Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 837/2019-T
Data da decisão: 2020-11-20  IRS  
Valor do pedido: € 9.359,15
Tema: IRS – Mais-Valias Imóveis Não Residentes – Não discriminação.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1. A..., NIF ... e B..., NIF..., casados e com residência na ..., n.º..., ..., Suíça, apresentaram, em 06-12-2019, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida, ou ATA).

 

2. Os Requerentes pretendem, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade e subsequente anulação da liquidação de IRS n.º 2019... .

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 09-12-2019.

 

3.1. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.

 

3.2. Em 27-01-2020 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

 

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 06-02-2020.

 

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

4. Com o pedido de pronúncia arbitral defendem os Requerentes que as liquidações de IRS impugnadas, na parte em que consideram como base de tributação da mais-valia realizada pelos Requerentes mais de 50% do seu valor, carecem de fundamento legal, o que determina a sua ilegalidade, em virtude da violação do artigo 63.º do TFUE.

Sustentam, em suma, que o artigo 43º, nº 2 do CIRS, ao estabelecer um regime diferenciado para tributação das mais-valias realizadas por residentes e não residentes em território nacional, estabelece uma discriminação inaceitável à luz do disposto no artigo 56º do Tratado da União Europeia, quando não aplicado a não residentes que realizem mais-valias decorrentes da alienação de imóveis situados em Portugal.

Concluem pela ilegalidade das liquidações impugnadas, porquanto das mesmas resultou, no caso concreto, a aplicação da taxa de IRS sobre a totalidade das mais-valias e não apenas sobre 50% do seu valor.

Invocam, em favor do seu entendimento, jurisprudência diversa, quer arbitral, quer dos nossos Tribunais superiores, bem assim como do TJUE.

Concluem requerendo a anulação da liquidação com a consequente restituição do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, invocando em síntese, não terem razão os Requerentes face à alteração do artigo 72º do CIRS, efectuada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, nomeadamente o aditamento do n.º 8 (actual n.º 10) que, à data dos factos, prescrevia:

                É aos sujeitos passivos do imposto que cumpre optar pelo regime que pretendem lhes seja aplicado: ou o previsto para os não residentes ou o que lhes seria aplicável caso residissem em território português.

                Caso os Requerentes pretendessem ser tributados de acordo com a taxa do artigo 68º, ou seja, como residente, era necessário terem preenchido o respectivo campo na declaração modelo 3 de IRS, o que não sucedeu.

                O n.º 10 do artigo 72 do CIRS é taxativo, no sentido de que devem ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano (quer em Portugal, quer no estrangeiro), de forma a garantir uma maior proximidade entre o regime aplicável aos não residentes e aos residentes.

                O quadro legal já não é aquele que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, tendo conta a alteração á lei por força do aditamento dos n.º 7 e 8 (actuais 9 e 10) ao artigo 72º do CIRS, pela Lei 67-A/2007, de 3 Dezembro.

                No caso em apreço, sendo os Requerentes residente na Suíça, que não é Estado-membro, não é aplicável a tributação de apenas 50% do saldo previsto no n.º 2 do artigo 43º do CIRS aplicável aos residentes, a qual se pode aplicar apenas aos residentes em Estado-membro da UR ou do EEE.

                Deverá ser determinada a suspensão da presente instância arbitral e sujeitar a questão ao Tribunal de Justiça, nos termos previstos no instituto do reenvio prejudicial.

Conclui a Requerida pela legalidade dos actos de liquidação contestados pelos Requerentes que deverão, assim, ser mantidos, não sendo, devidos, em qualquer cicunstância, jutos indenizatórios.

 

 

6. Por despacho de 07-07-2020, foi proferido despacho em que se entendeu ser desnecessário o reenvio prejudicial proposto pela Requerida e dispensada a reunião do artigo 18º do RJAT, bem como, com a anuência das partes, a apresentação de alegações.

 

7. Após a constituição do tribunal arbitral o prazo para a prática de actos processuais encontrou-se suspenso por força do disposto no artigo 7º da Lei 1-A/2020, de 19 de Março

 

 

II – SANEAMENTO

 

7.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

7.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

7.3. O processo não enferma de nulidades.

7.4. Não foram suscitadas excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO

 

III.1. Matéria de facto

 

Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos, consideram-se, com relevo para apreciação e decisão da causa, como provados os seguintes factos:

a)            À data da ocorrência dos factos, de acordo com os respectivos cadastros, os Requerentes tinham residência na Suiça e eram casados.

b)           O Requerente marido era proprietário, desde o ano de 2002, do prédio urbano sito na freguesia de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º..., o qual foi adquirido por via sucessória e sido então avaliado pelo valor de 273,65 €.

c)            O referido prédio foi vendido em Setembro de 2018 pelo valor de 67.500,00 €.

d)           Pese embora a aludida venda, os Requerentes não a fizeram constar da declaração de IRS que apresentaram, conjuntamente, no ano de 2019.

e)           Na sequência de comunicação da AT, invocando a irregularidade relativa à omissão da venda efectuada, os Requerentes apresentaram declaração de IRS, com o Anexo G, tendo nelas feito constar a sua condição de não residentes, enquadrando-se como “Não Residente” em Portugal mas não tendo assinalado no respectivo quadro de “residência fiscal”, daquela declaração, qualquer outro campo.

f)            No Anexo G daquela declaração de rendimentos, além dos demais elementos, os Requerentes fizeram constar despesas e encargos no valor de 301.35 €.

g)            Os Requerentes foram notificados da demonstração da liquidação de IRS com o n.º 2019-..., relativa ao ano de 2018, no valor de 19.299,66 €.

h)           A AT determinou como rendimento colectável dos Requerentes o valor correspondente à totalidade das mais-valias realizadas com as vendas dos identificados imóveis.

i)             Da identificada nota de liquidação consta parcela de “imposto relativo a tributações autónomas” no valor de 18.718,31 €, o que resulta da aplicação da taxa de 28% ao valor da totalidade da mais-valia apurada.

j)             O prazo limite de pagamento do imposto terminou em 09-09-2020.

 

Fundamentação da matéria de facto:

 

A matéria de facto dada como provada assentou no exame crítico da escassa prova documental apresentada pelos Requerentes, que aqui se dá por reproduzida, e, para a generalidade dos demais facto alegados pelos Requerentes, pela sua aceitação expressa pela Requerida.

 

Não se deu por provado que os Requerentes tenham pago o imposto e, no demais, não foram dados como não provados outros factos com relevo para a decisão da causa.

 

III.2. Matéria de Direito

 

Conforme resulta do pedido arbitral, os Requerentes manifestam a sua inconformidade com o acto de liquidação impugnado por entenderem que a interpretação e aplicação do artigo 43º, n.º 2 do CIRS, no sentido de as mais valias obtidas com a venda de imóveis por parte de não residentes serem tributadas pela totalidade, ser ilegal, na medida em que isso contraria o disposto no artigo 56.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia (o qual corresponde ao artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia). Com efeito, sustentam que o mesmo traduz um regime fiscal menos favorável para os não residentes relativamente aos residentes.

 

Tal questão foi já objecto de múltiplas decisões quer dos tribunais arbitrais, quer dos tribunais estaduais, designadamente do STA, todas na mesma linha, não havendo motivo para alterar esse entendimento.

 

A propósito da tributação das mais-valias, o n.º 1 do artigo 43.º do Código do IRS determina que “o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes”.

 

Estabelecendo-se no n.º 2 do mesmo artigo que o saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor.

 

Por sua vez, previa-se no artigo 72º do mesmo código, na redacção à data dos factos vigente:

- “N.º 1: São tributados à taxa autónoma de 28%:

(…)

a) As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado.

N.º 13 – Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 e no n.º 6, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

N.º 14: Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes”.

 

Significa isso que tais rendimentos de mais-valias, quando auferidos por sujeitos passivos residentes, são sujeitos a englobamento com outros rendimentos auferidos no mesmo ano e sobre a totalidade dos mesmos incidem as taxas gerais previstas no artigo 68.º do Código do IRS.

 

Diversamente, se esses rendimentos forem auferidos por titulares não residentes em território português, são sujeitos a tributação autónoma, incidente à taxa especial de 28% sobre a totalidade das mais-valias, nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código, salvo opção expressa pelo englobamento de todos os seus rendimentos.

 

Como se diz no acórdão arbitral de 16-10-2019, no processo n.º 208/2019-T (replicado no acórdão de 06-06-2020, no processo 846/2019-T):

- “A assinalada desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias entre os sujeitos passivos residentes e não residentes foi submetida à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, por via de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo (Ac. de 28-09-2006, Proc.439/06).

- Respondendo à questão colocada, o Tribunal de Justiça, em acórdão de 11-10-2007, proferido no Proc. C-443/06 (Hollmann), declarou que «O artigo 56º CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.»

- Na sequência da referida decisão, o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 16-01-2008, proferido naquele Processo 439/06, veio igualmente a decidir que " O n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal, viola o disposto no art. 56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia.".

 

E, diga-se, essa tem sido a orientação que tem sido invariavelmente seguida pelo STA (designadamente nos acórdãos de 22-03-2011- Proc. 01031/10, de 10-10-2012, Proc. 0533/12, de 30 -04-2013, Proc. 01374/12, de 18-11-2015, Proc. 0699/15, de 03-02-2016, Proc. 01172/14 e, mais recentemente, de 20-02-2019 - Proc. 0901/11, onde se diz:

 

- “Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

- Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU.

- O acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo”.

 

Não pode, contudo, deixar de ter-se presente que tais decisões têm subjacente a legislação anterior à alteração promovida Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro.

 

Todavia, tal alteração legislativa não teve a virtualidade de afastar o tratamento discriminatório nesta matéria relativamente a não residentes por comparação ao regime estabelecido para os residentes.

 

Seguindo o que se diz na Decisão Arbitral de 22-5-2019 no Proc 74/2019-T:

- “Porém, o legislador nacional, por via da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, procurou obviar o tratamento discriminatório dos residentes comunitários e do Espaço Económico Europeu, facultando-lhes, em termos opcionais, a possibilidade de tributação das mais-valias imobiliárias em condições similares às aplicáveis aos residentes em território português.

(…)

- Contrariamente ao entendimento da Requerida, o regime opcional acima referido não veio sanar o regime discriminatório que se mantém em vigor e foi aplicado às liquidações de IRS ora questionadas.

- Após a alteração legislativa acima referida ficaram a vigorar, na área da tributação dos rendimentos qualificados como mais-valias originadas pela transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes: um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento e um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes.

- Este regime específico de equiparação aos residentes é opcional, não afastando, contudo, o carácter discriminatório da norma do artigo 43.º, n.º 2, conforme, aliás, tem vindo a ser decidido em diversas decisões arbitrais.

- Com efeito, esta matéria, já na decorrência de situações posteriores à alteração legislativa acima referida, tem vindo a ser objeto de diversas decisões arbitrais tendo-se firmado jurisprudência, largamente maioritária, no sentido de que a opção em causa, constitui um ónus suplementar comparativamente aos residentes insusceptível de excluir a discriminação em causa”.

É nessa linha que se concluiu na decisão arbitral de 22-05-2019, no Proc.74/2019-T:

- "Sucede que a existência deste regime não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda em vigor e que foi aplicado à liquidação de IRS em causa. De facto, atualmente, em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não residentes neste território, mas residentes noutro Estado membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu, resulta do disposto nos n.ºs 1 e 8 do artigo 72.º do Código do IRS que, coexistem dois regimes fiscais:

i. O regime que sujeita os rendimentos a uma taxa especial de 28% e

O regime equiparado ao que vigora para os sujeitos passivos residentes em território português, segundo o qual, os mesmos rendimentos são sujeitos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do nº 2 do citado artigo 43.º do Código do IRS.

Porém, a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não sendo a opção de equiparação suscetível de excluir a discriminação em causa.

Na realidade, o regime de equiparação atualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o caráter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal. Neste sentido, o TJUE considerou, no Acórdão Gielen, de 18/03/2010 (Processo C-440/08), num caso de evidente paralelismo (ainda que naquele acórdão estivesse em causa a violação do artigo 49.º), o seguinte:

a. "a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (...) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório", frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.".

b. "o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (...) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49° TFUE em razão do seu carácter discriminatório".

c) O Tratado "se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (...) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes".

 

Tal jurisprudência foi recentemente reafirmada no Despacho do TJUE, de 6-09-2018, proferido no âmbito do processo n.º C- 184/18, no qual o Tribunal entendeu que «uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais‑valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado‑Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais‑valias realizadas por um residente naquele Estado‑Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia».

 

Sucede que a Requerida invoca que, em qualquer circunstância, atento o facto de os Requerentes residirem na Suíça, que não é Estado membro da União Europeia, nunca lhes seria aplicável o disposto nos referidos normativos, sendo os rendimentos de mais-valias auferidos no ano de 2018 tributados à taxa autónoma de 28%. Conclui que, “não sendo permitida a opção de tributação pelas taxas gerais aplicáveis aos residentes e o consequente englobamento dos rendimentos auferidos em território nacional, por se tratar de sujeitos passivos residentes em Estado fora da EU e do EEE, não é aplicável a tributação de apenas 50% do saldo previsto no n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS aplicável aos residentes, a qual se pode aplicar apenas aos residentes em Estado membro da EU ou do EEE, nas condições supra referidas”.

 

No que não tem razão.

 

Desde logo, face à existência de Acordo celebrado pela Confederação Suíça com a União Europeia, relativo à livre circulação de pessoas, publicado no JOUE, n.º L114, de 30-04-2002 o que, em qualquer circunstância, permitiria aos Requerentes invocar o mesmo tratamento do que os residentes em Estado-Membro.

 

Mas, ainda que assim não fosse, em resposta a pedido de decisão prejudicial apresentado pelo TCA Sul, relativamente a cidadão residente em Angola, o Tribunal de Justiça da União Europeia veio a, por decisão de 12-03-2018, no Processo C-184/18, considerar que não resulta do artigo 64º, n.º 1 do TFUE qualquer excepção que justifique restrição à livre circulação de capitais, em que se traduz a aplicação do n.º 2 do artigo 43º do CIRS.

 

Conclui aquele Tribunal que “as disposições conjugadas dos artigos 12º, 56º, 57º e 58º do Tratado da Comunidade Europeia [atuais 18º, 63º, 64º e 65º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia], devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal (no n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro) que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um imóvel situado num Estado-Membro (Portugal), quando essa alienação é efetuada por um nacional desse Estado-Membro, residente em país terceiro (Angola), a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizada por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel”.

 

Daí que em nada altera o que atrás se expôs, a circunstância de os Requerentes serem residentes em país terceiro, no caso a Confederação Suíça.

 

Em conclusão, não havendo motivo para alterar o entendimento jurisprudencial invocado, no sentido de que ocorre violação da liberdade fundamental de circulação de capitais do Direito da União Europeia, incompatível com o artigo 56º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, pelo regime resultante da conjugação do artigo 43.º, n.º 2 e do artigo 72.º do CIRS, quer na sua versão anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, quer na versão posterior, de que resulta o tratamento diferenciado entre residentes e não residentes, temos de concluir que as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei que se consubstancia na sua ilegalidade.

 

Pese embora o exposto, é manifesto que o pedido não pode proceder nos termos pretendidos pelos Requerentes.

 

Com efeito, pretendem os Requerentes a restituição de metade do imposto pago por referência à aplicação da taxa de 28% à totalidade da mais-valia obtida (cf. artigo 19º do pedido de pronúncia arbitral, pese embora a confusão que aí se faz de conceitos, pois aí não se pretendia referir ao montante tributável, já anteriormente correctamente determinado no artigo 15º).

 

Todavia, não será essa a solução. Da aplicação do disposto no n.º 2 do art. 43º do CIRS, resulta que o rendimento de mais-valias, obtido pelos Requerentes, deverá ser sujeito a englobamento com os outros rendimentos por eles auferidos em 2018 e sobre a totalidade dos mesmos incidirão as taxas gerais previstas no artigo 68.º do Código do IRS.

 

JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Além da restituição do imposto indevidamente pago, pretendem os Requerentes que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

Tal direito vem consagrado no art. 43º da LGT o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial - ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.

 

Sucede que os Requerentes não fizeram qualquer prova de terem procedido ao pagamento do imposto, pelo que improcede o peticionado pedido de juros indemnizatórios.

 

Diga-se, de qualquer modo, que, em qualquer circunstância, entendemos que tal pedido improcederia, uma vez que, in casu, a AT não fez mais do que actuar segundo a determinação legal do artigo 43º, n.º 2 e 72º do CIRS. E não podia agir de outro modo, considerando a sua vinculação à lei e a impossibilidade de a desaplicar com base num juízo de inconformidade com a lei comunitária que lhe não cabe fazer

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a)            Julgar procedente o pedido arbitral formulado, determinando-se a anulação da liquidação de IRS n.º 2019..., porquanto o rendimento de mais-valia sujeito a tributação, só deverá ser considerado em 50% do seu valor e, nesse montante, integrar o rendimento global dos Requerentes sujeito a tributação.

b)           Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

                Deverá proceder-se à notificação do Ministério Público nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 17º do RGAT

              

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 9.359,15 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 918,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Lisboa, 20 de Novembro de 2020

 

O Árbitro

(António Alberto Franco)