DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha (árbitro-presidente), Dra. Marisa Almeida Araújo e Dra. Catarina Belim (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 17 de março de 2020, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A... S.A., pessoa coletiva número..., com sede na ..., n.º..., Porto, adiante designada por “Requerente”, vem, por pedido de 30 de dezembro de 2019, requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, ao abrigo do regime excecional constante do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro e nos termos conjugados do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º n.º 3 e 6.º n.º 2, alínea a), todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
2. O Requerente pretende, nos termos do artigo 99.º, alíneas a), c) e d) do CPPT, a anulação da decisão de indeferimento constante do despacho de 08.01.2013 do Subdiretor-Geral da Área de Gestão do IVA, exarado na Informação n.º 1014 de 07.01.2013, quanto ao pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente em 23.12.2011 (doravante “Pedido de Revisão”) e, bem assim, como objetos mediatos da mesma, os atos de (auto)liquidação de IVA realizados nas declarações periódicas de IVA dos períodos compreendidos entre janeiro de 2007 e dezembro de 2008, e consequente correção a favor do Requerente de um valor de IVA de € 1.880.059,33, com as consequências legais.
3. O Pedido de Revisão tem por objeto a dedução (adicional) de IVA por aplicação do método de afetação real a três áreas de negócio do Requerente: (i) terminais de pagamentos automáticos (ii) débitos diretos e (iii) pagamento de serviços via SIBS.
4. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”).
5. Como fundamento da sua pretensão o Requerente alega os seguintes vícios:
- de ordem formal: (i) falta de audição prévia do Requerente quanto à decisão de indeferimento do Pedido de Revisão, em violação do artigo 60.º da LGT e (ii) falta de fundamentação da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão, por a AT se limitar a concluir no sentido da inexistência de erro passível de revisão oficiosa, com falta da análise – doutrinal, jurisprudencial e letra da lei – do conceito de “erro na autoliquidação” e de “erros materiais ou de cálculo no registo”, em violação dos artigos 36.º do CPPT e 77.º da LGT;
- de ordem material: (i) incorreta interpretação dos artigos 98.º n.º 1 do Código do IVA e 78.º da LGT ao desconsiderar o Pedido de Revisão como meio tutelar adequado às correções pretendidas e a obrigação legal de revisão dos atos de liquidação de IVA em apreço, (ii) inaplicabilidade do Ofício-Circulado n.º 30103 e do artigo 78.º do Código do IVA ao caso concreto e (iii) violação do dever da AT de corrigir os erros verificados, nos termos dos artigos 266.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e artigo 55.º da Lei Geral Tributária, em manifesta violação das regras de dedução de IVA.
6. O Requerente entende que o meio tutelar judicial adequado para impugnar os atos em causa é a impugnação judicial prevista nos artigos 99.º e seguintes do CPPT (que tem, como meio alternativo, o pedido de pronúncia arbitral para declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação de tributos, nos termos do artigo 124.º n.º 2 da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril e artigo 2.º n.º 1, alínea a) do RJAT ex vis artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018), e não a ação administrativa especial, na medida em que está em causa uma decisão que comporta a apreciação da legalidade de atos de autoliquidação, sujeita ao processo judicial de impugnação tributário nos termos do artigo 97.º n.º 2 do CPPT, a contrario. Requer que caso assim não se entenda, o Tribunal convole o presente processo no meio judicial que julgar adequado, nos termos do artigo 98.º n.º 4 do CPPT.
7. O Requerente solicita ao Tribunal, a par da anulação da decisão que recaiu sobre o Pedido de Revisão, ao abrigo do princípio da legalidade tributária e utilizando os poderes que lhe assistem, a imposição erga omnes da retificação do erro que gerou a tributação ilegal apresentando para o efeito os elementos que sustentam os cálculos da dedução adicional de IVA que peticiona, i.e. que sustentam o mérito do Pedido de Revisão.
8. Com o pedido de pronúncia arbitral (doravante “PPA”), o Requerente juntou 6 documentos, protestou juntar o documento 7 e requereu prova testemunhal.
9. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
10. O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 17.03.2020.
11. Tendo sido notificada para o efeito, a Requerida apresentou Resposta a 16.04.2020, na qual se defende por impugnação e pugna pela improcedência e consequente absolvição do pedido. Invoca, em síntese: (i) que nos termos do artigo 60.º n.º 2 da LGT é dispensada a audição no caso de a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte, o que foi o caso; mesmo que assim não se entenda, uma vez que o ato de indeferimento sempre seria mantido pela AT, o mesmo, ao abrigo da economia processual, deve ser aproveitado (ii) que inexiste vício de falta de fundamentação na medida em que o ato de indeferimento contém, de forma percetível, todos os factos e disposições em que a AT se baseou para a decisão, e, ainda que assim não se entendesse, o vício sempre estaria sanado quando o Requerente demonstra, pela sua contestação, que apreendeu o exato alcance do mesmo (iii) que a aplicação dos métodos de dedução do IVA está sujeita à disciplina especial do artigo 23.º do Código do IVA e, em particular do n.º 6 deste artigo, que indica que o método de dedução por afetação real ou prorata é calculado de forma provisória durante todo o ano civil, podendo ser efetuados ajustamentos de acordo com os valores definitivos, no final de cada ano, na última declaração periódica do ano a que respeitam e que no presente caso a alteração do método de dedução de prorata para afetação real pretendida não consubstancia um erro material ou de cálculo no registo ou erro nos pressupostos da tributação (erro incorrido na qualificação das operações para efeitos de direito à dedução do imposto incorrido a montante) que legitime o uso do pedido de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da LGT - uma vez que, quando o Requerente procedeu à entrega das declarações periódicas de IVA, declarou o que pretendia declarar e se encontrava registado na contabilidade, não tendo ocorrido qualquer erro de transcrição das faturas ou documentos de suporte para os registos, ou dos registos para as declarações periódicas - pelo que a AT não está vinculada à correção pretendida (iv) que o Ofício-Circulado n.º 30103 mais não faz do que clarificar o regime legal já contido no artigo 23.º do Código do IVA com as alterações do OE 2008 e (v) que a Requerida não está obrigada à revisão dos atos em causa nos termos do artigo 266.º n.º 2 da CRP e 55.º LGT uma vez que estes artigos têm que ser coordenados com a revisão oficiosa do 78.º da LGT a qual só pode ser acionada em caso de erro na autoliquidação, o que não se verifica no caso concreto. Para mais, à data da apresentação do Pedido de Revisão – 23 de dezembro de 2011 – já não poderia ser corrigida a consideração, como custo, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do IVA (não deduzido) que o Requerente pretende ver corrigido a seu favor, por força da caducidade do direito à liquidação, que ocorreria a 31 de dezembro de 2011 e, em sede de ónus da prova, o Requerente não juntou ao Pedido de Revisão toda a documentação de suporte à recuperação adicional de imposto, não logrando cumprir o ónus da prova do artigo 74.º n.º 1 da LGT.
12. Quanto à questão do meio tutelar judicial, a Requerida entende que no caso concreto é aplicável a Impugnação Judicial, na medida em que a decisão de indeferimento do Pedido de Revisão “aprecia a legalidade dos atos de autoliquidação em análise”.
13. O Requerente solicitou, a 12.06.2020, a junção de documento anteriormente junto ao processo número .../13...BEPRT da 3.ª unidade orgânica do TAF do Porto (processo que foi cometido para arbitragem nos termos do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018 e que originou o presente processo arbitral) e o qual tem por título “Explicação do Procedimento e dos documentos fornecidos em formato digital como documento 7”.
14. Este documento foi admitido ao abrigo do princípio da autonomia do tribunal na condução do processo e tendo em atenção que o artigo 425.º do CPC, subsidiariamente aplicável, não exclui que os documentos possam ser apresentados até ao encerramento da discussão.
15. Foi dado direito de contraditório à Requerida, que impugnou este documento.
16. No dia 2.07.2020 teve lugar a reunião do artigo 18.º do RJAT, por recurso a meios de comunicação à distância.
17. As Partes foram ouvidas sobre os pedidos de junção de documentos do Requerente e junção do Processo Administrativo (doravante “PA”) e foi ouvida a testemunha arrolada pelo Requerente.
18. No final da reunião, a Requerida foi notificada de um prazo adicional de 10 dias para juntar o PA, as Partes foram notificadas para apresentar alegações sucessivas e foi prorrogado o prazo de decisão da sentença arbitral, tendo em conta as férias judiciais, a tramitação processual subsequente definida e a grave e notória situação pandémica vivida desde março de 2020. Foi designado o dia 17.11.2020 como data limite para a prolação e notificação às partes da decisão arbitral final.
19. No dia 31.08.2020 foi junto ao processo o documento 7 protestado juntar no PPA em formato pen drive, uma vez que o formato de parte do documento (excel) não ter tornado possível ao Requerente – sem comprometer a correta leitura dos documentos – proceder à sua correta leitura por junção através de formato pdf.
20. A Requerida não juntou o PA ao processo até à data de prolação da presente decisão.
21. Em 9.09.2020 a Requerente apresentou as respetivas Alegações mantendo a posição anteriormente assumida e impugnando de forma específica e na sequência da reunião do artigo 18.º do RJAT a alegação da Requerida sobre a impossibilidade de revisão por impossibilidade prática de correção concomitante para efeitos de apuramento do lucro tributável em IRC.
22. A Requerida não apresentou Alegações.
II. SANEAMENTO
Questão Prévia – meio tutelar – ação arbitral ou ação administrativa especial
23. Cabe, a título prévio, apreciar se a ação arbitral é o meio tutelar próprio para impugnar o ato de indeferimento do Pedido de Revisão ou se a questão deveria ser tutelada pela ação administrativa especial.
24. No entender do Requerente, o meio tutelar judicial adequado para impugnar os atos em causa é a impugnação judicial prevista nos artigos 99.º e seguintes do CPPT (e, como meio alternativo, o pedido de pronúncia arbitral para declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação de tributos, nos termos dos artigo 124.º n.º 2 da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril e artigo 2.º n.º 1, alínea a) do RJAT ex vis artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018), na medida em que está em causa uma decisão que comporta a apreciação da legalidade de atos de autoliquidação, sujeita a impugnação judicial tributária nos termos do artigo 97.º n.º 2 do CPPT, a contrario.
25. A mesma posição tem a Requerida que, na sua Resposta (artigo 8º), indica que o meio judicial de reação adequado é a impugnação judicial, nos termos do artigo 97.º n.º 1, als. d) e p) e n.º 2 do CPPT, na medida em que a decisão de indeferimento do Pedido de Revisão aprecia e conclui pela legalidade dos atos sub judice por ausência de “erro na autoliquidação”.
26. Com efeito, embora na informação sobre que recaiu a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do ato tributário se tenha concluído que este pedido só pode fazer-se quando a iniciativa tiver lugar dentro do prazo da reclamação administrativa, com fundamento em qualquer ilegalidade, o certo é que, em diversos outros considerandos a Administração admite que não ocorreu, na situação do caso, um qualquer erro de autoliquidação.
27. O que se torna patente, em especial, nos pontos 33 e 35, onde se refere:
“33. Nesta conformidade, atendendo à matéria em causa, parecem não resultar dúvidas de que não configura erro de autoliquidação, não sendo, por conseguinte, aplicável o disposto no artigo 78º da LGT, nem, por outro lado, se enquadra no tipo de regularizações previstas no artigo 78º do CIVA, não podendo, assim, o requerente socorrer-se do mecanismo da revisão oficiosa para proceder a regularizações provenientes de uma alteração do método de dedução utilizado nos anos em referência.
[…]
35.Assim sendo, visando a Revisão Oficiosa dos atos tributários, nos termos do artigo 78º da LGT, a correção de atos de liquidação, quer sejam determinados por iniciativa da AT, ou do sujeito passivo, não tendo ocorrido qualquer erro de autoliquidação, na medida em que não se verificou qualquer irregularidade no cálculo do imposto, quer a nível dos registos contabilísticos, quer a nível do preenchimento das declarações periódicas, mas sim a pretensão de alterar o método de dedução, somos de parecer não existir enquadramento legal para o pedido de revisão oficiosa, apresentado com base em erro na autoliquidação, por não se encontrarem reunidos os fundamentos para aplicação do artigo 78º da LGT”.
28. E ainda que se entenda que a impugnação judicial só constitui o meio processual adequado quando o ato tributário a impugnar contiver efetivamente a apreciação da legalidade de um ato de liquidação, tal como se decidiu, em situação similar, no acórdão do STA de 14 de Maio de 2015 (Processo n.º 01958/13), esse é ainda o meio próprio quando a decisão de indeferimento, tendo manifestado concordância com a proposta formulada pelos serviços, assenta em dois diferentes fundamentos: por um lado, considerou-se que o pedido de revisão é extemporâneo por não ter sido apresentado dentro do prazo de reclamação graciosa; por outro lado, entendeu-se não se ter verificado a ilegalidade do ato tributário por erro imputável aos serviços.
29. E, nesse sentido, a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, por efeito de um dos fundamentos invocados, comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação e cabe no âmbito de aplicação do artigo 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT.
30. Nestes termos, estando em causa a impugnação de um ato que comporta a apreciação da legalidade sobre as (auto)liquidações efetuadas, a pretensão do Requerente é tutelada pelo processo de impugnação judicial tributário e, em consequência, pelo processo de arbitragem tributária, sendo assim este tribunal competente para decidir sobre a pronúncia arbitral solicitada.
***
31. O Tribunal é competente.
32. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, conjugado com o artigo 2.º n.º 1, alínea a) “declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação”, 5.º n.º 3 e 6.º n.º 2, alínea a) do RJAT.
33. O processo não enferma de vícios que o invalidem na totalidade.
34. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas.
35. Cabe apreciar e decidir.
MATÉRIA DE FACTO
A. Factos provados
36. O Requerente é uma sociedade anónima que se encontra coletada pela atividade de “Outra Intermediação Monetária” – CAE 64190, estando enquadrada em sede de IVA, desde 01/04/1986 até à data, no Regime Normal Mensal.
37. Para efeitos de IVA, o Requerente assume a natureza de “sujeito passivo misto”, uma vez que realiza simultaneamente operações que conferem o direito à dedução do imposto por si incorrido e operações que não conferem tal direito, nos termos do artigo 20.º do Código do IVA.
38. O Requerente utilizou os dois métodos de dedução parcial legalmente previstos:
3.1. a afetação real, para a dedução do IVA relativo aos recursos exclusivamente afetos à realização de operações que conferem o direito à dedução e de operações que não conferem tal direito, e
3.2. o método geral do pro rata de dedução, para a dedução do imposto incorrido na aquisição de recursos comuns a ambas as atividades mencionadas no artigo anterior.
39. O Requerente, no âmbito de revisão internas aos procedimentos adotados nos anos de 2007 e 2008, não exerceu o direito à dedução do valor do IVA.
40. No âmbito da revisão referida no número anterior, o Requerente identificou três áreas de negócio em que as operações associadas são tributadas em IVA, em que são utilizados recursos que lhes estão exclusivamente afetos:
40.1. A área dos terminais de pagamento automático;
40.2. A área dos débitos diretos; e
40.3. A área do pagamento de serviços.
41. Os terminais de pagamento automático são equipamentos eletrónicos cedidos pela Requerente aos seus clientes para que estes possam disponibilizar, no âmbito das respetivas atividades, o pagamento de bens e/ou serviços através de cartão de crédito ou débito sendo que a utilização de um cartão de crédito ou de débito nos referidos terminais gera um fluxo de informação no sistema interbancário entre a entidade emissora do cartão e a instituição financeira que apoia o comerciante mediante o qual, após autorização, o valor da transação é transferido pela entidade emissora do cartão para a conta de depósitos à ordem do comerciante.
42. Os clientes do Requerente que pretendam aderir a este sistema celebram com o Requerente um contrato de adesão ao serviço de pagamento automático – Documento 3 –, nos termos do qual o Requerente assume um conjunto de obrigações, incluindo a disponibilização de equipamento e de serviços de comunicações necessários para assegurar a prestação do serviço.
43. Os referidos serviços são tributados em IVA à taxa normal, que o Requerente liquida nos termos gerais – conforme Documento 4.
44. Quanto a estes serviços o Requerente concede a alguns clientes deste serviço descontos nas comissões definidas, podendo tal desconto atingir 100%, consoante a importância do cliente para a atividade global do Requerente.
45. Para a prestação dos serviços contratualmente definidos, o Requerente necessita dos seguintes recursos:
45.1. Aquisição, locação, instalação e manutenção dos equipamentos. Estes serviços são prestados pelas empresas J... (entretanto adquirida pela B..., passando a designar-se por C...), D... e E...- Prestação de Serviços, ACE.
45.2. Ligação inicial e mensal dos equipamentos ao sistema da Sociedade Interbancária de Serviços (SIBS). Estes serviços são prestados por esta entidade e consistem na ligação do equipamento ao seu sistema central.
45.3. Comunicações e mensalidades. Estes serviços são prestados pela SIBS (serviços de comunicações referentes a linhas comutadas e dedicadas), I... (serviços associados a mensalidades DOV e DOV Plus, quando aplicável) e E...- Prestação de Serviços, ACE (serviços de comunicações em GSM/GPRS relativos aos terminais de pagamento automático móveis, contratados por esta entidade junto dos operadores móveis F..., G... e H...).
45.4. Instalação e desinstalação de Linhas DOV. Estes serviços são prestados pela I... .
46. Os serviços prestados, os recursos utilizados e cada fornecedor para cada serviço são:
47. Os serviços prestados pelo Requerente na área dos terminais de pagamento automático configuram operações tributadas em IVA, estabelece-se um nexo direto e imediato entre os bens e serviços adquiridos e os serviços prestados.
48. O Requerente tem direito a deduzir pelo método da afetação real o IVA incorrido na aquisição dos bens e serviços referidos nos pontos anteriores, apurado com base em critérios de imputação objetivos que demonstram o grau de utilização desses mesmos recursos:
49. Os critérios de imputação apurados para os anos de 2007 e 2008 são os seguintes:
50. Os pro rata de dedução de IVA são, por referência aos anos de 2007 e 2008, de 26% e 23%, respetivamente.
51. O valor de IVA é de € 778.767,02 referente ao ano de 2007 e de € 744.413,38 referente ao ano de 2008:
52. O sistema de débitos diretos é um sistema interbancário que permite a realização de pagamentos por débito direto em conta, sendo prestado por uma instituição de crédito ao credor dos montantes em causa. O débito em conta é efetuado com base numa autorização dada pelo devedor à instituição de crédito em que tem domiciliada a conta a debitar, mediante a qual o devedor autoriza o credor a efetuar cobranças na conta de depósito aberta em seu nome nessa instituição de crédito.
53. O sistema de débitos diretos permite às empresas credoras (clientes do Requerente) centralizar numa instituição de crédito todas as suas cobranças, independentemente da instituição financeira em que os seus clientes tenham a conta a debitar domiciliada.
54. Os serviços de apoio prestados pela instituição de crédito ao credor consubstanciam um serviço de simples cobrança de dívidas, serviço este que corresponde a uma operação tributada em IVA à taxa normal
55. O Requerente liquida IVA sobre os serviços em análise, à taxa normal.
56. Por razões comerciais, o Requerente concede a alguns clientes deste serviço descontos nas comissões definidas no referido preçário, podendo tal desconto atingir 100%, consoante a importância do cliente para a atividade global do Requerente.
57. O Requerente identificou recursos exclusivamente afetos à prestação deste serviço, que correspondem a serviços prestados pela SIBS relativos a instruções de débito direto, remunerados pelas seguintes comissões:
57.1. N76 - Comissão por rejeição de instruções de débito direto;
57.2. N77 - Comissão por anulação de instruções de débito direto;
57.3. N7H a N7L - Comissão por registo de instruções de débito direto.
58. O critério de imputação nesta área foi:
59. Para os anos de 2007 e 2008 os critérios foram:
60. Considerando o valor do IVA incorrido nos recursos identificados, o valor do IVA que foi recuperado com base no pro rata e o critério de imputação descrito, o Requerente apurou um valor de IVA a deduzir adicionalmente de € 25.690,66 relativo a 2007 e € 31.283,73 relativo a 2008:
61. O pagamento de serviços é um serviço prestado pelo Requerente que permite às empresas aderentes disponibilizarem aos seus clientes, através da rede Multibanco, o pagamento das faturas referentes às prestações de serviços realizadas.
62. Através do serviço prestado pelo Requerente, a empresa aderente fornece ao seu cliente os dados que possibilitam o pagamento dos valores em dívida na rede Multibanco. Desta forma, o aderente ao serviço receberá, na sua conta de depósitos à ordem, os fundos resultantes dos pagamentos processados, deduzidos das comissões acordadas com o Requerente.
63. Os serviços prestados pelo Requerente nos termos descritos são operações tributadas em IVA à taxa normal – Documento 6.
64. Por razões comerciais, o Requerente concede a alguns clientes deste serviço descontos nas comissões definidas no referido preçário, podendo tal desconto atingir 100%, consoante a importância do cliente para a atividade global do Requerente.
65. Para a realização deste serviço foram identificados os recursos diretamente afetos a estas operações, os quais se consubstanciam em comissões cobradas pela SIBS, em especial, as seguintes rubricas:
65.1. G2 - Transações - Outras operações;
65.2. H7A - Tarifa mensal por entidade ativa no pagamento de serviços;
65.3. H7B - Tarifa mensal por serviço especial parametrizado.
66. Os critérios de imputação apurados para os anos de 2007 e 2008 foram:
67. Tendo os critérios de imputação para os anos de 2007 e 2008 os seguintes:
68. Considerando o valor do IVA incorrido referente aos recursos identificados, o valor do IVA recuperado com base no pro rata e os critérios de imputação descritos, o Requerente apurou um valor de IVA a deduzir adicionalmente de € 117.369,30 relativo a 2007 e € 182.535,24 relativo a 2008:
69. O Requerente apresentou, em 23 de dezembro de 2011, pedido de revisão das autoliquidações de IVA referentes ao período de janeiro de 2007 a dezembro de 2008, para regularização do imposto a seu favor de € 1.880.059,33.
70. Em 9 de janeiro de 2013, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão oficiosa apresentado.
71. Da decisão de indeferimento resulta, nomeadamente, que,
72. O Requerente apresentou o presente pedido arbitral a 30 de dezembro de 2019.
B. Factos não provados
73. Não se deram como não provados factos com relevância para a apreciação do mérito da causa.
C. Motivação da matéria de facto
75. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
76. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
77. O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e factos notórios, e a prova testemunhal produzida.
78. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas ou de direito, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
79. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
80. O Requerente apresentou documentação – mormente documento n.º 7 – no qual se inclui um extenso leque de documentos, incluindo extratos de contabilização das faturas, cópias das faturas relacionadas com as aquisições de bens e serviços cujo IVA se pretende recuperar; mapas de rentabilidade dos terminais de pagamento automático; mapas das comissões dos débitos diretos; mapa das comissões relativas aos pagamentos de serviços. Sendo certo que a AT impugnou todo o teor documental – ainda que este documento n.º 7 só tenha sido entregue mais tarde pelo Requerente – mas sem qualquer demonstração ou contraprova face ao teor factual apresentado.
Cabe apreciar:
81. Neste âmbito, e para efeitos de fundamentação da matéria de facto dada como provada, o tribunal considerou, desde logo sobre quem recaía o ónus da prova e a respetiva repartição atendendo ao objeto da causa.
82. As regras do ónus da prova no procedimento tributário constam do artigo 74.º da LGT, que estabelece o seguinte:
1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
2. Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correta identificação junto da administração tributária.
3. Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação.
83. Por sua vez, como resulta do disposto no artigo 75.º da LGT, os dados e apuramentos inscritos na contabilidade do sujeito passivo presumem-se verdadeiros e só quando a contabilidade contiver omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável é que cessa essa presunção, implicando que recaia sobre o sujeito passivo o ónus da prova dos factos que constam da escrita.
84. O artigo 74.º estabelece o princípio geral quanto ao ónus da prova, ao consignar que a prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (n.º 1).
85. O corolário do princípio da legalidade administrativa, de acordo com o qual a Administração só pode agir se isso lhe permitir a lei, e não pode fazê-lo contra ela sendo que os pressupostos da sua atuação são, pois, factos constitutivos do seu direito a agir, cuja prova lhe compete.
86. Porém, no caso vertente, é o Requerente que se arroga um direito à dedução do IVA, que não é reconhecido pela Administração Tributária, lhe cabe provar a ocorrência dos factos em que assenta esse direito, sendo ao contribuinte que cabe o ónus de prova da existência dos factos tributários em que se fundamenta esse direito e que, no caso, pretendeu acionar por via do pedido de revisão oficiosa.
87. Mas se isto é assim pelo lado do sujeito passivo, não cabe à AT uma posição de impugnação não motivada, cabendo-lhe, por sua vez, a prova da verificação dos pressupostos legais do não reconhecimento do direito à dedução que resulta do indeferimento do pedido de revisão.
88. Na situação em apreço, o Requerente alega ter suportado imposto em excesso que agora quer deduzir tendo, para o efeito, juntado aos autos um imenso manancial de documentos que usou para os cálculos e critérios que apresentou, no âmbito de uma revisão interna de procedimentos que levou a cabo, tendo em vista a demonstrar os montantes que devem constar do numerador e do denominador da fração destinada a apurar a percentagem de dedução (mormente documento n.º 7).
89. A AT não apresentou qualquer motivação que permitisse a este tribunal desconsiderar estes cálculos, nem juntou tão pouco o processo administrativo, pelo que não constam quaisquer elementos instrutórios que não sejam o próprio pedido de revisão oficiosa e os documentos que a ele se encontravam juntos e juntos a estes autos.
90. A AT não se pode escudar que o Requerente não logrou identificar com precisão as operações em causa e demonstrar a validade dos cálculos efetuados com vista à quantificação dos montantes exigidos, sem, todavia, questionar os factos alegados no pedido arbitral e impugnar ou contraditar os documentos que foram juntos ao pedido.
91. Em suma, a AT não impugnou especificadamente os factos em que a Requerente pretende basear o seu direito à dedução do IVA nem imputou quaisquer erros ou inexatidões aos documentos apresentados que pudessem afastar a presunção de veracidade da contabilidade a que alude o art. 75.º da LGT.
92. Certo é que o CPPT, no âmbito da impugnação judicial, não impõe à contraparte o ónus de impugnação especificada dos factos alegados, mas confere ao juiz a possibilidade de apreciar livremente a atitude processual da entidade demandada (artigo 110.º, n.º 7).
93. Desta forma, face aos elementos documentais o tribunal, em face das circunstâncias do caso, interpretar a falta de impugnação especificada como constituindo a confissão tácita dos factos articulados na petição ou entender, ainda assim, esses factos como não provados (cfr. JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 5.ª edição, Coimbra, págs. 302-303).
94. No caso, não existe qualquer motivo para desconsiderar os factos alegados pelo Requerente e os documentos juntos ao pedido, havendo de entender-se que foi efetuada a prova da existência dos factos de que depende o exercício do direito.
95. Por outro lado, a Administração, não só não impugnou especificadamente os factos articulados na petição, como não colocou em dúvida a veracidade dos documentos juntos, e não produziu qualquer meio de prova que permitisse pôr em causa a pretensão do Requerente, pelo que não pode dizer-se que tenha sido feita a prova, que incumbia à Administração, da verificação dos pressupostos legais do não reconhecimento do direito à dedução de imposto.
96. Esta é a conclusão que o tribunal tira, aliás, da própria análise da amostra apresentada pela Requerente, o que permite, no mais, sufragar o próprio princípio previsto no art. 75.º, bem como da prova testemunhal apresentada que se mostrou com conhecimento direto dos factos, acompanhando o processo que foi conduzido pelo Requerente.
97. A testemunha trabalha na assessoria fiscal do banco, tendo conhecimento do procedimento adotado pelo Requerente, mormente a contratação de uma consultora – com quem trabalhou diretamente - e que, na sequência desse trabalho, foi identificado que em algumas áreas de negócio o banco não estava a deduzir todo o IVA que teria direito.
31. DO DIREITO E DO MÉRITO
A. Ordem de conhecimento dos vícios da sentença
98. No caso concreto, o Requerente fundamenta o pedido de anulação do ato de indeferimento do Pedido de Revisão no (i) vício de falta de audição prévia e (ii) vício de falta de fundamentação deste ato, (iii) incorreta interpretação dos artigos 98.º n.º 1 do Código do IVA e 78.º da LGT ao desconsiderar o Pedido de Revisão como meio tutelar adequado às correções pretendidas (iv) inaplicabilidade do Ofício-Circulado n.º 30103 e do artigo 78.º do Código do IVA ao caso concreto e (v) violação do dever da AT de corrigir os erros verificados, nos termos dos artigos 266.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e artigo 55.º da Lei Geral Tributária, em manifesta violação das regras de dedução de IVA.
99. Ora o artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, estatui que:
“1. Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:
(a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;
(b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”
100. No presente caso, não são arguidos vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado ou outros que resultem do exercício da ação pública, estando apenas em causa vícios que conduzem à anulação do ato administrativo. Por outro lado, não se encontra estabelecida uma relação de subsidiariedade entre os vícios alegados, pelo que, em aplicação do critério geral da ordem de conhecimento dos vícios, deverá começar-se pela apreciação do tipo de ilegalidade que confere mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.
101. Neste sentido, no confronto entre vícios de forma, que não obstam ao seu suprimento, e os vícios materiais (iii) a (v) enumerados no ponto 98 da presente decisão, que têm como linha comum a interpretação desconforme à lei, por parte da AT, dos artigos 23.º, 78.º e 98.º do Código do IVA e 78.º da LGT, no sentido de que a alteração do método do prorata pelo método da afetação real não consubstancia um erro sujeito a revisão oficiosa, parece ser de conhecer prioritariamente os vícios materiais invocados, como fundamento de impugnação.
B. Dos vícios materiais invocados
102. A AT fundamenta a decisão de indeferimento do Pedido de Revisão na ideia fundamental de que “(…) não se encontrando em causa a existência de qualquer erro material ou de cálculo no preenchimento das declarações periódicas, mas antes a alteração do método de dedução, constata-se que a situação, em apreço, não constitui, assim, matéria suscetível de enquadramento nos pressupostos para a revisão oficiosa previstos no artigo 78.º da LGT.” (cfr. ponto 32 do ato de indeferimento do Pedido de Revisão).
103. A AT entende que o pedido de revisão oficiosa deve, necessariamente, ser conjugado com os mecanismos especiais de correção da dedução do IVA previstos no artigo 23.º n.º 6 e artigo 78.º do Código do IVA uma vez que estes são “mecanismos especiais de funcionamento do imposto” (cfr. ponto 22 do ato de indeferimento do Pedido de Revisão).
104. Neste contexto, a AT entende que a dedução por afetação real, nos termos do artigo 23.º n.º 6 do Código do IVA (conforme orientações do Ofício Circulado n.º 30103, de 23.04.2008) deveria ter sido utilizada de forma uniforme ao longo de cada ano civil, ainda que de forma provisória, e corrigida, de acordo com os valores definitivos, na última declaração periódica do ano a que respeita a dedução, i.e., em dezembro de 2007 e dezembro de 2008, o que o Requerente não logrou efetuar (cfr. pontos 30 e 31 do ato de indeferimento do Pedido de Revisão).
105. A AT entende ainda que a alteração do método de dedução não constitui matéria suscetível de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da LGT, mecanismo que abarca erros materiais ou de cálculo no preenchimento das declarações periódicas (cfr. artigos 32 e 33 do ato de indeferimento do Pedido de Revisão).
106. Por fim, a AT entende que mesmo que as correções propostas fossem enquadráveis no artigo 78.º n.º 6 do Código do IVA como correções de erros materiais ou de cálculo no registo, o Requerente apenas dispunha do prazo de 2 anos para efetuar as regularizações a seu favor, prazo esse que já se encontrava esgotado à data de apresentação do Pedido de Revisão (cfr. artigo 34 do ato de indeferimento do Pedido de Revisão).
107. Em sede de Resposta, a AT invoca que não tem obrigação de revisão oficiosa nos termos do artigo 266.º n.º 2 da CRP e 55.º LGT uma vez que estes artigos têm que ser coordenados com a revisão oficiosa do 78.º da LGT a qual só pode ser acionada em caso de erro na autoliquidação, o que não se verifica no caso concreto. Para mais, à data da apresentação do Pedido de Revisão – 23 de dezembro de 2011 – já não poderia ser corrigida a consideração, como custo, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do IVA (não deduzido) que o Requerente pretende ver corrigido a seu favor, por força da caducidade do direito à liquidação, que ocorreria a 31 de dezembro de 2011 e, em sede de ónus da prova, o Requerente não juntou ao Pedido de Revisão toda a documentação de suporte à recuperação adicional de imposto, não logrando cumprir o ónus da prova do artigo 74.º n.º 1 da LGT.
108. Por sua vez, o Requerente contra-alega que:
(i) o pedido de revisão oficiosa permite a correção de erros ou de injustiças detetados ou suscitados mesmo para além dos prazos ordinários de contestação das liquidações ou para além dos prazos de regularização definitiva de proratas/afetação real provisórios (cfr. artigos 49.º a 96.º do PPA);
(ii) essa função do pedido de revisão não está condicionada nem quanto à natureza da entidade da qual parte a sua iniciativa, nem quanto aos seus fundamentos, desde que se cumpram os prazos máximos do artigo 78.º da LGT. Neste sentido está o acórdão do STA de 20.03.2002, proferido no processo número 026774, que dispõe que “(…) nada impede que o contribuinte, se a Administração não tomar a iniciativa de rever o ato, requeira essa mesma revisão, recorrendo, depois, para os tribunais em caso de indeferimento da sua pretensão” (cfr. artigos 53.º a 55.º do PPA);
(iii) o erro na autoliquidação é imputável aos serviços, nos termos do artigo 78.º n.º 2 da LGT cuja redação, à data dos factos, dispunha que: “(…) sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação” cfr. artigos 57.º do PPA);
(iv) o pedido de revisão abrange qualquer erro na autoliquidação e não só o erro material ou de cálculo no preenchimento das declarações periódicas (cfr. artigos 59.º a 67.º do PPA);
(v) o artigo 78.º n.º 6 do Código do IVA não pode ser invocado, uma vez que este artigo – como decorre da sua redação – visa apenas erros simples de declaração ou registo, i.e. de escrita ou transcrição, e não abrange erros de qualificação das operações que conferem direito à dedução (cfr. artigos 68.º a 96.º do PPA);
(vi) a invocação de que já caducara o direito à liquidação do IRC referente a 2007 não pode ser atendida como fundamento de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, na medida em que a lei não prevê qualquer relação de causalidade entre a não dedução do IVA e a consideração do IVA não deduzido como gasto em sede de apuramento do lucro tributável e IRC e, para além do mais, o registo do IRC como proveito ocorrerá no exercício em que o IVA em causa seja efetivamente corrigido a favor do Requerente e não por referência aos anos de 2007 ou 2008 (cfr. artigos …alegações).
109. Compulsados os autos, este Tribunal considera que mal andou a Requerida nos fundamentos do indeferimento do Pedido de Revisão.
Vejamos.
Alteração do método de dedução de prorata para afetação real e possibilidade de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da LGT no caso concreto
110. Quanto ao entendimento da AT de que a alteração do método de dedução não constitui um “erro” suscetível de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da LGT, mecanismo que abarca como “erros na autoliquidação” erros materiais ou de cálculo no preenchimento da declarações periódicas (cfr. artigos 32 e 33 do ato de indeferimento do Pedido de Revisão), este Tribunal entende que não assiste razão à Requerida.
111. Em primeiro lugar, em nenhuma parte do artigo 78.º da LGT, quer na redação de 2011, quer na redação atual, se define o que deve ser entendido por “erro da autoliquidação” ou se limita tal erro apenas e erros de cálculo ou materiais no preenchimento das declarações periódicas de IVA ou apenas a erros de direito.
112. Em segundo lugar, ao contrário do que invoca a Requerida, o artigo 78.º n.º 3 da LGT admite expressamente a revisão de erros materiais (ou de cálculo) e de erros de direito: “A revisão dos atos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respetivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior [i.e. fundamentação da decisão nos termos do artigo 77.º LGT]”.
Nesta sede o artigo 95.º-A do CPPT indica, a propósito da correção de erros da administração tributária, que se consideram erros materiais ou manifestos os que resultarem do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexatidão ou lapso. Este tipo de erros é comumente associado pela jurisprudência e doutrina dominante a erros “mecânicos” ou “administrativos” de que são exemplo a incorreta efetivação de uma operação aritmética, a troca de valores na transcrição de faturas para registos (ex.: uma fatura de 100 é registada com um 0 a mais, por 1000) ou a falha de registos para contabilidade (ex.: um registo de 1000 euros assinalado, na fatura, de forma manuscrita como IVA dedutível para a rubrica XZ1 é registado na contabilidade por 1000 mas alocado, sem querer, no sistema informático à rubrica XZ11 do IVA não dedutível)
113. Já quanto a “erros de direito”, é comumente entendido que estes ocorrem, por exemplo, nos casos em que o sujeito passivo aplica a lei de forma incorreta, desconforme ou deficiente, quer por falha de interpretação, quer por ter formado uma determinada convicção sobre a sua forma de aplicação, quer por desconhecimento da interpretação da administração fiscal sobre uma determinada regra (vide jurisprudência e doutrina referida na nota de fim 2).
114. Ora é nesta categoria de “erros de direito” que cabem os erros de incorreta aplicação dos métodos de dedução o IVA como os que estão aqui em causa [como aliás decorre da posição da Requerida no ato de indeferimento e Resposta], não sendo assim aplicáveis as normas que visam correções a “erros materiais ou de cálculo nos registo” como o artigo 78.º n.º 6 do Código do IVA (vide jurisprudência e doutrina referida na nota de fim 2), mas sim o mecanismo de revisão oficiosa por via do artigo 78.º ns.º 1 e 3 da LGT.
115. Mas, de forma mas importante, cabe evidenciar que, no presente caso, a alteração do método de dedução do prorata para a afetação real sub judice cabe no conceito de “erro imputável aos serviços” a que se refere o artigo 78.º n.º 2 da LGT e que aciona o mecanismo de revisão do artigo 78.º n.º 1 da LGT.
116. Com efeito, é interpretação constante da jurisprudência superior e doutrina – porque assim decorre da ratio legis do mecanismo de revisão oficiosa – que o conceito de "erro imputável aos serviços" a que alude o artigo 78, nº. 1, 2ª. parte, da LGT, abrange o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do ato afetada pelo erro, o que também por aqui abrange a alteração do método de dedução de prorata para afetação real (vide acórdão do TCAS 1349/10.0BELRS, de 23.03.2017).
117. Por tudo o exposto, improcedem, por ilegais, os fundamentos da Requerida para negar a revisão oficiosa com base nos mecanismos especiais de correção da dedução do IVA previstos no artigo 23.º n.º 6 e artigo 78.º n.º 6 do Código do IVA e no argumento de que a alteração do método de dedução não constitui erro suscetível de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da LGT. Improcede em consequência, por ilegal, o fundamento de que a Requerida não está obrigada à revisão dos atos em causa nos termos do artigo 266.º n.º 2 da CRP e 55.º LGT uma vez que estes artigos têm que ser coordenados com a revisão oficiosa do 78.º da LGT a qual só pode ser acionada em caso de erro na autoliquidação.
Limitação da adoção do método de dedução de IVA no final de cada ano civil, nos termos do artigo 23.º n.º 6 do Código do IVA
118. Segundo a AT, a aplicação dos métodos de dedução do IVA está sujeita à disciplina especial do artigo 23.º do Código do IVA e, em particular do n.º 6 deste artigo, que indica que o método de dedução por afetação real ou prorata é calculado de forma provisória durante todo o ano civil, podendo ser efetuados ajustamentos de acordo com os valores definitivos, no final de cada ano, na última declaração periódica do ano.
119. Ora quanto a este artigo 23.º n.º 6 do Código do IVA, este Tribunal tem presente que o Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciou-se no âmbito do pedido de reenvio prejudicial efetuado no processo CAAD n.º 136/2018-T, no sentido de que “o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE, lido à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da segurança jurídica e da proporcionalidade, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que o Estado Português proíba aos sujeitos passivos mistos de IVA alterar o método de dedução do IVA após a fixação do pro rata definitivo” (acórdão do TJUE emitido no processo C 661/18, CTT Correios de Portugal).
120. Não obstante o TJUE considerar a limitação acima como uma prerrogativa dada pela Diretiva IVA ao legislador português, este Tribunal Arbitral – que tem competência para interpretar e aplicar o direito nacional (cfr, parágrafo 45 do acórdão emitido no processo C-661/18 ex vis artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) – entende que tal limitação não resulta, nem ficou vertida, na lei nacional, sobretudo quando considerada, de forma global, a redação legal dos artigos 23.º n.º 6, 98.º ns.º 1 e 2 do Código do IVA e 78.º ns.º 1 e 2 da LGT, vigente na data dos factos, i.e. dezembro de 2011.
121. Recordemos então as regras em causa:
Artigo 23.º n.º 6 do CÓDIGO DO IVA
“Método de dedução relativa a bens de utilização mista” 6 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 [prorata], calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efetuada nos termos do n.º 2 [afetação real], calculada provisoriamente com base nos critérios objetivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afetação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efetuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.
Artigo 98.º ns. 1 e 2 do CÓDIGO DO IVA
“Revisão oficiosa e prazo do exercício do direito à dedução” 1 - Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária.
2 - Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respetivamente.
Artigo 78.º n.ºs 1 e 2 da LGT
“Revisão dos Atos Tributários”
1 - A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2 - Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.
(Redacção inicial do DL 398/98, de 17 de Dezembro revogada pela Lei 7-A/2016, de 30 de março).
122. De uma leitura atenta das mesmas, resulta que:
(i) o artigo 23.º n.º 6 do Código do IVA não se sobrepõe ao artigo 98.º n.º 1 do Código do IVA: (a) em nenhum momento exclui a possibilidade de utilizar a revisão oficiosa prevista no artigo 98.º n.º 1 ou (b) indica que o prazo dos ajustamentos nele (artigo 23.º n.º 6 do Código do IVA) constantes é um prazo de caducidade do direito à dedução (admitindo assim, a contrario, a alteração do método de dedução de prorata para afetação real);
(ii) o artigo 98.º n.º 1 do Código do IVA não exclui a utilização da revisão oficiosa quando o sujeito passivo não tenha realizado, na última declaração periódica de cada ano, os ajustamentos indicados no artigo 23.º n.º 6 do Código do IVA – com efeito não existe qualquer referência neste artigo 98.º n.º 1 às regras “especiais” do artigo 23.º do Código do IVA e a única condição na sua aplicação é que “tenha sido liquidado imposto devido ao superior por motivos imputáveis aos serviços”;
(iii) o próprio artigo 98.º n.º 1 do Código do IVA remete para o mecanismo de revisão oficiosa do artigo 78.º da LGT quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido; e,
(iv) na data dos factos, i.e. dezembro de 2011, o n.º 2 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, para o qual remetia o artigo 98.º n.º 1 do Código do IVA, ficciona que se considera imputável aos serviços, para efeitos da revisão de atos tributários, o erro na autoliquidação, sendo a revisão possível no prazo de 4 anos após a respetiva liquidação. Como melhor explica o acórdão
1349/10.0BELRS de 23.03.2017do Tribunal Central Administrativo Sul: “esta solução legal compreende-se à luz de dois pressupostos: por um lado, a imputação do erro aos serviços é entendida objectivamente, não relevando aqui a apreciação de elementos de culpa dos serviços (que dificilmente se verificariam nos casos de autoliquidação, com excepção das situações em que o erro resulta de instruções da Fazenda Pública); por outro lado, o legislador entendeu que as diferenças técnicas no apuramento do imposto não eram motivo racional suficiente para justificar um tratamento diferenciado, para efeitos de revisão do acto, entre os vários tributos.”.
123. O que equivale a dizer – tendo em conta o artigo 9.º n.º 1 do Código Civil, aplicável ex vis artigo 11.º da LGT – que, na data dos factos, e ao contrário do que invoca a Requerida, o artigo 23.º n.º 6 do Código do IVA não vedava ao Requerente a possibilidade de recorrer ao mecanismo de revisão oficiosa, no prazo de 4 anos após a respetiva liquidação, ainda que estivesse em causa a alteração de métodos de dedução de IVA (de prorata para afetação real), não podendo, de igual modo, ser admitida uma interpretação do Ofício Circulado n.º 30103, de 23.04.2008 neste sentido (como admite aliás a própria Requerida no ponto 124 da sua Resposta).
124. A mesma conclusão se retira da “ratio legis” do mecanismo de revisão oficiosa, que é descrita, de forma sistemática, pela doutrina e jurisprudência superior, como um “complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses atos [de autoliquidação], a deduzir nos prazos normais respetivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças graves de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração e como um “meio de restituição do indevidamente pago, com revogação e cessação para o futuro dos efeitos do ato de liquidação, e não a um meio anulatório, com destruição retroativa dos efeitos do ato” (vide acórdão do STA de 12-7-2006, processo n.º 0402/06).
125. Pelo que neste ponto improcede, por ilegal, o indeferimento do Pedido de Revisão com o fundamento de que a dedução por afetação real, nos termos do artigo 23.º n.º 6 do Código do IVA (conforme orientações do Ofício Circulado n.º 30103, de 23.04.2008) deveria ter sido utilizada de forma uniforme ao longo de cada ano civil, ainda que de forma provisória, e corrigida, de acordo com os valores definitivos, na última declaração periódica do ano a que respeita a dedução, i.e., em dezembro de 2007 e dezembro de 2008, limitando-se assim o recurso à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da LGT.
Da impossibilidade prática de correção concomitante para efeitos de apuramento do lucro tributável em IRC
126. Segundo a Requerida, à data da apresentação do Pedido de Revisão – 23 de dezembro de 2011 – já não poderia ser corrigida a consideração, como custo, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do IVA (não deduzido) que o Requerente pretende ver corrigido a seu favor, por força da caducidade do direito à liquidação, que ocorreria a 31 de dezembro de 2011, o que parece inquinar a possibilidade de revisão em sede de IVA dos atos em causa por impossibilidade de corrigir adicionalmente o gasto em sede de IRC.
127. Ora nesta sede importa salientar que:
(i) a lei não faz depender a recuperação de IVA da possibilidade de correção adicional do gasto/custo correspondente em IRC;
(ii) nos termos do artigo 18.º n.º 1 do CIRC, em conjugação com o princípio contabilístico da especialização dos exercícios, os rendimentos e gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica, pelo que – tal como indicado pela testemunha apresentada pelo Requerente – o valor do IVA não deduzido, contabilizado como gasto em sede de IRC, que venha a ser corrigido a favor do Requerente, deve ser registado como proveito no exercício da efetiva correção do IVA;
pelo que não pode ser negada a revisão oficiosa do IVA em causa com o fundamento de que já não poderia ser corrigida em sede de custo de IRC o valor de IVA recuperar, por caducidade do direito à liquidação, que ocorreria a 31 de dezembro de 2011, sendo ilegal o indeferimento do Pedido de Revisão com base neste fundamento.
Do incumprimento pelo Requerente do ónus da prova exigido pelo artigo 74.º n.º 1 da LGT
128. A Requerida invoca que “a Impugnante vem requerer a Revisão Oficiosa em 23.12.2011, mas não junta os documentos comprovativos para o efeito, como era sua obrigação, nos termos do artigo 74.º n.º 1 da LGT”.
129. Concluindo que, em consequência: “nenhuma falha ou irregularidade pode ser assacada à AT” (…) “A AT recebeu o pedido, analisou-o e concluiu que não estavam reunidos os pressupostos para que se procedesse à Revisão Oficiosa (…)”.
130. Compulsados os documentos constantes dos autos, resulta - como aliás reconhecido pela Requerida – que o Requerente já no próprio Pedido de Revisão, justificou que não juntou a documentação de suporte devido à sua extensão, mostrando total disponibilidade para a sua apresentação com indicação dos elementos de suporte em causa:
131. Resulta da prova produzida no processo, conforme factos provados supra, que os elementos identificados pelo Requerente na parte final do pedido de revisão oficiosa existiam, tanto que foram apresentados em momento posterior à AT, sendo válidos e comprovados.
132. Resulta ainda da prova testemunhal produzia que sempre existiu uma total cooperação com a AT na disponibilização dos elementos, incluindo dvd’s que suportavam o cálculo e os elementos de suporte (faturas e extratos contabilísticos) das operações.
133. Dos elementos instrutórios – sendo que a AT não juntou o processo administrativo – resulta que em nenhum momento a AT solicitou a documentação disponibilizada pelo Requerente para validação dos cálculos, negando a revisão não com base em prova documental ou falta dela mas sim com base em argumentos de direito ou forma.
134. Pelo que não pode ser admitido – contra factum proprium – o argumento da Requerida de que o Requerente não logrou apresentar a documentação de suporte que permitiria a prova suficiente, como fundamento de negação da revisão oficiosa.
135. Por tudo o aqui exposto, conclui-se que o ato de indeferimento do Pedido de Revisão dos atos de autoliquidação de IVA referentes aos meses de janeiro a dezembro de 2007 e janeiro a dezembro de 2008 padece de erro sobre os pressupostos de direito, por erro de interpretação do disposto nos artigos 23.º n.º 6, 78.º, n.º 6, 98.º n.º 1 do Código do IVA e artigo 78.º da LGT, o que justifica a sua anulação (cfr. art. 135.º do CPA).
Do mérito do pedido de Revisão Oficiosa
136. Não procedendo os fundamentos da Requerida para afastar a apreciação do Pedido de Revisão Oficiosa, cabe analisar a legalidade das autoliquidações de IVA em causa, tendo em conta que a Autoridade Tributária igualmente se pronunciou no sentido de não ter ocorrido erro de autoliquidação.
137. Conforme detalhado na motivação da matéria de facto, no caso vertente é o Requerente que se arroga um direito à dedução do IVA que não é reconhecido pela Administração Tributária, pelo que, em sede de repartição do ónus da prova, é ao Requerente que cabe provar a ocorrência dos factos em que assenta esse direito.
138. Como detalhado na motivação da matéria de facto, o Requerente apresentou documentação – mormente documento n.º 7 – no qual se inclui um extenso leque de documentos, incluindo extratos de contabilização das faturas, cópias das faturas relacionadas com as aquisições de bens e serviços cujo IVA se pretende recuperar; mapas de rentabilidade dos terminais de pagamento automático; mapas das comissões dos débitos diretos; mapa das comissões relativas aos pagamentos de serviços.
139. Os cálculos e critérios aplicados pelo Requerente estão suportados num imenso manancial de documentos, que, conforme matéria de facto assente, foram preparados no âmbito de uma revisão interna de procedimentos com a assistência de uma consultora especializada, e dos quais resultam, de forma explícita, as despesas com fornecedores incorridas, a afetação das despesas às áreas de negócio sujeitas a IVA identificadas, os valores de IVA já deduzidos e os adicionais de IVA a recuperar.
140. A testemunha apresentada pelo Requerente, como melhor explanado na motivação da matéria de facto, foi credível, demonstrou ter qualificações técnicas em sede de apuramento do IVA e conhecimento extensivo do trabalho desenvolvido para efeitos do apuramento das áreas de negócio em que deveria ser implementado o método de afetação real nos anos objeto do Pedido de Revisão e critérios a estabelecer para tal recuperação.
141. Perante os elementos apresentados, a AT impugnou todo o teor documental – ainda que o documento n.º 7 só tenha sido entregue mais tarde pelo Requerente – mas sem qualquer demonstração ou contraprova face ao teor factual apresentado.
142. No que se refere à prova testemunhal, a AT não colocou em causa a prova produzida.
143. Ora à AT, como indicado na motivação da matéria de facto, não cabe uma posição de impugnação não motivada mas sim a prova da verificação dos pressupostos legais do não reconhecimento do direito à dedução que resulta do indeferimento do pedido de revisão o que, neste caso não se verificou.
144. Com efeito, e como indicado na motivação da matéria de facto, não existe no caso qualquer motivo para desconsiderar os factos alegados pelo Requerente e os documentos juntos ao pedido, havendo de entender-se que foi efetuada a prova da existência dos factos de que depende o exercício do direito.
145. Por outro lado, a Administração, não só não impugnou especificadamente os factos articulados na petição, como não colocou em dúvida a veracidade dos documentos juntos, e não produziu qualquer meio de prova que permitisse pôr em causa a pretensão do Requerente, pelo que não pode dizer-se que tenha sido feita a prova, que incumbia à AT, da verificação dos pressupostos legais do não reconhecimento do direito à dedução de imposto.
146. Esta é a conclusão que o tribunal tira, aliás, da própria análise da amostra apresentada pela Requerente, o que permite, no mais, sufragar o próprio princípio previsto no art. 75.º da LGT, bem como da prova testemunhal apresentada.
147. Pelo que considerando-se efetuada a prova da existência dos factos de que depende o exercício do direito à dedução, procede o pedido de correção do IVA a deduzir no valor de € 1.880.059.33.
148. Fica prejudicado o conhecimento dos vícios de forma suscitados no processo, nos termos do artigo 124.º n.º s 1 e 2 do CPPT.
DECISÃO
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide este Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral e, em consequência:
a) Julgar procedente o pedido de anulação do ato de indeferimento do Pedido de Revisão apresentado pela Requerente em 23 de dezembro de 2011 e bem assim, como objetos mediatos da mesma, os atos de liquidação de IVA traduzidos nas declarações periódicas relativas aos períodos compreendidos entre janeiro e dezembro de 2007 e 2008;
b) Determinar que a Requerida promova a correção, a favor da Requerente, do valor de IVA de € 1.880.059, 33 (€ 921.826,98 quanto a 2007 e 958.232,35 quanto a 2008);
Tudo com as devidas consequências legais.
* * *
(i) VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 1.880.059, 33, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (“CPC”), este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
(ii) CUSTAS
O montante das Custas é fixado em € 24.786,00 o qual, segundo as regras gerais de proporção no decaimento, fica a cargo integral da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 26 de Outubro de 2020
Carlos Alberto Fernandes Cadilha
(árbitro-presidente),
Marisa Almeida Araújo
(árbitro-adjunto)
Catarina Belim
(árbitro-adjunto)