Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 843/2019-T
Data da decisão: 2020-11-16  IVA  
Valor do pedido: € 90.674,46
Tema: IVA/2017 – Erro na identificação fiscal – Notas de crédito – Preterição do direito de audição prévia do SP (artigo 60.º 1/a, da LGT).
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

 

1. A..., S.A., contribuinte fiscal n.º ..., com sede na ..., n.º..., ... Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em conjugação com artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à ilegalidade do acto tributário de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.º  2017 ... e da liquidação de juros de mora n.º 2017... , referente ao período de Setembro de 2017, mantido na sequência de despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico n.º ...2018..., proferido pela Exma. Senhora Directora de Serviços (por subdelegação), em 29 de Agosto de 2019, e notificado em 10 de Setembro de 2019, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 10 de Dezembro de 2019 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à Requerida.

 

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4. Em 30 de Janeiro de 2020, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 2 de Março de 2020.

 

                6. A Requerente sustenta a procedência do seu pedido, em síntese, pelos seguintes argumentos:

                A Requerente foi notificada, em 8 de Dezembro de 2017, da liquidação de IVA n.º 2017..., e respectiva liquidação de juros de mora n.º 2017..., da qual resultou um montante de imposto a pagar no valor de € 90.342,59, acrescido de juros de mora no valor de € 331,87.

                A liquidação adicional em crise decorre do apuramento do imposto regularizado a seu favor na sequência da emissão das notas de crédito indicadas infra.

 

                As notas de crédito emitidas à sociedade B..., S.A, tinham por objectivo anular facturas/notas de débito anteriormente emitidas pela Requerente.

 

                Com a operação de fusão, a sociedade B..., S.A., foi incorporada (mediante a transferência global do património) pela sociedade C...– SGPS, S.A., a qual, logo após a fusão, alterou a sua denominação social para B..., S.A.

 

                A Requerente emitiu as notas de crédito acima identificadas colocando como número de identificação fiscal aquele que constava das facturas/notas de débito originalmente emitidas e cuja anulação pretendia através da emissão das notas de crédito.

 

                Porém, alega a recorrente, as notas de crédito foram emitidas com valores incorrectos, na medida em que não coincidem com os montantes facturados/debitados originariamente, nem tão-pouco com o montante de imposto que havia sido liquidado inicialmente.

 

                Com o intuito de corrigir as notas de crédito emitidas com valores incorrectos, no mesmo dia 29 de Setembro de 2017, a Requerente emitiu as seguintes facturas:

 

                As notas de crédito que estão na origem da regularização de IVA a favor da Requerente no período de Setembro de 2017, bem como as subsequentes facturas emitidas com a finalidade “anular” as notas de crédito em questão, “nunca foram remetidas ao cliente.”

 

Segundo a Requerente, as notas de crédito e novas faturas foram emitidas a uma entidade com atividade cessada em sede de IVA devido ao facto de a empresa anteriormente faturada pela Requerente ter sido incorporada por uma outra empresa que, embora tenha assumido a denominação social da sociedade incorporada é titular de um número de identificação fiscal distinto.

 

                A Requerente defende que, na prática, pretendeu regularizar a seu favor IVA no montante de € 70.567,72, relativamente a uma operação na qual havia liquidado a favor do Estado IVA no montante de € 75.521,34, no entanto, acabou por ter de entregar ao Estado um montante de IVA adicional de € 90.342,59 (nunca repercurtido ao Cliente) na medida em que não foi aceite a regularização a seu favor deste exacto montante de € 90.342,59.

 

Assim, quando a Requerente emitiu as notas de crédito acima identificadas indicou como número de identificação fiscal aquele que constava das facturas/notas de débito originalmente emitidas e cuja anulação se pretendia através da emissão das notas de crédito.

 

Considera que “o facto de as notas de crédito terem sido emitidas pela Requerente com indicação de NIF, entretanto já cessado, na medida em que a sociedade destinatária foi entretanto incorporada por fusão, não constitui fundamento para a recusa da dedução do IVA a seu favor”.

 

6. A Requerida sustentou a sua resposta, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:

“Estas faturas e notas de crédito consubstanciam-se nas regularizações de IVA efetuadas a favor da A..., no campo 40 da Declaração Periódica referente a setembro de 2017, de um cliente cessado à data da emissão das mesmas, não se encontrando preenchidos os requisitos previstos do mecanismo da regularização de IVA, cujo quadro normativo se enquadra e se encontra regulado nos termos do disposto no artigo 78.º do CIVA.

 

De acordo com o n.º 2 do artigo 78..º do CIVA, "Se, depois de efetuado o registo referido no artigo 45.ª, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de  invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efetuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável.''

 

Tal norma configura uma regra geral, aplicável aos casos em que ocorrem reduções ou anulações da base de incidência das operações tributáveis já faturadas e contabilisticamente registadas, que se consubstancia na possibilidade legalmente conferida ao fornecedor de bens ou prestador de serviços de retificar o imposto anteriormente liquidado a mais, podendo fazê-lo até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificam as circunstâncias que determinam a anulação ou redução da liquidação do imposto.

 

Note-se que tais regularizações não constituem uma obrigatoriedade, antes assumindo uma mera faculdade concedida aos sujeitos passivos, porém, o exercício pleno dessa prerrogativa encontra-se condicionado pela verificação do pressuposto constante do n.º 5 do mesmo artigo, conforme se transcreve: "Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem retificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efetuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respetiva dedução."

 

Isto é, no momento em que o transmitente do bem ou prestador do serviço exerce a opção de regularizar a seu favor o imposto tem, obrigatoriamente, de ter em sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da redução para menos ou de que foi reembolsado do imposto, sob pena de não ser admitido o direito à respetiva dedução.

Do mesmo modo, o n.º 4 do mesmo artigo determina que "O adquirente do bem ou destinatário do serviço que seja um sujeito passivo do imposto, se tiver efetuado já o registo de uma operação relativamente à qual o seu fornecedor ou prestador de serviço procedeu a anulação, redução do seu valor tributável ou retificação para menos do valor faturado, corrige, até ao fim do período de imposto seguinte ao da receção do documento retificativo, a dedução efetuada".

Consequentemente, a par da regularização de IVA efetuada a favor do sujeito passivo (transmitente ou prestador), nos casos em que o adquirente já tenha procedido ao registo contabilístico, este último, por sua vez, fica obrigado a corrigir a dedução de IVA inicialmente efetuada, procedendo à regularização a favor do Estado do correspondente montante de imposto, até ao fim do período seguinte ao da receção do documento retificativo.

 

Assim, a conjugação destas três normas assume um caráter de complementaridade entre si, salvaguardando o respeito pelo princípio da neutralidade em que assenta o funcionamento do IVA.

 

Uma vez que o n.º 5 do artigo 78.ª do CIVA não prevê qualquer formalidade específica a observar quanto aos meios de prova que satisfazem os condicionalismos ar enunciados, através do Ofício­ Circulado n.º 33129/1993, de 2 de abril, a AT publicou o entendimento administrativo sobre a determinação dos meios de prova admissíveis para o efeito, considerando idóneos "os seguintes documentos emitidos pelo cliente e na posse do fornecedor do bem ou prestador do serviço:

 

No caso em apreço, a AT detetou incoerências, notificando a Requerente de tal facto através do via CTT, ao nível da situação cadastral, em sede de IVA, relativamente a um operador económico do referido Anexo "Regularizações do Campo 40" da Declaração Periódica, resultante do erro L04 - Sujeito Passivo cessado ou sem enquadramento válido.

 

Uma vez que, na sequência da referida notificação, a Requerente não procedeu à retificação da declaração periódica e respetivo Anexo, a AT efetuou a correção automática da declaração periódica em causa.

 

Dai, resultou a emissão da liquidação adicional de IVA, nos termos do n.º 1 do artigo 87.º do CIVA, cujo montante de€ 90.342,59 , que corresponde ao IVA que se considera indevidamente regularizado a favor da Reclamante, uma vez que, estando em causa operações entre a A... e o operador cessado em IVA, com impacto ao nível das regularizações de IVA a favor do sujeito passivo, tal como se encontram refletidas no campo 40 da declaração periódica, não se encontravam assegurados os pressupostos de funcionamento do mecanismo previsto no artigo 78.º do CIVA.

 

A norma prevista no n.º 5 do artigo 78.º do CIVA tem por objetivo evitar que o sujeito passivo fornecedor regularize a seu favor imposto inicialmente deduzido pelo seu cliente, sem que este proceda à correção do correspondente valor a favor do Estado.

 

Se o fornecedor optar por efetuar a retificação, esta tem que ser operada pelas duas partes intervenientes (fornecedor e adquirente) dentro dos prazos estabelecidos nas respetivas normas (n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 78.º do CIVA), sob pena de não poder ser efetuada.

 

Deve ainda ter-se em consideração o tratamento que no Código do IVA é dado aos contribuintes cessados, nomeadamente, o disposto na alínea a} do n.º 1 do artigo 19.0 e n.º 11 do artigo 22.º, ambos do CIVA.

 

Estabelece a alínea a) do n.   1 do artigo 19.º   que " Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram: a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;"

Ou seja, um contribuinte que se encontra cessado perde, após a data de cessação, a natureza de sujeito passivo, logo não poderá exercer o direito à dedução.

                No caso em apreço, verifica-se que a atividade, em termos de IVA, do sujeito passivo adquirente dos bens ou serviços encontra-se cessada (8 de fevereiro de 2012) à data da emissão das faturas (29 de setembro de 2017), bem como à data da regularização do imposto, não tendo este procedido à entrega da declaração periódica de IVA para o período, ou períodos seguintes, àquele em que a Reclamante efectuou a regularização de IVA a seu favor.

                Em suma, decorre do exposto que a dedução de imposto considera-se exercida, nos termos preceituados no artigo 22..º do CIVA, com a apresentação da declaração do período, a qual tem por base o registo contabilístico dos documentos de suporte aí refletidos.

Após esse momento, qualquer correção à dedução consubstancia uma regularízação de imposto, podendo, tais correções, incidir sobre o facto tributário, a fatura, o registo contabilístico ou sobre a declaração periódica.

Assim sendo, o CIVA estabelece um regime de regularizações, a favor do Estado e dos sujeitos passivos, que consta do artigo 78.º e que estabelece, de forma imperativa, um conjunto de regras a que os sujeitos passivos estão obrigados.

O procedimento de regularização de faturas visa permitir ao sujeito passivo recuperar o imposto que indevidamente entregou ao Estado, mas, também, quando o adquirente é sujeito passivo de imposto, acautelar a regularização do IVA deduzido pelo adquirente com base na fatura que titula a operação tributável, o que depende da atempada comunicação da regularização.

                Ora, no nosso vertente defende a AT que, para além de estarmos perante regularizações de IVA efetuadas a favor da A... no campo 40 da Declaração Periódica, referente a setembro de 2017, que correspondem a operações realizadas com cliente cessado em sede de IVA, os requisitos impostos nos números, acima citados, do artigo 78.º não se encontram preenchidos.”

                7. Por despacho proferido em 7 de Outubo de 2020, foram as partes notificadas de que, ao não haver lugar à produção de prova constituenda, por um lado, e ao não ter sido suscitada matéria de excepção, por outro, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT.

 

8. Não havendo outras diligências instrutórias a realizar, notificaram-se igualmente as partes para a produção de alegações escritas no prazo simultâneo de 20 (vinte) dias [(artigos 29º, do RJAT, 91º-5 e 91º-A, do CPTA, versão republicada em anexo ao DL nº 214-G/2015, de 2-10)], alegações finais escritas, de facto (factos essenciais que consideram provados e não provados) e de direito. a partir da notificação do referido despacho.

 

II. SANEAMENTO

 

9. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 5.º, ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Não foram alegadas pelas partes, nem existem quaisquer excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e que cumpra conhecer.

 

III. DO MÉRITO

 

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1. Factos provados

 

10. Atentos os documentos juntos pelo Requerente e os documentos constantes do processo administrativo, para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

 

i.             A Requerente é uma sociedade comercial residente em território português que exerce, a título principal, actividade comercial, industrial ou agrícola.

ii.            A liquidação adicional de IVA objeto dos presentes autos resulta da validação automática, efetuada com recurso à informação constante na base de dados da AT, dos NIPC's constantes do Anexo "Regularizações do Campo 40", que é parte integrante da declaração periódica de IVA relativa ao período referente a setembro de 2017 (1709), submetida em 09 de novembro de 2017.

iii.           No dia 29 de Setembro de 2017A Requerente emitiu 12 notas de crédito à sociedade B..., S.A., com o NIPC..., com o objetivo de anular faturas/notas de débito anteriormente emitidas.

iv.           As notas de crédito foram emitidas com valores incorrectos, na medida em que não coincidem com os montantes facturados/debitados originariamente, o que originou correcções por parte da AT, e a liquidação de IVA visada nos presentes autos.

v.            Alegadamente para corrigir as notas de crédito, a Requerente novas faturas sendo que o NlPC que se encontra nestas novas faturas corresponde a um sujeito passivo cuja atividade se encontra cessada em termos de IVA desde fevereiro de 2012.

vi.           No mesmo dia 29 de Setembro de 2017 emitiu as seguintes facturas:

vii.          As liquidações adicionais referem-se a imposto regularizado a favor da Requerente na sequência da emissão das notas de crédito indicadas infra:

 

Nº Mov.              Data Documento             Data Registo      Nº Documento Tipo Documento             Base      % IVA    Valor                Tipo Cálculo IVA               Fatura-a Nº Cliente/Pagto.-a Nº Forn.

19588    29-Sep-17           29-Sep-17           75033201150      Nota Crédito      45 510,00            23           10 467,30             IVA Normal …1057608658

19589    29-Sep-17           29-Sep-17           75033201151      Nota Crédito      6 247,04               23           1 436,82               IVA Normal …1057608658

19590    29-Sep-17           29-Sep-17           75033201152      Nota Crédito      4 341,36               23           998,51   IVA Normal                …1057608658

19591    29-Sep-17           29-Sep-17           75033201153      Nota Crédito      2 481,41               23           570,72   IVA Normal                …1057608658

19592    29-Sep-17           29-Sep-17           75033201154      Nota Crédito      45 510,00            23           10 467,30             IVA Normal …1057608658

19593    29-Sep-17           29-Sep-17           75033201155      Nota Crédito      45 510,00            23           10 467,30             IVA Normal …1057608658

19594    29-Sep-17           29-Sep-17           75033201156      Nota Crédito      45 510,00            23           10 467,30             IVA Normal …1057608658

19595    29-Sep-17           29-Sep-17           75033201157      Nota Crédito      45 510,00            23           10 467,30             IVA Normal …1057608658

19596    29-Sep-17           29-Sep-17           75033201158      Nota Crédito      2 333,54               23           536,71   IVA Normal                …1057608658

19597    29-Sep-17           29-Sep-17           75033201159      Nota Crédito      116 548,56          23           26 806,17             IVA Normal …1057608658

19598    29-Sep-17           29-Sep-17           75033201160      Nota Crédito      2 340,18               23           538,24   IVA Normal                …1057608658

19599    29-Sep-17           29-Sep-17           75033201161      Nota Crédito      30 951,82            23           7 118,92               IVA Normal …1057608658

 

viii.         No dia 10 de Novembro de 2017, foi a Requerente notificada de que haviam sido identificadas alegadas incorrecções nos números de identificação fiscal indicados no Anexo “Regularizações do Campo 40”, informando-se, ainda, que, na falta de correcção dos alegados erros acima identificados, a Autoridade Tributária procederia à rectificação da declaração periódica e respectivo anexo “Regularizações do Campo 40” e, sendo caso disso, à emissão de liquidação adicional.

ix.           Em consequência, foi a Requerente notificada, em 8 de Dezembro de 2017, da liquidação de IVA n.º 2017..., e respectiva liquidação de juros de mora n.º 2017..., das quais resultou um montante de imposto a pagar no valor de € 90.342,59, acrescido de juros de mora no valor de € 331,87.

J.             Montante esse que a Requerente veio a pagar dentro do prazo de pagamento voluntário, designadamente no dia 17 de Janeiro de 2018.

l.             A Requerente apresentou, em 17 de Maio de 2018, Reclamação Graciosa contra a liquidação supra referida (cfr. Documento 11 da P.I.);

 

m.          Em 2 de Agosto de 2018, na sequência do Despacho da Exma. Senhora Directora de Serviços (por subdelegação), foi proposto o indeferimento da Reclamação Graciosa (Documento 12 da P.I.);

 

n.            Contra a proposta de indeferimento da Reclamação Graciosa, exerceu a Requerente o respectivo direito de audição em requerimento apresentado no dia 19 de Agosto de 2018.

 

o.            Em 18 de Setembro de 2018 foi a Requerente notificada do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada;

 

p.            Em 18 de Outubro de 2018, apresentou a Requerente Recurso Hierárquico

 

q.            O Recurso Hierárquico veio a ser objecto de indeferimento, por despacho proferido pela Exma. Senhora Directora de Serviços (por subdelegação), em 29 de Agosto de 2019 e notificado em 10 de Setembro de 2019.

 

r.             No âmbito da referida decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico, nos pontos 27 e 28, vem a Autoridade Tributária, pela primeira vez ao longo de todo o procedimento, admitir expressamente que “na fusão de sociedades transmite-se um conjunto patrimonial constituido por activo e passivo, integrando não só elementos corpóreos (…) mas também direitos e deveres (…) Relativamente aos valores do IVA que a sociedade incorporante tiver de regularizar, respeitantes a débitos pertencentes à sociedade incorporada ( B... S.A.), tal é possível, atendendo aos requisitos legais para o efeito previstos no art.º 78.º do CIVA”.

 

III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

11. Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que importam à decisão e determinar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo a obrigação de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

12. Neste sentido, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes, à luz do disposto no artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, bem como às provas documentais por estas apresentadas, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

13. A questão de mérito que cumpre solucionar é a de saber se a Administração Fiscal fez uma interpretação errada do regime legal constante no Código do IVA, e se por isso as liquidações impugnadas padecem de vício de violação de lei, devendo ser anuladas.

 

Em concreto, o Tribunal é chamado a determinar se, ao contrário do que sustenta a AT, a Requerente reúne todos os pressupostos legalmente exigíveis nos termos do art.º 78.º, n.º 5 do Código do IVA para efeitos da regularização do imposto liquidado adicionalmente, no montante de € 90.342,59.

 

   A Requerente assenta juridicamente o seu dissenso relativamente às aludidas correções efetuadas pela AT no argumento segundo o qual, pretendeu regularizar a seu favor IVA no montante de € 70.567,72, relativamente a uma operação na qual havia liquidado a favor do Estado IVA no  montante de € 75.521,34, no entanto, acabou por ter de entregar ao Estado um montante de IVA adicional de € 90.342,59 (nunca repercutido ao Cliente) na medida em que não foi aceite a regularização a seu favor deste exacto montante de € 90.342,59;

 

14. Compete ainda ao tribunal decidir sobre se, como alega a Requerente, a liquidação é ilegal por preterição das formalidades legais, porquanto a Autoridade Tributária tinha o dever de a notificar a Requerente para o exercício do seu direito de audição.

 

Caso se julgue procedente o pedido de anulação da liquidação em crise, se os juros indemnizatórios em virtude do pagamento indevido devem ser contados desde a data do respectivo pagamento ou desde um ano após a apresentação da Reclamação Graciosa pela Requerente.

 

15. Cumpre então estabelecer, a título prévio, o enquadramento normativo da questão ora em juízo.

Determina o n.º 2 do artigo 78.º do Código do IVA, que "se, depois de efectuado o registo referido no artigo 45.º, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efectuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável".

 

Por outro lado, prescreve o n.º 4 do mesmo artigo, que "o adquirente do bem ou destinatário do serviço que seja um sujeito passivo do imposto, se tiver efectuado já o registo de uma operação relativamente à qual o seu fornecedor ou prestador de serviço procedeu a anulação, redução do seu valor tributável ou rectificação para menos do valor facturado, corrige, até ao fim do período de imposto seguinte ao da recepção do documento rectificativo, a dedução efectuada."

 Ainda de acordo com o disposto no n.º 5 do referido artigo, "Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução".

Nos termos do n.º 13 do mesmo artigo, "quando o valor tributável for objecto de redução, o montante deste deve ser repartido entre contraprestação e imposto, aquando da emissão do respectivo documento, se se pretender igualmente a rectificação do imposto".

 

16. Assim, as regularizações consignadas no n.° 2 do art.º 78º do CIVA são uma faculdade concedida ao sujeito passivo e não uma obrigatoriedade. Sempre que este opte por tais regularizações, deverá atender ao disposto no n.º 5 do mesmo artigo.

 

E de acordo com o n.º 5 do art.º 78.º, a regularização do imposto a favor do sujeito passivo só poderá ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que a respectiva dedução será considerada indevida.

 

                17. Aqui convoca-se o teor da decisão arbitral proferida no processo n.º 29/2018-T que se acompanha no seguinte segmento, “Tendo por objeto esta norma do Código do IVA, a AT emitiu as seguintes instruções administrativas que aqui importa citar:

 

“i.O Ofício-Circulado n.º 33129/1993, de 2 de abril, da DSCA, tendo por assunto “IVA – Regularizações – N.ºs 2 e 5 do art. 71.º do CIVA” (norma posteriormente renumerada, passando a ser o artigo 78.º), adota o seguinte entendimento:

                “1. O n.º 2 do art.º 71º do CIVA contempla os casos em que a base tributável é reduzida, depois de ter sido efectuado o registo das transmissões de bens e prestações de serviços efectuadas pelo sujeito passivo. O fornecedor ou prestador poderá rectificar o imposto anteriormente liquidado a mais, até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificaram as circunstâncias que determinaram a rectificação.

                2. As regularizações consignadas no n.° 2 do art.º 71.º do CIVA são uma faculdade concedida ao sujeito passivo e não uma obrigatoriedade. No entanto, sempre que o sujeito passivo opte por tais regularizações, deverá atender ao disposto no n.º 5 do mesmo artigo.

                3. De acordo com o n.º 5 do art.º 71.º, a regularização do imposto a favor do sujeito passivo só poderá ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que a respectiva dedução será considerada indevida.

                4. Para efeitos do n.º 5 do art.º 71.º são considerados idóneos, satisfazendo os condicionalismos aí enunciados, os seguintes documentos emitidos pelo cliente e na posse do fornecedor do bem ou prestador do serviço:

a) Qualquer um dos meios de comunicação escrita - carta, ofício, telex, telefax, telegrama - com referência expressa ao conhecimento da rectificação do IVA.

b) Nota de devolução ou nota de recebimento do cheque, com menção à regularização do IVA.

c) Fotocópia da nota de crédito, após assinatura e carimbo do adquirente, constituindo documento por ele enviado após tomada de conhecimento da regularização do imposto a efectuar.

                5. Sem que o sujeito passivo tenha na sua posse confirmação escrita efectuada pelos seus clientes de que receberam comunicação evidenciando o montante do IVA rectificado, ou de que foram reembolsados do respectivo imposto, consideram-se não cumpridas as disposições estabelecidas no n.° 5 do art.° 71.° do CIVA, tornando-se indevida a respectiva regularização de imposto.”

                ii.O Ofício-Circulado n.º 30082/2005, de 17 de novembro, da DSIVA, tendo por assunto “IVA – Regularizações nos termos do artigo 71.º do CIVA” (norma posteriormente renumerada, passando a ser o artigo 78.º), contém, entre outras, a seguinte orientação/instrução administrativa:

“9.1 Regularizações previstas nos n.ºs 2 e 4 do artº 71.º

 

                Abrange situações em que a redução ou anulação da base tributável origina correcções no imposto, cuja regularização não é obrigatória. Se, porém, o sujeito passivo fornecedor optar pela regularização a seu favor, nos termos do n.º 2, deverá fazê-lo até ao final do período seguinte àquele em que se verificaram as circunstâncias que deram origem à regularização, desde que, conforme exige o n.º 5 do mesmo artº 71.º, tenha na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento dessa rectificação ou de que foi reembolsado do imposto.

                Neste caso, tal como prevê o n.º 4 do mesmo artigo, o adquirente deve proceder à regularização desse imposto, a favor do Estado, até ao final do período de imposto seguinte ao da recepção do documento rectificativo emitido pelo fornecedor.

                Os valores a corrigir, nestas condições, devem constar nos campos 40 e 41, consoante os casos, da declaração periódica do período de imposto em que a regularização é efectuada.

                Caso não seja efectuada no prazo previsto e nas situações que originam imposto a favor do Estado, a regularização deverá ter lugar em declaração periódica de substituição do período em que, nos termos do n.º 4 do artigo 71.º, deveria ter sido feita.”

               Em face do artigo 78.º do Código do IVA, podemos agrupar as situações em que existe a faculdade (e, eventualmente, a obrigatoriedade) de regularização do IVA liquidado e deduzido, da seguinte forma (tal como sistematizadas por Alexandra Martins e Pedro Moreira, “Regularizações de IVA - A Alteração Superveniente dos Elementos da Operação, o Erro Material ou de Cálculo e o Erro de Enquadramento ou de Direito”, in AA. VV., Coordenação de Sérgio Vasques, Cadernos IVA 2014, Coimbra, Almedina, 2014, pp. 61-62):

            “i) A alteração superveniente das condições objectivas e subjectivas que presidiram à realização das operações, traduzida na anulação da operação ou na redução do seu valor tributável;

            ii) A inexactidão da factura ou o erro material ou de cálculo na transcrição dos seus elementos para a contabilidade ou declarações periódicas de IVA dos sujeitos passivos;

            iii) O erro de enquadramento da operação, espelhado na factura ou na contabilidade dos sujeitos passivos.”

 

Na situação sub judice, face à factualidade que resultou provada, dúvidas algumas existem que não estamos perante uma situação fática enquadrável quer no primeiro, quer no terceiro grupo de situações a que aludimos, tal como também não estamos diante de qualquer erro material ou de cálculo[1].

Com efeito, no caso concreto estamos perante faturas inexatas que foram, todas elas, contabilizadas pela Requerente e em virtude das quais houve imposto liquidado a mais.

Como explicita João Canelhas Duro (“Dedução de IVA, Regularizações e Revisão da Autoliquidação”, in AA. VV., Coordenação de Sérgio Vasques, Cadernos IVA 2015, Coimbra, Almedina, 2015, p. 338), em conformidade “com o n.º 3 do art. 78.º, no caso de “faturas inexatas”, já registadas contabilisticamente, a retificação é facultativa quando houver imposto liquidado a mais e pode ser efetuada no prazo de dois anos. Para que seja corrigida a autoliquidação com imposto liquidado a mais, a retificação da fatura é obrigatória, de forma a que também o adquirente proceda à regularização do imposto deduzido (em excesso) com base nessa fatura.

O procedimento de regularização de faturas visa, não só permitir ao sujeito passivo “reaver” o IVA que entregou indevidamente ao Estado, mas, também, em especial quando o adquirente é sujeito passivo de imposto, acautelar, em igual medida, a regularização do IVA deduzido pelo adquirente com base na fatura que titula a operação tributável (art. 78.º, n.º 4), o que depende da atempada comunicação da regularização (art. 78.º, n.º 5).”

No caso concreto, a Requerente optou por efetuar a retificação daquelas faturas, mediante a emissão das aludidas notas de crédito (cf. artigo 29.º, n.º 7, do Código do IVA), e a correspondente regularização do imposto autoliquidado a mais.

Por isso, importa atentar no disposto no n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA, de acordo com o qual, quando o valor tributável de uma operação seja retificado para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efetuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da referida retificação ou de que foi reembolsado do imposto; nos termos do n.º 13 do mesmo artigo, o montante da redução deve ser repartido entre a contraprestação e o IVA.

               A lei não impõe qualquer limitação quanto ao meio de prova que pode ser utilizado para o efeito, pelo que qualquer suporte documental idóneo tende a ser suficiente para o efeito, como os elencados no citado Ofício-Circulado n.º 33129/1993; a este propósito, importa ainda atentarmos no seguinte entendimento da AT plasmado na informação vinculativa prestada no processo n.º 6770, por despacho de 06.06.2014, do SDG do IVA, por delegação do Diretor Geral da AT, na qual é, além do mais, afirmado que “é possível considerar idóneas as «mensagens de correio eletrónico», desde que sejam observados os requisitos referidos no Ofício-Circulado n.º 33129/1993, nomeadamente no n.º 4, alínea a) «(…) documentos emitidos pelo cliente e na posse do fornecedor do bem ou prestador do serviço (…) com referência expressa ao conhecimento da retificação do IVA» e no n.º 5”.

 

18. Da ilegalidade da Liquidação em virtude da não aplicação do regime do artigo 78º do Código do IVA

 

À luz do exposto, analisemos agora as regularizações de IVA efetuadas pela Requerente:

                Como se viu, este vem defender que “(…) pretendeu regularizar a seu favor IVA no montante de € 70.567,72, relativamente a uma operação na qual havia liquidado a favor do Estado IVA no montante de € 75.521,34, no entanto, acabou por ter de entregar ao Estado um montante de IVA adicional de € 90.342,59 (nunca repercutido ao Cliente) na medida em que não foi aceite a regularização a seu favor deste exacto montante de € 90.342,59”.

Assim, quando emitiu as notas de crédito acima identificadas indicou como número de identificação fiscal aquele que constava das facturas/notas de débito originalmente emitidas e cuja anulação se pretendia através da emissão das notas de crédito.

Considera que “o facto de as notas de crédito terem sido emitidas pela Requerente com indicação de NIF, entretanto já cessado, na medida em que a sociedade destinatária foi, entretanto, incorporada por fusão, não constitui fundamento para a recusa da dedução do IVA a seu favor”.

               

A Requerente acrescenta que constitui entendimento pacifico, na Doutrina e Jurisprudência, que nos casos de fusão por incorporação, a que se refere o n.º 4 do art.º 97.º do Código das Sociedades Comerciais, a extinção da personalidade jurídica própria da sociedade incorporada por fusão não tem por efeito a extinção dos seus direitos e deveres, antes, por expressa disposição legal estas se "transmitem" para a sociedade incorporante, seja porque esta sucede àquela em conformidade com a teoria da sucessão universal, seja porque as situações jurídicas de que era titular a sociedade incorporada permanecem inalteradas ao longo do processo de fusão para se reunirem depois numa nova entidade, em conformidade com a teoria do acto modificativo.

 

19. No caso vertente, a AT detetou incoerências, notificando a Requerente de tal facto através da via CTT, ao nível da situação cadastral, em sede de IVA, relativamente a um operador económico do referido Anexo "Regularizações do Campo 40" da Declaração Periódica, resultante do erro L04 - Sujeito Passivo cessado ou sem enquadramento válido.

 

A Requerente não procedeu à retificação da declaração periódica e respetivo Anexo, a AT efetuou a correção automática da declaração periódica em causa.

 

Na situação sub judice, face à factualidade que resultou provada, a Requerente optou por efetuar a retificação daquelas faturas, mediante a emissão das aludidas notas de crédito e a correspondente regularização do imposto autoliquidado a mais.

 

20. Tendo presente o n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA, resulta que quando o valor tributável de uma operação seja retificado para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efetuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da referida retificação ou de que foi reembolsado do imposto (sublinhado nosso); nos termos do n.º 13 do mesmo artigo, o montante da redução deve ser repartido entre a contraprestação e o IVA.

 

21. O regime é claro e estabelece uma faculdade e não uma obrigação. Porém ao ser utilizada, a regularização operada deve ser acompanhada da prova de que o adquirente tomou conhecimento, não existindo qualquer formalismo relativamente ao meio.

 

22. No caso vertente, constatada a discrepância notificada que foi pela AT, a Requerente não procedeu à rectificação da declaração periódica e respectivo anexo, sujeitando-se como foi, a que a AT nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 78.º do CIVA, efetuasse a correção automática da declaração periódica em causa, não se encontravam assegurados os pressupostos de funcionamento do mecanismo previsto no artigo 78.º do CIVA.

Assiste assim razão à AT, nesta parte, pois que o meio utilizado para a regularização não foi o correcto. A reclamação era a via para a rectificação

 

23. Da falta de notificação para exercício do direito de audição em momento anterior à liquidação

 

Defende a Requerente no pedido de pronuncia que deverá a liquidação em crise ser anulada em virtude do vício de preterição de formalidade legal essencial, consubstanciada no dever legal de notificação da Requerente para exercício do seu direito de audição em momento anterior ao acto de liquidação.

 

24. Da factualidade, constata-se que, no dia 10 de Novembro de 2017 foi a Requerente notificada de que haviam sido identificadas alegadas incorrecções nos números de identificação fiscal indicados no Anexo “Regularizações do Campo 40” (cfr. Documento 1).

Informando-se, ainda, que na falta de correcção dos alegados erros acima identificados, a Autoridade Tributária procederia à rectificação da declaração periódica e respectivo anexo “Regularizações do Campo 40”e, sendo caso disso, à emissão de liquidação adicional.

Em consequência, foi a Requerente notificada, em 8 de Dezembro de 2017, da liquidação de IVA em crise (cfr. Documento 2).

 

25. Conclui-se que, como sustenta a Requerente, não lhe foi concedido o direito possibilidade de exercer o seu direito de audição prévia, nos termos do art.º 60.º, n.º 1, alínea a) da LGT.

 

26. Com efeito, se a notificação não referia que era para exercício do direito de audição e não fixou prazo para tal exercício, parece-me que não pode ser considerada como tal, pois o nº 4 do art. 60º da LGT preceitua que: “O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte” , o que pressupõe que seja fixado esse prazo e que seja informado o contribuinte que é para o exercício do direito de audiência.

 

27. Nestes termos, o acto tributário de liquidação adicional é inválido e, por consequência, anulável, por preterição de formalidade legal essencial no procedimento tributário, por não ter sido concedido ao Requerente o direito de audição prévia estipulado no art. 60º da LGT e consagrado no art. 267º, nº 5 da CRP.

 

Em face de todo o exposto, assim sendo, resulta forçoso concluir que na situação dos presentes autos o exercício do direito de audição prévia se afigurava essencial, e neste termos, torna-se evidente que ao ter sido preterido, que o acto de liquidação sub judice não poderá subsistir na ordem jurídica, ficando prejudicada a apreciação dos demais fundamentos invocados.

 

28. Dos Juros indemnizatórios

 

A Requerente comprovou o pagamento dos valores constantes dos atos tributários controvertidos (cf. facto provado n)) e peticiona, como decorrência da invocada anulabilidade dos mesmos, a condenação da AT a devolução à Requerente dos montantes indevidamente pagos, incluindo os respectivos juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 43.º e no art.º 100.º, da LGT e no art.º 61.º do CPPT.

 

Como decorre do acima exposto, efetivamente a Requerente suportou uma prestação tributária uma vez que o pedido de pronúncia arbitral procede na totalidade.

 

O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

 

29. Isto posto. Cumpre, então, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago e de pagamento de juros indemnizatórios.

Na sequência da ilegalidade do ato tributário controvertido e, portanto, na medida da procedência do pedido de pronúncia arbitral, a AT deve proceder ao reembolso à Requerente do montante total correspondente aos valores de imposto e de juros de mora pagos ilegalmente, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.

 

Sobre aquele montante total são devidos juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados, desde a data da decisão da reclamação graciosa desde a data da decisão da reclamação graciosa, sempre até ao integral reembolso.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

 

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, condenar a Requerida no pedido;

b)           Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir à Requerente os valores de IVA e de juros de mora indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos legais e

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Atendendo ao disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 90.674,46.

 

VI. CUSTAS

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 2 754.00 €, a cargo da Requerida, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

Lisboa, 16 de Novembro de 2020.

 

Os Árbitros,

 

José Poças Falcão

José Nunes Barata

Maria da Graça Martins