DECISÃO ARBITRAL
I - Relatório
1. A..., titular do número de identificação fiscal..., residente na Rua ... n.º ..., ..., Lisboa (doravante designada por “Requerente”) apresentou, em 19-02-2020, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
2. A Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do despacho de indeferimento do pedido de revisão da liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), n.º 2018..., relativo ao ano de 2015, no valor de € 18.022,03 (dezoito mil e vinte e dois euros e três cêntimos).
3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) (adiante designada por “Requerida”).
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, em 26-02-2020.
5. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.
6. A Requerente foi notificada, em 06-07-2020, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
7. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 05-08-2020.
8. A Requerida foi notificada através do despacho arbitral, de 05-08-2020, para os efeitos previstos no artigo 17.º da RJAT.
9. A Requerida, em 16-09-2020, apresentou a Resposta e juntou o Processo Administrativo.
10. O Tribunal Arbitral por despacho, de 17-09-2020, notificou a Requerente para se pronunciar sobre as exceções alegadas pela AT na Resposta.
11. A Requerente, em 24-09-2020, pronunciou-se sobre exceções alegadas pela AT na Resposta.
12. O Tribunal Arbitral por despacho, de 24-09-2020, determinou: (i) relativamente às exceções alegadas pela AT na Resposta e sobre as quais a Requerente já se pronunciou relegar o seu conhecimento para a decisão final; (ii) dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, a simplificação e a informalidade processuais, de acordo com o disposto nos artigos 19.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, tendo em conta que não foi requerida a produção de prova testemunhal nem outras diligências probatórias; (iii) caso as partes pretendam proferir alegações escritas, estas deverão ser produzidas no prazo de 10 dias, com caracter sucessivo, a partir da notificação do presente despacho; (iv) indicar o dia 30 de outubro de 2020 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral; (v) a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente até à data indicada na alínea anterior.
13.As alegações foram apresentadas pela Requerente, em 02-10-2020, e pela Requerida em 09-10-2020.
14. A posição da Requerente, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral e nas alegações, é, em síntese, a seguinte:
14.1. O ato tributário, materializado na liquidação de IRS promovido pela AT, com base na Declaração Oficiosa é ilegal por erro imputável aos serviços. O referido erro deriva da incorreta aplicação da lei no tempo.
14.2. A AT ignorou, aquando da emissão da liquidação do IRS as regras de procedimento e liquidação em vigor, previstas no artigo 76.º do Código do IRS. Efetivamente, a aplicação imediata da lei nova – redação introduzida pelo artigo 129.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Orçamento do Estado para 2016) – deveria ter sido considerada pela AT aquando da realização da liquidação do IRS, em maio de 2018, uma vez que não se colocam em causa garantias, direitos ou interesses anteriormente constituídos.
14.3. Consequentemente, enferma de ilegalidade o indeferimento, pela AT, do pedido de revisão do ato tributário acima referido, por não ter sido considerado o erro imputável aos serviços.
14.4. Ainda que se entendesse não haver erro imputável aos serviços sempre haveria lugar à correção da liquidação do IRS, com base no disposto no n.º 4 do artigo 76.º do Código do IRS, na medida em que foi suprida pela Requerente a falta declarativa, nos termos dos artigos 45.º e 46.º da LGT.
14.5. Neste sentido, impõe-se à AT, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º do Código do IRS, na sequência do suprimento da falta declarativa pelo sujeito passivo, corrigir a liquidação oficiosa que é necessariamente provisória procedendo às correções necessárias à demonstração e comprovação da real situação patrimonial e tributária, nos termos expostos no pedido de revisão do ato tributário.
14.6. Assim, a correção da liquidação efetuada ao abrigo da regra consagrada no n.º 4 do artigo 76.º do Código do IRS não se confunde, nem se limita, com o vertido no artigo 78.º da LGT.
15. A Requerida na Resposta começou por arguir as exceções da caducidade do direito de ação e da impropriedade do meio processual, nos seguintes termos:
15.1. Quanto à caducidade do direito de ação, a AT entende que está em causa um pedido de revisão oficiosa de liquidação de IRS do ano de 2015, o prazo disponível para o apresentar seria, no máximo, o da reclamação graciosa, isto é, 120 dias após o terminus do prazo para pagamento voluntário do imposto legalmente notificado à contribuinte, nos termos do artigo 70.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, só que da análise do pedido da revisão apresentada, verifica-se o prazo de 120 dias para a apresentação da mesma foi largamente ultrapassado, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º LGT e artigo 70.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT. Por isso, o referido pedido de revisão oficiosa foi indeferido, por não se encontrarem reunidos os pressupostos legais para a sua análise.
15.2. Daí decorre ser extemporâneo o pedido arbitral apresentado pela Requerente referente à liquidação em apreço. Ora, não pode nunca a Requerente pretender justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento de um pedido de revisão extemporâneo. Nem pode o tribunal deixar de apreciar a questão da tempestividade do pedido de revisão, para efeitos de apreciação e decisão relativamente à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral.
15.3. A extemporaneidade constitui exceção perentória, nos termos do artigo 576.º do Código de Processo Civil (aplicável subsidiariamente pelo artigo 29.º do RJAT), que importa a absolvição da A.T. quanto ao pedido.
15.4. Quanto à impropriedade do meio processual, a Requerida afirma que, conforme se infere dos autos, constitui objeto do presente pedido de pronúncia arbitral o indeferimento do pedido de revisão respeitante à liquidação de IRS do ano de 2015. Tendo a Requerente sido notificada da decisão que recaiu sobre o pedido de revisão apresentado e, tratando-se de um ato em matéria tributária, já que não foi apreciada a legalidade do ato objeto do pedido, o meio (judicial) próprio de reação ao ato (decisão expressa de indeferimento do pedido de revisão seria sempre a Ação Administrativa e não o presente meio arbitral.
15.5. Nestes termos, face ao fundamento do sobredito ato de indeferimento do pedido de revisão, o presente meio processual deixou de ser o meio próprio, uma vez que este consubstancia um ato administrativo em matéria tributária que não comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação de tributo. Verifica-se, portanto, uma exceção dilatória inominada de incompetência do tribunal arbitral face à impropriedade do meio processual utilizado.
15.6. Sendo o pedido de revisão oficiosa um ato de segundo grau, só quando o ato de segundo grau incorpora a ilegalidade do ato de primeiro grau, fazendo uma apreciação sobre a sua legalidade é que o tribunal arbitral será materialmente competente para conhecer do mesmo. À contrário quando o ato de segundo grau não incorpore a sua ilegalidade (como acontece nos atos em matéria tributária que não comportem a apreciação da legalidade da liquidação, de que o ato de arquivamento é exemplo) o tribunal arbitral não será materialmente competente para conhecer do mesmo. Nesses casos a sindicância jurisdicional do ato de segundo grau só poderá ter lugar através da Ação Administrativa, nos termos do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT e do artigo 37.º do CPTA.
15.7. Por seu turno, o artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, afasta da jurisdição dos tribunais arbitrais a apreciação de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa que não comportem a apreciação da legalidade dos atos.
15.8. Face à impropriedade do meio processual utilizado, invoca-se desde já a exceção dilatória, não sendo o douto tribunal competente para a apreciação da presente ação.
15.9. Conforme se extrai dos autos e do elenco factual, a AT não apreciou a legalidade do ato de liquidação, tendo-se limitado a concluir, no essencial, pelo indeferimento por falta de pressupostos legais do pedido de revisão oficiosa. Resulta assim da fundamentação do ato de indeferimento do pedido de revisão em causa que este se baseou na inadmissibilidade da revisão oficiosa, não comportando a apreciação da legalidade do ato de liquidação.
15.10. Assim, a jurisdição arbitral está afastada, por não estar abrangida pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT a apreciação de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa que não comportam a apreciação da legalidade de atos de liquidação.
15.11. Neste desiderato, e porque o meio processual impróprio constitui uma exceção dilatória, impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos dos artigos 576.º, nºs.1 e 2, e 577.º do Código de Processo Civil, a qual conduz à absolvição da instância nos termos do disposto no artigo 278.º do mesmo diploma legal.
15.12. A Requerida, por último, suscita a questão prévia da não verificação de todos os requisitos e pressupostos do pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação. Efetivamente, a data limite de pagamento do imposto era o dia 20-06-2018 e o pedido de revisão oficiosa da liquidação foi apresentado em 22-04-2019, ou seja, estavam esgotados todos os prazos de reclamação graciosa, de recurso hierárquico e de impugnação judicial. O pedido de revisão oficiosa da liquidação não é o meio adequado para obter a revisão das liquidações, nos termos e prazo em que foi formulado, e muito menos, pode ter a virtualidade de abrir um novo e último prazo para a apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral. Assim, a tempestividade do presente pedido de constituição do Tribunal Arbitral dependeria, sempre, de uma verificação dos requisitos e pressupostos de aplicabilidade do artigo 78.º da LGT, a que o douto Tribunal deve submeter o presente pedido, de modo a afastar a dúvida, legítima, de que o mesmo pedido foi apenas um meio tentado para abrir novo prazo de apresentação para o presente pedido.
15.13. Na sua petição nunca a Requerente se refere à possibilidade de ter havido no ato de liquidação do imposto a prática de qualquer injustiça grave ou notória, o que excluí a possibilidade de a revisão do ato tributário poder escudar-se na situação prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT. Do mesmo modo, não estamos face à aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 78.º da LGT, dado as presentes liquidações não respeitarem a auto liquidações, situações exclusivas a que a norma seria aplicável. Assim, conclui-se que o pedido de revisão oficiosa apenas poderá ter sido apresentado com fundamento no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, ou seja, a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte (1.ª parte da norma) ou por iniciativa da AT (2.ª parte do artigo). Na presente situação, concluímos pela impossibilidade de revisão do ato tributário por iniciativa da Requerente, uma vez que, a Requerente não formulou o pedido no prazo da reclamação graciosa.
15.14. Restaria, assim, saber se o pedido de revisão oficiosa das liquidações a pedido do sujeito passivo poderia, porventura, ser considerado um pedido de revisão do ato tributário, por iniciativa da AT, o que dependeria da verificação dos respetivos requisitos normativos. Neste sentido, a revisão do ato tributário por iniciativa da administração tributária, de acordo com o disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, pode ser praticada no prazo de quatro anos após a liquidação, ou a todo o tempo caso o imposto ainda não tenha sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços. Ora, a Requerente não prova ter havido um ou qualquer erro imputável aos Serviços, sendo a situação que motivou a liquidação devidamente explicitada e fundamentada nas liquidações e na lei.
15.15. Face ao exposto não pode o Tribunal Arbitral considerar tempestivo o presente pedido, por não estarem, manifestamente, reunidos os pressupostos legais exigidos pelo artigo 78.º, n.º 1, da LGT. Sendo evidentes quer o decurso do prazo para a Requerente ter pedido a revisão do ato tributário por sua iniciativa, quer a inexistência de qualquer erro imputável aos Serviços nas liquidações contestadas
16. Na sequência do despacho do Tribunal Arbitral, de 17-09-2020, (vd., 10. supra) a Requerente pronunciou-se sobre a matéria de exceção invocada pela AT na Resposta, nos seguintes termos:
16.1. A Requerente sustentou o pedido de revisão do ato tributário, por um lado, em erro imputável ao serviços (cuja revisão, muito embora seja da iniciativa da administração tributária, pode ser solicitada pelo sujeito passivo) e, bem assim, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 76.º do Código do IRS, conforme resulta dos artigos 9.º a 31.º do pedido de revisão do ato tributário, dos artigos 18.º a 50.º do direito de audição e dos artigos 31.º a 56.º do pedido de pronúncia arbitral.
16.2. Considerando os prazos legalmente estabelecidos para a revisão do ato tributário com fundamento em erro imputável aos serviços e, bem assim, para a correção da liquidação efetuada nos termos do n.º 1 do artigo 76.º do Código do IRS (conforme o n.º 4 do mesmo artigo), dever-se-á considerar o pedido de revisão tempestivo.
16.3. Não pode, pois, a AT alegar a caducidade do direito de ação por entender que o pedido de revisão oficiosa é extemporâneo e afirmar, simultaneamente, que o prazo para a revisão oficiosa com fundamento em erro imputável aos serviços não está – à presente data – ainda esgotado.
16.4. Consequentemente, e tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado antes do decurso do prazo de 90 dias contados após a notificação do despacho de indeferimento do tempestivo pedido de revisão oficiosa, conclui-se, naturalmente, que a exceção invocada pela AT é manifestamente improcedente.
16.5. A AT invoca ainda, a título de exceção, a impropriedade do meio processual, só que conforme devidamente justificado no pedido de pronúncia arbitral, designadamente nos artigos 1.º a 19.º, estão verificados todos os pressupostos legais para a apreciação do pedido de pronúncia arbitral.
16.6. Concretamente, não se compreende que a AT afirme que o ato de indeferimento do pedido ora controvertido “(…) não comporta a apreciação da legalidade de ato de liquidação do tributo”. A apreciação da legalidade do ato de liquidação do tributo é clara e inequívoca, tal como se demonstrou com diversas citações da AT incluídas nos artigos 13.º a 17.º do pedido de pronúncia arbitral.
16.7. Também não se compreende que leitura possa fazer a AT considerar que “Resulta assim da fundamentação do ato de indeferimento do pedido de revisão em causa que o indeferimento se baseou na inadmissibilidade da revisão oficiosa, não comportando a apreciação da legalidade do ato de liquidação”, quando na decisão em questão se remete e corrobora o entendimento subjacente ao projeto de decisão e respetiva Informação, onde se afirma que “(…) no presente procedimento verifica-se que a liquidação produzida pelos Serviços da Autoridade Tributária não sofre de qualquer ilegalidade”.
16.8. De igual modo, na Informação Complementar que acompanha o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do ato tributário, declara expressamente a AT que “(…) não se vislumbra, relativamente à emissão e liquidação oficiosa “IRS/M.3-2015”, qualquer “ilegalidade”, ou mesmo “Erro imputável aos Serviços”.
16.9. E a própria AT reconhece, nos artigos 72.º e 73.º da Resposta ora em análise, que o ato de indeferimento comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação do tributo, na medida em que afirma que “(…) a inexistência de qualquer erro imputável aos Serviços nas liquidações contestadas, conforme aliás bem decorre do fundamentado despacho de indeferimento constante do processo administrativo junto”.
16.10. Em face do pedido de pronúncia arbitral é de liminar clareza afirmar que está em causa um ato que comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação do tributo.
16.11. Como tal, necessariamente improcede a exceção por incompetência do tribunal arbitral invocada pela AT.
16.12. Em suma, conclui-se que não se verificam as exceções invocadas pela AT, devendo as mesmas ser consideradas improcedentes e, consequentemente, deverá o pedido de pronúncia arbitral ser julgado procedente, por provado, nos exatos termos em que foi peticionado.
17. A defesa da AT por impugnação, expressa na Resposta, pode ser sintetizada no seguinte:
17.1. A liquidação efetuada pela AT no artigo 76.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS, isto é, teve como base os elementos de que a AT dispunha. No presente caso, o rendimento líquido da categoria B determina-se em conformidade com as regras do regime simplificado de tributação, com a aplicação do coeficiente mais elevado, previsto no artigo 31.º, n.º 1, e em observância com o estabelecido no artigo 76.º, n.º 2, do Código do IRS. Ou, sendo superior ao apurado, pela totalidade do rendimento líquido da categoria B obtida pelo titular do rendimento do ano mais próximo que se encontre determinado, e isto caso não tenha havido cessação de atividade, nos termos do artigo 76.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRS.
17.2. No presente caso, verifica-se que pela AT eram conhecidos os rendimentos constantes na declaração modelo 10 e na aplicação e-fatura no montante de € 71 275,86. Assim, uma vez que o rendimento conhecido referente ao ano de 2015 era superior ao rendimento líquido da categoria B obtido pelo titular do rendimento do ano mais próximo que se encontrava determinado, foi elaborado o documento de correção (DC), com base no artigo 76.º, n.º 1, alínea b).
17.3. O DC foi efetuado com a aplicação do coeficiente 1, aos rendimentos conhecidos no montante de € 71 275,86 e, como legalmente estabelecido, sem aplicação do disposto no artigo 70.º, sendo apenas efetuadas as deduções previstas no artigo 97.º, n.º 3, do Código do IRS. Daí resultando a emissão da liquidação oficiosa n.º 2018..., no montante de € 18 022,03.
17.4. Assim, o coeficiente aplicado para o apuramento do rendimento líquido da categoria B de IRS foi o correto. Isto porque, à data dos factos tributários, a lei dispunha que o rendimento líquido da categoria B se determinava em conformidade com as regras do regime simplificado de tributação, com a aplicação do coeficiente mais elevado previsto no artigo 31.º, n.º 1, do Código do IRS, ou seja, o coeficiente 1 previsto na alínea g) deste preceito legal.
17.5. Contrariamente ao defendido pela Requerente não tem aplicação a redação dada ao artigo 31.º do Código do IRS pelo artigo 129.º da Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março, por força do estipulado no artigo 12.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária. Assim, não se aplica o estipulado no artigo 12.º, n.º 3, da LGT como pretende a Requerente porquanto estamos perante normas que têm em vista o desenvolvimento de normas de incidência tributária.
17.6. Acresce que o n.º 4 do artigo 12.º da LGT, dispõe que não são abrangidas pelo disposto no n.º 3, as normas que, embora integradas no processo de determinação da matéria coletável tenham por função o desenvolvimento das normas de incidência tributária.
17.7. Pelo exposto fica demonstrado que não se verifica qualquer erro que possa ser imputável aos serviços na emissão da liquidação oficiosa de IRS do ano de 2015 em causa, pelo que a revisão da liquidação não pode ser efetuada tendo como base o disposto no artigo 78.º, n.º 1 parte final, da Lei Geral Tributária.
17.8. Quanto à argumentação da Requerente no sentido de que a liquidação oficiosa terá de ser corrigida, uma vez que foi suprida a falta declarativa, nos termos dos artigos 45.º e 46.º da LGT, com a submissão, em 08-02-2019, da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS referente ao ano de 2015, também esta não colhe. É que, em conformidade com o preceituado no artigo 76.º, n.º 4, do Código do IRS, em todos os casos previstos no seu n.º 1, a liquidação pode ser corrigida, se for caso disso, dentro dos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da LGT.
17.9. Donde, para que a liquidação oficiosa em causa seja revista, não basta à Requerente ter submetido a declaração de rendimentos modelo 3, referente ao ano de 2015, dentro dos prazos previstos nos artigos 45.º e 46.º da LGT, impondo-se ainda, que o tenha feito no prazo e condições previstas no artigo 78.º da LGT.
17.10. Ora, in casu, a data limite para o pagamento da liquidação em causa, referente ao IRS do ano de 2015, foi, em 20-06-2018, tendo a ora Requerente apresentado pedido de revisão oficiosa, em 22-04-2019, ultrapassando assim o prazo para a reclamação graciosa, pelo que o pedido de revisão com fundamento em qualquer ilegalidade, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, 1ª parte, da LGT, é intempestivo.
17.11. Relativamente ao pedido de revisão de ato tributário com fundamento em erro imputável aos serviços, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte, da LGT, ficou já amplamente demonstrado a inexistência de qualquer erro imputável aos serviços.
17.12. Quanto à revisão da matéria coletável, conforme preceituado no artigo 78.º, n.º 4 da LGT, com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a
comportamento negligente do contribuinte, também não pode ser aplicado no presente caso. Isto porque, a Requerente não submeteu a sua declaração de rendimentos modelo 3 de IRS referente ao ano de 2015, nem no prazo legalmente previsto para tal (artigos 57.º e 60.º do CIRS), nem depois de ter sido notificada para tal, nos termos do artigo 76.º, n.º 3, do Código do IRS.
17.13. Igualmente a Requerente não reclamou ou impugnou a liquidação oficiosa efetuada, nos termos dos artigos 70.º e 102.º do CPPT, pelo que dificilmente se pode atribuir, neste caso, o erro a um comportamento considerado não negligente.
17.14. Por último, exclui-se a situação prevista no artigo 78.º, n.º 6 da LGT, uma vez que apenas haverá duplicação de coleta quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo (cfr. Artigo 205.º, n.º 1 do CPPT), o que não é manifestamente o caso.
17.15. Assim, encontra-se correta a atuação da AT, sendo que, não poderá proceder à revisão da liquidação em causa, por total ausência de meio legal que o fundamente, atento o facto de, em obediência ao estipulado no artigo 55.º da LGT, exercer as suas atribuições na prossecução do interesse público e de acordo com os princípios da legalidade, da proporcionalidade, da imparcialidade e da justiça.
II – Saneamento
18. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.ºs 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.
19. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
20. O processo não enferma nulidades.
21. O Tribunal terá de decidir, a título prévio, sobre as exceções invocadas pela AT na Resposta (vd., n.º 15. supra) e sobre as quais a Requerente já se pronunciou (vd., n.º 16. supra). Porém, para a sua apreciação é conveniente fixar previamente a matéria de facto.
III - Matéria de facto
22. Factos dados como provados
Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
A) A Requerente não entregou a declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2015, nos termos previstos no artigo 57.º do Código do IRS (vd., n.º 21 do Pedido de Pronúncia Arbitral e Processo Administrativo junto pela AT aos presentes autos arbitrais);
B) A AT, em 12-03-2017, notificou a Requerente, através do ofício GIC-... (n.º registo CTT/Via CTT RY...PT) para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 76.º do Código do IRS (vd., n.º II, iv. da Informação da Direção de Finanças de Lisboa, de 29-07-2019, processo: ...2019..., número: ...2019..., constante do Processo Administrativo junto aos presentes autos arbitrais);
C) Relativamente à Requerente e ao ano de 2015, a AT, de acordo com a Informação da Direção de Finanças de Lisboa, de 29-07-2019, (processo: ...2019...número: ...2019...), dispunha da informação seguinte:
“i. A Requerente, A..., no ano de 2015, tinha atividade aberta com CAE Principal 90030 – Criação Artística e Literária, com inicio em 2014.12.29. (…)
iii. Na Modelo 10, é declarado por 5 sociedades distintas, referente ao ano de 2015, rendimentos da categoria B13 no montante de € 43.980,00 e de categoria B no montante de € 27.295,86, perfazendo o montante total de € 71.275,86, valor que também consta da aplicação recibos-verdes electrónicos.
iv. Pelo que em 2017.03.12 é aberta uma divergência referente ao ano de 2015, motivo “Falta Modelo 3”(…)”
(vd., Processo Administrativo junto aos presentes autos arbitrais);
D) A AT, em 03-05-2018, procedeu à elaboração da declaração oficiosa n.º ...-2015-..., referente ao ano de 2015 (vd., n.º II, v. da Informação da Direção de Finanças de Lisboa, de 29-07-2019, processo: ...2019..., número: ...2019..., constante do Processo Administrativo junto aos presentes autos arbitrais);
E) A AT, através do documento n.º 2018..., notificou a Requerente da liquidação n.º 2018..., de 10-05-2018, referente ao ano de 2015, da qual resultou o montante a pagar de € 18.022,03, tendo como data limite de pagamento 20-06-2018 (vd., Documento n.º 5, anexo ao pedido de pronuncia arbitral);
F) A Requerente apresentou, em 18-04-2019, o pedido de revisão do ato tributário, relativo à liquidação identificada na alínea anterior, dirigido ao Diretor de Finanças de Lisboa, ao abrigo do disposto no artigo 140.º do Código do IRS e dos artigos 54.º, n.º 1, alínea c), e 78.º, n.º 1, da LGT (vd., Documento n.º 6, anexo ao pedido de pronuncia arbitral);
G) No pedido de revisão do ato tributário, identificado no n.º anterior, a Requerente alegou a existência de erro de direito nos seguintes termos:
“17.º
No caso concreto (…) cumpre referir que a presente liquidação não observa os termos prescritos no n.º 2 do artigo 76.º do Código do IRS, conforme se expõe no ponto A da parte III (artigo 32.º e seguintes do presente articulado)
18.º
Ora havendo erro quanto à aplicação do Direito na liquidação, este será imputável aos Serviços legitimando-se, assim, o presente pedido.”
(vd., Documento n.º 6, anexo ao pedido de pronuncia arbitral);
H) A Requerente foi notificada, através do ofício da Direção de Finanças de Lisboa n.º..., de 02-09-2019, para exercer o direito de audição prévia, ao abrigo do artigo 60.º da LGT, relativamente ao projeto de decisão no qual o Diretor de Finanças Adjunto proferiu um despacho, em 07-08-2019, no sentido do indeferimento do pedido. (vd., Processo Administrativo junto aos presentes autos arbitrais);
I) A AT, na Informação que fundamenta o projeto de decisão, identificado na alínea anterior, relativamente à análise dos pressupostos procedimentais do pedido de revisão do ato tributário, afirma:
“10. Visto que a Requerente solicita a revisão oficiosa, em 2019.04.22, da declaração de IRS referente a 2015, efetuada oficiosamente em 2018.05.03, atendendo à moldura temporal prevista naquela norma (três anos posteriores ao do ato tributário – liquidação de imposto, o pedido apresentado é tempestivo embora não se possa afastar a negligência da Requerente por não ter entregue a declaração Mod. 3 de IRS a que estava legalmente obrigada, nos termos do art.º 57.º do CIRS.”
(vd., n.º III da Informação da Direção de Finanças de Lisboa, de 29-07-2019, processo: ...2019...; número: ...2019..., documento constante do Processo Administrativo junto aos presentes autos arbitrais e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
J) A Requerente exerceu, em 18-09-2019, o seu direito de audição prévia tendo reiterado o que tinha peticionado (vd., Documento n.º 7, anexo ao pedido de pronuncia arbitral);
K) Após o exercício do direito de audição por parte da Requerente, a Direção de Finanças de Lisboa elaborou a Informação Complementar, de 24-09-2019, (processo: ...2019..., número: ...2019...) com o seguinte teor:
“(…) II – Análise e Parecer
Conforme o referido Projeto de decisão a liquidação controvertida foi emitida no decurso do incumprimento declarativo previsto no art.º 57.º do CIRS, não obstante a notificação dos serviços a solicitar tal obrigação legal. Por outro lado, os serviços pautaram-se pela estrita obediência à lei e ao direito, restringido a um pode meramente vinculado, mediante aplicação do normativo consagrado no art.º 76.º do CIRS. Por conseguinte, não pode ser considerada injusta a tributação que se limita a seguir os critérios fixados na lei.
Sendo que, nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 76.º do Código do IRS, estas liquidações terão por base os elementos de que a Administração Tributária disponha, sem se atender ao mínimo de existência (artigo 70.º) e sendo apenas efetuadas as deduções previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 79.º (dedução pessoal do sujeito passivo) e no n.º 3 do artigo 97.º (retenções na fonte e pagamentos por conta).
Acresce ao exposto que, nas situações de não entrega tempestiva da declaração de rendimentos por parte dos contribuintes, a atuação omissiva destes releva para a adoção de comportamento negligente incompatível com o regime previsto no n.º 4 do art.º 78.º da LGT.
Por outro lado, não se vislumbra, relativamente à emissão e liquidação oficiosa “IRS/M.3-2015”, qualquer “ilegalidade”, ou mesmo “Erro Imputável aos Serviços”.
No que concerne à alegação proferida de que aquando a liquidação oficiosa pela Autoridade Tributária, em 3 de maio de 2018, deveriam ter sido consideradas as regras em vigor à data, a argumentação produzida não colhe porquanto in casu se impõe aplicar a regra geral que rege a aplicação da lei fiscal substantiva no tempo, plasmada no n.º 1 do artigo 12.º da LGT.
Não obstante, ainda que assim não se entendesse, conforme tudo o que se referiu no projeto de decisão, o pedido de revisão oficiosa não pode ser atendido ao abrigo do art.º 78.º da LGT, na medida em que não se enquadra em nenhum dos números do referido dispositivo legal.
III – Conclusão
Face ao exposto, atendendo a que a Requerente não apresentou elementos suscetíveis de alterar o sentido da decisão projetada, propõe-se a sua convolação em definitiva, no sentido do indeferimento do pedido.”
(vd., documento constante do Processo Administrativo junto aos presentes autos arbitrais e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
L) A Requerente procedeu à submissão, em 08-02-2019, da Declaração de rendimentos Modelo 3 do IRS, relativa ao ano de 2015, conforme Declaração 2015-... (v., n.º 23 do pedido de pronúncia arbitral e n.º IV.1, xi., da Informação da Direção de Finanças de Lisboa, de 29-07-2019, processo: ...2019...; número: ...2019..., constante do Processo Administrativo junto aos presentes autos arbitrais);
M) A Direção de Finanças de Lisboa, através do oficio n.º..., de 19-11-2019, notificou a Requerente do despacho de indeferimento do pedido de revisão do ato tributário, identificado na alínea F) supra, proferido pelo Diretor Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, em 18-11-2019, ao abrigo de subdelegação de competências, com o seguinte teor:
“Visto. Atendendo ao referido e proposto nos pareceres que antecedem, ao teor, conteúdo e fundamentos da informação prestada infra e em especial ao informado e proposto em sede de audição prévia, considero que o pedido não merece provimento – uma vez que segundo o informado não se verificam os pressupostos legais previstos para a Revisão solicitada e se trata de matéria sancionada superiormente no sentido do indeferimento do pedido – convolando-se em definitivo aquele projeto de decisão.”
(vd., Documento n.º 1, anexo ao pedido de pronuncia arbitral);
N) A Requerente apresentou, em 18-02-2020, no CAAD o pedido de pronúncia arbitral que foi validado e aceite a 19-02-2020.
23. Factos dados como não provados
Inexistem outros factos com relevo para apreciação da causa que não se tenham provado.
24. Fundamentação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, atendendo ao disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e no artigo 607.º, n.º 3, do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada.
Assim, de acordo com o disposto no artigo 596.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida tendo em conta as questões de Direito suscitadas.
Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT e a prova documental, junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
IV. Matéria de Direito
25. Cumpre agora decidir, a título prévio, sobre as exceções invocadas pela AT na Resposta.
25.1. A Requerida começa por suscitar a caducidade do direito de ação consubstanciada na extemporaneidade do pedido de constituição do tribunal arbitral, o que constitui uma exceção perentória, nos termos do artigo 576.º do Código de Processo Civil aplicável subsidiariamente pelo artigo 29.º do RJAT (vd., n.ºs 15.1. a 15.3. supra).
Importa, assim, analisar se o pedido de revisão do ato tributário em causa nos presentes autos foi deduzido fora do prazo legal, como alega a Requerida, sendo intempestivo, o que acarretaria a caducidade do direito de intentar o presente pedido de pronúncia arbitral.
O pedido de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte deve ser apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, nos termos previstos na primeira parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT. No entanto, ao abrigo da segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, o pedido de revisão do ato tributário pode ser apresentado no prazo de quatro anos, ainda que por impulso do sujeito passivo, desde que com fundamento em “erro imputável aos serviços”.
A este respeito o Tribunal Arbitral subscreve a posição expressa no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04-05-2016, proferido no processo n.º 0407/15 quando afirma:
“(…), é hoje pacífico que a revisão prevista no art. 78.º da LGT constitui um poder-dever da AT, à qual se impõe, por força dos princípios da justiça, da igualdade e da legalidade dos impostos, que a AT está obrigada a observar na sua actividade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e art. 55.º da LGT), que não exija dos contribuintes senão o imposto resultante dos termos da lei; e é também jurisprudência consolidada, que, tal como a AT deve, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do acto tributário (no prazo de quatro anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, como decorre do n.º 1 do art. 78.º da LGT), com fundamento em erro imputável aos serviços, também o contribuinte pode, dentro dos mesmos prazos, pedir que seja cumprido esse dever (Cfr. RUI DUARTE MORAIS, Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 2012, 28.5, págs. 212 a 214.)”
“(vd., acórdão do STA supra identificado disponível em: www.dgsi.pt)
A mesma posição é expressa no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 06-02-2013, proferido no processo n.º 839/11, nos seguintes termos:
“Como se deixou sumariado no Acórdão proferido em 6/10/2005, no Proc. n.º 653/05, I - Mesmo depois do decurso dos prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial, a Administração Tributária tem o dever de revogar actos de liquidação de tributos que sejam ilegais, nas condições e com os limites temporais referidos no art. 78.º da LGT. II - O dever de a Administração efectuar a revisão de actos tributários, quando detectar uma situação de cobrança ilegal de tributos, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), impõem que sejam oficiosamente corrigidos, dentro dos limites temporais fixados no art. 78.º da LGT, os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidas à face da lei. III - A revisão do acto tributário com fundamento em erro imputável aos serviços deve ser efectuada pela Administração tributária por sua própria iniciativa, mas, como se conclui do n.º 7 (anterior n.º 6) do art. 78.º da LGT, o contribuinte pode pedir que seja cumprido esse dever, dentro dos limites temporais em que Administração tributária o pode exercer.
Trata-se de um regime reforçadamente garantístico, quando comparado com o regime de impugnação de actos administrativos, e que encontra explicação na natureza fortemente agressiva dos actos de liquidação de tributos para a esfera jurídica dos contribuintes. “(vd., acórdão do STA supra identificado disponível em: www.dgsi.pt)
Os Acórdãos supra citados reafirmam a jurisprudência já consolidada e constante do Supremo Tribunal de Administrativo no sentido de que apesar de não ter sido deduzida reclamação administrativa contra o ato de liquidação, nos termos da primeira parte do n.º 1 do artigo 78.° da LGT, o contribuinte pode ainda solicitar à administração tributária a revisão oficiosa do ato ao abrigo da segunda parte desse n.º 1 com fundamento em erro imputável aos serviços, a deduzir no prazo de quatro anos contados da liquidação ou, no caso do tributo não ter sido pago, a todo o tempo.
De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo o conceito de “erro imputável aos serviços” previsto na parte final do n.º 1 do 78.º da LGT “(…) não compreenda todo e qualquer “vício” (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só “erros”, estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro» (Vd., , o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 06-02-2013, proferido no processo n.º 839/11, disponível em: www.dgsi.pt).
Em suma, o conceito de “erro imputável aos serviços” previsto na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT compreende os erros nos pressupostos de facto e de direito.
Da factualidade provada nos presentes autos arbitrais resulta que a Requerente no pedido de revisão do ato tributário, arguiu a existência de erro imputável aos serviços na liquidação oficiosa realizada e a AT pronunciou-se sobre a questão (vd., alíneas F), G), J) e K) do n.º 22 supra). Ora, concluindo-se que existe a possibilidade de um “erro imputável aos serviços”, é permitida a sua sindicância num prazo de quatro anos contados da data da emissão da liquidação do imposto.
Nesta medida, tendo o pedido de revisão do ato tributário sido apresentado em 18-04-2019, o mesmo é tempestivo relativamente à liquidação oficiosa de IRS, referente ao ano de 2015, que foi emitida em 10-05-2018 (vd., alíneas E) e F) do n.º 22 supra) dado que não estava ultrapassado o prazo de 4 anos, previsto na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
Em suma, para este Tribunal e conforme resulta dos autos deve improceder a presente exceção perentória suscitada pela Requerida.
25.2. Depois, a AT suscita o erro na forma de processo, devido à alegada escolha pela Requerente de um meio processual impróprio o que acarreta a incompetência do Tribunal Arbitral e constitui uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos dos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, e 577.º do Código de Processo Civil, que conduz à absolvição da instância (vd., n.ºs 15.4. a 15.11. supra).
Importa começar por analisar a questão da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciarem os atos de indeferimento de pedidos de revisão do ato tributário. Neste ponto o presente Tribunal subscreve a posição expressa na Decisão Arbitral n.º 73/2012-T, de 23 de outubro de 2012, nos seguintes termos:
“Na verdade, neste art. 2.º (do RJAT) não se faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de actos tributários» e «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação». No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT, numa mera interpretação declarativa, não restringe o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade. A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos arts. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art. 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau. Aliás, foi precisamente neste sentido que a Administração Tributária, através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação aos casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado. Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação administrativa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa.”
Conclui-se, assim, que não há obstáculo a que a declaração de ilegalidade de atos de liquidação seja obtida, em processo arbitral, através da declaração de ilegalidade de atos de indeferimento dos respetivos pedidos de revisão oficiosa.
Por outro lado, considerando o disposto no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT o Tribunal entende, seguindo a doutrina expressa na Decisão Arbitral n.º 148/2014-T, de 19 de setembro de 2014, que a competência dos tribunais arbitrais restringe-se à atividade conexa com os atos de liquidação de tributos ficando fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação a que se refere a alínea p) do n.º 1 do artigo 97.ºdo CPPT.
A AT afirma que não apreciou a legalidade do ato de liquidação tendo-se limitado a concluir pelo indeferimento do pedido de revisão do ato tributário, apenas por falta de pressupostos legais do referido pedido.
Da factualidade provada nos presentes autos resulta que, embora o despacho de indeferimento do pedido de revisão do ato tributário refira que “(…) não se verificam os pressupostos legais previstos para revisão solicitada”, as informações que fundamentam o referido indeferimento do pedido de revisão do ato tributário apreciam a legalidade do ato de liquidação oficiosa (vd., alíneas I), K), e M) do n.º 22. supra).
Nestes termos, atendendo ao exposto, improcede também a excepção dilatória suscitada pela Requerida.
25.3. Por último, a Requerida formula uma questão prévia acerca da não verificação de todos os requisitos e pressupostos do pedido de revisão oficiosa do ato tributário de liquidação (vd., n.ºs 15.12 a 15.15 supra).
Relativamente aos requisitos e pressupostos do artigo 78.º da LGT, este Tribunal Arbitral concorda com a posição expressa no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 15-04-2009, proferido no processo n.º 65/09, nos seguintes termos:
«Na redacção infeliz do n.º 1 deste artigo distinguem-se dois tipos fundamentais de revisão dos actos tributários, com iniciativas, prazos e fundamentos autónomos:
– por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade;
– por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
Porém, apesar da aparente repartição dos dois tipos de revisão do acto tributário em função da «iniciativa» do procedimento, constata-se que no também infeliz n.º 7 se faz referência a «pedido do contribuinte» para realização de «revisão oficiosa».
«Revisão oficiosa» é a realizada por iniciativa dos serviços, sendo esse o alcance natural da expressão «oficiosa» na terminologia jurídica. Mas, é inequívoco pela referência a «pedido do contribuinte» «para a sua realização» que, afinal, essa revisão não tem de ser de iniciativa da administração tributária, podendo assentar também em iniciativa do contribuinte.
Das infelizes redacções dos n.ºs 1 e 7, conclui-se assim, que os dois tipos fundamentais de revisão do acto tributário são afinal os seguintes:
– há um em que a revisão é pedida pelo contribuinte no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade;
– há outro em que a revisão é da iniciativa dos serviços ou é pedida pelo contribuinte, que se denomina sempre «revisão oficiosa», que pode ser efectuada no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços».
(vd., acórdão do STA supra identificado disponível em: www.dgsi.pt)
Atendendo ao exposto e conforme se referiu no n.º 25.1. supra o Tribunal Arbitral entende que pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente cumpriu os requisitos legais.
26. Importa agora analisar a principal questão decidenda relativa ao alegado erro na aplicação do artigo 76.º do Código do IRS.
26.1. Atendendo ao facto da Requerente não ter procedido à entrega da declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2015 (vd., alínea A) do n.º 22. supra), a liquidação foi realizada pela AT, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.ºs 1, alínea b), e 2 do Código do IRS.
A AT na referida liquidação oficiosa, realizada no ano de 2018, aplicou a redação do n.º 2 do artigo 76.º do Código do IRS vigente no ano de 2015, porque a liquidação do imposto respeitava a rendimentos auferidos nesse ano. Assim, a AT determinou o rendimento líquido da categoria B em conformidade com as regras do regime simplificado de tributação através da aplicação do coeficiente mais elevado, ou seja, o coeficiente 1 estabelecido na alínea g) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS.
A Requerente defende que a AT deveria ter aplicado o disposto no n.º 2 do artigo 76.º do Código do IRS com a redação em vigor na data da liquidação, ou seja, em 2018. Consequentemente, a determinação do rendimento líquido da categoria B deveria ter sido feita em conformidade com as regras do regime simplificado de tributação através da aplicação do coeficiente de 0,75%.
26.2. Em termos de enquadramento legal é necessário referir que na data da liquidação, ou seja, em 10-05-2018, o artigo 76.º do Código do IRS tinha a redação seguinte:
“Artigo 76.º
Procedimentos e formas de liquidação
1 - A liquidação do IRS processa-se nos termos seguintes:
a) Tendo sido apresentada a declaração até 30 dias após o termo do prazo legal, a liquidação tem por objeto o rendimento coletável determinado com base nos elementos declarados, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 65.º;
b) Não tendo sido apresentada declaração, a liquidação tem por base os elementos de que a Autoridade Tributária e Aduaneira disponha;
c) Sendo superior ao que resulta dos elementos a que se refere a alínea anterior, considera-se a totalidade do rendimento líquido da categoria B obtido pelo titular do rendimento no ano mais próximo que se encontre determinado, quando não tenha sido declarada a respetiva cessação de atividade.
2 - Na situação referida na alínea b) do número anterior, o rendimento líquido da categoria B determina-se em conformidade com as regras do regime simplificado de tributação, com aplicação do coeficiente de 0,75, exceto quando estejam em causa rendimentos previstos nas alíneas d) ou g) do n.º 1 do artigo 31.º, caso em que se aplicam os coeficientes aí previstos.
3 - Quando não seja apresentada declaração, o titular dos rendimentos é notificado por carta registada para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias, findo o qual a liquidação é efetuada, não se atendendo ao disposto no artigo 70.º e sendo apenas efetuadas as deduções previstas no n.º 3 do artigo 97.º.
4 - Em todos os casos previstos no n.º 1, a liquidação pode ser corrigida, se for caso disso, dentro dos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária.”
A redação do n.º 2 do artigo 76.º, vigente no ano de 2018, foi dada pelo artigo 129.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2016) . A nova redação entrou em vigor a 1 de abril de 2016, por determinação do artigo 218.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.
26.3. A redação do n.º 2 do artigo 76.º do Código do IRS em vigor no ano de 2015 era a seguinte:
“2 - Na situação referida na alínea b) do número anterior, o rendimento líquido da categoria B determina-se em conformidade com as regras do regime simplificado de tributação, com aplicação do coeficiente mais elevado previsto no n.º 1 do artigo 31.º “
O n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS estabelece os coeficientes que vão ser aplicados aos diversos tipos de rendimentos abrangidos (por exemplo, vendas de mercadorias e produtos, prestações de serviço, rendimentos de atividades profissionais previstas na tabela do artigo 151.º do Código do IRS) para a determinação do rendimento tributável no regime simplificado. As normas do regime simplificado estão inseridas pelo legislador no âmbito das regras de determinação do rendimento coletável e não no âmbito das normas de incidência do imposto.
26.4. Devido ao enquadramento legal supra referido e à posição assumida pelas partes, verifica-se que a questão decidenda constitui matéria de sucessão de leis fiscais no tempo. Neste contexto, a solução deve procurar-se na regra geral constante do artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil, segundo a qual a lei nova apresenta, em regra, eficácia prospetiva.
Além disso, como se tratam de normas fiscais deve atender-se ao disposto no artigo 12.º da LGT que estabelece o seguinte:
“Artigo12.º
Aplicação da lei tributária no tempo
1 - As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos.
2 - Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.
3 - As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes.
4 - Não são abrangidas pelo disposto no número anterior as normas que, embora integradas no processo de determinação da matéria tributável, tenham por função o desenvolvimento das normas de incidência tributária.”
26.5. O disposto no artigo 76.º, n.º 2, do Código do IRS constitui uma norma de procedimento na aceção prevista no n.º 1 do artigo 54.º da LGT segundo o qual o procedimento tributário “(…) compreende toda a sucessão de atos dirigida à declaração de direitos tributários” e inclui a liquidação dos tributos quando efetuada pela administração tributária, nos termos da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo.
Conforme resulta do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 12.º da LGT, em regra, as normas de procedimento são de aplicação imediata, exceto se as referidas normas, apesar de integradas no processo de determinação da matéria coletável, desenvolvam normas de incidência tributária.
26.6. A este respeito, afigura-se importante recordar o ensinamento do Professor ALBERTO XAVIER que estabelece a diferenciação entre incidência e determinação da matéria coletável nos seguintes termos: “Incidência é a acepção normativa do facto tributário, a realidade prevista pela norma tributária e sobre a qual esta “incide”: é a descrição legal do facto tributário, correspondendo assim mais de perto aos conceitos da “Tatbestand” e “fattispecie” . Enquanto que a “(…) determinação da matéria colectável” – expressão ambígua, mas que já conquistou foros de cidade na nossa lei – é pois um conceito que abrange dois fenómenos bem distintos entre si: uma “determinação em abstracto” e uma “determinação em concreto”. A determinação em abstracto é realizada pela lei, ou diretamente, ou por via indirecta, através de definições redutivas ou conceitos de segundo grau, por seu turno, a determinação em concreto inicia-se aí mesmo onde terminou o processo de concretização legal. Está-se então perante uma determinação do facto na sua existência ou nas suas qualidades, que exige uma actividade mediadora do órgão de aplicação do direito; atividade que já não é de interpretação da lei, mas de simples fixação dos factos, embora, claro, dentro dos limites e nos termos legais.” .
26.7. O Código do IRS reúne as normas de incidência no capítulo I. O artigo 76.º do Código do IRS tem por epígrafe “Procedimentos e formas de liquidação” e está inserido no capítulo IV intitulado “Liquidação”. Acresce que o n.º 2 do artigo 76.º remete para o artigo 31.º, cuja epígrafe é “Regime simplificado”, norma que estabelece os coeficientes do regime simplificado, e está integrado no capítulo II com a epígrafe “Determinação da matéria coletável”.
Verifica-se, com efeito, que o legislador integra, em termos de inserção sistemática, o artigo 76.º do Código do IRS no conjunto de normas de determinação da matéria coletável.
26.8. Tendo em conta a diferenciação entre os planos de incidência e de determinação da matéria coletável, referida no n.º 26.6. supra, verifica-se que o disposto no artigo 76.º, n.º 2 do Código do IRS faz parte integrante da forma de determinação da matéria coletável e não configura o desenvolvimento de qualquer norma de incidência tributária. Efetivamente, o disposto no artigo 76.º, n.º 2, conforma-se com os factos tributários já definidos nas normas de incidência. Assim, em caso de sucessão de leis no tempo, esta norma de determinação da matéria coletável está abrangida pela regra de aplicação imediata, prevista no n.º 3 do artigo 12.º da LGT.
Daqui resulta que a AT deveria ter aplicado o artigo 76.º do Código do IRS com a redação vigente na data da liquidação em vez de ter aplicado a norma com a redação vigente em 2015. Acresce ainda, que a aplicação da redação vigente no ano de 2018 não conflitua com os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, porque até contem um regime mais favorável ao contribuinte do que aquele que vigorava em 2015.
26.9. Em face do exposto, o Tribunal considera que o coeficiente aplicado pela AT na liquidação do IRS apresenta-se desconforme com o disposto no n.º 2 do artigo 76.º do Código do IRS na redação em vigor na data da liquidação.
Nestes termos, o ato de liquidação enferma de ilegalidade, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação, de harmonia com o artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT. Em consequência é procedente o pedido de anulação do despacho do Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa, proferido ao abrigo de subdelegação de competências, em 18-11-2019, que indeferiu o pedido de revisão do ato de liquidação apresentado pela Requerente.
V – Decisão
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar improcedentes as exceções deduzidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira de caducidade do direito de ação e de incompetência do tribunal arbitral face à impropriedade do meio processual;
b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular o ato de liquidação de IRS com o n.º 2018..., de 10-05-2018, bem como o despacho do Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa, proferido ao abrigo de subdelegação de competências, em 18-11-2019, que indeferiu o pedido de revisão do ato tributário apresentado pela Requerente, em 18-04-2019, com as devidas consequências legais;
c) Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo no montante abaixo indicado.
VI - Valor do Processo
Atendendo ao disposto nos artigos 32.º do CPTA, 306.º, n.º 2, do Código do Processo Civil e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se o valor do processo em € 18.022,03 (dezoito mil e vinte e dois euros e três cêntimos).
VII - Custas
O montante das custas é fixado em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros) a cargo da Requerida, nos termos da Tabela I do RCPAT, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 2 de novembro de 2020
O Árbitro
(Olívio Mota Amador)