DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A..., contribuinte fiscal número..., residente em ..., ..., ..., ..., Madrid, Espanha, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 3.º, alínea a) do n.º1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, todos do Decreto-Lei n.º10/2011, de 20 de Janeiro - Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), visando a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS n.ºs 2019..., relativa ao período de tributação de 2018, com nota de cobrança no valor de € 21.377,66.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
2. Como fundamento do pedido, apresentado em 08-01-2020, o Requerente alega, em síntese, que o ato tributário que constitui o objeto do presente processo se encontra ferido de ilegalidade, porquanto, respeitando à tributação de mais-valias imobiliárias realizadas por residentes noutro Estado-Membro da União Europeia, foi a correspondente base tributável determinada considerando o valor total da mais-valia.
3. No entender do Requerente, a circunstância de não ter sido considerado como base de tributação o valor de 50% do saldo as mais-valias realizadas no ano a que respeita o tributo em causa, conforme decorre da regra geral aplicável aos contribuintes residentes em território português (al. b) do n.º 2 do artigo 43.º), constitui violação do princípio da livre circulação de capitais, consagrados no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
4. Em resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, considerando dever manter-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados e, em conformidade, decidindo-se pela absolvição da entidade requerida.
5. O pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 08-01-2020, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
6. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral Singular o ora signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
7. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
8. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 06-07-2020.
9. Regularmente constituído o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
10. As partes, devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).
11. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal, considerando que a “posição das partes estar plenamente definida nos Autos e suportada pelos meios de prova documental juntos”, “ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º2 e 29.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), por despacho de 25-06-2020, decidiu dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do referido Regime.
12. Pelo mesmo despacho, foi determinada a notificação das Partes para apresentarem alegações escritas facultativas pelo prazo sucessivo de vinte dias, sendo, ainda, indicada como data limite para prolação da decisão arbitral o dia 31-10-2020.
II. Matéria de facto
13. Com relevância para a apreciação da questão suscitada, destacam-se os seguintes elementos factuais, que, com base no acervo documental junto aos autos, mormente o processo administrativo e documentos que o integram, se consideram provados:
13.1. O ora Requerente tem residência fiscal em Espanha.
13.2. Em novembro de 2018, o Requerente procedeu à venda de uma fração autónoma, propriedade sua, designada pelas letras “AG”, correspondente ao sétimo andar, letra D, com entrada pelo número ..., do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na ..., números ... a ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial sob o artigo ..., pelo valor de €235.000,00, imóvel este adquirido em março de 2005, pelo valor de € 125.000,00, tendo suportado encargos no valor de € 10.130,57.
13.3. O ora Requerente apresentou a respetiva declaração periódica de rendimentos respeitante ao ano de 2018 e às mais-valias realizadas com a alienação do imóvel em causa.
13.4. Com base nos elementos declarados foi desencadeado o procedimento de liquidação de IRS n.º 2019..., sendo apurado o montante de € 21.377,66 a pagar pelo Requerente que considerou o valor integral da mais-valia.
13.5. O Requerente procedeu ao pagamento voluntário da quantia liquidada e apresentou reclamação graciosa que veio a ser indeferida, em 16-10-2019.
14. A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental apresentada, designadamente a constante do processo administrativo junto pela Requerida.
15. Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.
IV. Matéria de direito
16. No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente submete à apreciação deste tribunal a legalidade do ato de liquidação de IRS do ano de 2018, solicitando, consequentemente, a declaração de ilegalidade desse ato.
17. O pedido formulado tem como base o entendimento de que a AT ao considerar a totalidade da mais-valia realizada pelo Requerente não aplicou o disposto no artigo 43.º, n.º 2, al. b), do Código do IRS, aplicável aos sujeitos passivos com residência em território português, da qual resultaria um valor de imposto a paga de € 10.656,72 e não o valor ora reclamado de € 21.377,66.
18. Ao limitar a aplicação daquela disposição aos residentes em território português, a AT viola o disposto no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), atenta a discriminação entre residentes em território português e residentes noutros Estados-membro da União Europeia, conforme jurisprudência portuguesa e comunitária.
19. Para o efeito, cita as decisões do CAAD proferidas nos processos n.ºs 748/2015-T e 45/2012-T que seguem o sentido da jurisprudência comunitária resultante do Acórdão do TJUE, de 11 de outubro de 2017, proferido no proc. C-443/06 (Acórdão Hollman) que declarou que a limitação aos residentes em território nacional da incidência de apenas 50% das mais-valias viola o disposto no artigo 56.º do Tratado da Comunidade Europeia (ora artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia).
20. Acrescenta ainda que a introdução do aditamento do regime de equiparação ao artigo 72.º do Código do IRS não afasta o caráter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2, conforme resulta da jurisprudência comunitária proferida num caso similar – Acórdão do TJUE, de 18 de maro de 2010, proferido no processo n.º C-440/08 (Acórdão Gielen).
21. Sustenta a Requerida, em síntese, que tal como referido na resposta à reclamação graciosa, “não se encontram reunidos os pressupostos para a aplicação da tributação pelas regras de residente, uma vez que os rendimentos obtidos em território nacional ficam aquém dos 90% exigidos por força do artigo 17.º-A do CIRS. (...) Por outro lado, a disposição que que isenta da tributação metade das mais-valias apenas se aplica aos cidadãos residentes.”
22. Na sequência do acórdão C-443/06 (Hollmann) do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 11-10-2007, que declarou a norma do artigo 43.º n.º 2 do Código do IRS incompatível com o direito comunitário por instituir um tratamento fiscal discriminatório para os não residentes, o legislador procedeu à adaptação do sistema fiscal nacional com vista a conformá-lo com a referida decisão, através da alteração ao artigo 72.º.
23. Com a alteração introduzida ao artigo 72º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, operada por via da introdução dos atuais n.º 9 e 10 (anteriores n.ºs 7 e 8) do artigo 72.º, veio permitir-se que, tanto residentes como não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2 (consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor), do mesmo Código, desde que optem pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território.
24. Opção que o Requerente entendeu não fazer.
25. Por outro lado, atendendo a que o Requerente não auferiu em Portugal rendimentos que representem, pelo menos, 90% da totalidade dos seus rendimentos relativos ao ano em causa, incluindo os obtidos fora do território português (artigo 17.º-A), também não pode aplicar o presente regime.
26. Face à declaração modelo 3 entregue, não há qualquer erro que seja imputável ao Requerente, pelo que não poderão ser devidos juros indemnizatórios.
27. Sem prejuízo, acrescenta ainda a Requerida que o pedido nunca poderia proceder na sua totalidade face ao princípio da divisibilidade do ato tributário já que, atentos aos fundamentos apresentados, a liquidação apenas deverá ser anulada parcialmente.
28. Face às questões colocadas importa, antes de mais, analisar-se o quadro normativo aplicável à tributação das mais-valias imobiliárias realizadas por sujeitos passivos residentes noutro Estado-membro da União Europeia, nas vertentes relativas à incidência tributária, determinação da base tributável e taxa aplicável.
Da incidência tributária
Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do artigo 10.º, do Código do IRS, “constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis...”.
Esses rendimentos, desde que resultantes da transmissão de direitos reais relativos a imóveis situados em território português consideram-se aqui obtidos (CIRS, art. 18.º, n.º1, al. h), ficando, assim, abrangidos pela incidência deste tributo quando auferidos por titulares não residentes (CIRS, arts.13.º, n.º 1 e 15.º, n.º 2).
Conforme resulta do artigo 10.º, n.º 4, do Código do IRS, o ganho sujeito a tributação é constituído pela diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição, sendo este valor atualizado pelo coeficiente de correção monetária e acrescido de encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos e bem assim das despesas necessárias e efetivamente praticadas inerentes à aquisição e alienação, nos termos dos artigos 50.º e 51.º do mesmo Código.
O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias, integrando a Categoria G do IRS, é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, conforme prevê o artigo 43.º, n.º 1, do citado Código.
No entanto, segundo o n.º 2 do mesmo artigo, na redação em vigor à data da ocorrência do facto tributário a que se reporta o presente pedido de pronúncia arbitral, o referido saldo, positivo ou negativo, quando respeitante a mais-valias imobiliárias, é apenas considerado em 50% do seu valor, quando “respeitante às transmissões efetuadas por residentes”
Quando auferidos por sujeitos passivos residentes esses rendimentos são sujeitos a englobamento e, em conjunto com outros rendimentos auferidos no mesmo ano pelos respetivos titulares, sobre eles incidem as taxas gerais previstas no artigo 68.º do Código do IRS.
Diversamente, se esses rendimentos forem auferidos por titulares não residentes em território português, são sujeitos a tributação autónoma, incidente à taxa especial de 28% sobre a totalidade das mais-valias, nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código.
A assinalada desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias entre os sujeitos passivos residentes e não residentes foi submetida à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, por via de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo (Ac. de 28-09-2006, Proc.439/06).
Respondendo à questão colocada, o Tribunal de Justiça, em acórdão de 11-10-2007, proferido no Proc. C-443/06 (Hollmann), declarou que “ O artigo 56º deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.”
Na sequência da referida decisão, o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 16-01-2008, proferido naquele Processo 439/06, veio igualmente a decidir que “ O n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal, viola o disposto no art. 56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia.”
A orientação referida tem vindo a ser invariavelmente seguida pelo Supremo Tribunal Administrativo conforme se pode verificar dos acórdãos de 22-03-2011- Proc. 01031/10, de 10-10-2012, Proc. 0533/12, de 30 -04-2013, Proc. 01374/12, de 18-11-2015, Proc. 0699/15, de 03-02-2016, Proc. 01172/14 e, mais recentemente, de 20-02-2019, Proc. 0901/11.
Porém, o legislador nacional, por via da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, procurou obviar o tratamento discriminatório dos residentes comunitários e do Espaço Económico Europeu, facultando-lhes, em termos opcionais, a possibilidade de tributação das mais-valias imobiliárias em condições similares às aplicáveis aos residentes em território português, aditando ao artigo 72.º do Código do IRS os números 7 e 8 (n.ºs 9 e 10 à data dos factos, na renumeração operada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, a que correspondem os atuais n.ºs 13 e 14), com a seguinte redação:
“9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.
10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”
Contrariamente ao entendimento da Requerida, o regime opcional acima referido não veio sanar o regime discriminatório que se mantém em vigor e foi aplicado às liquidações de IRS ora questionadas.
Após a alteração legislativa acima referida ficaram a vigorar, na área da tributação dos rendimentos qualificados como mais-valias originadas pela transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes: um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento e um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes.
Este regime específico de equiparação aos residentes é opcional, não afastando, contudo, o carácter discriminatório da norma do artigo 43.º, n.º 2, conforme, aliás, tem vindo a ser decidido em diversas decisões arbitrais.
Com efeito, esta matéria, já na decorrência de situações posteriores à alteração legislativa acima referida, tem vindo a ser objeto de diversas decisões arbitrais tendo-se firmado jurisprudência, largamente maioritária, no sentido de que a opção em causa, constitui um ónus suplementar comparativamente aos residentes, insuscetível de excluir a discriminação em causa.
Nesse sentido, pode ler-se na decisão arbitral de 22-05-2019, Proc.74/2019-T, “Sucede que a existência deste regime não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda em vigor e que foi aplicado à liquidação de IRS em causa.
De facto, atualmente, em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não residentes neste território, mas residentes noutro Estado membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu, resulta do disposto nos n.ºs 1 e 8 do artigo 72.º do Código do IRS que, coexistem dois regimes fiscais:
i. O regime que sujeita os rendimentos a uma taxa especial de 28% e
ii. O regime equiparado ao que vigora para os sujeitos passivos residentes em território português, segundo o qual, os mesmos rendimentos são sujeitos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do nº 2 do citado artigo 43.º do Código do IRS.
Porém, a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não sendo a opção de equiparação suscetível de excluir a discriminação em causa.
Na realidade, o regime de equiparação atualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o caráter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal.
Neste sentido, o TJUE considerou, no Acórdão Gielen, de 18/03/2010 (Processo C-440/08), num caso de evidente paralelismo (ainda que naquele acórdão estivesse em causa a violação do artigo 49.º), o seguinte:
a. «a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (...) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório», frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.».
b. «o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (...) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.° TFUE em razão do seu carácter discriminatório».
c) O Tratado «se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (...) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes”.
No mesmo sentido, considerou-se, em decisão arbitral de 14-05-2013, Proc. 127/2012-T que “(...) a opção que é dada a um sujeito passivo residente na União Europeia ou espaço económico europeu entre um regime que continua a ser discriminatório, por violação do disposto art. 63.º da TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes no território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes. Concluindo aquele aresto que «ao se reconhecer que os referidos efeitos não são eliminados, estar-se-á a admitir que a referida opção valida um regime fiscal que continua em si mesmo a violar o artigo 63.º do TFUE, pelos motivos acima enunciados, o que não se coaduna com o direito comunitário.
É, pois, esta a orientação que tem vindo a ser acolhida na jurisprudência arbitral do CAAD, não só nas decisões acima citadas, como em muitas outras, designadamente as proferidas nos processos 748/2015-T, 89/2017-T, 520/2017-T, 617/2017-T, 644/2017-T, 370/2018-T,583/2018-T, 596/2018-T 600/2018-T e 613/2018-T, não se suscitando quaisquer dúvidas sobre a incompatibilidade do atual quadro normativo em causa com o direito comunitário, em especial com o artigo 63.º do TFUE.
Também dúvidas se não suscitaram ao Supremo Tribunal Administrativo que, em acórdão de 20-02-2019, proferido no Proc. 0901/11.0BEALM.0692/17 – reportando-se a mais-valias realizadas em 2010, portanto já na vigência das alterações introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007 - se pronunciou sobre a matéria em causa nos seguintes termos: “12. O Estado Português, através da Lei 3-B/2010 de 28-04, instituiu um regime opcional, ex vi n.os 7 e 8 do artigo 72.º do CIRE, com vista à equiparação dos não residentes aos residentes, permitindo àqueles a opção de englobamento dos rendimentos obtidos por mais-valias imobiliárias e, assim, serem tributados em condições similares às dos residentes.
13. Tratando-se de um regime opcional e mantendo-se o regime geral discriminatório, a sua apreciação foi objecto do Acórdão Gielan de 18-03-2010 do TJUE, que veio a manter as anteriores conclusões referidas no Acórdão Hollmann.
14. E no caso sub judice foi a Autoridade Tributária que determinou a forma de tributação, através da correcção da liquidação, não validando os elementos declarados pelos Impugnantes na sua declaração anual de IRS, não dando hipótese do exercício desta opção aos Impugnantes.
15. Mesmo assim, tal regime opcional não vem sanar a discriminação entre as normas do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS e o artigo 56.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, já que a norma anterior se manteve como geral, apenas sendo criada uma outra opcional.
16. Na verdade, já este STA se pronunciou em situação similar à presente - acórdão de 03-02-2016, Proc. 01172/14 – negando provimento a um recurso e decidindo no sentido de que tributação em sede de mais valias imobiliárias apuradas por um não residente, devem ser consideradas apenas em 50%, evitando assim a situação discriminatória que a Fazenda Pública pretende ver aqui reconhecida.
17. Concluindo que a aplicação do nº 2 do artigo 43 do CIRS, que discrimina negativamente a tributação dos não residentes face aos residentes, é incompatível com o direito comunitário, porque limita os movimentos de capitais que o artigo 56 do Tratado CE consagra”
Acompanhando, sem reservas, a jurisprudência do CAAD e do STA acima referidas, considera o Tribunal que se não suscitam dúvidas quanto a incompatibilidade com o direito comunitário das normas aplicadas às liquidações impugnadas, concluindo-se pela desnecessidade de reenvio prejudicial e, pela mesma razão, não se vendo justificação para a suspensão dos presentes autos conforme pretensão da Requerida.
Nestes termos, julga-se incompatível com o direito comunitário a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63 do TFUE.
Em conformidade, o ato ora impugnado é anulado parcialmente, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária.
Do direito a juros indemnizatórios
A par da anulação dos atos de liquidação, e consequente reembolso das importâncias indevidamente cobradas, o Requerente solicitou ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.
Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido." Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.
O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.
No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação, pelas razões que se apontaram anteriormente, o Requerente efetuou o pagamento de importâncias manifestamente indevidas.
Resulta, também, dos autos, que a ilegalidade do ato de liquidação objeto do presente processo é diretamente imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal, padecendo de errada aplicação das normas jurídicas ao caso concreto. Contrariamente ao alegado pela Requerida, a liquidação foi feita pela AT, sem que ao Requerente fosse facultada a opção de tributação nos termos do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS.
Reconhece-se, assim, ao Requerente o direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre os montantes indevidamente cobrados, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do efetivo reembolso (cfr. LGT, art. 43.º, n.º 1 e CPPT, art. 61.º).
V. Decisão
Nos termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:
Determinar a anulação parcial do ato de liquidação n.º 2019... impugnado, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária, com o consequente reembolso das importâncias indevidamente cobradas, acrescidas dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais.
Valor do processo: Perante um erro na determinação ou na indicação do valor da utilidade económica do pedido pelo sujeito passivo, o tribunal arbitral deverá corrigir oficiosamente o erro, assim que se aperceba do mesmo, podendo fazê-lo por despacho, decisão interlocutória ou mesmo na decisão final.
Perante o exposto supra quanto ao pedido e causa de pedir, considera-se fixado o valor da causa em € 10.656,72 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 918.00, a cargo da Requerida (AT).
Lisboa, 31 de outubro de 2020
O Árbitro
(Amândio Silva)