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SUMÁRIO:
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Nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a Administração Tributária pode obrigar o sujeito passivo que efetua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação;
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Na interpretação que o STA fez do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, o entendimento da AT tem cobertura nestas normas, resultando a diferente estruturação da dedução do imposto do próprio Código do IVA e não do Ofício Circulado n.º 30108, estando, assim, afastado o pressuposto de que partiu a Requerente para invocar a inconstitucionalidade em causa, que não se verifica, à luz da referida interpretação;
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A interpretação do artigo 23.º, n.º2, do CIVA levada a cabo pela Requerida e sufragada pelo STA, entendida tal norma como habilitante a aplicar ou a impor à Requerente um coeficiente de dedução diverso do método pro rata, através da imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108, não é material nem formalmente inconstitucional, por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, N.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República [165.º, n.º 1, alínea I) da CRP.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Fernanda Maçãs (presidente), Marcolino Pisão Pedreiro e Clotilde Celorico Palma, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem este Tribunal Arbitral Colectivo, tendo presente o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 21 de Abril de 2021, acordam no seguinte:
I. Relatório
1. No dia 12.12.2019, a Requerente, A..., S.A. (doravante simplesmente A... ou REQUERENTE), titular do número único de matrícula na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa – ... Secção e de identificação de pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., ...-... Lisboa, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com vista à anulação parcial das autoliquidações de Imposto consubstanciadas nas declarações periódicas de IVA respeitantes aos períodos de 2011/04, 2011/05, 2011/06.
A Requerente peticiona, ainda, a restituição da quantia de € 288.717,63 referente ao IVA não deduzido, acrescida dos juros legais contados desde a data da apresentação das respectivas declarações periódicas relativas aos períodos de 2011/04, 2011/05 e 2011/06, até à data da restituição.
2. A Requerente havia apresentado, a 13.07.2011, impugnação judicial contra os actos tributários ora objecto do presente processo.
À data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, encontrava-se aquele processo, que corria os seus termos na Unidade Orgânica 1, do Tribunal Tributário de Lisboa, sob o número de processo … BELRS, a aguardar decisão em primeira instância.
O artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, veio determinar no seu n.º 1 que “os sujeitos passivos podem, até 31 de Dezembro de 2019, submeter aos tribunais arbitrais tributários, dentro das respectivas competências, as pretensões que tenham formulado em processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais tributários, e que nestes tenham dado entrada até 31 de Dezembro de 2016, com dispensa de pagamento de custas processuais”.
A Requerente apresentou junto do Tribunal Tributário de Lisboa, ao abrigo do disposto no referido artigo 11.º, requerimento com vista à a extinção do processo de impugnação judicial por o ir cometer ao Tribunal Arbitral, constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa, tendo sido proferida sentença homologatória, datada de 11.12.2019, da desistência da instância para esse propósito.
Nos termos do n.º 2 do referido preceito legal, a pretensão aqui submetida à arbitragem coincide com o pedido e a causa de pedir do processo de impugnação judicial.
3.O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente aplicáveis, foram designados árbitros os signatários da presente decisão, que comunicaram ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 05.03.2020.
4. Como fundamento da sua pretensão alegou a Requerente, no essencial, que:
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A Requerente que é, para efeitos de IVA, um sujeito passivo misto (realiza operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem direito a dedução), deduziu, nas declarações periódicas relativas aos três períodos do exercício de 2011 aqui em causa (referentes aos meses de Abril, Maio, Junho e Julho de 2011), o IVA com base no cálculo do pro rata provisório, correspondente ao pro rata definitivo para o exercício de 2010.
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Nestas declarações periódicas de IVA, a Requerente, na determinação do cálculo do pro rata, excluiu as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados.
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Fê-lo, seguindo o critério da Requerida vertido no ofício circulado n.º 30108, de 30/01/2009, sancionado pelo Director Geral, reduzindo assim o seu pro rata de 68% (valor definitivo para 2010), para 24% (valor definitivo para 2010).
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Consequentemente, a Requerente viu o montante a deduzir diminuir de € 446.199,97 para € 157.482,34.
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A Requerente considera que a referida exclusão é ilegal face aos artigos 19.º, n.º 1 e 23.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e aos artigos 173.º e 174.º da Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006.
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A Requerente pagou o valor das autoliquidações objecto do processo.
5. A AT, chamada a pronunciar-se, veio apresentar a sua resposta, o que faz, remetendo a sua argumentação para a contestação oportunamente deduzida em sede de impugnação judicial n.º …BELRS, que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa, 1.ª Unidade Orgânica.
Por sua vez, na contestação apresentada pela Fazenda Pública no referido processo de impugnação judicial n.º …BELRS, consta o seguinte:
“Sobre a matéria controvertida, sustenta a informação da Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de … no sentido de negar provimento à pretensão formulada pela impugnante, pelo que acompanhamos a posição vertida na referida informação, constante de fls. (…) do PAT (…) e assumimo-la como contestação, pugnando pela manutenção do acto tributário impugnado.”
Na mencionada informação refere-se, no essencial, que:
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Tendo em conta os normativos do artigo 23.º do CIVA e a Directiva do IVA, é entendimento da AT que a percentagem de dedução através do método do pro rata não deve integrar a amortização financeira incluída nas rendas de leasing e ALD Financeiro bem como a alienação ou indemnização dos bens abatidos, pelo facto de tais montantes não integrarem o volume de negócios do A... uma vez que considera que aqueles valores não constituem proveitos da entidade locadora, mas apenas o reembolso do capital investido.
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No entendimento da AT, apenas os juros componente da renda estão em conexão com os custos comuns utilizados pois, ao constituirem a remuneração do serviço prestado, têm por objectivo a cobertura dos custos suportados a montante.
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Embora de acordo com o artigo 16.º, nº. 2, al. h), do Código do IVA, o valor tributável das operações subjacentes a um contrato de locação financeira (rendas), seja composto por capital mais juros, a parcela correspondente à amortização de capital (amortização financeira) não tem a natureza de proveito prendendo-se a sua sujeição a IVA “simplesmente com o facto de ser a única via que o Estado tem para recuperar o valor do IVA que a impugnante deduziu aquando da aquisição dos bens, segundo as regras da afectação real.”
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Concluindo que as pretensões da Requerente são improcedentes devendo manter-se na ordem jurídica os actos de autoliquidação impugnados.
6. Por despacho de 30.07.2020, atendendo a que dos autos consta prova documental sobre os factos alegados pelo SP, quer por não existir dissídio sobre os factos essenciais para a decisão da causa, quer por a questão se apresentar substancialmente de direito, foi indeferido o requerimento de inquirição de prova testemunhal apresentado pela Requerente.
Não havendo lugar a produção de prova constituenda, por um lado, e não tendo sido suscitada matéria de excepção, por outro, foi, ainda, dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste (artigos. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2, do RJAT).
7. As partes apresentaram alegações escritas.
A Requerente, para além de ter reafirmado o já exposto em sede de petição inicial, alegou ainda, em síntese, que:
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A Requerente não desconhece, naturalmente, quer a decisão proferida pelo TJUE no âmbito do Processo C-183/13 – (conhecido pelo «Caso Banco Mais») quer as decisões nacionais que têm vindo a ser proferidas no seguimento do acórdão do TJUE, sucede, todavia, que, com o devido respeito, sustentando que aquela decisão do TJUE assenta numa premissa factual manifestamente errada – a de que a legislação nacional (no caso o nosso código do iva) transpôs ipsis verbis para o nosso ordenamento jurídico o que a directiva previa sobre a matéria da dedutibilidade do iva pelos sujeitos passivos.
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Julga a Requerente que o entendimento sufragado nas decisões judiciais proferidas com base em tal aresto do TJUE – e que, com o devido respeito, assumindo por certa tal premissa, não se deram ao trabalho de, mesmo após ter a questão sido suscitada, analisar com a diligência devida se a mesma estava efectivamente, ou não, correcta – padecem, naturalmente, do mesmo equívoco.
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Da mera leitura das disposições legais nacionais aplicáveis (maxime do artigo 23.º do CIVA) se pode (e deve) constatar que (ao contrário do que o TJUE veio a dar como certo, apenas e só com base no que o Representante do Estado Português alegou no processo) as mesmas não correspondem à mera transposição ipsis verbis da Directiva do IVA, não estando, assim, prevista na nossa legislação nacional a possibilidade – conferida pela Directiva, como veio o TJUE a esclarecer, e que, naturalmente, já não se questiona – de a AT poder mitigar o pro rata.
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Embora se admita hoje que, de iure constituendo, ao abrigo da Directiva do IVA, os Estados membros possam optar por não só impor o uso de um determinado método de dedução do IVA relativo aos designados custos comuns para os sujeitos passivos mistos, como possam, inclusive, no caso da aplicação do método do pro rata, impor que determinadas verbas sejam, ou não, consideradas no numerador / denominador da fórmula de cálculo da percentagem de dedução, a verdade é que, de iure constituto, tal possibilidade não foi – de todo – a seguida pelo Estado Português que, repita-se, embora se admita hoje – por força da decisão do TJUE no «Caso Banco Mais» que a Directiva confere essa margem aos Estados membros, o legislador nacional entendeu, porém, consagrar no nosso ordenamento jurídico (ou seja no CIVA) apenas a possibilidade de a AT impor o uso de um determinado método (afectação real ou pro rata). Sempre com o fundamento de combater as “distorções significativas na tributação”.
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Uma interpretação segundo a qual o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA permitem à AT (à margem do processo legislativo estabelecido na CRP) através de circular interna definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, com carácter geral e abstracto, através de uma diferente modelação do método pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA (excluindo, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção a parte da renda correspondente à amortização) é material e formalmente inconstitucional por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (artigo 103.º, n.º 2, da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP), o que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
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E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, pelo que uma interpretação segundo a qual os n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA lhe confere, à AT, tal possibilidade, também é violadora do princípio da legalidade da actuação da AT (artigo 266.º, n.º 2, da CRP).
A Requerida, nas suas alegações escritas, sustentou, em resumo, o seguinte:
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No caso concreto, estamos perante operações de locação financeira mobiliária, e pretende aferir-se a legalidade, face às normas de direito comunitário ou de direito interno, da exclusão do cálculo da percentagem de dedução, da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas considerando o montante de juros e outros encargos facturados.
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Deve ser excluída do cálculo da percentagem de dedução a parte da amortização financeira incluída na renda, uma vez que esta mais não é do que a restituição do capital financiado/investido para a aquisição do bem.
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É apenas o valor diferencial (que, genericamente, corresponde a juros) que se encontra conexo com os custos de aquisição de recursos utilizados indistintamente em operações com e sem direito à dedução.
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Os inputs em que incorre a Requerente, com vista à disponibilização dos veículos ao locatário, para além da aquisição do veículo, poucos ou nenhuns serão, pois parece-nos evidente as restantes despesas, que ganham peso durante a vigência do contrato, situam-se ao nível do financiamento e da gestão, decorrentes das vicissitudes do contrato, como seja despesas com advogados, fornecedores externos, solicitadores, tratamento de multas, de coimas, infracções, tratamento do imposto único de circulação, ou decorrentes da gestão corrente da actividade – água, luz, condomínio, software, sistema de alarmes, etc.
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Acresce a isto o facto de que num contrato de locação financeira, por mais que a Requerente alegue que corre por sua conta todos os custos inerentes ao mesmo, o locador fica liberto daquilo que são as obrigações regra do proprietário no regime geral da locação pois não corre por conta dele o risco do perecimento do bem, sendo a obrigação de segurar o bem do locatário, nem corre por conta dele, locador, mas sim por conta do locatário, a obrigação de realizar reparações, mesmo que necessárias ou urgentes sendo ainda ao locatário que compete defender a integridade do bem e o respectivo gozo.
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Por sua vez, as despesas de transporte, seguro, montagem, instalação e reparação do bem, assim como as necessárias à sua eventual devolução ao locador ficam a cargo do locatário, salvo estipulação em contrário, como assim também o risco de perda e deterioração do bem, tudo conforme os artigos 10.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º do DL n.º 149/95.
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Por outro lado, em algum momento da p.i. a Requerente invocou que os gastos de disponibilização com veículos são significativos e que constituem sobretudo o grosso dos gastos incorridos no âmbito dos contratos de leasing e de ALD, por contraposição aos gastos de gestão de financiamento dos contratos.
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A questão que se coloca, pois, é a de saber se o procedimento adoptado pela Administração Tributária está conforme com as normas internas e comunitárias, em especial, o artigo 16.º e 23.º CIVA, já referidos, e bem assim, os artigos 174.º e 175.º da Diretiva IVA.
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A resposta é afirmativa. Veja-se o caso do Acórdão “Banco Mais” e o acórdão do STA, processo n.º 052/19.0BALSB onde se pode ler que “a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços»”.»
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Nem diga a Requerente, que, no concerne à forma de determinação do critério de imputação especial, existe uma clara violação do princípio da legalidade, da neutralidade e da reserva de lei.
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É que se a AT veio a reproduzir o aludido critério através do Ofício-Circulado n.º 30.108, fê-lo apenas a pedido e de acordo com as instruções do legislador, que expressamente determinou que a AT podia vir impor condições especiais, conforme os n.sº 3 e 2 do art.º 23.º.
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No limite, a AT podê-lo-ia até fazer casuisticamente, sujeito passivo a sujeito passivo, aplicando o critério que entendesse mais consentâneo à situação em concreto, que respeitasse a neutralidade do imposto.
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A bem da estabilidade tributária e do princípio da colaboração/informação, optou por divulgar o critério através de uma instrução administrativa.
8. Em 04.11.2020 foi proferida Decisão Arbitral que decidiu:
“Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, decretando-se, com fundamento em ilegalidade, a anulação parcial dos actos tributários impugnados, nos seguintes termos:
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A autoliquidação do período a liquidação do imposto do período 2011/04 é anulada parcialmente no valor de €73.602,12, permanecendo na ordem jurídica o acto tributário no que respeita ao valor de € 40.146,61.
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A autoliquidação do período a liquidação do imposto do período 2011/05 é anulada parcialmente no valor de €120.447,43, permanecendo na ordem jurídica o acto tributário no que respeita ao valor de € 65.698,60
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A autoliquidação do período a liquidação do imposto do período 2011/06 é anulada parcialmente no valor de 94.668,08, permanecendo na ordem jurídica o acto tributário no que respeita ao valor de € 51,637,14.
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Condenação da Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago e respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal, nos termos que vierem a ser fixados em sede de execução de sentença.
Na mesma decisão arbitral foi decidido que, concluindo-se pela legalidade do pedido, se encontrava prejudicada a apreciação das inconstitucionalidades invocadas, argumentando-se, em síntese, que:
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O IVA a liquidar deve incidir sobre a totalidade da renda, sem distinção entre juro e capital, pois o valor tributável do imposto, nas operações de locação financeira é, segundo a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, “o valor da renda recebida ou a receber do locatário”; sendo igualmente claro que o numerador da fracção que exprime a percentagem a dedução é constituído pelo “montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar à dedução”, ou seja, pelo valor das operações que foram tributadas, e que o respectivo denominador é o “montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo…”, o que obviamente inclui as primeiras;
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O entendimento da AT de tributar toda a renda, como determina o disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º, do CIVA, e de expurgar, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção a parte da renda correspondente à amortização não tem apoio directo nos textos legais, uma vez que o legislador não fez uso da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da aludida fracção;
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A jurisprudência do TJUE, no denominado Caso Banco Mais, não pode colher no sentido invocado pela AT, porquanto, analisado o mesmo conclui-se que parte de uma premissa não está correcta, dado assumir uma interpretação, sem na realidade verificar se a lei portuguesa (o disposto no artigo 23.º do Código do IVA) prevê ou não mecanismos que permitam à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista;
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Não se nos afigura que o normativo constante do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA (conjugado com o n.º 3) represente uma transposição para o direito interno da regra da determinação do direito à dedução acolhida no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, que se configura como uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, de tal Directiva.
9. Tendo a Requerida interposto recurso para uniformização de jurisprudência, por alegada contradição entre o assim decidido e o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido a 15 de Novembro de 2017 no processo n.º 0485/17, veio o Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção de Contencioso Tributário), por Acórdão de 22.09.2021, proferido por unanimidade, no âmbito do processo n.º 145/20, decidir tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão arbitral recorrida, remetendo, com as necessárias adaptações para a fundamentação do Acórdão do STA, proferido a 24 de Março de 2021, no processo n.º 87/20.0BALSB, argumentando que:
“Nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a Administração Tributária pode obrigar o sujeito passivo que efetua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação.”
No referido recurso a Requerente, nas respectivas contra-alegações, pediu ao Supremo Tribunal Administrativo para conhecer das questões de inconstitucionalidade formal e material do artigo 23.º, n.ºs 2 e 3 do CIVA, que não haviam sido conhecidas pelo Tribunal a quo. Subsidiariamente, solicitou a Requerente que o Supremo Tribunal Administrativo ordenasse a ampliação da matéria de facto junto do tribunal recorrido.
Quanto à questão da inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu, em suma, o seguinte:
“(…) é por demais evidente que a Decisão Arbitral recorrida não decidiu com base na inconstitucionalidade do artigo 23.º do Código do IVA, mas com base na errada interpretação deste dispositivo legal e de vertas disposições da Diretiva IVA.
Daí que a questão que se levanta perante a pretensão ampliativa da recorrida, seja a de saber se ela pode requerer a ampliação do âmbito do recurso por forma a abranger a apreciação da questão de constitucionalidade ou, até mesmo, se o Supremo Tribunal Administrativo tem o dever de apreciar oficiosamente a inconstitucionalidade daqueles preceitos.
Entende-se denegar uma tal pretensão primariamente porque os recursos para uniformização de jurisprudência servem apenas para a resolução dos conflitos de jurisprudência, ditando o entendimento que deve prevalecer relativamente à questão concretamente apreciada e onde foi revelada a contradição.
Vale isto por dizer que este tribunal Supremo só teria que se pronunciar sobre as suscitadas questões de constitucionalidade se fossem objecto da contradição de julgados motivadora do recurso de uniformização de jurisprudência.
Tal conclusão não é infirmada pela circunstância de no n.º 6 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos se determinar que a decisão que verifica a existência de contradição anule o acórdão recorrido e o substitua na decisão da questão controvertida pois daquele normativo não decorre que o tribunal de recurso deva decidir as restantes questões que se discutam no processo e que o tribunal recorrido, por alguma razão, não tenha apreciado. A questão controvertida terá, sempre, de estar abrangida no objecto de processo que se reconduz à questão que deu origem à contradição de julgados. Assim, independentemente do merecimento do contra a alegado no assinalado vector, tal matéria não pode ser aqui apreciada. “
Por sua vez, no que concerne ao pedido subsidiário de ordenar a ampliação da matéria de facto formulado pela Requerente, no recurso, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu o seguinte:
“Esta questão foi apreciada no acórdão desta Secção de 21 de abril deste ano, tirada no processo n.º 101/19.1BALSB.
Na essência, concluiu-se ali que tal pretensão não tem cabimento nos recursos de decisões arbitrais.
Fundamentalmente, porque o artigo 683.º, n.º 1, do Código de Processo Civil se adapta mal aos casos em que o tribunal recorrido não é um tribunal permanente e não pertence à mesma ordem jurisdicional.
E porque as consequências das decisões estaduais que se reconduzam à anulação das decisões arbitrais pelos tribunais estaduais estão genericamente previstas no artigo 46.º, n.º 9, da Lei da Arbitragem Voluntária, diploma que se aplica à arbitragem administrativa, atento o artigo 181.º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Razão porque o Supremo Tribunal Administrativo entendeu rever posição face a decisões anteriores e assumir que, em situações como a dos autos, só lhe compete anular a decisão arbitral recorrida. Cabendo às partes e, se for caso disso, ao tribunal arbitral, extrair as consequências da anulação.
É esse entendimento que aqui se reafirma. Razão porque esta pretensão da Recorrida também não pode ser acolhida.”
10. A Requerente, notificada do aludido Acórdão, que anulou a Decisão Arbitral proferida no presente processo, veio requerer o seguinte:
“(…) deverão estes autos prosseguir para:
“a. Realizar-se a prova necessária à aplicação do Direito fixado pelo STA, a saber, se, em concreto, se verifica uma distorção significa na tributação, permitindo à Requerente que prove se os gastos comuns respeitam sobretudo à actividade de disponibilização de veículos (e não de financiamento); e
b. Ser conhecida a questão da inconstitucionalidade invocada pela Requerente cujo conhecimento foi dado como prejudicado no acórdão arbitral (e que o STA também não tomou conhecimento).”
Como alegou a Requerente, no Pedido arbitral invoca no artigo 198.º “(…) que os atos tributários em escrutínio deverão ser revogados, e isto porquanto a AT não se encontra habilitada a aplicar ou a impor a aplicação à Requerente de um coeficiente de dedução diverso do método pro rata, sob pena de violação do disposto nos artigos 19.º, 20.º e 23.º do Código do IVA e dos princípios que caracterizam o IVA (o princípio da neutralidade fiscal, o princípio da igualdade de tratamento entre sujeitos passivos, o principio da segurança jurídica e o princípio da proteção da confiança legítima dos sujeitos passivos), assim como os princípios constitucionais da separação de poderes (artigos 2.º e 211.º), da legalidade (artigo 112.º, n.º5) e da reserva de lei (artigos 103.º e 165.º, n.º1, alínea i), todos da Constituição da República Portuguesa.”
Nas alegações, além dos vícios conducentes à declaração de ilegalidade, a Requerente, suscitou, a título subsidiário, a inconstitucionalidade do artigos 23.º, n.ºs 2 e 3, do CIVA, segundo a interpretação dada pela Requerida que lhe permite à margem do processo legislativo estabelecido na CRP através de circular interna definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, alegando em síntese, que, para além da ilegalidade dos actos tributários em causa, conforme jurisprudência do TJUE, como se convocou no Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 854/2019-T,
“(…) Quer porque, “a falta da sua previsão [a modelação do pro rata através do aludido Ofício] em diploma legislativo nacional, em matéria em que não é directamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a actos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 112.º, n.º 5, da CRP), para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal, em que se está perante matéria inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n 1, alínea i), da CRP]”.
“Com efeito, uma interpretação segundo a qual os n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA permitem à AT (à margem do processo legislativo estabelecido na CRP) através de circular interna definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, com carácter geral e abstracto, através de uma diferente modelação do método pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA (excluindo, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção a parte da renda correspondente à amortização) é MATERIAL e FORMALMENTE INCONSTITUCIONAL por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República [165.º, n.º 1, alínea i) da CRP], o que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, pelo que uma interpretação segundo a qual o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA lhe confere, à AT, tal possibilidade, também é violadora do princípio da legalidade da actuação da AT (artigos 266.º, n.º 2, da CRP).” Por sua vez, a Requerida nas contra-alegações refuta as ilegalidades e inconstitucionalidades suscitadas, afirmando, designadamente, que “o procedimento adoptado pela Administração Tributária está conforme com as normas internas e comunitárias, em especial, o artigo 16.º e 23.º CIVA, já referidos, e bem assim, os artigos 174.º e 175.º da Diretiva IVA”. Isto em conformidade com a jurisprudência do Acórdão “Banco Mais”, tratado pela jurisprudência do TJUE – Proc. C-183/13.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu defendendo que deveria ser indeferido o requerimento, nomeadamente por ser inaceitável a ampliação da matéria de facto por se tratar de ampliação do pedido e da causa de pedir sem o seu acordo e por o Tribunal Arbitral que proferiu a decisão arbitral se encontrar extinto. Quanto à questão da constitucionalidade, defende que a mesma não consubstanciou a razão de ser, o motivo principal ou a “ratio decidendi” do acórdão arbitral, consubstanciando antes um “obter dictum”, uma razão acessória que sustenta a decisão.
11.Por Despacho intercalar de 09.01.2022, que se dá por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, decidiu este Tribunal no tocante à ampliação da matéria de facto que, “… tendo este Tribunal Arbitral de decidir «de acordo com o direito constituído» (artigo 2.º do RJAT) e estabelecendo o n.º 1 do artigo 265.º CPC que, «na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação», a falta de acordo da Autoridade Tributária e Aduaneira é um obstáculo insuperável à alteração pretendida pela Requerente.”
Nestes termos, o Tribunal indeferiu o requerimento de realização das diligências apresentado para «prova de que os custos gerais mistos são determinados sobretudo pela disponibilização de viaturas».
Já no tocante à questão da inconstitucionalidade, decidiu este Tribunal o seguinte:
“Nas contra-alegações de recurso a Requerente voltou a suscitar as questões de inconstitucionalidade mencionadas, mas, como vimos, o Supremo Tribunal Administrativo não as conheceu, por entender, em suma, que a decisão arbitral «não decidiu com base na inconstitucionalidade daquele preceito, as questões de constitucionalidade que agora a Recorrida invoca não fazem parte do âmbito do presente recurso para uniformização de jurisprudência.
A questão que se coloca é a de saber se neste contexto o presente Tribunal deve apreciar essas questões, cuja apreciação foi omitida.
Adiante-se, desde já, que a resposta não pode deixar de ser positiva.
Com efeito, em primeiro lugar, as questões de inconstitucionalidade foram suscitadas «durante o processo», nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 70.º, n.º1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional. Não obstante esse facto, o tribunal a quo não as apreciou, como vimos, por as ter considerado prejudicadas e, por sua vez, o Supremo Tribunal Administrativo, também omitiu esse conhecimento, pelas razões supra mencionadas. Ora, tendo as questões de inconstitucionalidade sido suscitadas em tempo processual oportuno têm de ser apreciadas pelo Tribunal Arbitral, pois, como resulta do artigo 204.º da CRP, «nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados».
Em segundo lugar, o direito à tutela judicial efetiva, mediante um processo equitativo, constitucionalmente garantido (artigos 20.º, n.º s 1 e 4, e 268.º, n.º 4, da CRP), impõe que se reconheça à Requerente, que suscitou expressamente questões de inconstitucionalidade, tanto perante o Tribunal Arbitral como perante o Supremo Tribunal Administrativo, o direito de as ver apreciadas.
Esse direito é também reconhecido pelo RJAT ao erigir como objectivo do processo arbitral a «obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas» [artigo 16.º, alínea c), do RJAT].
Assim, não tendo essas questões sido apreciadas pelo Supremo Tribunal Administrativo, nem pelo Tribunal Arbitral (na interpretação vinculativa que o Supremo Tribunal Administrativo fez da decisão arbitral) aquele direito à tutela judicial efetiva reclama que as questões suscitadas sejam apreciadas.
Por isso, destas normas constitucionais decorre que o conhecimento das questões de inconstitucionalidade colocadas pela Requerente constitui necessariamente uma das consequências a extrair da anulação da decisão, a que se refere Supremo Tribunal Administrativo.
Por outro lado, as questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Requerente no Supremo Tribunal Administrativo e no requerimento de 12/10/2021, foram as colocadas exatamente nos mesmos termos nas alegações do tribunal a quo, razão pela qual ambas as partes já tiveram oportunidade de se pronunciarem sobre as mesmas.”
Termos em que se determinou:
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Indeferir o requerimento de realização das diligências de prova;
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Deferir o requerimento quanto à apreciação das questões de inconstitucionalidade;
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Determinar o prosseguimento dos autos para prolação de decisão arbitral reformulada, conforme o decidido pelo STA e no quadro supramencionado.
12.Notificada da reabertura do presente processo veio a Requerida, entre o mais, para o que importa neste momento processual, requerer a suspensão da instância, por se encontrarem pendentes recursos interpostos para o Tribunal Constitucional sobre as mesmas questões.
Em exercício do contraditório veio a Requerente, por requerimento de 2 de Março de 2022, opor-se.
13.Importa, pois, reformular a Decisão Arbitral proferida em 02.11.2020 em conformidade com o decido pelo STA e o referido Despacho exarado a 09.01.2022.
14.O Tribunal é materialmente competente e, inicialmente, encontrava-se regularmente constituído nos termos do RJAT nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
15.As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
16. Como ficou dito, veio a Requerida, por requerimento de 11/2/2022, solicitar a suspensão da instância argumentando, no essencial, que sobre a mesma matéria nuclear de direito, pende atualmente junto do Tribunal Constitucional, recurso interposto pela Autoridade Tributária, com o n.º …/21, com origem no processo 58/2020-T. Tendo o mesmo acontecido em relação ao processo arbitral n.º 636/2020-T. Por sua vez, no âmbito do processo n.º …BALSB, com origem no processo n.º 505/2019.T, a correr termos no STA, foi a Requerente que interpôs recurso para o Tribunal Constitucional.
Conclui a Requerida que existindo pelo menos três recursos pendentes junto do Tribunal Constitucional, que versam sobre idêntica temática, impõe-se ao abrigo da estabilidade das decisões judiciais e do disposto no “artigo 8.º, n.º3, do CC, decisões, em que “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, que este Tribunal suspenda os autos arbitrais até aos respetivos trânsitos em julgado.”
Em exercício de contraditório veio a Requerente pôr-se, alegando, entre o mais, que atento o princípio da celeridade que deve nortear as decisões arbitrais não faz sentido a suspensão dos autos, até porque existem meios para que a Requerida e até mesmo o Ministério Público possam, se assim o entenderem, reagir contra a decisão a final.
Vejamos.
Dispõe o artigo 272.º do CPC na parte relevante:
Suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes
1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
2 - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
(...)
Nas palavras de Alberto dos Reis, existe prejudicialidade de uma causa em relação à outra “quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda", sublinhando que "... a razão de ser da suspensão por pendência de causa prejudicial é a economia e coerência dos julgamentos..." (Comentário, III Volume, pág. 268).
No mesmo sentido, Manuel de Andrade refere que existe prejudicialidade “quando na primeira causa se discuta, em via principal uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é pura e simplesmente uma reprodução da primeira. Mas nada impede que se alargue a questão da prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro em que se discuta a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal" (Lições de Processo Civil, págs. 491 e 492).
Também a jurisprudência subscreve esse entendimento.
Nesse sentido decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, no Processo n,º 0071674, de 16-10-1991, quando se pronunciou no sentido de que “Uma causa é prejudicial em relação a outra, quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda. Sendo a razão de ser da suspensão por pendência de causa prejudicial a economia e coerência dos julgamentos, o que interessa é que a decisão a proferir na acção prejudicial deva ser tida em conta na outra acção”.
Entendimento igualmente sufragado pelo Tribunal da Relação do Porto quando, no Processo n.º 940/08.9TVPRT.P1, de 07-01-2010, refere que “uma causa está dependente do julgamento de outra já proposta, quando a decisão desta pode afectar e prejudicar o julgamento da primeira, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser, o que acontece, designadamente, quando, na causa prejudicial, esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada para a decisão do outro pleito. Entende-se, assim, por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia. Existindo entre duas acções esse nexo de prejudicialidade, deverá ser suspensa a instância na causa dependente, até à decisão da causa prejudicial”.
O Tribunal da Relação de Lisboa subscreveu também tal perspectiva quando em acórdão proferido em 13-12-2001, no Proc. n.º 11748/01, sublinhou: “A prejudicialidade consubstancia-se na relação de consunção parcial entre objectos processuais, em termos de impossibilidade de apreciação do objecto processual dependente sem interferir na apreciação do objecto prejudicial”. No mesmo sentido e na jurisprudência do CAAD, ver entre outras, as decisões proferidas nos processos n.ºs 668/2016-T, 107/2018-T e 669/2019-T.
Aplicando as referidas coordenadas ao caso concreto, conclui-se que, na presente instância, não se verificam os referidos pressupostos da prejudicialidade.
Com efeito, as decisões do Tribunal Constitucional apenas são vinculativas para os outros tribunais, chamados a aplicar a norma em causa aos casos submetido a julgamento, após ser proferida decisão de inconstitucionalidade com força obrigatória geral dessa norma. O facto de se encontrarem pendentes três recurso para o TC não significa desde logo que as três decisões sejam no mesmo sentido. E, mesmo que assim fosse, consubstanciaria apenas a verificação de mero pressuposto para a organização de processo de declaração de norma inconstitucional com força obrigatória geral. Sendo certo que, neste momento, não se antevê que tal possa vir sequer a acontecer.
No quadro do CAAD, como alega a Requerente, temos de atender a princípios como o da celeridade processual. Por outro lado, qualquer que seja a decisão sobre a questão de inconstitucionalidade, qualquer das partes e mesmo o Ministério Público gozam sempre do direito ao recurso para o Tribunal Constitucional, assegurando-se sempre por esta via a uniformidade na aplicação do direito.
Termos em que se decide indeferir o pedido de suspensão da pronúncia arbitral.
17.Não se verificam nulidades nem questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe conhecer, de novo, do mérito do pedido, substituindo a decisão anulada por outra que aprecie a questão das inconstitucionalidades tendo em consideração a jurisprudência uniformizada estabelecida em recurso no aludido Acórdão do STA.
II. A matéria de facto relevante
A. Consideram-se provados os seguintes factos:
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No dia 26 de Maio de 2011, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Abril de 2011 tendo procedido ao pagamento da totalidade do valor resultante daquela liquidação (€162.723,03) em 9 de Junho de 2011.
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No dia 7 de Junho de 2011, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Maio de 201, tendo procedido ao pagamento da totalidade do valor resultante daquela liquidação (€348.062,70) em 8 de Julho de 2011.
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No dia 6 de Julho de 2011, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Junho de 2011, tendo procedido ao pagamento da totalidade do valor resultante daquela liquidação (€818.556,59) em 10 de Agosto de 2011.
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Para efeitos de IVA, a Requerente está enquadrada no regime normal, com periodicidade mensal, desenvolvendo operações sujeitas – nas quais se incluem as relativas à Locação Financeira mobiliária [Leasing e Aluguer de Longa Duração Financeiro (doravante ALD Financeiro)] – e operações isentas – designadamente a concessão de financiamentos de crédito para a aquisição de imóveis e automóveis e crédito ao consumo (vulgos contratos de crédito).
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O ofício circulado n.º 30108, de 30/01/2009, do Senhor Director Geral dos Impostos, tem o seguinte teor:
“Para conhecimento dos Serviços e de outros interessados, e tendo em vista divulgar a correcta interpretação a dar ao artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a actividade de Leasing ou de ALD, comunica-se que, por meu despacho de 2009.01.30, proferido na informação nº 106, de 19 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, foi determinado o seguinte:
1. O ofício circulado nº 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23º do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.
2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23º do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou prorata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do prorata conduza a distorções significativas na tributação (nº 3 artº 23º).
3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n.º 2 do artigo 23.º, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.
4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.
5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.
6. Face à anterior redacção do artigo 23º do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas.
No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do nº 4 do artigo 23º do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um prorata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real. 7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.
8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.
9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.” .
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A posição vertida no ofício circulado n.º 30108, de 30/01/2009, havia sido adoptada pelos Serviços de Inspecção da Requerida em sede de inspecção junto da Requerente relativamente factos tributários de IVA anteriores aos que estão em causa no presente processo.
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A Requerente deduziu, nas declarações periódicas relativas aos três períodos do exercício de 2011 aqui em causa, o IVA com base no cálculo do pro rata provisório, correspondente ao pro rata definitivo para o exercício de 2010.
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Nessas mesmas declarações a Requerente, na determinação do cálculo do pro rata excluiu as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados.
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Em consequência desta exclusão o pro rata definitivo da requerente para o ano de 2010 foi de 24%, donde resultou o valor a deduzir de € 40.146,61 para o mês de Abril de 2011, € 65.698,60 para o mês de Maio e € 51.637,14 para o mês de junho.
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O pro rata correto é de 68% caso se considere, quer no numerador quer no denominador, as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados donde resultará o valor a deduzir de € 113.748,73 para o mês de abril de 2011, € 186.146,03 para o mês de Maio e € 146.305,22 para o mês de Junho.
B. Factos não provados
Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados.
Sublinhe-se que não só o Acórdão do STA proferido em recurso nos presentes autos em 21 de Abril de 2021 não determinou qualquer diligência complementar de prova, como também o não determinara o Acórdão do STA para o qual remetia (tirado no Processo n.º 87/20.0BALSB[1]). E, tendo em conta as específicas circunstâncias do presente caso – que já constavam dos factos provados na decisão inicial, tal como nesta nova versão –, muito adequadamente: a questão fora introduzida na jurisdição estadual como pura questão de Direito e transitara desta para a jurisdição arbitral ao abrigo do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, coincidindo com o pedido e a causa de pedir do processo de impugnação judicial.
A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, que não foram objeto de impugnação por nenhuma das partes, sendo ainda de observar que dos articulados apresentados emerge concordância das partes relativamente à matéria de facto, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.
III. O Direito aplicável
III-1- Questões a decidir
Ilegalidade dos actos tributários objecto do presente processo.
Inconstitucionalidade dos n.º 2 e 3, do artigo 23.º, do Código do IVA, por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República [165.º, n.º 1, alínea i) da CRP] em caso de interpretação segundo a qual o n.º 2 e o nº 3, do artigo 23.º, do Código do IVA, permitem à AT através de circular interna definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, com carácter geral e abstracto, através de uma diferente modelação do método pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA.
§1.º Quanto à ilegalidade dos actos tributários objecto do presente processo
A questão essencial que se coloca nos autos é a de saber se nos contratos de locação financeira (Leasing e ALD) o valor a considerar como volume de negócios, para efeitos de determinação da percentagem de dedução do IVA suportado por uma instituição financeira nos custos comuns, deve abranger a totalidade das rendas e dos valores de reposição em caso de perda dos bens – como entendeu o Requerente – ou deve abranger apenas parte, excluindo essas indemnizações e a parte das rendas correspondente à amortização financeira – como defende a Requerida. A questão gira em torno da interpretação do artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, do CIVA
Como vimos, fazendo prevalecer a jurisprudência do STA, quanto à questão da legalidade, por força do caso julgado, o tribunal limita-se a reproduzir o entendimento que levou à anulação da anterior decisão arbitral, que vem a ser, por força da remissão efectuada no Acórdão uniformizador de 21 de Abril proferido nos presentes autos, a que consta do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 24 de Fevereiro de 2021 no processo n.º 87/20.0BALSB[2], e que se pode resumir nas seguintes passagens:
“o Ofício-Circulado:
i. enquadra no ordenamento comunitário e na lei interna (...);
ii. consagra o critério mais objectivo (...);
iii. a sua necessidade foi demonstrada (...);
iv. está de acordo com a jurisprudência comunitária (...).”
(...)
“Assim, quando o Tribunal de Justiça da União Europeia, no denominado acórdão «Banco Mais» (acórdão de 10 de Julho de 2014, tirado no processo C-183/13), veio reconhecer que a referida regra reproduz em substância a referida disposição comunitária e constitui a transposição da mesma para o direito interno, veio reafirmar apenas o que já se sabia e que não era controvertido.
A questão que ficava era a de saber se o método previsto no ponto 9 do Ofício- Circulado n.º 30108, do Gabinete do Subdirector-Geral da Área de Gestão Tributária do IVA era ainda um método adequado a atender à intensidade real e efectiva da utilização dos bens ou serviços em cada um dos tipos de operações para os efeitos da Sexta Directiva e da alínea c) do n.º 3 do artigo 17.º em particular.
E foi a esta questão que, no fundo, o Tribunal de Justiça respondeu afirmativamente.”
(...)
“Não é verdade, por isso, que o Tribunal de Justiça tivesse interpretado o direito interno português. Na parte em que se referiu ao artigo 23.º do Código do IVA, limitou-se a reconhecer a semelhança e a quase sobreposição entre a redacção do seu n.º 2 (no segmento acima assinalado) e a disposição comunitária correspondente.
Todavia, ao decidir que o método proposto pela Administração Tributária do Estado português se conformava com a lei comunitária, também permitiu que se concluísse que se conformava com aquele segmento do dispositivo nacional sem necessidade de considerandos adicionais. Precisamente porque essa parte do dispositivo nacional constituía a transposição para o direito interno da disposição comunitária.”
(...)
“não existe apenas um método de afectação real. No sentido de que não existe apenas uma forma de proceder à afectação de bens ou serviços.
A confirmar que o sistema de afectação real comporta diferentes modalidades e apresenta, por isso, uma certa plasticidade que permita ajustar o sistema de dedução às especificidades da actividade prosseguida pelo sujeito passivo vem a segunda parte do preceito, segundo a qual a Administração Tributária pode impor «condições especiais». Isto é, condições que permitam o «afinamento» (a expressão é do artigo que acima citamos, pág. 62) do método de dedução.
Pelo que a Recorrente tem razão nesta parte: o método a que alude o ponto 9 do Ofício-Circulado supra aludido não tem apenas cabimento na lei comunitária; também tem cabimento na lei interna.
Pelo que as referências ao princípio da legalidade e da reserva de lei também não se nos afiguram pertinentes, ao menos por aqui.”
(...)
E quanto ao argumento de que “o método imposto pela Administração Tributária não constitui um «critério objectivo» que permita determinar o grau de afectação de bens ou serviços.”, escreve-se no referido Acórdão:
“Aqui já não está em causa saber se o método imposto pela Administração Tributária é admitido pela lei nacional: está em causa saber se esse método é ajustado. Isto é, se constitui uma modalidade do cálculo de dedução que reflicta objectivamente a parte real das despesas efectuadas com bens ou serviços de utilização mista que é imputada a operações que conferem o direito à dedução.”
(...)
“Mas o que o Tribunal de Justiça veio a sancionar no acórdão fundamento foi algo diferente: que o que importava para o caso era que o critério adoptado fosse «mais preciso» que o resultante do método residual (ver o parágrafo 34). Isto é, que permitisse estabelecer com maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem o direito à dedução do que qualquer outro. Que fosse o mais «afinado» considerando as especificidades concretas da actividade do sujeito passivo.”
(...)
“Também ali se diz que não são indicadas nem demonstradas pela Administração Tributária as razões por que tal método é necessário para assegurar a igualdade de todas as empresas.
Este argumento também pode ser considerado em dois planos: no plano abstracto ou «pararegulamentar» e no plano concreto, à luz das regras que estabelecem o ónus de alegação e de prova dos factos constitutivos dos direitos a que as partes se arrogam.
No plano abstracto, coloca-se a questão de saber se a Administração Tributária teria que demonstrar no próprio Ofício-Circulado que o método que impõe é o mais adequado, isto é, consagra o critério mais objectivo.
No plano concreto, coloca-se a de saber se a Administração Tributária teria que invocar e demonstrar no procedimento ou nos autos a factualidade que permitisse formular um juízo (de facto) sobre se a utilização dos bens ou serviços é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos.”
(...)
“Não foi ali esclarecido – é certo – porque é que o método adoptado era adequado. Mas foi defendido, claramente, que era mais adequado do que a aplicação do pro rata geral e que, por isso, seria menos susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados e de conduzir a distorções significativas na tributação.”
(...)
“não se vê como possa o Tribunal Arbitral continuar a pôr em causa a conformidade do método da Administração com o princípio da neutralidade depois de o Tribunal de Justiça ter sancionado o entendimento de que está conforme com os princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade (parágrafos 30 e 31 do supra citado acórdão).”
(...)
“Sobre a segunda questão se pronunciou o acórdão fundamento, seguindo um entendimento recorrente deste Supremo Tribunal e sobre o qual não há, agora, razões bastantes para rever.
Foi ali convocado o entendimento segundo o qual, quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo sujeito passivo, cabe a este a prova dos factos constitutivos do direito à dedução.
Caberia, por isso, ao sujeito passivo alegar e demonstrar que, no seu caso concreto, a utilização os bens ou serviços mistos não era sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos. Solução que reputamos adequada também porque o sujeito passivo, dada a sua proximidade com a fonte produtora, está mais bem posicionado para expor as especificidades do seu negócio.”
(...)
“a invocação da jurisprudência firmada no acórdão C-153/17 não se nos afigura pertinente nem acrescenta nada ao juízo ali fornecido sobre a legalidade da liquidação.
E, assim sendo, a Fazenda Pública também tem razão nesta parte. A jurisprudência comunitária não reviu o entendimento firmado no primeiro acórdão supra aludido. De certa forma, até o reforçou, demonstrando como, da aplicação dos mesmos entendimentos ali reafirmados poderiam derivar respostas diferentes para situações diferentes.”
(...)
“Colocar-se-ia agora a questão de saber se este Supremo Tribunal Administrativo pode apreciar a legalidade da decisão administrativa, na parte recorrida, à luz do critério que enunciou, o que exigiria que estivessem fixados nos autos os factos que permitissem um juízo, de acordo com o que ficou exposto, sobre se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pela actividade de financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes (o que se presume, pois, como consta da primeira alínea dos factos provados, «A Requerente é uma instituição de crédito que desenvolve simultaneamente actividade de locação financeira e aluguer de longa duração») ou, ao invés, por outras actividades desenvolvidas pelo sujeito passivo.
Acontece, porém, que tais factos não foram fixados nem o poderiam ter sido, pois, lido o requerimento de constituição do tribunal arbitral por que foi formulado o pedido de apreciação da legalidade, nele não descortinamos qualquer alegação nesse sentido. Essa falta de alegação inviabiliza que sejam dados como provados ou não provados os factos pertinentes à formulação desse juízo, motivo por que não resta senão anular a decisão recorrida.”
O STA concluiu fixando a seguinte jurisprudência:
“Nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a Administração Tributária pode obrigar o sujeito passivo que efetua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação.”
Termos em que decidindo em conformidade com aquela jurisprudência, se conclui que não assiste razão à Requerente, quanto às alegadas ilegalidades assacadas aos actos tributários objecto do presente processo.
§2. Quanto às inconstitucionalidades invocadas
Dando igualmente cumprimento ao decido pelo STA, importa agora apreciar as questões de inconstitucionalidade, que ficaram prejudicadas na Decisão Arbitral recorrida e também não foram apreciadas pelo STA.
Nas alegações, a Requerente, suscitou, a título subsidiário, a inconstitucionalidade do artigos 23.º, n.ºs 2 e 3, do CIVA, alegando em síntese, que, como se convocou no Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 854/2019-T,“(…) Quer porque, “a falta da sua previsão [a modelação do pro rata através do aludido Ofício] em diploma legislativo nacional, em matéria em que não é directamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a actos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 112.º, n.º 5, da CRP), para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal, em que se está perante matéria inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n 1, alínea i), da CRP]”.
“Com efeito, uma interpretação segundo a qual os n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA permitem à AT (à margem do processo legislativo estabelecido na CRP) através de circular interna definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, com carácter geral e abstracto, através de uma diferente modelação do método pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA (excluindo, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção a parte da renda correspondente à amortização) é MATERIAL e FORMALMENTE INCONSTITUCIONAL por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República [165.º, n.º 1, alínea i) da CRP], o que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, pelo que uma interpretação segundo a qual o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA lhe confere, à AT, tal possibilidade, também é violadora do princípio da legalidade da actuação da AT (artigos 266.º, n.º 2, da CRP).”
Por sua vez, a Requerida nas contra-alegações refuta as ilegalidades e inconstitucionalidades suscitadas, afirmando, entre o mais, que “o procedimento adotado pela Administração Tributária está conforme com as normas internas e comunitárias, em especial, o artigo 16.º e 23.º CIVA, já referidos, e bem assim, os artigos 174.º e 175.º da Diretiva IVA”. Isto em conformidade com a jurisprudência do Acórdão “Banco Mais”, tratado pela jurisprudência do TJUE – Proc. C-183/13.
Vejamos.
A sustentar a inconstitucionalidade, a Requerente parte do pressuposto de que o entendimento da AT vertido na circular está à margem do processo legislativo e que é a dita circular que define e restringe, com carácter geral e abtracto, o direito à dedução do IVA. Isto é, não existiria base legal que sustentasse a posição adoptada pela AT, ao aplicar o método do pro rata com base no artigo 23.º do CIVA, uma vez que a “norma habilitante” não teria sido transposta para o ordenamento jurídico nacional, pelo que invoca a violação do princípio da legalidade, consagrado no artigo 112.º, nº 5, da CRP e o princípio de reserva de lei, consagrado nos artigos 103.º e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.
Se fosse esta a interpretação das normas questionadas adoptada pelo STA poderiam de facto aceitar-se as alegadas inconstitucionalidades.
Com efeito, o artigo 112.º, n.º 5, da CRP estabelece que “Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.”
Desta norma da Constituição retiram GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, 4.ª ed.ª, Coimbra Editora, 2010, pp. 67 ss) dois sentidos primordiais, sendo que no que ao caso interessa : (…) (b) a ideia de que as leis não podem autorizar que a sua própria interpretação, integração, modificação, suspensão ou revogação seja efectuada por outro acto que não seja uma outra lei. Salvo os casos expressamente previstos na Constituição (cfr. art. 169.º), uma lei só pode ser afectada na sua existência, eficácia ou alcance por efeito de uma outra lei. Quando uma lei regula uma determinada matéria, ela estabelece ipso facto uma reserva de lei, pois só uma lei ulterior pode vir derrogar ou alterar aquela lei ( ou deslegalizar a matéria).
“Os «actos de outra natureza» (…) a que o preceito se refere abrangem quer os demais actos normativos (regulamentos, etc.), quer os actos administrativos, quer os actos jurisdicionais”, sendo que tais actos devem ter eficácia externa, ou seja, que produzam efeitos nas relações entre a Administração e os particulares.
Mais adiante, os mesmos autores acrescentam que o que se pretende proibir é a interpretação (ou integração) autêntica das leis através de actos normativos não legislativos, seja de natureza administrativa (ex:regulamentos), seja de natureza jurisdicional (ex:sentenças).
Acontece, porém, que a interpretação que foi fixada pelo STA e a que este Tribunal se encontra vinculado nos autos não vai nesse sentido.
Como vimos, na interpretação sufragada, corroborando a da Requerida, entendeu o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão incidente sobre recurso de uniformização de jurisprudência, interposto da decisão arbitral proferida no presente processo, que:
“(…) nos termos do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação”
E, na fundamentação do referido acórdão pode ler-se, entre o mais, que não estamos perante a interpretação autêntica de leis através de actos normativos não legislativos.
Na verdade, repete-se, o STA ao fixar a sua jurisprudência argumentou, entre o mais, que:
“A confirmar que o sistema de afectação real comporta diferentes modalidades e apresenta, por isso, uma certa plasticidade que permita ajustar o sistema de dedução às especificidades da actividade prosseguida pelo sujeito passivo vem a segunda parte do preceito, segundo a qual a Administração Tributária pode impor «condições especiais». Isto é, condições que permitam o «afinamento» (a expressão é do artigo que acima citamos, pág. 62) do método de dedução.
Pelo que a Recorrente tem razão nesta parte: o método a que alude o ponto 9 do Ofício-Circulado supra aludido não tem apenas cabimento na lei comunitária; também tem cabimento na lei interna.”
O STA entendeu, assim, que a possibilidade de estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações, através do método adotado pela AT, tem cobertura direta no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3.
Ora, a partir do momento em que este Tribunal se encontra vinculado a uma interpretação segundo a qual o Ofício Circulado tem base legal e recolhe legitimidade directa no artigo 23.º do CIVA deixamos de poder falar de interpretação inovadora e externa por acto não legislativo.
Ainda sobre o ofício circulado, segundo o ensinamento de José Luís Saldanha Sanches:
“Estas orientações administrativas, sob a forma de circulares ou sob outras formas, são uma interpretação da lei fiscal e um instrumento unificador das decisões (…) da administração.
(…).
Com a estrutura formal duma norma jurídica – uma vez que não são a aplicação do Direito a um caso concreto, mas têm antes um carácter geral e abstracto -, as circulares valem o que valer a interpretação que fazem da lei. Como se afirmou sem ambiguidades num acórdão do STA que analisa uma determinada orientação administrativa, “o valor da doutrina dessa circular será apenas o da sua valia intrínseca.Contém uma doutrina que será boa ou má, válida ou inválida, como qualquer outra doutrina”.Estar contida numa decisão administrativa não amplia nem reduz a sua força convincente, nem cria uma presunção de legalidade ou ilegalidade.” (Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª Ed., 2007, pags.125-126).
Na interpretação que o STA fez do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, o entendimento da AT tem cobertura nestas normas. A diferente estruturação da dedução do imposto resulta do próprio Código do IVA e não da circular. A circular consubstancia, pois, de acordo com a interpretação firmada pelo STA, no processo, o entendimento correcto das normas em causa.
Em suma, estando afastado o pressuposto de que partiu a Requerente no sentido de que o entendimento da AT vertido na circular estaria à margem do processo legislativo, falece, necessariamente, a invocação das alegadas inconstitucionalidades.
A interpretação, segundo a qual do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b), do seu n.º 3, resulta que AT pode obrigar o sujeito passivo que efetua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afetação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação, podendo ser, em abstrato (mas já não em concreto no presente processo arbitral), controvertida no âmbito do direito infraconstitucional, não é material e formalmente inconstitucional por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, N.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República [165.º, n.º 1, alínea I) da CRP.
Termos em que, concluindo-se que a interpretação do artigo 23.º, n.º2, do CIVA levada a cabo pela Requerida não é inconstitucional, entendida tal norma como habilitando- a aplicar ou a impor a aplicação à Requerente de um coeficiente de dedução diverso do método pro rata, através da imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108, se decide negar provimento ao pedido, com a consequente manutenção na ordem jurídica das liquidações impugnadas, bem como as decisões da reclamação graciosa e o recurso hierárquico que as mantiveram.
A improcedência do pedido principal estende-se, em consequência, ao pedido relativo ao reembolso acrescido de juros indemnizatórios.
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Decisão
Termos em que decide o Tribunal arbitral em:
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Indeferir o pedido de suspensão da pronúncia arbitral;
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Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente manutenção dos actos tributários impugnados;
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Condenar a Requerente nas custas do processo.
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Valor da acção
Fixa-se o valor da acção em € 288.717,63 (duzentos e oitenta e oito mil, setecentos e dezassete euros e sessenta e três cêntimos) nos termos do disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
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Custas
Custas pela Requerente no valor de 5.202,00 € (cinco mil duzentos e dois euros), nos termos do n.º 4 do art. 22.º do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 8 Março de 2022
Os Árbitros
Fernanda Maçãs (presidente)
Marcolino Pisão Pedreiro
Clotilde Celorico Palma
(Com voto de vencida)
VOTO DE VENCIDA
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Nota Prévia
A signatária, salvo o devido respeito pelo Douto Acórdão do STA, não pode concordar com o entendimento da AT de tributar toda a renda, como determina o disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, e de expurgar, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção, a parte da renda correspondente à amortização.
De facto, entende-se que tal interpretação não tem apoio directo nos textos legais, uma vez que o legislador não fez uso da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da aludida fracção.
Não se nos afigura que o normativo constante do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA (conjugado com o n.º 3) represente uma transposição para o direito interno da regra da determinação do direito à dedução acolhida no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, que se configura como uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, de tal Directiva.
A jurisprudência do TJUE, no denominado Caso Banco Mais, não pode colher no sentido invocado pela AT, porquanto, analisado o mesmo, conclui-se que parte de uma premissa não está correcta, dado assumir uma interpretação, sem na realidade verificar se a lei portuguesa (o disposto no artigo 23.º do Código do IVA) prevê ou não mecanismos que permitam à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista.
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Entendimento da decisão do STA
Contudo, o STA veio a decidir anular o Acórdão anteriormente proferido por este Tribunal, nos seguintes termos:
“Nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a Administração Tributária pode obrigar o sujeito passivo que efetua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação.”
Quanto à questão da inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu, em suma, o seguinte:
“(…) é por demais evidente que a Decisão Arbitral recorrida não decidiu com base na inconstitucionalidade do artigo 23.º do Código do IVA, mas com base na errada interpretação deste dispositivo legal e de vertas disposições da Diretiva IVA.
Daí que a questão que se levanta perante a pretensão ampliativa da recorrida, seja a de saber se ela pode requerer a ampliação do âmbito do recurso por forma a abranger a apreciação da questão de constitucionalidade ou, até mesmo, se o Supremo Tribunal Administrativo tem o dever de apreciar oficiosamente a inconstitucionalidade daqueles preceitos.
Entende-se denegar uma tal pretensão primariamente porque os recursos para uniformização de jurisprudência servem apenas para a resolução dos conflitos de jurisprudência, ditando o entendimento que deve prevalecer relativamente à questão concretamente apreciada e onde foi revelada a contradição.
Vale isto por dizer que este tribunal Supremo só teria que se pronunciar sobre as suscitadas questões de constitucionalidade se fossem objecto da contradição de julgados motivadora do recurso de uniformização de jurisprudência.
Tal conclusão não é infirmada pela circunstância de no n.º 6 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos se determinar que a decisão que verifica a existência de contradição anule o acórdão recorrido e o substitua na decisão da questão controvertida pois daquele normativo não decorre que o tribunal de recurso deva decidir as restantes questões que se discutam no processo e que o tribunal recorrido, por alguma razão, não tenha apreciado. A questão controvertida terá, sempre, de estar abrangida no objecto de processo que se reconduz à questão que deu origem à contradição de julgados. Assim, independentemente do merecimento do contra a alegado no assinalado vector, tal matéria não pode ser aqui apreciada. “
No tocante à questão da inconstitucionalidade, decidiu este Tribunal o seguinte:
“Nas contra-alegações de recurso a Requerente voltou a suscitar as questões de inconstitucionalidade mencionadas, mas, como vimos, o Supremo Tribunal Administrativo não as conheceu, por entender, em suma, que a decisão arbitral «não decidiu com base na inconstitucionalidade daquele preceito, as questões de constitucionalidade que agora a Recorrida invoca não fazem parte do âmbito do presente recurso para uniformização de jurisprudência.
A questão que se coloca é a de saber se neste contexto o presente Tribunal deve apreciar essas questões, cuja apreciação foi omitida.
Adiante-se, desde já, que a resposta não pode deixar de ser positiva.
Com efeito, em primeiro lugar, as questões de inconstitucionalidade foram suscitadas «durante o processo», nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 70.º, n.º1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional. Não obstante esse facto, o tribunal a quo não as apreciou, como vimos, por as ter considerado prejudicadas e, por sua vez, o Supremo Tribunal Administrativo, também omitiu esse conhecimento, pelas razões supra mencionadas. Ora, tendo as questões de inconstitucionalidade sido suscitadas em tempo processual oportuno têm de ser apreciadas pelo Tribunal Arbitral, pois, como resulta do artigo 204.º da CRP, «nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados».
Em segundo lugar, o direito à tutela judicial efetiva, mediante um processo equitativo, constitucionalmente garantido (artigos 20.º, n.º s 1 e 4, e 268.º, n.º 4, da CRP), impõe que se reconheça à Requerente, que suscitou expressamente questões de inconstitucionalidade, tanto perante o Tribunal Arbitral como perante o Supremo Tribunal Administrativo, o direito de as ver apreciadas.
Esse direito é também reconhecido pelo RJAT ao erigir como objectivo do processo arbitral a «obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas» [artigo 16.º, alínea c), do RJAT].
Assim, não tendo essas questões sido apreciadas pelo Supremo Tribunal Administrativo, nem pelo Tribunal Arbitral (na interpretação vinculativa que o Supremo Tribunal Administrativo fez da decisão arbitral) aquele direito à tutela judicial efetiva reclama que as questões suscitadas sejam apreciadas.
Por isso, destas normas constitucionais decorre que o conhecimento das questões de inconstitucionalidade colocadas pela Requerente constitui necessariamente uma das consequências a extrair da anulação da decisão, a que se refere Supremo Tribunal Administrativo.
Por outro lado, as questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Requerente no Supremo Tribunal Administrativo e no requerimento de 12/10/2021, foram as colocadas exatamente nos mesmos termos nas alegações do tribunal a quo, razão pela qual ambas as partes já tiveram oportunidade de se pronunciarem sobre as mesmas.”
Termos em que se determinou deferir o requerimento quanto à apreciação das questões de inconstitucionalidade e determinar o prosseguimento dos autos para prolação de decisão arbitral reformulada, conforme o decidido pelo STA e no quadro supramencionado.
É certo que as questões de inconstitucionalidade ficaram prejudicadas na Decisão Arbitral e também não foram apreciadas pelo STA.
Ora, concluímos da análise ao Acórdão do STA sobre o facto de este Tribunal Arbitral não ter decidido com base na inconstitucionalidade e quanto ao facto de aquele Tribunal Superior não se pronunciar sobre a inconstitucionalidade, que, não obstante o teor das suas conclusões, na nossa humilde opinião, entende não se ter pronunciado sobre tal aspecto. Caso contrário, naturalmente, esvaziaria de efeito útil tais ilações, pelo que discordamos, salvo o devido respeito, do entendimento acolhido pelos demais membros deste colectivo.
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Apreciação da inconstitucionalidade
É nosso entendimento que uma interpretação segundo a qual o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA permitem à AT através de circular interna definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, com carácter geral e abstracto, através de uma diferente modelação do método pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA (excluindo, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção a parte da renda correspondente à amortização) é material e formalmente inconstitucional por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (artigo 103.º, n.º 2, da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP).
Não tendo tal solução sido prevista legislativamente, não pode a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicá-la, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, pelo que uma interpretação segundo a qual o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA lhe confere, à AT, tal possibilidade, também é violadora do princípio da legalidade da actuação da AT (artigos 266.º, n.º 2, da CRP).
Termos em que se conclui que o IVA a liquidar deve incidir sobre a totalidade da renda, sem distinção entre juro e capital, pois o valor tributável do imposto, nas operações de locação financeira é, segundo a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, “o valor da renda recebida ou a receber do locatário”; sendo igualmente claro que o numerador da fracção que exprime a percentagem a dedução é constituído pelo “montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar à dedução”, ou seja pelo valor das operações que foram tributadas, e que o respectivo denominador é o “montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo…”, o que obviamente inclui as primeiras.
Como é sabido, a força vinculativa das circulares e outras resoluções da AT de natureza geral e abstracta, publicitadas circunscreve-se à esfera administrativa, resultando apenas e da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem. Por isso, a orientações genéricas da AT, nomeadamente quanto à interpretação da lei fiscal, apenas vinculam os funcionários sobre quem o emissor tem posição superior na hierarquia, não vinculando os particulares, cidadãos ou contribuintes, nem os tribunais.
Neste contexto importa relembrar que, como nos ensina Saldanha Sanches: “Estas orientações administrativas, sob a forma de circulares ou sob outras formas, são uma interpretação da lei fiscal e um instrumento unificador das decisões (…) da administração.
(…).
Com a estrutura formal duma norma jurídica – uma vez que não são a aplicação do Direito a um caso concreto, mas têm antes um carácter geral e abstracto -, as circulares valem o que valer a interpretação que fazem da lei. Como se afirmou sem ambiguidades num acórdão do STA que analisa uma determinada orientação administrativa, “o valor da doutrina dessa circular será apenas o da sua valia intrínseca. Contém uma doutrina que será boa ou má, válida ou inválida, como qualquer outra doutrina”. Estar contida numa decisão administrativa não amplia nem reduz a sua força convincente, nem cria uma presunção de legalidade ou ilegalidade.” [3]
Assim, como bem notam os Professores Doutores Guilherme Xavier de Basto e António Martins analisando o designado Caso Banco Mais julgado pelo TJUE[4], “O Acórdão parece fundamentar a sua decisão final – no sentido de que o direito comunitário não se opõe a que um Estado membro obrigue um banco que exerce, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, que corresponde aos juros (com exclusão, portanto, daquela outra parte que corresponde a “amortização financeira”) – no que é hoje o artigo 173º, nº 2 alínea c) da directiva (citando o artigo 17º, nº 5, terceiro parágrafo, alínea c) da 6ª directiva, aplicável aos factos tributários controvertidos no processo).
Ora, nessa disposição, atrás transcrita, do que se trata é de autorizar os Estados a, afastando-se da regra mais geral da percentagem de dedução, efectuar a dedução “com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”. O método dito da afectação real é uma alternativa ao método da percentagem de dedução ou do pro rata, mas não consiste em alteração do algoritmo de cálculo dessa percentagem, o qual está estabelecido no artigo 174º da directiva e envolve a construção de uma fracção em que no numerador se inclui “o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução” (alínea a) do nº 1) e no denominador “o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução” (alínea b) do mesmo nº).
Deve porém analisar-se se essa faculdade, que o TJUE admite que os Estados membros exerçam, foi efectivamente tomada pelo legislador português. A resposta, a nosso ver, é negativa e a imposição da AT de operar com um pro rata diferente do definido no nº 4 do artigo 23º do CIVA afigura-se sem fundamento legal no direito nacional. Não é obviamente um ofício-circulado, que não é mais que um regulamento interno que apenas obriga os serviços, mas não tem eficácia externa, que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não prevê.”[5]
Neste contexto, salientam que “As distorções de tributação que o legislador nacional previu que poderiam existir na modulação do direito à dedução são, na nossa lei, resolvidas através da imposição ao sujeito passivo do método da afectação real (nº 3, alínea b) do artigo 23º, ou, quando elas resultam de o sujeito passivo ter optado por esse método, da imposição de o abandonar (parte final do nº 2 do mesmo artigo). Também é certo que a lei consente que, no caso de opção pelo método da afectação real, a administração possa impor ao sujeito passivo “condições especiais”, que a lei não define, mas que não consistem em alteração do pro rata de dedução.”
Igualmente neste sentido, José Maria Montenegro[6] conclui, adequadamente em nosso entendimento, que o legislador nacional não usou da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da fracção do pro rata de dedução, pelo que o que é permitido pelo artigo 23.º, n.º 3, do CIVA, não estando em causa uma alteração ao modo como o sujeito passivo apurou o seu pro rata, tratando-se sim, nos termos legais, de uma alteração do método de dedução. Assim, como nota o autor, no Caso Banco Mais o direito nacional não terá sido analisado com o rigor e a profundidade desejável, sendo que a pertinência da resposta do Tribunal dependia de ser verdadeiro o pressuposto de que a lei portuguesa concede poderes à AT, através de uma decisão administrativa, de alterar a composição do pro rata de dedução. Ora, não dando a nossa lei esses poderes, as respostas do Tribunal não contribuem para legitimar a interpretação que a AT tem vindo a querer impor.
No mesmo sentido, como já antes referimos, vai a maioria das decisões do Tribunal Arbitral.
Assim, na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 309/2017 conclui-se que: “(…) embora a Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo. (…).
Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.
(,,,)
Pelo exposto, conclui-se que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade (…).”
Por seu turno, como se conclui na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 335/2018: “(…) tem de se concluir que o poder concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3 do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem dedução. (…) Por isso, embora a Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo. Este último diploma, definindo tal princípio, estabelece que «Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins».” “Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.” “Pelo exposto, conclui-se que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade, pelo que procede o pedido de pronúncia arbitral.”
Também na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 339/2018 se conclui que: “A Requerente sustenta, todavia, que o artigo 23.º, n.º 2, do Código do IVA não transpõe para o direito interno a disposição do artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Diretiva baseando-se essencialmente no seguinte argumento: enquanto a Directiva permitia que os Estados-membros autorizassem ou obrigassem o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens ou serviços, o legislador nacional não conferiu à Administração essa prerrogativa, limitando-se a permitir o controlo dos critérios objectivos que o sujeito passivo tenha utilizado quando opte pelo mecanismo da afectação real.”
Veja-se igualmente a Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 498/2018: “Assim, ter-se-á de concluir que a faculdade concedida à Autoridade Tributária pelo n.º 3 do artigo 23.º não inclui a faculdade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que, assim, só pode ser utilizada nas situações em que está prevista directamente na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4 do mesmo artigo. Embora à luz da referida Jurisprudência, se possa admitir que a Directiva IVA permitia ao legislador interno «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», a verdade é que este não usou tal prerrogativa, pelo que não pode a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal”.
Na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 581/2018, conclui-se no mesmo sentido que: “Pelo que a imposição da AT de operar com um pro rata diferente do definido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA afigura-se sem fundamento legal no direito nacional. Não é um Ofício-Circulado, que não é mais que uma instrução interna que apenas obriga aos serviços, mas que não tem eficácia externa, que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não prevê”.
Acresce que importa atender que, como se faz notar na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 769/2019: “Mas, mesmo que o método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado assegurasse mais eficazmente os referidos princípios, a falta da sua previsão em diploma de natureza legislativo nacional, em matéria em que não é directamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a actos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 112.º, n.º 5, da CRP), para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal…”
Lisboa, 8 de Março de 2022
A Árbitra
Clotilde Celorico Palma
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo n.º: 852/2019-T
Tema: IVA contratos de locação financeira; alienação/abate por destruição de bens locados; Cálculo do pro rata; Direito à dedução; Ofício-Circulado n.º 30108.
*Substituída pela Decisão Arbitral de 08 de março de 2022.
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SUMÁRIO:
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O IVA a liquidar deve incidir sobre a totalidade da renda, sem distinção entre juro e capital, pois o valor tributável do imposto, nas operações de locação financeira é, segundo a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, “o valor da renda recebida ou a receber do locatário”; sendo igualmente claro que o numerador da fracção que exprime a percentagem a dedução é constituído pelo “montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar à dedução”, ou seja pelo valor das operações que foram tributadas, e que o respectivo denominador é o “montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo…”, o que obviamente inclui as primeiras;
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O entendimento da AT de tributar toda a renda, como determina o disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º, do CIVA, e de expurgar, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção a parte da renda correspondente à amortização não tem apoio directo nos textos legais, uma vez que o legislador não fez uso da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da aludida fracção;
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A jurisprudência do TJUE, no denominado Caso Banco Mais, não pode colher no sentido invocado pela AT, porquanto, analisado o mesmo conclui-se que parte de uma premissa não está correcta, dado assumir uma interpretação, sem na realidade verificar se a lei portuguesa (o disposto no artigo 23.º do Código do IVA) prevê ou não mecanismos que permitam à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista;
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Não se nos afigura que o normativo constante do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA (conjugado com o n.º 3) represente uma transposição para o direito interno da regra da determinação do direito à dedução acolhida no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, que se configura como uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, de tal Directiva.
DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
1. No dia 12.12.2019, a Requerente, A..., S.A. (doravante simplesmente A... ou REQUERENTE), titular do número único de matrícula na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa –...Secção e de identificação de pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua .., ...-... Lisboa, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação parcial das autoliquidações de Imposto consubstanciadas nas declarações periódicas de IVA respeitantes aos períodos de 2011/04, 2011/05, 2011/06.
A Requerente peticiona, ainda, a restituição da quantia de € 288.717,63 referente ao IVA não deduzido, acrescida dos juros legais contados desde a data da apresentação das respectivas declarações periódicas relativas aos períodos de 2011/04, 2011/05 e 2011/06, até à data da restituição.
2. A Requerente havia apresentado, a 13 de Julho de 2011, impugnação judicial contra os actos tributários ora objecto do presente processo.
À data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro encontrava-se aquele processo, que corria os seus termos na Unidade Orgânica 1, do Tribunal Tributário de Lisboa, sob o número de processo …BELRS, a aguardar decisão em primeira instância.
O artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, veio determinar no seu n.º 1 que “os sujeitos passivos podem, até 31 de Dezembro de 2019, submeter aos tribunais arbitrais tributários, dentro das respectivas competências, as pretensões que tenham formulado em processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais tributários, e que nestes tenham dado entrada até 31 de Dezembro de 2016, com dispensa de pagamento de custas processuais”.
A Requerente apresentou junto do Tribunal Tributário de Lisboa, ao abrigo do disposto no referido artigo 11.º, requerimento com vista à a extinção do processo de impugnação judicial por o ir cometer ao Tribunal Arbitral, constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa, tendo sido proferida sentença homologatória, datada de 11.12.2019, da desistência da instância para esse propósito.
Nos termos do n.º 2 do referido preceito legal, a pretensão aqui submetida à arbitragem coincide com o pedido e a causa de pedir do processo de impugnação judicial.
3.O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente aplicáveis, foram designados árbitros os signatários da presente decisão, que comunicaram ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 5.03.2020.
4. Como fundamento da sua pretensão alegou a Requerente, no essencial, que:
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A Requerente que é, para efeitos de IVA, um sujeito passivo misto (realiza operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem direito a dedução), deduziu, nas declarações periódicas relativas aos três períodos do exercício de 2011 aqui em causa(referentes aos meses de Abril, Maio, Junho e Julho de 2011), o IVA com base no cálculo do pro rata provisório, correspondente ao pro rata definitivo para o exercício de 2010.
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Nestas declarações periódicas de IVA, a Requerente, na determinação do cálculo do pro rata, excluiu as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados.
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Fê-lo, seguindo o critério da Requerida vertido no ofício circulado n.º 30108, de 30/01/2009, sancionado pelo Director Geral, reduzindo assim o seu pro rata de 68% (valor definitivo para 2010), para 24% (valor definitivo para 2010).
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Consequentemente, a Requerente viu o montante a deduzir diminuir de € 446.199,97 para € 157.482,34.
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A Requerente considera que a referida exclusão é ilegal face aos artigos 19.º, n.º 1 e 23.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado aos artigos 173.º e 174.º da Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006.
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A Requerente pagou o valor das autoliquidações objecto do processo.
4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, veio apresentar a sua resposta, o que faz, remetendo a sua argumentação para a contestação oportunamente deduzida em sede de impugnação judicial n.º … BELRS, que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa, 1.ª Unidade Orgânica.
Por sua vez, na contestação apresentada pela Fazenda Pública no referido processo de impugnação judicial n.º …BELRS, consta o seguinte:
“Sobre a matéria controvertida, sustenta a informação da Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de … no sentido de negar provimento à pretensão formulada pela impugnante, pelo que acompanhamos a posição vertida na referida informação, constante de fls. (…) do PAT (…) e assumimo-la como contestação, pugnando pela manutenção do acto tributário impugnado.”
Na mencionada informação refere-se, no essencial, que:
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Tendo em conta os normativos do art. 23.º do CIVA e a Directiva do IVA, é entendimento da AT que a percentagem de dedução através do método do pro rata não deve integrar a amortização financeira incluída nas rendas de leasing e ALD Financeiro bem como a alienação ou indemnização dos bens abatidos, pelo facto de tais montantes não integrarem o volume de negócios do A... uma vez que considera que aqueles valores não constituem proveitos da entidade locadora, mas apenas o reembolso do capital investido.
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No entendimento da AT, apenas os juros componente da renda estão em conexão com os custos comuns utilizados pois, ao constituirem a remuneração do serviço prestado, têm por objectivo a cobertura dos custos suportados a montante.
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Embora de acordo com o art. 16.º, nº. 2, al. h) do Código do IVA, o valor tributável das operações subjacentes a um contrato de locação financeira (rendas), seja composto por capital mais juros, a parcela correspondente à amortização de capital (amortização financeira) não tem a natureza de proveito prendendo-se a sua sujeição a IVA “simplesmente com o facto de ser a única via que o Estado tem para recuperar o valor do IVA que a impugnante deduziu aquando da aquisição dos bens, segundo as regras da afectação real.”
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Concluindo que as pretensões da Requerente são improcedentes devendo manter-se na ordem jurídica os actos de autoliquidação impugnados.
5. Por despacho de 30 de Julho de 2020, atendendo a que dos autos consta prova documental sobre os factos alegados pelo SP, quer por não existir dissídio sobre os factos essenciais para a decisão da causa, quer por a questão se apresentar substancialmente de direito, foi indeferido o requerimento de inquirição de prova testemunhal apresentado pela Requerente.
Não havendo lugar a produção de prova constituenda, por um lado, e não tendo sido suscitada matéria de excepção, por outro, foi, ainda, dispensada a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste (arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2, do RJAT).
6. As partes apresentaram alegações escritas.
A Requerente, para além de ter reafirmado o já exposto em sede de petição inicial, alegou ainda, em síntese, que:
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A Requerente não desconhece, naturalmente, quer a decisão proferida pelo TJUE no âmbito do Processo C-183/13 – (conhecido pelo «Caso Banco Mais») quer as decisões nacionais que têm vindo a ser proferidas no seguimento do acórdão do TJUE, sucede, todavia, que, com o devido respeito, sustentando que aquela decisão do TJUE assenta numa premissa factual manifestamente errada – a de que a legislação nacional (no caso o nosso código do iva) transpôs ipsis verbis para o nosso ordenamento jurídico o que a directiva previa sobre a matéria da dedutibilidade do iva pelos sujeitos passivos.
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Julga a Requerente que o entendimento sufragado nas decisões judiciais proferidas com base em tal aresto do TJUE – e que, com o devido respeito, assumindo por certa tal premissa, não se deram ao trabalho de, mesmo após ter a questão sido suscitada, analisar com a diligência devida se a mesma estava efectivamente, ou não, correcta – padecem, naturalmente, do mesmo equívoco.
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Da mera leitura das disposições legais nacionais aplicáveis (maxime do artigo 23.º do CIVA) se pode (e deve) constatar que (ao contrário do que o TJUE veio a dar como certo, apenas e só com base no que o Representante do Estado Português alegou no processo) as mesmas não correspondem à mera transposição ipsis verbis da Directiva do IVA, não estando, assim, prevista na nossa legislação nacional a possibilidade – conferida pela Directiva, como veio o TJUE a esclarecer, e que, naturalmente, já não se questiona – de a AT poder mitigar o pro rata.
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Embora se admita hoje que, de iure constituendo, ao abrigo da Directiva do IVA, os Estados-Membros possam optar por não só impor o uso de um determinado método de dedução do IVA relativo aos designados custos comuns para os sujeitos passivos mistos, como possam, inclusive, no caso da aplicação do método do pro rata, impor que determinadas verbas sejam, ou não, consideradas no numerador / denominador da fórmula de cálculo da percentagem de dedução, a verdade é que, de iure constituto, tal possibilidade não foi – de todo – a seguida pelo Estado Português que, repita-se, embora se admita hoje – por força da decisão do TJUE no «Caso Banco Mais» que a Directiva confere essa margem aos Estados-membros, o legislador nacional entendeu, porém, consagrar no nosso ordenamento jurídico (ou seja no CIVA) apenas a possibilidade de a AT impor o uso de um determinado método (afectação real ou pro rata). Sempre com o fundamento de combater as “distorções significativas na tributação”.
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Uma interpretação segundo a qual o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA permitem à AT (à margem do processo legislativo estabelecido na CRP) através de circular interna definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, com carácter geral e abstracto, através de uma diferente modelação do método pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA (excluindo, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção a parte da renda correspondente à amortização) é material e formalmente inconstitucional por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2, da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República [165.º, n.º 1, alínea i) da CRP], o que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
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E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, pelo que uma interpretação segundo a qual o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA lhe confere, à AT, tal possibilidade, também é violadora do princípio da legalidade da actuação da AT (artigos 266.º, n.º 2, da CRP).
A Requerida, nas suas alegações escritas, sustentou, em resumo, o seguinte:
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No caso concreto, estamos perante operações de locação financeira mobiliária, e pretende aferir-se a legalidade, face às normas de direito comunitário ou de direito interno, da exclusão do cálculo da percentagem de dedução, da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas considerando o montante de juros e outros encargos facturados.
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Deve ser excluída do cálculo da percentagem de dedução a parte da amortização financeira incluída na renda, uma vez que esta mais não é do que a restituição do capital financiado/investido para a aquisição do bem.
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É apenas o valor diferencial (que, genericamente, corresponde a juros) que se encontra conexo com os custos de aquisição de recursos utilizados indistintamente em operações com e sem direito à dedução.
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Os inputs em que incorre a Requerente, com vista à disponibilização dos veículos ao locatário, para além da aquisição do veículo, poucos ou nenhuns serão, pois parece-nos evidente as restantes despesas, que ganham peso durante a vigência do contrato, situam-se ao nível do financiamento e da gestão, decorrentes das vicissitudes do contrato, como seja despesas com advogados, fornecedores externos, solicitadores, tratamento de multas, de coimas, infracções, tratamento do imposto único de circulação, ou decorrentes da gestão corrente da actividade – água, luz, condomínio, software, sistema de alarmes, etc.
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Acresce a isto o facto de que num contrato de locação financeira, por mais que a Requerente alegue que corre por sua conta todos os custos inerentes ao mesmo, o locador fica liberto daquilo que são as obrigações regra do proprietário no regime geral da locação pois não corre por conta dele o risco do perecimento do bem, sendo a obrigação de segurar o bem do locatário, nem corre por conta dele, locador, mas sim por conta do locatário, a obrigação de realizar reparações, mesmo que necessárias ou urgentes sendo ainda ao locatário que compete defender a integridade do bem e o respectivo gozo.
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Por sua vez, as despesas de transporte, seguro, montagem, instalação e reparação do bem, assim como as necessárias à sua eventual devolução ao locador ficam a cargo do locatário, salvo estipulação em contrário, como assim também o risco de perda e deterioração do bem, tudo conforme os artigos 10.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º do DL n.º 149/95.
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Por outro lado, em algum momento da p.i. a Requerente invocou que os gastos de disponibilização com veículos são significativos e que constituem sobretudo o grosso dos gastos incorridos no âmbito dos contratos de leasing e de ALD, por contraposição aos gastos de gestão de financiamento dos contratos.
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A questão que se coloca, pois, é a de saber se o procedimento adoptado pela Administração Tributária está conforme com as normas internas e comunitárias, em especial, o artigo 16.º e 23.º CIVA, já referidos, e bem assim, os artigos 174.º e 175.º da Diretiva IVA.
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A resposta é afirmativa. Veja-se o caso do Acórdão “Banco Mais” e o acórdão do STA, processo n.º 052/19.0BALSB onde se pode ler que “a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços»”.»
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Nem diga a Requerente, que, no concerne à forma de determinação do critério de imputação especial, existe uma clara violação do princípio da legalidade, da neutralidade e da reserva de lei.
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É que se a AT veio a reproduzir o aludido critério através do Ofício-Circulado n.º 30.108, fê-lo apenas a pedido e de acordo com as instruções do legislador, que expressamente determinou que a AT podia vir impor condições especiais, conforme os n.sº 3 e 2 do art.º 23.º.
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No limite, a AT podê-lo-ia até fazer casuisticamente, sujeito passivo a sujeito passivo, aplicando o critério que entendesse mais consentâneo à situação em concreto, que respeitasse a neutralidade do imposto.
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A bem da estabilidade tributária e do princípio da colaboração/informação, optou por divulgar o critério através de uma instrução administrativa.
7. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
O processo não padece de vícios que o invalidem.
8. Cumpre solucionar as seguintes questões:
1) Ilegalidade das autoliquidações objecto do presente processo.
2) Inconstitucionalidade dos n.º 2 e 3, do artigo 23.º, do Código do IVA, por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República [165.º, n.º 1, alínea i) da CRP] em caso de interpretação segundo a qual o n.º 2 e o nº 3, do artigo 23.º, do Código do IVA, permitem à AT através de circular interna definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, com carácter geral e abstracto, através de uma diferente modelação do método pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA.
3)Direito da Requerente à restituição do imposto e a juros indemnizatórios.
II – A matéria de facto relevante
9. Consideram-se provados os seguintes factos:
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No dia 26 de Maio de 2011, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Abril de 2011 tendo procedido ao pagamento da totalidade do valor resultante daquela liquidação (€162.723,03) em 9 de Junho de 2011.
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No dia 7 de Junho de 2011, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Maio de 201, tendo procedido ao pagamento da totalidade do valor resultante daquela liquidação (€348.062,70) em 8 de Julho de 2011.
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No dia 06 de Julho de 2011, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Junho de 2011, tendo procedido ao pagamento da totalidade do valor resultante daquela liquidação (€818.556,59) em 10 de Agosto de 2011.
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Para efeitos de IVA, a Requerente está enquadrada no regime normal, com periodicidade mensal, desenvolvendo operações sujeitas – nas quais se incluem as relativas à Locação Financeira mobiliária [Leasing e Aluguer de Longa Duração Financeiro (doravante ALD Financeiro)] – e operações isentas – designadamente a concessão de financiamentos de crédito para a aquisição de imóveis e automóveis e crédito ao consumo (vulgos contratos de crédito).
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O ofício circulado n.º 30108, de 30/01/2009, do Senhor Director Geral dos Impostos, tem o seguinte teor:
“Para conhecimento dos Serviços e de outros interessados, e tendo em vista divulgar a correcta interpretação a dar ao artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a actividade de Leasing ou de ALD, comunica-se que, por meu despacho de 2009.01.30, proferido na informação nº 106, de 19 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, foi determinado o seguinte:
1. O ofício circulado nº 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23º do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.
2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23º do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou prorata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do prorata conduza a distorções significativas na tributação (nº 3 artº 23º).
3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n.º 2 do artigo 23.º, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.
4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.
5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.
6. Face à anterior redacção do artigo 23º do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas.
No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do nº 4 do artigo 23º do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um prorata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.
7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.
8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.
9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.” .
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A posição vertida no ofício circulado n.º 30108, de 30/01/2009, havia sido adoptada pelos Serviços de Inspecção da Requerida em sede de inspecção junto da Requerente relativamente factos tributários de IVA anteriores aos que estão em causa no presente processo.
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A Requerente deduziu, nas declarações periódicas relativas aos três períodos do exercício de 2011 aqui em causa, o IVA com base no cálculo do pro rata provisório, correspondente ao pro rata definitivo para o exercício de 2010.
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Nessas mesmas declarações a Requerente, na determinação do cálculo do pro rata excluiu as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados.
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Em consequência desta exclusão o pro rata definitivo da requerente para o ano de 2010 foi de 24%, donde resultou o valor a deduzir de € 40.146,61 para o mês de Abril de 2011, € 65.698,60 para o mês de Maio e € 51.637,14 para o mês de junho.
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O pro rata correto é de 68% caso se considere, quer no numerador quer no denominador, as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados donde resultará o valor a deduzir de € 113.748,73 para o mês de Abril de 2011, € 186.146,03 para o mês de Maio e € 146.305,22 para o mês de Junho.
Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados
10. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, que não foram objeto de impugnação por nenhuma das partes, sendo ainda de observar que dos articulados apresentados emerge concordância das partes relativamente à matéria de facto, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.
-III- 1-O Direito aplicável
§1. Quanto à ilegalidade das autoliquidações objecto do presente processo
O direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica – a neutralidade.
Consubstancia-se como o elemento essencial do funcionamento do imposto, a “trave-mestra do sistema do imposto sobre o valor acrescentado”[7], assentando no método da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtractivo indirecto ou ainda método das facturas. Como determina o 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º, da Directiva IVA (DIVA), “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço bem o serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.” [8]
O mecanismo do exercício do direito à dedução permite ao sujeito passivo expurgar do seu encargo o IVA suportado a montante, não o reflectindo assim como custo operacional da sua actividade, retirando, desta forma, o efeito cumulativo ou de cascata, propiciando, tal como referimos, a neutralidade económica do imposto.
As situações expressas de exclusão do direito à dedução são excepcionais e reportam-se a casos específicos enunciados pelo legislador nacional em termos taxativos, de acordo com o estatuído na DIVA, em função do tipo de despesas em causa.
Decorre dos artigos 168.º e 169.º da Directiva IVA que o sujeito passivo apenas pode deduzir o imposto suportado na medida em que os bens e serviços sejam utilizados para efeitos das próprias operações tributadas, ou isentas que concedam tal direito. Por sua vez, o imposto suportado em inputs destinados à realização de operações não sujeitas não é susceptível de vir a ser deduzido, salvaguardando-se, contudo, as operações localizadas no estrangeiro (não sujeitas no território nacional), mas que seriam tributáveis concedendo direito a dedução se localizadas no território nacional.
De acordo com o disposto no artigo 168.º da Directiva IVA, transposto, em parte, pelo artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIVA, o sujeito passivo pode deduzir no Estado-membro em que se encontra estabelecido o IVA suportado nas transmissões de bens e prestações de serviços, assim como nas operações assimiladas nas aquisições intracomunitárias de bens e nas importações ali localizadas, “Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas (…) ”.
Conforme o estatuído no artigo 179.º da Directiva IVA, “[o] sujeito passivo efectua a dedução subtraindo do montante total do imposto devido relativamente ao período de tributação o montante do IVA em relação ao qual, durante o mesmo período, surgiu e é exercido o direito à dedução por força do disposto no artigo 178.º
(…).”
Em conformidade com a jurisprudência do TJUE, o direito à dedução não pode ser limitado e pode ser exercido imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante.
Assim, só são permitidas derrogações à regra fundamental do direito à dedução integral do IVA nos casos expressamente previstos pela Directiva, conforme o TJUE salientou, nomeadamente, nos Casos Ampafrance e Sanofi[9] e na jurisprudência aí citada[10].
Ora, a este propósito, a Directiva IVA prevê duas excepções. A primeira visa a legislação existente: a cláusula de standstill do artigo 176.º da Directiva IVA[11]. A segunda excepção, prevista no artigo 177.º da Directiva IVA, visa a nova legislação[12].
Importará ainda mencionar a cláusula geral constante do artigo 395.º, n.º 1, da Directiva, que permite introduzir medidas especiais derrogatórias para simplificar a cobrança do imposto ou para evitar certas fraudes ou evasões fiscais[13].
Em conformidade com o previsto na Directiva IVA, o Código do IVA determina, como regra geral, a dedutibilidade do imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas a outros sujeitos passivos. Igualmente de acordo com o estatuído na Directiva IVA, o legislador nacional vem determinar algumas situações excepcionais de exclusão do direito à dedução em função do tipo de despesas em causa.
As regras do exercício do direito à dedução do imposto contemplam requisitos objectivos, mais ligados ao tipo de despesas, subjectivos, relativos ao sujeito passivo, e temporais, atinentes ao período em que é possível exercer o direito à dedução do IVA, os quais se devem verificar em simultâneo para se exercer o direito à dedução[14].
De acordo com o disposto nos artigos 173.º e 174.º da Directiva IVA, para efeitos do exercício do direito à dedução do IVA suportado os sujeitos passivos mistos, como é caso, isto é, aqueles que em simultâneo praticam operações que conferem direito à dedução de IVA e operações que não conferem tal direito e utilizam bens e serviços em ambas as operações, podem optar pela aplicação do designado método do pro rata ou pelo método da afectação real[15].
Assim, o n.º 1 do artigo 173.º Directiva IVA vem determinar que:
“No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efetuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações (…)”
O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo”. Por sua vez, estatui o n.º 1 do citado artigo 174.º (a que correspondia o artigo 19.°, n.º 1, da Sexta Directiva) que “O pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes: - no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações que conferem direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º; - no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não conferem esse direito à dedução.”
Por um lado, a Directiva permite aferir sobre aquela proporção em função do método de percentagem de dedução ou pro rata [16], tendo por referência o peso do volume de negócios referente às operações que conferem direito a dedução em relação à globalidade das operações.
Por outro lado, de acordo com o n.º 2 daquele preceito, determina-se que os Estados membros podem autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade, se possuir contabilidades distintas para cada um desses sectores, obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores, autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços, autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no n.º 1, relativamente a todos os bens e serviços utilizados nas operações aí referidas, e estabelecer que não se tome em consideração o imposto sobre o valor acrescentado que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o montante respectivo for insignificante.
O pro rata de dedução conforme refere a epígrafe do capítulo 2 da Directiva IVA poderá, em síntese, ser aferida em função do método da percentagem de dedução, o denominado pro rata (que poderá ser geral ou sectorizado), determinado em função do volume de negócios e o regime alternativo, denominado entre nós[17] por afectação real, que terá por base a utilização efectiva dos inputs.
Concluindo pela primazia na aplicação do método da afectação real, Xavier de Basto e Odete Oliveira referem que ”(…) a leitura correta destas normas obriga a considerar esses procedimentos previstos na diretiva por ordem crescente de “finura” em termos de resultado a obter, constituindo a regra do pro rata, portanto, segundo esta leitura, a que conduz ao resultado menos rigoroso – e por isso ela é a regra aplicável sempre que não seja possível outro procedimento com resultado mais adequado.”[18] Como adequadamente notam os autores [19], a Directiva IVA “ (…) deixa aos Estados membros a possibilidade de aceitar ou mesmo impor os procedimentos mais rigorosos, reservando o pro rata como sistema residual e supletivo”.
O artigo 23.º do CIVA vem, nomeadamente. determinar o seguinte[20]:
“1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:
a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;
b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.
2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.
3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:
a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;
b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.
4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.”
Se atentarmos ao parágrafo 6.º do ponto 98 relativo às conclusões do Relatório do Grupo de Trabalho que entre nós se debruçou sobre esta questão, é-nos referido que a condição de sujeito passivo misto em sede de IVA, abrangida pelo disposto no artigo 23.º do CIVA, não resulta propriamente do exercício simultâneo de operações que conferem o direito à dedução e de operações que não conferem esse direito, mas sim, da utilização “mista” dos seus inputs, isto é, pela afectação simultânea dos inputs em que foi suportado IVA aos dois tipos de operações[21].
Neste sentido, o TJUE, em reiterada jurisprudência, tem entendido que, antes do mais, para efeitos do exercício do direito à dedução, deverá atender-se ao tipo de operações praticadas pelo sujeito passivo em que os bens ou serviços são utilizados. Se tais bens e serviços são afectos exclusivamente à prática de operações que permitem a dedução do imposto, apresentando uma relação directa e imediata com essas operações e incorporando-se, em princípio, no custo das mesmas, o respectivo IVA pode ser deduzido integralmente. Diversamente, caso os bens ou serviços adquiridos sejam afectos exclusivamente à prossecução de operações que não possibilitam a dedução do IVA suportado, tendo uma relação directa e imediata com essas operações e incorporando-se, em princípio, no custo das mesmas, então o respectivo imposto não pode ser objecto de dedução.
Assim, tal como a Administração Fiscal esclarece, a aplicação do método do pro rata restringe-se à determinação do imposto dedutível relativo aos bens e/ou serviços de utilização mista, isto é, aos bens e serviços utilizados conjuntamente em actividades que conferem o direito à dedução e em actividades que não conferem esse direito[22].
Por outro lado, caso os bens ou serviços se encontrem exclusivamente afectos a operações sujeitas a imposto mas isentas sem direito à dedução ou a operações que, embora abrangidas pelo conceito de actividade económica, estejam fora das regras de incidência do imposto ou de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica, o IVA suportado não pode ser objecto de dedução.
Caso se constate não ser possível estabelecer um nexo objectivo entre a operação a montante e a operação a jusante “(…) por respeitar a bens e serviços que são ou serão usados tanto em operações do primeiro como do segundo tipo, esse qualificar-se-á como “residual” e será então objeto de “repartição”(apportionment)(…)”.
O método de percentagem de dedução (pro rata), poderá ser afastado por aplicação, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo 23.º, do método de afectação real, que consistirá na possibilidade de deduzir a totalidade do imposto suportado na aquisição de bens e serviços destinados a actividades que dêem lugar à dedução, mas impedindo, ao mesmo tempo, a dedução do imposto suportado em operações que não conferem esse direito.
Não se pode falar de um método de repartição mais apropriado para a dedução de inputs mistos, até porque tal deverá assentar numa análise casuística. No entanto, qualquer que seja o método de custos seguido, a aplicação prática da afectação real pressupõe a existência de uma relação entre as aquisições de bens e serviços efectuadas pelo sujeito passivo e as operações activas correspondentes.
No Caso Securenta o TJUE foi chamado pronunciar-se sobre o critério de repartição adequado quando os inputs são simultaneamente afectos a uma actividade económica e a uma actividade não económica, tendo salientado que “a Sexta Diretiva não contêm qualquer disposição relativa aos métodos ou aos critérios que os Estados‑Membros devem utilizar na separação dos montantes de imposto a montante relativos à actividade económica dos relativos à actividade não económica.” [23] No entanto, alerta que os Estados membros no exercício desse poder devem assegurar os objectivos prosseguidos pela Directiva, não podendo contrariar o princípio da neutralidade fiscal.
A Autoridade Tributária entendeu sempre a aplicação prioritária do pro rata em detrimento da afectação real, contudo, esta posição foi invertida na sequência da alteração introduzida no artigo 23.º do CIVA. Efectivamente, pro rata e afectação real são agora percepcionados pela Administração Fiscal, no âmbito do exercício de uma actividade económica, num plano de igualdade, de utilização facultativa, ambos norteados pelo magnum princípio da neutralidade económica do imposto e da tradução da objectiva afectação de cada input.
O método de percentagem de dedução (pro rata) e as operações de locação financeira
Como vimos, no contexto da separação ex post, em conformidade com o método da percentagem de dedução ou pro rata, previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 23.º do CIVA, toma-se como referência, no seu numerador, o montante anual das operações que conferem direito a dedução, ponderado em função da totalidade das operações que se insiram no conceito de actividade económica.
A consideração, no denominador da fracção, de operações que se insiram no âmbito do conceito de actividade económica, constitui uma evidente clarificação ocorrida por via da alteração legislativa incutida ao artigo 23.º do CIVA por parte da Lei do Orçamento do Estado para 2008,[24] conduzindo, necessariamente, à alteração das orientações administrativas da AT e das posições entretanto assumidos pelos tribunais nacionais.
Na determinação da percentagem de dedução por esta via, deverá salvaguardar-se o facto de que apenas as operações inseridas no âmbito da actividade económica, conforme é delimitada pela Directiva IVA e pela jurisprudência divulgada pelo TJUE, é que poderão influenciar o direito à dedução, por esta via, dos sujeitos passivos mistos.
A aplicação do método do pro rata suscita algumas questões fundamentais, tais como as que por ora nos ocupam.
No presente Processo está precisamente em causa aferir se na determinação do pro rata devem ou não ser consideradas, quer no numerador quer no denominador, as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados.
Vejamos.
De acordo com o entendimento da AT não deverá ser incluído no numerador e no denominador da fracção a componente de amortização de capital nas rendas dos contratos de locação financeira mobiliária (e, bem assim o valor de alienação/indemnização/abate de bens locados), mas apenas a componente de juros.
Assim, no Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, veio a AT estabelecer, designadamente, o seguinte: “Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD”.
No tocante à amortização financeira, tem defendido a AT que “a componente financeira correspondente à amortização do financiamento subjacente à aquisição do bem locado”, não sendo uma contrapartida de uma transmissão de bens ou prestação de serviços, “não tem a natureza de proveito e não pode, por isso, integrar o volume de negócios” (cfr. Relatório de Inspecção relativo ao ano de 2008, junto como documento n.º 9).
No mesmo sentido, no respeitante à alienação/indemnização de bens abatidos por destruição, a AT defende que “o valor da indemnização não constitui proveito do locador” nem “integra[m] o volume de negócios” (Cfr. Relatório de Inspecção relativo ao ano de 2008, junto como documento n.º 9).
Isto é, de acordo com o entendimento veiculado pela AT, nenhuma das situações supra referidas se consubstancia como um verdadeiro proveito, não podendo, por isso, integrar o volume de negócios e, consequentemente, fazer parte do cálculo do pro rata.
Neste contexto, a AT invoca, para efeitos de determinação do conceito de volume de negócios a que alude o n.º 1 do artigo 174.º da Directiva IVA, o conceito de volume de negócios definido pelo Regulamento (CE) n.º 139/2004 do Conselho, de 20 de Janeiro – relativo ao controlo das concentrações de empresas –, aplicável às instituições financeiras, segundo tem alegado a AT, por força da Comunicação constante do Jornal Oficial das Comunidades n.º C 66 de 02.03.1998.
Nestes termos, a AT conclui que o capital (correspondente à amortização financeira da operação) não constitui a remuneração de um qualquer serviço prestado, i.e., não consubstancia um proveito que possa influenciar o resultado do exercício e, assim sendo, não é passível de integrar o volume de negócios para efeitos de determinação da percentagem de dedução (i.e., para apuramento do pro rata).
Neste contexto, na Informação n.º 1763, da Direcção de Serviços de IVA, de 8 de Setembro de 2008 e no citado Ofício Circulado n.º 30108, conclui-se que apenas os juros e outros encargos é que constituem remuneração pelo serviço prestado, pelo que apenas estes podem ser considerados para efeitos do cálculo do pro rata, pelo que, do numerador, deverão ser excluídos os montantes correspondentes ao capital das rendas dos contratos de locação financeira e ao capital da alienação/indemnização de bens abatidos por destruição.
Ora, como bem salientam os Professores Doutores José Guilherme Xavier de Basto e António Martins[25], deve ser sobre a totalidade da renda, sem distinção entre juro e capital, que se deve liquidar IVA, pois o valor tributável do imposto, nas operações de locação financeira é, segundo a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, “o valor da renda recebida ou a receber do locatário”; sendo igualmente claro que o numerador da fracção que exprime a percentagem a dedução é constituído pelo “montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar à dedução”, ou seja pelo valor das operações que foram tributadas, e que o respectivo denominador é o “montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo…”, o que obviamente inclui as primeiras.
Com efeito, o entendimento da AT de tributar toda a renda, como determina o disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º, do CIVA, e de expurgar, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção a parte da renda correspondente à amortização não tem apoio directo nos textos legais. Não se encontra prevista na legislação nacional a possibilidade de a AT poder alterar / modelar a componente do pro rata, não tendo o legislador nacional feito uso da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da aludida fracção. As distorções de tributação que o legislador nacional previu que poderiam existir na modulação do direito à dedução são, no nosso ordenamento jurídico, resolvidas através da imposição ao sujeito passivo do método da afectação real (n.º 3, alínea b) do artigo 23.º do CIVA), ou, quando resultam do facto de o sujeito passivo ter optado por este método, da imposição de o abandonar (parte final do n.º 2 do mesmo artigo). É certo que a lei consente que, no caso de opção pelo método da afectação real, a Administração possa impor ao sujeito passivo “condições especiais”, que a lei não define, mas tais condições não podem consistir em alterações ao pro rata de dedução nos termos ora pretendidos pela AT.
De facto, as regras acolhidas na Directiva do IVA, não obstante a margem concedida aos Estados membros no âmbito do exercício do direito à dedução de bens e serviços de utilização mista, não atribuem à AT poderes para alterar o modo de cálculo da percentagem de dedução do IVA autorizada para os bens de utilização mista, ou seja, relativamente aos custos comuns que não puderam ser atribuídos por critérios objectivos aos dois grupos de operações, tributadas e isentas, do sujeito passivo.
Na realidade, a acolher-se o entendimento da AT, existiria manifestamente uma contradição entre o algoritmo de cálculo da percentagem de dedução e o princípio base que orienta esse cálculo, que é, como temos estado a analisar, o da dedução parcial em proporção do montante das operações que conferem direito à dedução.
Adite-se ainda que a jurisprudência do TJUE no denominado Caso Banco Mais, não poderá colher no sentido invocado pela AT.
Com efeito, neste Caso o TJUE considerou que a Sexta Directiva do IVA não se opõe a que os Estados membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante daqueloutro método. 131.º Ora, analisado o Acórdão do TJUE proferido no Caso Banco Mais, conclui-se que parte de uma premissa que não está correcta, dado assumir uma interpretação, sem na realidade verificar se a lei portuguesa (o disposto no artigo 23.º do Código do IVA) prevê ou não mecanismos que permitam à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista.
De facto, não se nos afigura que o normativo constante do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA (conjugado com o n.º 3) represente uma transposição para o direito interno da regra da determinação do direito à dedução acolhida no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, que se configura como uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, de tal Directiva.
No mesmo sentido já se pronunciou o Tribunal Arbitral nas suas decisões proferidas nos Processos Arbitrais números 309/2017-T, 311/2017-T 312/2017-T, 335/2018-T, 339/2018-T, 498/2018-T, e 581/2018-T14, a cujas conclusões aderimos.
Termos em que se conclui que o disposto no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, não confere a possibilidade à AT de, no âmbito da aplicação do método do pro rata a um sujeito passivo que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, apenas considerar os juros na fracção do pro rata de dedução, pelo que a imposição de utilização do “coeficiente de imputação específico” indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade ao qual a AT se encontra subordinada em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT), devidamente explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, procedendo, assim, o pedido de pronúncia arbitral.
Atento o exposto, fica desta forma prejudicada a análise das questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Requerente.
§2. Quanto ao pedido de reembolso acrescido de juros.
A Requerente vem pedir o reembolso da quantia paga ao abrigo dos actos de autoliquidação em crise nos autos, acrescido de juros legais.
No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos actos de autoliquidação, há lugar a reembolso do imposto pago pela Requerente, por força do disposto nos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro nos autos que a ilegalidade dos actos de autoliquidação de imposto impugnados é directamente imputável à Requerida.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado pelo artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas. (sublinhado nosso).
O erro das autoliquidações é imputável à AT, nos termos previstos no n.º 2 deste artigo, pois foram seguidas pela Requerente as orientações administrativas emitidas pela Requerida, constante do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009.
Consequentemente a Requerente tem direito ao recebimento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.
Os juros indemnizatórios deverão ser pagos à Requerente desde data em que efectuou o respectivo pagamento do imposto em causa nos autos até ao integral reembolso do montante indevidamente pago, à taxa legal, nos termos que vierem a ser fixados em sede de execução de sentença.
-IV- Decisão
Termos em que decide o Tribunal arbitral julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, decretando-se, com fundamento em ilegalidade, a anulação parcial dos actos tributários impugnados, nos seguintes termos:
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A autoliquidação do período a liquidação do imposto do período 2011/04 é anulada parcialmente no valor de €73.602,12, permanecendo na ordem jurídica o acto tributário no que respeita ao valor de € 40.146,61.
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A autoliquidação do período a liquidação do imposto do período 2011/05 é anulada parcialmente no valor de €120.447,43, permanecendo na ordem jurídica o acto tributário no que respeita ao valor de € 65.698,60
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A autoliquidação do período a liquidação do imposto do período 2011/06 é anulada parcialmente no valor de 94.668,08, permanecendo na ordem jurídica o acto tributário no que respeita ao valor de € 51,637,14.
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Condenação da Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago e respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal, nos termos que vierem a ser fixados em sede de execução de sentença.
Valor da acção: € 288.717,63 (duzentos e oitenta e oito mil, setecentos e dezassete euros e sessenta e três cêntimos) nos termos do disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Custas pela Requerida no valor de 5.202,00 € (cinco mil duzentos e dois euros), nos termos do n.º 4 do art. 22.º do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 4 Novembro de 2020
Os Árbitros
Fernanda Maçãs (presidente)
Marcolino Pisão Pedreiro
A Árbitra
Clotilde Celorico Palma
[1] Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/- /c4ba25ab6080f680802586a4005e821f .
[2] Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/- /c4ba25ab6080f680802586a4005e821f
[3] Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª Ed., 2007, pp.125-126.
[4] “A determinação da parcela de IVA dedutível contida nos inputs “promíscuos” dos operadores de locação financeira – as consequências do Acórdão do TJUE no caso Banco Mais, de 10 de Julho de 2014 (Proc. C-183/13)”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Coimbra, a.10n.1(Primavera2017), pp. 27-56 e considerações no Parecer junto aos autos.
[6] Veja-se José Maria Montenegro, “Comentário ao acórdão «Fazenda Pública contra Banco Mais, SA» de 10 de Julho de 2014, Proc. C- 183/13”, em Anuário de Direito Internacional, 2014/2015, p. 313-323.
[7] Xavier de Basto, A tributação do consumo e a sua coordenação a nível internacional, Lições sobre a harmonização fiscal na Comunidade Económica Europeia, CCTF n.º 164, Lisboa 1991, p. 41.
[8] Tal como o Tribunal invocou no Caso Comissão/França, n.º15 (Acórdão de 21 de Setembro de 1988, Proc. 50/87), «As características do imposto sobre o valor acrescentado (...) permitem inferir que o regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas actividades económicas. O sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado garante, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA».
[9] Acórdão de 19 de Setembro de 2000, Caso Ampafrance, Proc. C-177/99 e Caso Sanofi Proc. C-181/99, Procs. apensos, n.º 34.
[10] Designadamente, no Acórdão de 6 de Julho de 1995, Caso BP Soupergaz, Proc.C-62/93, n.º 18.
[11] Concretamente no que se reporta ao artigo 176.º, contém uma cláusula de standstill ou de congelamento, que prevê a manutenção das exclusões nacionais do direito à dedução do IVA que eram aplicáveis antes de 1 de Janeiro de 1979 ou na data da adesão do Estado membro em causa (se após essa data).
[12] Nos termos do artigo 177.º, prevê-se que “[a]pós consulta do Comité IVA, os Estados membros podem, por razões conjunturais, excluir parcial ou totalmente do regime das deduções alguns ou todos os bens de investimento ou outros bens. A fim de manterem condições de concorrência idênticas, os Estados membros podem, em vez de recusar a dedução, tributar os bens produzidos pelo próprio sujeito passivo ou que este tenha adquirido no território do país, ou que tenha adquirido no território da Comunidade ou importado, de tal forma que essa tributação não exceda o montante do IVA que incidiria sobre a aquisição de bens similares.”
Esta disposição é bem clara, tendo, naturalmente, uma aplicação restrita: só é possível recorrer à possibilidade de excluir determinadas despesas do regime das deduções, nos termos deste artigo, por motivos conjunturais.
[13] Trata-se de uma possibilidade de introdução de medidas derrogatórias ao sistema comum do IVA que carece de autorização e que se encontra limitada às situações justificáveis tendo em vista a simplificação da cobrança do imposto ou para evitar certas fraudes ou evasões fiscais.
[14] Sobre estas regras vide, Xavier de Basto e Odete Oliveira, “Desfazendo mal-entendidos em matéria de direito à dedução de Imposto sobre o Valor Acrescentado: As recentes alterações do artigo 23.° do Código do IVA”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 1, Rita de la Feria, “A Natureza das Actividades e Direito à Dedução das Holdings em Sede de IVA”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 4, n.º 3, 2012, pp. 171-197, Rui Laires, “Acórdão do Tribunal De Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), de 13 de Março de 2008 (Processo C-437/06, Caso Securenta) ”, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 421, Janeiro-Junho, 2008, pp. 209-264, “Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), de 12 de Fevereiro de 2009 (Processo C-515/07, Caso VNLTO)”, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 423, Janeiro-Junho, 2009, pp. 253-294, Alexandra Martins, “As operações relativas a participações sociais e o direito à dedução do IVA. A jurisprudência SKF”, Estudos em memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, Coimbra Editora, Volume IV, 2011 e Emanuel Vidal Lima, “Dois casos sobre o direito à dedução em IVA”, livro de homenagem à Dra. Teresa Graça Lemos, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Junho de 2007, pp. 113 a 122.
[15] Sobre esta matéria veja-se, em especial, AA. VV., Código do IVA e RITI – Notas e Comentários, coordenação: António Carlos dos Santos e Clotilde Celorico Palma, Almedina, 2014, pp. 47-51, 250-255 e 278-291, Rui Manuel Pereira da Costa Bastos, O Direito à Dedução do IVA: O Caso Particular dos Inputs de Utilização Mista, Almedina, 2014, CIDEFF, n.º 15. e Rui Laires, Ana Maria Ferreira, e Emília Gonçalves, A dedução do IVA pelos sujeitos passivos que exercem actividades que conferem o direito à dedução e actividades que não conferem direito à dedução, CTF n.º 418, 2006, pp. 237-357.
[16] Com origem no vocábulo latino pro rata ratione (proporcionalmente).
[17] Conforme se deduz do n.º 2, do artigo 23.º do CIVA.
[18] Xavier de Basto e Odete Oliveira, Desfazendo mal -entendidos em matéria de direito à dedução de Imposto…, p. 49.
[19] Xavier de Basto e Odete Oliveira, ibidem, p.51.
[20] A presente redacção do artigo 23.º foi profundamente alterada por via da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (Lei do OE para 2008), na sequência das propostas elaboradas pelo relatório do grupo de trabalho da DGCI subordinado ao tema "A dedução do IVA pelos sujeitos passivos que exercem atividades que conferem direito à dedução e atividades que não conferem esse direito", publicado por determinação do Diretor-geral dos lmpostos, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 418, DGCI/Centro de Estudos Fiscais, Lisboa, 2006, pp. 237-357.
[21] Cfr., Rui Laires, Ana Maria Ferreira, e Emília Gonçalves, A dedução do IVA pelos sujeitos passivos que exercem actividades que conferem o direito à dedução e actividades que não conferem direito à dedução, cit., p. 342.
[22] No Ofício 30103, de 23 de Abril de 2008, da Direcção de Serviços do IVA.
[23] Acordão do TJUE de 13 de Março de 2008, Proc. C-437/06, (Caso Securenta).
[24] A anterior redação do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA delimitava a composição do denominador da fracção ao “(…) montante anual, imposto excluído, de todas as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento.” (Redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 195/89 de 12 de Junho).
Esta regra foi objecto de relevantes alterações com a Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, pretendendo-se conformá-la com as normas do Direito da União Europeia, tal como o TJUE notou em diversos Acórdãos e se fez notar no Relatório do Grupo de Trabalho criado por despacho do Director Geral dos Impostos versando sobre a dedução do IVA pelos sujeitos passivos que exercem actividades que conferem direito à dedução e actividades que não conferem direito à dedução, cit.
[25] Em Parecer jurídico de Janeiro de 2012 anexo, bem como em Parecer Complementar e no artigo “A determinação da parcela do IVA dedutível contida nos inputs «promíscuos» dos operadores de locação financeira – as consequências do Acórdão do TJUE no caso Banco Mais, de 10 de Julho de 2014 (Proc. C-183/13)”, publicado na Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal - Ano X, 1, 2017.
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