SUMÁRIO:
I. Em termos de incidência subjectiva, são sujeitos passivos do AIMI as pessoas singulares ou colectivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português, pelo que as sociedades que se dedicam a actividades imobiliárias são sujeitos passivos do AIMI.
II. Quanto à incidência objectiva, o AIMI incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular, com referência ao dia 1 de Janeiro, com exclusão apenas dos prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros», tal como definidos no artigo 6.º do CIMI.
III. É admissível a restrição da incidência do AIMI aos prédios habitacionais e aos terrenos para construção (mesmo aqueles que tenham por afectação os serviços) por confronto com os imóveis já edificados e classificados como comerciais, industriais ou para serviços. E isto independentemente do objecto social da entidade que deles seja proprietária e da sua concreta actividade económica.
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A - Geral
1.1. A..., S.A., com sede na ..., n.º..., ..., ..., ...- ... Carnaxide, matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e de identificação fiscal ... (de ora em diante designada “Requerente”), apresentou, no dia 28.12.2019, um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando, por um lado, a declaração de ilegalidade do acto de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (de ora em diante “AIMI”), para o ano de 2019, identificado com o número 2019..., no valor de € 10.726,19 (dez mil setecentos e vinte seis euros e dezanove cêntimos) incidente sobre imóvel de que é proprietária e, por outro, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios pelo pagamento indevido de prestação tributária.
1.2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (RJAT), o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou o signatário como árbitro, não tendo as Partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.
1.3. Por despacho de 13.01.2020, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação das Senhoras Dra. B... e Dra. C... para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.
1.4. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído a 17.03.2020.
1.5. No mesmo dia 17.03.2020 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Requerida para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, solicitar produção de prova adicional e juntar aos autos cópia do processo administrativo.
1.6. No dia 11.05.2020 a Requerida apresentou a sua Resposta.
B – Posição da Requerente
1.7. A Requerente é uma sociedade comercial anónima cujo objecto social é a compra, venda e arrendamento de bens imobiliários, sendo proprietária de um vasto acervo de bens imóveis.
1.8. O património predial da Requerente inclui um prédio urbano que constitui um terreno para construção, cuja potencial afectação é destinada a serviços, que se encontra inscrito sob o artigo matricial n.º ... da União de Freguesias de ..., ... e ..., concelho do Porto.
1.9. A Requerente foi notificada do acto tributário de liquidação de AIMI, referente ao ano de 2019, identificado com o número 2019..., no valor de € 10.726,19 (dez mil setecentos e vinte seis euros e dezanove cêntimos).
1.10. A Requerente procedeu ao pagamento integral e atempado da liquidação ora impugnada.
1.11. Assumindo um carácter progressivo, o AIMI incide sobre a riqueza materializada no direito de propriedade, de usufruto ou de superfície de determinados prédios urbanos, sitos em território português.
1.12. A proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 prevendo a criação do AIMI, excluía os prédios urbanos classificados na espécie de “industriais”, bem como os licenciados para a actividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino.
1.13. O Relatório relativo ao dito Orçamento, preparado pelo Ministério das Finanças, expressamente declarava que para evitar o impacto deste imposto na actividade económica, excluía da incidência os prédios rústicos, mistos, industriais e afectos à actividade turística.
1.14. Também o parecer da Comissão Parlamentar de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa de 31.10.2016 assinalava à mencionada exclusão o propósito de evitar o impacto deste imposto na actividade económica.
1.15. A proposta de Lei do Orçamento viria a sofrer alterações, mas mesmo elas não escondiam que se pretendia que o presente imposto não tivesse impacto na actividade económica e representasse um efectivo imposto sobre a fortuna imobiliária.
1.16. O legislador, com efeito, visou garantir que os prédios urbanos afectos às actividades económicas não estariam sujeitos a tributação em sede de AIMI, reconhecendo que a mera detenção desses imóveis, por si só, não constitui um factor demonstrativo de riqueza nem um indicador suficiente de capacidade contributiva dos titulares desses imóveis.
1.17. Assim, não se compreende que se pretenda fazer incidir o AIMI sobre patrimónios imobiliários detidos por sociedades imobiliárias e muito menos se compreende que o imposto possa incidir sobre terrenos para construção cujo potencial de utilização coincide com fins comerciais, industriais ou serviços.
1.18. Acresce que para as sociedades imobiliárias, aquelas que têm por objecto a compra, venda, construção, promoção e arrendamento de imóveis, a detenção de imóveis assume uma função essencial na prossecução da respectiva actividade económica, pelo que não se poderá presumir que o acervo de bens imóveis detido por essas sociedades comerciais seja indiciador da capacidade contributiva que deve ser tida em consideração para efeitos de AIMI.
1.19. Na situação concreta em apreço, o terreno para construção em causa foi adquirido pela Requerente com o intuito de expansão de um hospital, muito embora não exista qualquer decisão municipal de aprovação do respectivo projecto de construção.
1.20. No entender da Requerente, tributar este imóvel em sede de AIMI significaria tributar directamente uma actividade económica, algo que o legislador expressamente pretendeu evitar ao criar o AIMI.
1.21. O n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“CIMI”) diz que “são excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» (…)” pelo que não pode ficar abrangido pela sua incidência um terreno para construção que se destina à edificação de um hospital, porquanto o legislador pretendeu apenas tributar imóveis – já edificados ou terrenos para construção – com fins habitacionais.
1.22. A afectação a “comércio, indústria ou serviços” não é exclusiva dos prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do CIMI. Na verdade, o legislador, no âmbito do coeficiente de afectação referido no artigo 41.º do mesmo diploma, prevê vários tipos de utilização, incluindo “comércio”, “serviços” e “armazéns e actividade industrial”, sendo o coeficiente de afectação utilizado para a determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção”.
1.23. Assim, deixar fora do âmbito de tributação um imóvel já edificado afecto a um determinado fim, mas deixar no âmbito de incidência um terreno para construção onde se irá edificar um imóvel destinado a essa mesma finalidade é incompreensível e manifestamente contrário ao propósito expresso pelo legislador.
1.24. Sendo a liquidação ora posta em crise ilegal, deve a Requerente ser reembolsada da prestação tributária indevidamente exigida e paga, acrescida dos competentes juros indemnizatórios.
C – Posição da Requerida
1.25. A Requerida frisa que o AIMI assume a natureza de imposto real, na medida em que a modelação do quantitativo a pagar se abstrai da dimensão económica dos respectivos sujeitos passivos.
1.26. Como reconhece a Requerente, o AIMI incide apenas sobre os prédios urbanos afectos a fins habitacionais e terrenos para construção, tal como definidos no artigo 6.º do CIMI, tendo sido exactamente nestes termos que a Requerida procedeu à liquidação do AIMI ora impugnada.
1.27. O legislador, podendo fazê-lo se essa tivesse sido a sua intenção, não estabeleceu o afastamento da norma de incidência fiscal dos terrenos para construção por motivos relacionados com a sua afectação potencial nem mandou atender à natureza e especificidades do respectivo titular.
1.28. Resulta claro que a ratio legis que esteve na génese da exclusão da incidência objectiva do AIMI pretendeu mitigar o impacto desta imposição sobre o exercício empresarial das actividades económicas em geral, através da exclusão dos prédios urbanos com fins industriais, comerciais e de serviços, e “outros”.
1.29. Tal significa que a tributação consubstanciada no AIMI se traduz numa imposição específica sobre o património (artigo 4.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária) e não sobre o rendimento, incidindo, portanto, sobre manifestações de capacidade contributiva consistentes nos elementos do património imobiliário que possuam as características indicadas no artigo 135.º-B do CIMI, sem individualizar os sujeitos passivos, isto é, sujeitando toda e qualquer entidade que seja titular de direitos reais sobre prédios urbanos abrangidos, o que impõe que todos os que são titulares da mesma forma de riqueza sejam tributados da mesma maneira.
1.30. Não se vê que a tributação do património imobiliário da Requerente afronte o princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva apenas porque a titularidade de bens imóveis constitui o próprio objecto ou contribui directamente para o desenvolvimento da sua actividade económica.
1.31. Defende ainda a Requerida que a circunstância de o AIMI incidir sobre todos os terrenos para construção, independentemente da sua afectação potencial, não viola qualquer princípio constitucional, uma vez que os ditos terrenos são idóneos a indicar que o seu proprietário é titular de bens que, em si mesmos, evidenciam a específica e típica abastança eleita pelo legislador no quadro da sua liberdade de conformação legislativa.
1.32. Por fim, entende a Requerida não serem devidos juros indemnizatórios, seja porque a liquidação impugnada não enferma de qualquer vício seja porque é claro que à administração tributária e aduaneira não pode ser imputado qualquer erro de facto ou de direito, porquanto a sua actuação, como não podia deixar de ser, respeitou escrupulosamente a legislação aplicável.
D – Conclusão do Relatório e Saneamento
1.33. Por despacho de 12.10.2020 o Tribunal Arbitral dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, por entender que as Partes haviam já carreado para o processo os elementos de facto necessários e suficientes para a prolação da decisão, que se previu pudesse ter lugar até ao dia 30.10.2020.
1.34. As Partes, ainda que convidadas a fazê-lo, não apresentaram alegações.
1.35. O Tribunal Arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.
1.36. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, estão devidamente representadas e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
1.37. A cumulação de pedidos (declaração de ilegalidade de acto de liquidação, por um lado, e reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, por outro) efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se uma vez que o art.º 3.º do RJAT, ao admitir expressamente a possibilidade de “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, acomoda, sem abuso hermenêutico, a apreciação de um pedido que decorre, em termos necessários, do juízo que o Tribunal Arbitral sufrague quanto à validade da liquidação posta em crise.
1.38. O processo não padece de qualquer nulidade.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
2.1.1. A Requerente é uma sociedade comercial anónima que tem por objecto social a realização de empreendimentos imobiliários, designadamente a compra, a venda, construção civil, reconstrução, urbanização, promoção e arrendamento de imóveis próprios e alheios, incluindo a revenda dos adquiridos para esse fim (documento n.º 3 junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.2. A Requerente é proprietária de um prédio urbano que constitui um terreno para construção, cuja potencial afectação é destinada a serviços, que se encontra inscrito sob o artigo matricial n.º ... da União de Freguesias de ..., ... e ..., concelho do Porto (documento n.º 2 junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.3. A Requerente foi notificada da liquidação de AIMI n.º 2019..., no valor de € 10.726,19 (dez mil setecentos e vinte seis euros e dezanove cêntimos), que incide sobre o imóvel aludido em 2.1.2. (documento n.º 1 junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.4. Na nota de liquidação referida em 2.1.3., foi à Requerente aplicada a taxa de 0,4% sobre o valor patrimonial tributário do imóvel identificado em 2.1.2. (documento n.º 1 junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.5. A Requerente, no dia 29.09.2019, procedeu ao pagamento de € 10.726,19 (dez mil setecentos e vinte seis euros e dezanove cêntimos), montante que lhe foi exigido a título de AIMI (documento n.º 1 junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).
2.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelas Partes e nas posições por elas assumidas nos articulados apresentados.
3. Matéria de direito
3.1. Questão a decidir
Resulta do que acima se deixou dito que as questões a apreciar pelo Tribunal Arbitral são, no fundo, as seguintes:
a) A de saber a Requerente, sendo sociedade uma sociedade imobiliária, poderá ver o terreno para construção de que é proprietária tributado em sede de AIMI;
b) A de dilucidar se as normas de incidência de AIMI incluem um terreno para construção onde se pretende seja edificado um prédio destinado a serviços, no caso um hospital; e
c) Por fim, a de esclarecer se, caso seja julgado procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação do acto de liquidação contestado, a Requerente, no âmbito do presente processo arbitral poderá obter a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios relativamente à quantia por si entregue para satisfação da prestação tributária por esta ilegalmente exigida.
3.2. O AIMI – incidências subjectiva e objectiva
O AIMI foi criado pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2017), que aditou ao CIMI o capítulo XV integrado pelos artigos 135.º-A a 135.º-K, constituindo receita do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, nos termos do n.º 2 do artigo 1.º do mesmo código.
No artigo 135.º-A define-se a incidência subjectiva do AIMI. À data a que se reportam os factos, era esta a sua redacção:
Artigo 135.º- A
Incidência subjetiva
1 - São sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português.
2 - Para efeitos do n.º 1, são equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pelo cabeça de casal.
3 - A qualidade de sujeito passivo é determinada em conformidade com os critérios estabelecidos no artigo 8.º do presente Código, com as necessárias adaptações, tendo por referência a data de 1 de janeiro do ano a que o adicional ao imposto municipal sobre imóveis respeita.
4 - Não são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as empresas municipais.
Portanto, são sujeitos passivos do AIMI as pessoas singulares ou colectivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português, sendo equiparados a pessoas colectivas quaisquer estruturas ou centros de interesses colectivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis. Assim, resulta claro que, do ponto de vista subjectivo, as sociedades que se dedicam a actividades imobiliárias são, para todos os efeitos, sujeitos passivos do AIMI.
Por sua vez, é assim recortada a incidência objectiva deste adicional:
Artigo 135.º- B
Incidência objetiva
1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.
2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.
O AIMI incide, pois, sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular, com referência ao dia 1 de Janeiro, com exclusão dos prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros», remetendo-se para as alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º do CIMI. A remissão para o artigo 6.º do CIMI tem por único objectivo esclarecer o que deve entender-se por prédios urbanos «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros», para efeitos da exclusão do âmbito de incidência objectiva do AIMI.
É esta a redacção do mencionado artigo 6.º do CIMI:
Artigo 6.º
Espécie de prédios urbanos
1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.
4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.
O legislador, ao definir a delimitação negativa da incidência do imposto por referência aos prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º do CIMI, está precisamente a remeter para essa tipologia de prédios de acordo com a própria caracterização que o Código lhe atribui.
A exclusão do imposto abrange, por conseguinte, os prédios classificados como comerciais, industriais ou para serviços, entendendo-se como tais os edifícios ou construções licenciados para esses efeitos ou que tenham como destino normal cada um destes fins. A dita exclusão inclui, para além disso, a espécie residual referida na alínea d) do n.º 1 desse artigo 6.º do CIMI, aí se incluindo os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem prédios rústicos e ainda os edifícios e construções que se não enquadrem em qualquer das anteriores classificações.
O âmbito de incidência objectiva, por efeito da expressa remissão para aquele artigo 6.º do CIMI, ficou assim definido não só por referência a uma certa espécie de prédios urbanos, mas também por referência ao procedimento administrativo através do qual foi efectuada a classificação ou, na falta de licença, ao normal destino desses prédios para os fins comerciais, industriais e serviços ou outros.
Da redacção do artigo 135.º-B do CIMI resulta que o legislador optou por formular a delimitação negativa da incidência objectiva recorrendo exclusivamente à classificação dos prédios, não existindo na letra da lei nada que indicie que a pretendida exclusão possa ampliar-se, nomeadamente a prédios aí não incluídos quando eles sejam o substrato de determinada actividade económica do sujeito passivo do imposto. Na verdade, parece cristalino que não tem qualquer apoio na letra da lei nem em qualquer outro elemento hermenêutico o entendimento segundo o qual o legislador pretendeu excluir do âmbito de incidência do imposto os prédios afectos a actividades económicas, por não querer sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que possuem imóveis por efeito do seu objecto social, sejam eles terrenos para construção ou outros. Não há igualmente qualquer razão que sugira que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de presumir-se, nos termos do n.º 3 do art.º 9.º do Código Civil.
É de crer que se tivesse sido essa a intenção do legislador, ao invés de se ter delimitado o âmbito de incidência através de tipos caracterizados de imóveis, como foi feito, seguramente ter-se-ia optado por uma avaliação casuística em função afectação do imóvel, em termos práticos, efectivos, a uma actividade económica ou ao funcionamento de uma pessoa colectiva.
Tendo a lei recortado o âmbito de incidência do imposto como o fez, recorrendo a conceitos técnicos jurídicos utilizados noutros lugares do sistema, para os quais expressamente remete, é seguramente com esse sentido que tem de ser surpreendido o âmbito de aplicação desta disposição legal. As normas, por vezes, admitem mais do que um significado e então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. Contudo, se o legislador recorreu a uma linguagem técnico-jurídica especial, clara, para expressar com maior precisão o seu pensamento, cabe ao intérprete socorrer-se do significado técnico-jurídico das expressões utilizadas, dispensando-se de usar elementos circunstanciais que apenas poderiam conduzir a um resultado interpretativo estranho, se não mesmo contrário, à vontade do legislador.
Como se impõe concluir, a pretendida extensão da fórmula legislativa utilizada aos prédios afectos à actividade económica da empresa, independentemente da específica caracterização como prédios comerciais, industriais ou para serviços, não tem qualquer cabimento à luz dos critérios gerais da hermenêutica jurídica, desde logo dos que se acham no artigo 9.º do Código Civil.
Tal não significa, porém, que o legislador, em sede de AIMI, se tenha alheado totalmente das especificidades das sociedades imobiliárias. É certo que, à partida, os sujeitos passivos que adquirem prédios urbanos habitacionais para venda ou terrenos para construção de edificações, qualquer que seja a respectiva finalidade, e que fazem disso a sua actividade social, detêm os prédios para um fim último de índole comercial. Poder-se-á, então, pensar que a diferença a que atende o legislador - excluindo estes prédios do âmbito da norma de desagravamento fiscal - não possui natureza e peso suficientes para justificar um tratamento desigual.
Todavia, a situação fiscal dessas empresas já é considerada no âmbito interno do próprio IMI, em que o AIMI se integra. Com efeito, nos casos de aquisição de prédios para revenda e de terrenos para construção, prevê-se nas alíneas d) e e) do n.° 1 do artigo 9.° do CIMI a não sujeição ao IMI durante três e quatro anos, respectivamente, e, por força da alínea a) do n.° 3 do artigo 135,°-C do mesmo diploma, a não sujeição ao AIMI, em relação aos sujeitos passivos que estão colectados para o exercício dessa actividade. Durante esse período de «não tributação» não há qualquer efeito tributário a considerar em sede de IMI, não sendo o imóvel uma realidade qualificada como prédio para efeitos fiscais. A razão de ser da não consideração tributária encontra-se no facto de o imóvel durante esse lapso de tempo ser compreendido como mercadoria para os demais efeitos fiscais .
Não se pense que os artigos 135.º-A e seguintes do CIMI devem ser desaplicados por violação do princípio constitucional da igualdade.
Na verdade, o AIMI não parece promover um tratamento diferenciado nem uma desigualdade injustificada entre os contribuintes, violando o princípio da igualdade fiscal, mesmo quando a propriedade de imóveis consubstancia o substrato patrimonial da própria actividade económica dos contribuintes, constituindo um meio essencial da prossecução do respectivo objecto social. Certo é que a titularidade desses imóveis pode bem ser entendido como um indício de acrescida capacidade contributiva ou uma manifestação típica de riqueza a que o legislador tributário lança mão.
É bom não perder de vista os princípios constitucionais da progressividade, da igualdade fiscal e da capacidade contributiva.
Como o Tribunal Constitucional tem reiterado, um dos objectivos essenciais constitucionalmente definidos do sistema fiscal, a par da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, é o da repartição justa dos rendimentos e da riqueza, como se depreende do artigo 103.º, n.º 1, da Constituição. É nesta vinculação do sistema fiscal à ideia de justiça social e à diminuição da desigualdade na distribuição social dos rendimentos e da riqueza que se funda a progressividade do imposto.
Essa progressividade está expressamente consagrada no âmbito da tributação do rendimento pessoal. De acordo com o n.º 1 do artigo 104.º da Constituição, o imposto sobre o rendimento pessoal visa «a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar».
A progressividade fiscal requer que a relação entre o imposto pago e o nível de rendimentos seja mais do que proporcional, o que só pode alcançar-se aplicando aos contribuintes com maiores rendimentos uma taxa de imposto superior.
A Constituição exige uma progressividade com a virtualidade intrínseca de contribuir para uma diminuição da desigualdade de rendimentos .
A progressividade do imposto constitui também uma exigência do princípio da igualdade material. O princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo «a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)» .
Configurando-se o princípio geral da igualdade como uma igualdade material, o princípio da capacidade contributiva enquanto tertium comparationis da igualdade no domínio dos impostos, não carece de um específico e directo preceito constitucional. O seu fundamento constitucional é o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da chamada “constituição fiscal” e, em especial, aqueles que decorrem já dos princípios estruturantes do sistema fiscal que constam dos artigos 103.º e 104.º da Constituição .
Como pressuposto e critério da tributação, o princípio da capacidade contributiva «afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na selecção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objecto e matéria colectável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respectivo imposto» .
O princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem excepção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratamento igual dos contribuintes que se encontrem em situações iguais e de diferente daqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional .
O AIMI, como tributo complementar sobre uma parcela do património imobiliário, não ignorou por completo o elemento da progressividade na tributação, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados sobre que incide.
Tem-se entendido, do mesmo modo, que a tributação do património, a par da tributação do rendimento, constitui uma projecção da capacidade contributiva, funcionando como um prolongamento do imposto pessoal sobre os rendimentos e como o reforço de discriminação qualitativa .
Não se vê, neste contexto, que a tributação, em sede de AIMI, do património imobiliário de sociedades comerciais, nem mesmo das que se dediquem estatutariamente à prossecução de actividades imobiliárias, afronte o princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva apenas porque a titularidade de bens imóveis constitui o próprio objecto da sua actividade económica.
A titularidade de um património imobiliário, para efeitos de venda e transformação, em vista à obtenção de resultados económicos, não deixa de constituir um activo patrimonial que é revelador de uma acrescida capacidade contributiva, que vai além do imposto que incide sobre o lucro tributável em razão da actividade económica desenvolvida. Mais. A lei permite a dedução do AIMI à colecta de IRC, sendo esta dedução limitada à parte correspondente aos rendimentos gerados por imóveis e sujeitos a IRC, no âmbito da actividade de arrendamento ou hospedagem, podendo, em alternativa, o encargo com o pagamento do AIMI ser considerado como gasto fiscalmente aceite para efeitos de determinação do lucro tributável .
O que está em causa, portanto, não é a tributação do rendimento real auferido por essas entidades através da actividade desenvolvida, mas a capacidade contributiva complementar resultante da mera titularidade de um património e que, por si só, pode facilitar a angariação de crédito ou o reforço da sua posição negocial na celebração de contratos.
A circunstância específica de as sociedades imobiliárias centrarem a sua actividade na realização de operações sobre imóveis não as distingue de qualquer outro sujeito passivo que, individualmente ou a nível empresarial, se dedique à aquisição e comercialização de imóveis.
Além do mais, não parece arbitrária, em termos de política legislativa, a tributação diversa, nomeadamente em sede de AIMI, de património imobiliário destinado a habitação e terrenos para construção, por um lado, e de imóveis destinados, eles próprios, ao exercício de actividades comerciais, industriais, prestação de serviços ou afins , por outro. Uns e outros não desempenham funções idênticas no quadro económico e bem pode residir nessa diferença a justificação da diversidade de tributação. Como é bom de ver um edifício onde opera uma unidade de prestação de cuidados de saúde, um hospital, e um terreno para construção em que se pretende edificar um hospital não têm a mesma utilidade social. Ora essa diversidade autoriza o estabelecimento de regimes tributários distintos, não podendo ser associada a essa distinção uma intolerável arbitrariedade. O legislador tributário tem liberdade de conformação do imposto. Pode tomar opções, tributando umas realidades e deixando de fora do âmbito de incidência outras. Pode, no fundo, colocar a política fiscal ao serviço da política económica que pretende ver prosseguida. O que não pode é fazer distinções incompreensíveis, arbitrárias, que escapem a qualquer juízo de racionalidade, ao arrepio dos princípios que a Lei Fundamental elege como estruturantes de uma genuína justiça fiscal.
Afigura-se, assim, existir fundamento constitucionalmente aceitável para a restrição da incidência do AIMI aos prédios habitacionais e aos terrenos para construção (mesmo aqueles que tenham por afectação potencial os serviços) por confronto com os imóveis classificados como comerciais, industriais ou para prestação de serviços. E isto independentemente do objecto social da entidade que deles seja proprietária e da sua concreta actividade económica.
Por tudo quanto antecede, não se vê que a liquidação sub judice seja ilegal. E não sendo ilegal, deve ser mantida na ordem jurídica, não havendo lugar ao reembolso da quantia suportada pela Requerente nem ao pagamento de juros indemnizatórios.
4. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, absolvendo a Requerida; e
b) Condenar a Requerente nas custas do processo.
5. Valor do processo
Quando seja impugnado um acto de liquidação, o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende, que corresponde à utilidade económica do pedido. Assim, de harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 306.º do CPC, no art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 10.726,19 (dez mil setecentos e vinte seis euros e dezanove cêntimos).
6. Custas
Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerente.
Lisboa, 30 de Outubro de 2020
O Árbitro
(Nuno Pombo)
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.