DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
I.1
1. Em 29 de janeiro de 2020 o contribuinte A... (doravante designado por Contribuinte ou “Requerente”), NIF..., residente na Rua ... n.º..., ..., ...–..., ...-...Vila Nova de Famalicão, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 31 de janeiro de 2020.
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n.º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
4. A AT apresentou a sua resposta em 8 de setembro de 2020.
5. Por despacho de 10.09.2020, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações finais escritas, podendo aí, querendo, o Requerente pronunciar-se sobre o pedido de alteração do valor do processo e da incompetência em razão da matéria e da hierarquia, invocados pela AT.
6. O Contribuinte apresentou as suas alegações em 10.10.2020.
7. A AT apresentou as suas alegações em 12.10.2020.
8. Pretende o Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa por vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito e a consequente anulação do ato de liquidação n.º 2019..., respeitante a IRS, referente ao ano de 2018.
II.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:
1. Na tabela de atividades do artigo 151.º do CIRS, ANEXO I, não se encontra especificada e devidamente contemplada a atividade de árbitro.
2. Considerando o requerente, ao contrário do que pugna a requerida, que não se encontrando tipificada a atividade de árbitro na supra referida tabela de atividades, está excluída a tributação do mesmo a esse título,
3. Devendo o mesmo ser tributado, pelos rendimentos obtidos pelo exercício dessa atividade, nos termos da alínea c), n.º 1, do artigo 31.º do CIRS “rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores”.
4. Tanto mais que, o princípio fundamental e que deve nortear a atividade da requerida é o princípio da legalidade e o princípio da tipicidade.
5. Pelo que, e para que fosse possível a determinação do rendimento tributável do requerente, através da aplicação do coeficiente 0,75 seria necessário, que a atividade de árbitro estivesse especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do CIRS, e tal não acontece.
6. Tanto mais que, e em homenagem ao princípio da legalidade e da tipicidade, as normas tributárias de incidência não se compaginam com conceitos indeterminados ou assentes na valoração subjetiva do órgão que a aplica, em homenagem a outro princípio fundamental, o princípio da segurança jurídica e da confiança dos cidadãos no Estado.
7. Acrescendo ainda que, à interpretação das normas tributárias, de acordo com o n.º 1, do artigo 11.º da LGT, são aplicáveis as regras e princípios de interpretação das leis, designadamente o artigo 9.º do CCivil.
8. Não vislumbrando o requerente outra interpretação, que não seja a de considerar que o coeficiente de 0,75 é aplicável, apenas, a rendimentos das atividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º do CIRS (na qual não consta a atividade de árbitro).
9. Sendo a letra da lei o limite máximo da tarefa interpretativa, não é possível concluir que outros rendimentos além dos constantes dessa tabela possam merecer o mesmo tratamento, sobretudo quando o próprio legislador criou, em paralelo a essa categoria específica de rendimentos, uma categoria residual constante da alínea e), do mesmo n.º 1, do artigo 31.º do CIRS – onde se incluem os “restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores”.
10. Nesta senda sempre se dirá, que se fosse intenção do legislador, consagrar a atividade de árbitro, na tabela do artigo 151.º do CIRS, o teria feito.
11. Acrescendo ainda que, no direito tributário, as normas não são, nem podem ser aplicadas por analogia.
12. Pelo que, a liquidação de IRS referente a 2018, deve ser substituída por outra, que enquadre a atividade de árbitro, nos termos da alínea c), n.º 1, do artigo 31.º do CIRS, tributando tais rendimentos pelo coeficiente 0,35.
II.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:
1. nos termos do art. 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por remissão do art, 29.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), quando seja impugnada a liquidação, o valor do processo é o da importância cuja anulação se pretende.
2. Atendendo a que o Requerente pretende a anulação da liquidação n.º 2019..., no valor de € 2 781,73, deve ser este o valor do processo, pelo que deve o mesmo ser retificado.
3. O Requerente pretende a declaração de ilegalidade da decisão da Administração Tributária de alteração do enquadramento dos rendimentos da categoria B, da atividade de árbitro.
4. Este procedimento de “enquadramento fiscal” sendo prejudicial relativamente ao “ato de liquidação” propriamente dito, não se confunde, no entanto, com o ato de fixação da matéria tributável.
5. O pedido tão só concretiza a declaração de erro da Administração Tributária no enquadramento dos rendimentos no campo 403 e não no campo 404, o que, tendo em conta a matéria a sindicar, não é suscetível de resolução por via arbitral.
6. O meio próprio para impugnar estes atos, que não comportam a apreciação da legalidade de atos de liquidação e que também não são atos de fixação da matéria tributável ou da matéria coletável não é a impugnação judicial, mas sim a ação administrativa especial (alínea p), do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e artigo 37.º e seguintes do CPTA).
7. Estamos perante um ato da administração tributária que não integra os atos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, pelo que, deve o Tribunal Arbitral julgar procedente a exceção invocada de incompetência absoluta do foro arbitral, em razão da matéria e, em consequência, rejeitar o pedido de pronúncia arbitral, absolvendo a AT da instância.
8. Na situação em análise, o Requerente exerce a atividade de árbitro, pelo que, para efeitos de IRS, a sua atividade está enquadrada na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS.
9. A atividade de árbitro consubstancia uma prestação de serviços especificamente prevista na tabela de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS, sob o código “1323 – Desportistas”.
10. O código “1323 – Desportistas” é abrangente e engloba, para além de atletas, todos os agentes desportivos envolvidos em atividades desportivas.
11. Pelo que se conclui que os rendimentos auferidos pelo Requerente provêm de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS, não restando dúvidas que os mesmos se enquadram na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS e, consequentemente, devem ser inscritos no campo 403 do quadro 4 A do anexo B da declaração de rendimentos – modelo 3 e a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação do coeficiente 0,75 previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS.
II.C O Requerente respondeu ao pedido de alteração do valor e de incompetência material do Tribunal da seguinte forma:
1. Tanto da causa de pedir, como do pedido resulta que a liquidação que ora se coloca em crise é ilegal, enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, e portanto, enquadrável no n.º 1, do artigo 2.º do RJAT, não assistindo qualquer razão à AT.
2. No que tange à alteração do valor do processo, requerido pela AT, deve o mesmo improceder, uma vez que, o que se pretende com a presente ação é a anulação da liquidação que se coloca em crise, e portanto, considera o Requerente, que o valor por este atribuído ao processo, é o valor da liquidação deduzido do valor já reembolsado pela AT.
II. SANEAMENTO
É invocada uma exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral que cumpre apreciar previamente.
Alega a Requerida que “enquadramento fiscal” sendo prejudicial relativamente ao “ato de liquidação” propriamente dito, não se confunde, no entanto, com o ato de fixação da matéria tributável. Prossegue a AT alegando que o meio próprio para impugnar este ato, que não comporta a apreciação da legalidade de atos de liquidação e que também não são atos de fixação da matéria tributável ou da matéria coletável não é a impugnação judicial, mas sim a ação administrativa especial (alínea p), do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e artigo 37.º e seguintes do CPTA). A Requerida conclui que estamos perante um ato da administração tributária que não integra os atos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, pelo que, deve o Tribunal Arbitral julgar procedente a exceção invocada de incompetência absoluta do foro arbitral, em razão da matéria e, em consequência, rejeitar o pedido de pronúncia arbitral, absolvendo a AT da instância.
Quid Juris?
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, que estabelece o seguinte:
“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”
Em segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1 do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece no art. 2º o seguinte: “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo. (…)”
No caso em apreço o ato sindicado é a liquidação de IRS referente ao exercício de 2018. É manifesto e aceite por todos que a declaração de substituição, do IRS de 2018, foi convolada numa reclamação graciosa contra esta liquidação.
O Requerente impugnou expressamente a liquidação de IRS. Este é o ato sindicado. A competência material do Tribunal para apreciar a legalidade deste ato resulta expressamente do art. 2º, n.º1, al. a) do D.L. n.º10/2011 de 20 de Janeiro.
Quanto ao ato interlocutório (enquadramento dos rendimentos nos campos da declaração de IRS) que ocorreu em data prévia à liquidação, o princípio da impugnação unitária (art. 54º do CPPT) impõe que, caso padeça de algum vício, ele deva ser invocado aquando da impugnação da decisão final, ou seja, aquando da impugnação da liquidação. Qualquer ilegalidade anteriormente cometida pode ser invocada aquando da impugnação da decisão final. O ato interlocutório não é suscetível de impugnação autónoma até porque ele, em si mesmo, não é lesivo, ou seja não é suscetível de provocar efeitos jurídicos negativos imediatos na esfera jurídica do contribuinte.
Conforme assevera Jorge Lopes de Sousa: “Nos procedimentos tributários que conduzem a um acto de liquidação de um tributo, a esfera jurídica dos interessados apenas é atingida por esse acto e, por isso, em regra, será ele e apenas ele o acto lesivo e contenciosamente impugnável.” In CPPT Anotado, Áreas Editora, I Vol., 6º Edição, 2011, pág. 468
Em cumprimento do disposto no art. 54º do CPPT, a ilegalidade do enquadramento dos rendimentos nos campos da declaração de IRS só pode ser sindicada judicialmente em sede de impugnação da liquidação, tal como o Requerente fez.
Face ao exposto, nos termos do art. 2º, n.º1, al. a) do D.L. n.º10/2011 de 20 de Janeiro, o Tribunal conclui que é materialmente competente, improcedendo, portanto, a invocada exceção.
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.
As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo é o próprio.
A Requerida opôs-se ao valor da ação indicado pelo Requerente, propondo que seja fixado em €2.781,73. Alega a Requerida que este é o valor cuja anulação o Requerente solicita.
Vejamos.
O valor da causa é, em princípio, o valor indicado e aceite pacificamente pelas partes (art. 305º do CPC). Não sendo esse o caso cabe ao tribunal fixá-lo oficiosamente (art. 306º do CPC).
O valor da causa deve ser indicado pelo sujeito passivo no pedido de constituição do tribunal arbitral, correspondendo à utilidade económica do pedido (art. 10º, n.º2, al e) do RJAT).
Estando em causa uma liquidação, o valor dos processos arbitrais em matéria tributária é determinado pelo artigo 97º-A, do CPPT, ex vi artigo 29º, do RJAT.
Assim é que, para efeitos do valor da causa, a utilidade económica imediata do pedido, deve ser avaliada em função do pedido e da causa de pedir.
Nos termos da alínea a) do nº 1, do artigo 97º-A, do CPPT, o valor da causa corresponde ao valor da liquidação ou ao valor da parte impugnada desta, consoante se peça, respetivamente, a sua anulação total ou parcial, isto é, a quantia certa e líquida que na procedência da impugnação o impugnante deixará de pagar ou lhe será́ devolvida.
Subsumindo:
Vem realmente pedida a anulação parcial do ato de liquidação de IRS n.º 2019..., bem como do ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa, e o reembolso da quantia de €9.908,74, em vez do reembolso de €2.781,73.
Contrariamente ao indicado pela Requerida a quantia de €2.781,73 não é o valor cuja anulação se pretende, mas sim o valor do reembolso.
Concretamente, o Requerente pede que lhe seja reconhecido um reembolso de €9.908,74, sendo por isso este o valor da causa indicado pela Requerente na petição inicial e que a parte contrária não impugnou.
O valor objeto do litígio que constitui a sua utilidade económica é assim de €9.908,74, o que se fixa (art. 306º, n do CPC).
Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.
Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.
III. THEMA DECIDENDUM
A questão central a decidir, tal como colocada pela Requerente, está em saber se a atividade de árbitro de futebol se enquadra no conceito de desportistas de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, para a qual remete o art. 151º do CIRS.
IV. – MATÉRIA DE FACTO
IV.1. Factos provados
Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:
1. O Requerente declarou início de atividade com a atividade principal com o CAE 93192 – “Outras atividades desportivas” e atividade secundária com o CAE 6010 “Advogados”, tendo optado pelo regime simplificado de tributação relativamente aos rendimentos da categoria B.
2. O requerente exerceu, no ano de 2018 as atividades profissionais de advogado e árbitro de futebol, sendo esta última a sua atividade principal.
3. Em 25-06-2019 o requerente, juntamente com a sua esposa, remeteu via eletrónica, a declaração Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2018, originando a liquidação n.º 2019... um reembolso de IRS no montante de € 2.781,73.
4. O Requerente em 08-08-2019, substitui a referida declaração, no que concerne apenas aos seus rendimentos, mais concretamente à atividade de árbitro.
5. Na declaração de substituição o requerente subdividiu os rendimentos do seu trabalho da seguinte forma: declarando no campo 403, o valor de € 2.192,52, (referente à atividade de advogado) e no campo 404, correspondente a “rendimentos de prestações de serviços não previstos nos campos anteriores”, o montante de € 66.359,00 (referente à atividade de árbitro).
6. A Direção de Finanças de Braga, convolou a declaração de substituição em Reclamação Graciosa, à qual foi atribuído o n.º ...2019... .
7. Por ofício datado de 07-10-2019 foi o requerente notificado para o exercício de audição prévia, tendo a Requerida remetido o projeto de decisão, com a indicação da intenção de indeferimento da pretensão do requerente.
8. O requerente exerceu o seu direito de audição prévia.
9. Em 04-11-2019, por meio de ofício n.º..., datado de 31-10-2019, o requerente foi notificado do indeferimento da sua pretensão.
IV.2. Factos não provados
Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram considerados provados.
IV.3. Motivação da matéria de facto
Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.
Os factos que constam dos números 1 a 9 são dados como assentes pelos documentos juntos pela Requerente (docs. 1 a 6 do pedido de constituição do Tribunal), pela posição assumida pelas partes e pelo processo administrativo junto aos autos.
V. Do Direito
Face à factualidade em análise nos presentes autos e aos articulados das partes, a questão que se impõe conhecer está em saber se a atividade de árbitro de futebol se enquadra no conceito de desportistas de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE)
Importa começar por enquadrar os rendimentos em causa na categoria B do CIRS (art. 3º, n.º1, al. b) do CIRS).
O contribuinte optou pelo regime simplificado de tributação (art. 28º, n.º1, al. a) do CIRS).
O art. 31º, als. b) e c) do CIRS estipulam o seguinte:
1 - No âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação dos seguintes coeficientes:
a) (…)
b) 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º;
c) 0,35 aos rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores;
d) (…)
Face à remissão expressa da parte final da al. b) do art. 31º do CIRS, o art. 151º do mesmo código define que:
“As atividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de atividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças.”
A tabela de atividades foi aprovada pela portaria n.º1011/2001de 21.08, a qual possui a atividade de desportista com o código 1323.
Entende o requerente que a atividade de árbitro não se enquadra na atividade de desportista (código 1323), não se devendo, por isso, aplicar o coeficiente do regime simplificado 0,75, mas sim, o coeficiente de 0,35 aplicável às prestações de serviços não previstas na tabela de atividades aprovada pela portaria n.º 1011/2001 de 21.08.
Vejamos:
No que diz respeito às normas hermenêuticas devemos recorrer, por remissão do art. 11º, n. º1 da LGT, ao previsto no Código Civil. O art. 9º, n. º1 do C.C. estabelece o seguinte:
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
Assim a letra assume-se, naturalmente, como o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa, qual seja, não poder “ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”” Também como refere OLIVEIRA ASCENSÃO, “a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito”
Aplicando o exposto ao caso em análise, importa considerar o elemento literal. A letra da lei utiliza a expressão desportistas.
Citando a decisão n.º 421/2019-T, cuja fundamentação aderimos:
É desportista aquele que se dedica a uma atividade desportiva. Se a arbitragem desportiva pode ser considerada uma atividade desportiva, então quem a exerce pode, compreensivelmente, ser designado por desportista, sem qualquer sacrificium intellectus. O conceito “Desportistas” – da Tabela de atividades do artigo 151.º do CIRS - não tem que abranger unicamente os praticantes desportivos propriamente ditos, sejam eles profissionais ou não profissionais, antes podendo designar outros agentes desportivos intimamente ligados à prática competitiva de uma dada modalidade. Isto, à semelhança do que sucede com o conceito de “atividade desportiva”.
Mais, havendo dúvidas quanto à inclusão, ou não, dos árbitros no conceito de desportistas importa ter em conta que o primeiro e mais importante dos elementos de interpretação que o artigo 9º n. 1, do CC, aponta ao intérprete para a descoberta e fixação do pensamento legislativo é a unidade do sistema jurídico .
Nenhum preceito deve ser interpretado fora de uma ordem jurídica, nem isoladamente do seu contexto.
Pois bem, nesta conformidade, a interpretação do conceito de desportistas presente na portaria n.º 1011/2001 de 21.08 não pode alhear-se de outras normas do próprio do CIRS. Queremos referir-nos, desde logo, ao art. 12º, nº 5, al. b) do CIRS, sobre a delimitação negativa de incidência do IRS, que estabelece que o IRS não incide sobre “bolsas de formação desportiva, como tal reconhecidas por despacho do Ministro das Finanças e do membro do Governo que tutela o desporto, atribuídas pela respectiva federação titular do estatuto de utilidade pública desportiva aos agentes desportivos não profissionais, nomeadamente praticantes, juízes e árbitros, até ao montante máximo anual correspondente a cinco vezes o valor do IAS”. Nesta norma do CIRS o legislador ao utilizar o advérbio, nomeadamente, inclui no conceito de agente desportivo os praticantes e os árbitros.
Porquanto, em cumprimento da unidade do sistema jurídico (art. 9º, n.º1 do CC), na noção de desportistas indicada na portaria n.º1011/2001 de 21.08, por remissão do art. 151º do CIRS, devemos também incluir os árbitros. Seria contraditório incluir os árbitros no conceito de agente desportivo para efeitos de delimitação negativa do IRS e depois não os incluir no conceito de desportista para efeitos da classificação das atividades (art. 151º do CIRS).
Acresce que a Lei nº5/2007, de 16 janeiro para além de definir todo o sistema jurídico desportivo (LBAFD), é a base de validade de toda a regulamentação desta área em Portugal, visto tratar-se de uma lei de valor jurídico reforçado.
Nesta Lei, na secção III, dedicada à proteção desses mesmos agentes desportivos, o árbitro aparece expressamente qualificado enquanto tal no artigo dedicado à medicina desportiva (art.º 40º), sendo que os árbitros são classificado como agentes desportivos para efeitos da al. b), do art. 7º do D.L. n.º10/2009 de 12.01 que estabelece o regime jurídico do seguro desportivo obrigatório.
Esta classificação do árbitro enquanto agente desportivo é essencial, uma vez que ficará sujeito a várias disposições que influenciam a sua carreira (e vida pessoal), como é o caso do regime de incompatibilidades (art. 39º da Lei 5/2007 de 16.01), da segurança social (art. 42º da Lei 5/2007 de 16.01) e dos regimes fiscais (art. 48º da Lei 5/2007 de 16.01).
Posto isto, e retomando a qualificação dos árbitros enquanto agentes desportivos, é de referir que para além da LBAFD, esta qualificação aparece nos diplomas de desenvolvimento desta lei, como é o caso do Decreto-Lei nº 272/2009, de 1 de outubro (art. 4º, n.º2 e 25º, n.º1), que estabelece as medidas específicas de apoio ao desenvolvimento do desporto de alto rendimento e da Lei nº 50/2007, de 31 de agosto – Regime Jurídico da Responsabilidade Penal Por Comportamentos Antidesportivos, sendo que esta última lei contém ainda uma outra definição de extrema importância, nomeadamente a definição de árbitro desportivo.
Assim, e segundo o art. 2º, al. c) da Lei nº 50/2007, considera-se árbitro desportivo “quem, a qualquer título, principal ou auxiliar, aprecia, julga, decide, observa ou avalia a aplicação das regras técnicas e disciplinares próprias da modalidade desportiva”
O art. 4º, alínea d) do Regulamento de Disciplina da LPFP (2019/2020), considera que são agentes desportivos “(…)os dirigentes dos clubes e demais funcionários, trabalhadores e colaboradores dos clubes, os jogadores, treinadores, auxiliares técnicos, elementos da equipa de arbitragem, (…)”
Na esteira das decisões proferidas anteriormente no CAAD (processos n.º 421/2019-T de 29/10/2019, 750/2019-T de 03/04/2020, 863/2019-T de 08/07/2020, 886/2019-T de 05/08/2020, 841/2019-T de 14/09/2020) decido pela inexistência dos vícios invocados pelo Requerente.
Por conseguinte, concatenando os diplomas citados e tendo em conta da unidade do sistema jurídico, em concreto o tributário (CIRS), o árbitro deve ser considerado um desportista, incluído no código 1323 da portaria n.º º1011/2001 de 21.08 e em consequência aplicado o coeficiente 0,75 do regime simplificado (art. 31º, n.º1, al. b) do CIRS).
III. DECISÃO
Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:
a) Julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e a consequente, anulação do ato de liquidação n.º 2019..., respeitante a IRS, referente ao ano de 2018;
b) Manter integralmente o ato tributário objeto deste processo;
c) Condenar o Requerente no pagamento das custas do processo, nos termos infra.
Fixa-se o valor do processo em €9.908,74 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n. º1 do artigo 29.º do RJAT e do n. º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pelo Requerente, uma vez que o pedido foi integralmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 30 de outubro de 2020
O Árbitro
(André Festas da Silva)