxa de IRC em vigor a 31/03/2015 era de 21%”.
Não há dissonância, quanto à identificação da questão de fundo a decidir.
A jurisprudência do CAAD
Sobre o tema já se pronunciou o CAAD, pelo menos em cinco casos, em que a questão de fundo era a mesma, considerando as decisões que são do conhecimento deste Tribunal.
Em, pelo menos, 3 decisões singulares, foi decidido em favor do ponto de vista da Requerente. Trata-se das decisões constantes dos Processos nºs 179/2018-T; 412/2019-T e mais recentemente o nº 783/2019-T, com 3 árbitros diferentes.
Em, pelo menos, 2 decisões colectivas, foi decidido em favor do ponto de vista da Requerente. Trata-se das decisões constantes do Processo nº 411/2019-T e mais recentemente o nº 893/2019-T, com 6 árbitros diferentes. No entanto, na decisão adoptada no Processo 411/2019-T um árbitro votou vencido com o fundamento de que se devia seguir o sentido da decisão adoptada no Processo nº 179/2019-T.
Ou seja, considerando o número de árbitros do CAAD que já se pronunciaram sobre a questão de fundo, temos que:
• 5 já se pronunciaram em favor do ponto de vista defendido pela AT neste processo e
• 4 já se pronunciaram no sentido da procedência do ponto de vista defendido pela Requerente, com algumas diferenças ao nível da fundamentação.
O que se acaba de referir evidencia que a questão de fundo é muito controversa.
As razões que sustentam o sentido da decisão que aqui se vai adoptar
Este TAS vai aderir à decisão adoptada no Processo nº 783/2019-T, por se configurar ser a mais assertiva, no sentido da sua conformação com o elemento literal das disposições legais aplicáveis.
E não se adere à construção jurídica que serve de fundamento às doutas decisões adoptadas nos processos nº 411/2019-T e nº 893/2019-T, pelas seguintes razões:
1. A interpretação que é feita do artigo 14º da Lei nº 2/2014 de 16 de Janeiro não se configura conforme ao nº 2 do artigo 9º do Código Civil, ou seja, não tem na lei “um mínimo de correspondência verbal”. Vejamos:
A disposição a interpretar tem o seguinte elemento literal: “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014”.
Ou seja, a sua previsão é a aplicação no tempo da Lei 2/2014 de 16 de Janeiro. A sua estatuição é
(1) Sem prejuízo do disposto no artigo 8º da mesma lei;
(2) Aplica-se “aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de Janeiro de 2014”;
OU
(3) Aplica-se “aos factos tributários que ocorram em ou após 1 de janeiro de 2014”.
Em primeiro lugar, constata-se que, quer na decisão nº 411/2019-T, quer na e nº 893/2019-T, não se abordou as consequências resultantes do primeiro segmento da norma “sem prejuízo do disposto no artigo 8º”, o que fará toda a diferença, como mais a baixo se constatará.
A letra da lei configura-se ser clara, bastando uma interpretação declarativa, para se atingir o seu alcance, pelo que não se vislumbra como dela se possam extrair as dúvidas que possam sustentar, depois, o recurso a outros elementos que não a letra da lei, para se concluir o contrário do que se configura resultar, percute-se, de uma mera interpretação declarativa.
Ora, na douta decisão adoptada no Processo nº 411/2019-T (que foi seguida nesta parte pela douta decisão adoptada no Processo nº 893/2019-T) refere-se o seguinte:
“Assim, a referência, no artigo 14º em análise “aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram”, não deverá, sob o ponto de vista lógico, ser visto como um, passe a expressão “pleonasmo” jurídico, devendo antes ser indagada a intencionalidade e o sentido (ou seja a teleologia) de tal expressão.
Sob este ponto de vista, deverá atender-se a que a Lei 2/2014 procede a alterações profundas em sede de IRC e, também, em sede de IRS, imposto estes cuja tributação assenta, por norma, em períodos de tributação, mas que, incidentalmente, podem impor tributação de factos tributários isolados (como seja no caso das tributações autónomas).
Daí que a referência a “períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram” se não deva ter por alternativa, mas como tendo uma relação de subsidiariedade entre si.
Ou seja, interpretado desta forma, o que o art.º 14.º da Lei 2/2014 pretende dizer é que o disposto nesta lei se aplica aos períodos de tributação, quando esta assente naqueles, e aos factos tributários, quando a tributação não tenha por base aqueles” (sublinhado e realce nosso).
Ou seja, o que se afirma será que, onde na lei consta a conjunção disjuntiva “ou” (que indica alternativa ou distinção) deve entender-se algo diverso (uma relação de subsidiariedade) o que se configura não ser possível levar a efeito, face ao nº 2 do artigo 9º do Código Civil.
Este TAS não consegue aderir a esta interpretação, que no fundo visa alterar a redacção da lei, nomeadamente quando a lei expressa alternativa ou distinção e se vê nela uma relação de “subsidiariedade”, parecendo querer significar-se “adição” ou algo similar.
Entendemos que o elemento literal da norma é sempre um elemento muito relevante, por ser delimitador da actividade interpretativa.
Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº 2 do do artigo 9º do CC).
A letra é um elemento irremovível da interpretação, ou um “limite da busca do espírito”.
“Uma interpretação que não se situe já no âmbito do sentido literal possível, já não é interpretação, mas modificação de sentido” (Larenz).
“(...) há-de ser um sentido (uma motivação, um conjunto de objectivos) que caiba razoavelmente no sentido literal da declaração do legislador. Sob pena de, se isto não acontecer, se estar a criar uma nova norma, em vez de interpretar uma norma já existente” (Hespanha).
2. A interpretação que é feita do nº 1 do artigo 261º da Lei nº 82-B/2014 de 31 de Dezembro (Lei do OE para 2015) e do nº 1 do artigo 87º do CIRC na redacção que lhe foi dada pelo artigo 192º da Lei nº 82-B/2014 de 31 de Dezembro também não se configura estar conforme o nº 2 do artigo 9º do Código Civil, ou seja, não parece ter na lei “um mínimo de correspondência verbal”.
Na douta decisão adoptada no Processo nº 411/2019-T não se aborda qual seria então o âmbito de aplicação destas novas normas, referindo-se que “não será possível concluir que o art.º 192.º da Lei n.º 82-B/2014, tenha tido por propósito a revogação daquele art.º 14.º da Lei nº 2/2014 de 16 de Junho, pelo menos na parte em que se referia à aplicação das normas da Lei que o mesmo integra ao período de tributação de 2014, no caso da tributação em IRS e IRC que tenha por base os factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação naqueles impostos que não assente no período de tributação”.
Ou seja, configura-se, implicitamente, que a nova redacção do nº 1 do artigo 87º do CIRC (que fixou a taxa de IRC em 21%) apenas se aplicaria aos “períodos de tributação” que se iniciassem a contar de 01.01.2015, o que do ponto de vista deste TAS não é possível extrair do nº 1 do artigo 261º da Lei do OE para 2015, porque nada na sua letra permite concluir nesse sentido, porque não consta do elemento literal da norma.
Na douta decisão adoptada no Processo nº 893/2019-T afirma-se que “Na verdade, determina-se, no artigo 261.º daquele primeiro diploma legal que “A presente lei entra em vigor no dia 1 de janeiro de 2015.” Ou seja, resulta claro que esta norma visa aplicar-se apenas aos períodos tributários iniciados em 2015 (a um de janeiro ou posteriormente). O que não é manifestamente o caso da situação da Requerente, cujo período tributário se iniciou em 2014.” (sublinhado nosso)
Ora, conforme se extrai de sucessivas alterações das taxas “ad valorem” do IRC que ocorreram anteriormente, em 2000, 2002 e 2004, verifica-se que o legislador teve o cuidado de referir que essa alteração se aplicava a períodos de tributação cujo início ocorresse a partir de 1 de Janeiro de cada ano, pelo que não consegue este TAS aderir a esta interpretação (Processo nº 893/2019-T), posto que não parece ter qualquer correspondência com a letra da lei, que é omissa nesse aspecto, o que deve ter o significado de que, se o legislador omitiu essa expressão, foi porque conscientemente o pretendeu.
Apreciação da questão de fundo
Este TAS vai aderir à decisão adoptada no Processo nº 783/2019-T, na parte seguinte:
“70. Com efeito, a Lei n.º 2/2014, de 16/01, entre outras modificações introduzidas ao Código do IRC, alterou a redação do seu artigo 87.º, n.º 1, ficando do mesmo a constar que “A taxa do IRC é de 23 %, exceto nos casos previstos nos números seguintes.”
71. Sobre a sua aplicação no tempo, dispõe o artigo 14.º da referida Lei que “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014.”
72. Desde logo, parece não oferecer dúvidas que a norma em análise, na sequência, aliás, de legislação anterior sobre a aplicação temporal de taxas de IRC em caso de alteração destas, se aplica aos períodos de tributação iniciados em 01-01-2014, admitindo-se que a referência aos factos tributários que ocorram em ou após essa data se refira às tributações de não residentes sem estabelecimento estável e, atenta a controvérsia que então se havia gerado sobre a aplicação retroativa, às tributações autónomas previstas no artigo 88.º do Código do IRC.
73. Porém, a norma em causa contém um segmento que não pode deixar de ter-se em atenção. Ali se estatui que o que nela se dispõe é “Sem prejuízo do disposto no artigo 8..º.”
74. Referindo-se precisamente à evolução das taxas de IRC, no sentido da sua progressiva redução, diz aquele artigo 8.º
“1 - Tendo em conta os resultados alcançados pela reforma da tributação do rendimento das pessoas coletivas operada pela presente lei e em função da avaliação da evolução da situação económica e financeira do país, a taxa prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC deve ser reduzida nos próximos anos, ponderando, simultaneamente, a reformulação dos regimes do IVA e do IRS, especialmente no que diz respeito à redução das taxas destes impostos.
2 - A redução da taxa de IRC prevista no número anterior para 21 % em 2015, bem como a sua fixação num intervalo entre 17 % e 19 % em 2016, será objeto de análise e ponderação por uma comissão de monitorização da reforma a constituir para o efeito.”
75. A referida Lei considerava já no preceito acima transcrito, uma redução geral da taxa normal de IRC ao longo dos próximos anos e, ainda que dependente de determinadas condições, uma eventual redução de taxa de IRC para 21% em 2015.
76. Sobre a sua aplicação no tempo, o artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, ao prever expressamente que a alteração de taxa aplicável aos exercícios iniciados em 2014 se faz “sem prejuízo” do disposto no artigo 8.º acolherá desde logo a eventualidade de concretização da prevista redução de taxa para os próximos anos e, designadamente, da redução para 21% em 2015.
77. E, com efeito, esta prevista redução da taxa de IRC para 21% veio a efetivar-se através do artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31/12, que alterou a redação daquele artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC.
78. Sendo a lei omissa no tocante à sua aplicação temporal, será, pois, de concluir-se que a nova taxa é aplicável nos termos gerais, isto é, a todos os factos tributários que ocorram em ou após o seu início de vigência, conforme decorre do regime geral da aplicação no tempo da lei tributária, consagrado no artigo 12.º da Lei Geral Tributária.
79. Em consonância com o artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa que estabelece o princípio da proibição da retroatividade em matéria tributária e com o princípio consagrada no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil, prevê o n.º 1 daquele artigo que “As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos.”
80. Porém, tratando-se de impostos periódicos, em que o facto tributário é de formação sucessiva, o n.º 2 daquele artigo consagra um critério de “pro rata temporis” prevendo que “Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.”
81. No domínio da tributação do rendimento das pessoas coletivas está-se perante um tributo de periodicidade anual em não se tributa cada rendimento isoladamente mas o englobamento de todos os rendimentos auferidos no período de tributação, deduzidos dos gastos inerentes, obtendo-se um resultado líquido apurado em conformidade com as normas contabilísticas e sujeito a correções expressamente previstas no respetivo Código. Porém, a regra geral contida na norma do n.º 2 do artigo 12.º da Lei Geral Tributária cede, a nosso ver, perante a disposição constante do artigo 8.º, n.º 9 do Código do IRC.
82. No que concerne à aplicação da lei no tempo e em obediência ao princípio constitucional da proibição de retroatividade da lei fiscal, a citada norma do Código do IRC consagra, pois, uma solução específica prevendo que o facto gerador da obrigação de imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação.
83. Com efeito, considerado o disposto naquele n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, entendemos que a lei nova, salvo disposição legal em sentido diverso, será aplicável aos factos geradores que ocorram a partir do momento em que a mesma entra em vigor.
84. Revertendo ao caso em análise, verifica-se que o facto constitutivo da obrigação tributária ocorreu em 31-03-2015, termo do período anual de tributação por que optou a Requerente.
85. Estando em vigor nesse momento a taxa de 21% constante do artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 87-B/2014, de 31/12, em vigor a partir de 01-01-2015, é esta a taxa aplicável para determinação do montante de imposto relativo ao exercício de 2014.
86. Pelo exposto, o Tribunal declara ferida de ilegalidade a liquidação de IRC efetuada com aplicação da taxa de 23% prevista na Lei n.º 2/2014, determinando a sua anulação parcial com a consequente restituição da importância indevidamente cobrada. No mesmo sentido, é revogada a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da referida liquidação”.
B) - Questões de conhecimento prejudicado
Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em desconformidade da liquidação face à lei, que assegura estável e eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento de outras questões que se entendam terem sido colocadas, de harmonia com o disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
C) - Direito ao reembolso do valor de IRC e direito a juros indemnizatórios
De acordo com a alínea e) dos factos provados “o valor reembolsado à Requerente, de Euros 327 432,90, foi apurado mediante a aplicação da taxa de IRC de 23% e caso fosse aplicada a taxa de IRC de 21%, esse valor seria de Euros 380 349,50, ou seja, uma diferença de mais 52 916,60 Euros”.
A Requerente pede a restituição do imposto que deixou de ser reembolsado.
No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
No caso em apreço, na sequência da ilegalidade da liquidação e da decisão de indeferimento presumido, há lugar a reembolso do valor do imposto que deixou de ser reembolsado.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. (Aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro)
4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas. (Aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
Importa referir que, associada ao atraso em decisão sobre pedido de revisão oficiosa do ato tributário prevê artigo 43.º, n.º 3, alínea c), que são devidos juros indemnizatórios “Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.”
Sobre o âmbito de aplicação deste preceito tem vindo a firmar-se jurisprudência uniforme dos tribunas superiores no sentido de que “Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cfr. art. 78.º, n.º 1, da LGT) e vindo o acto a ser anulado (parcialmente), mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado [cfr. art. 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT].” (Acórdão do STA de 11.12.2019, processo 058/19.9LSB)
Revertendo o que se referiu para o caso concreto deste processo, verifica-se que o pedido de revisão oficiosa foi entregue à AT em 26 de Julho e 2019, pelo que ao abrigo da norma citada, os juros indemnizatórios são devidos a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa da liquidação, isto é, a partir de 26-07-2020, devendo ser contados sobre a importância de 52 916,60 Euros, nos termos do disposto no artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 3, alínea d), e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, contados desde a data de 26-07-2020 e até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
IV. DECISÃO
Termos em que, com os fundamentos expostos, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, pelo que, consequentemente:
a) Julga-se o procedente o pedido de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento presumido do pedido de revisão oficiosa da liquidação aqui impugnada;
b) Julga-se procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2016..., emitida em 2 de Maio de 2016, bem como da demonstração de acerto de contas, com a data de compensação de 9 de Maio de 2016, respeitante ao período de tributação 2014, que se anulam;
c) Determina-se a reforma da liquidação, devendo ser feita com base na taxa “ad valorem” de 21%, com a consequente anulação parcial e restituição da importância reembolsada a menos, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios contados cima referidos.
V – VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 52 916,60, nos termos do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. A) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VI – CUSTAS
Custas de € 2 142,00, a suportar pela Requerida, conforme o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 05 de Novembro de 2020
Tribunal Arbitral Singular,
O Árbitro
Augusto Vieira