Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 772/2019-T
Data da decisão: 2020-11-09  IRS  
Valor do pedido: € 63.375,43
Tema: IRS – Crédito por dupla tributação internacional; Prova.
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SUMÁRIO: A prova do imposto pago no estrangeiro, para efeitos do apuramento do crédito por dupla tributação jurídica internacional, pode ser feita por qualquer meio de prova admitido em direito.

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), A. Sérgio de Matos e Catarina Gonçalves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 18 de Novembro de 2019, A..., contribuinte n.º..., residente em ..., ... ..., Suíça, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRS n.º 2019..., relativa ao ano de 2015, no valor de € 96.663,78.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese, que a exigência de apresentação de Atestados de Rendimentos Auferidos no Brasil por Não Residentes, para a prova do crédito de imposto, não tem correspondência no artigo 81.º do Código do IRS, que regula a atribuição do crédito de imposto por dupla tributação internacional. 

 

3.            No dia 19-11-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 09-01-2020, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 10-02-2020.

 

7.            No dia 16-03-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.

 

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, eventualmente prorrogado nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            O Requerente foi considerado, para efeitos fiscais, no ano de 2015, residente em Portugal.

2-            No ano de 2015, o Requerente obteve rendimentos em Portugal e no estrangeiro.

3-            Em 23-05-2016, o Requerente entregou a declaração de rendimentos referente ao ano de 2015, na qualidade de sujeito passivo residente, com domicílio fiscal no continente.

4-            Em 03-10-2016, o Requerente procedeu à entrega de uma declaração de substituição, a qual deu origem à liquidação n.º 2016... .

5-            O Requerente fez constar do Anexo J – Quadro 7 (Prediais) Linha 70, rendimentos prediais ilíquidos obtidos no Brasil, no montante de € 270.772,90 e declarou imposto pago no Brasil no valor de € 63.375,43. 

6-            No referido anexo, o Requerente declarou ainda rendimentos de capitais obtidos na Suíça, no valor de €1.681,96 e declarou imposto pago na Suíça no valor de €176,29.

7-            Os impostos pagos no Brasil e na Suíça foram considerados para efeitos do artigo 81.º do CIRS.

8-            A referida declaração deu origem à liquidação n.º 2016..., da qual resultou imposto a pagar no montante de €9.689,65.

9-            Em 02-07-2018, através do Ofício n.º..., de 28-06-2018, da Direcção de Finanças de Lisboa, o Requerente foi notificado para no prazo de 15 dias, entregar “documentos originais ou cópias autenticadas (…):

a)            Declaração emitida ou autenticada pela autoridade fiscal do(s) respetivo(s) Estado(s), contendo a discriminação da natureza e dos montantes líquidos dos rendimentos obtidos nesse(s) Estado(s), bem como do montante de imposto total e final pago para o ano de 2015.

b)           Liquidação final de imposto obtida no outro Estado, bem como, sendo o caso, prova do reembolso recebido/imposto pago relativo a essa liquidação final”.

10-         O Requerente apresentou em 16-07-2018, o seguinte documento resumo obtido electronicamente na “área cidadão” do site da Receita Federal – Ministério da Fazenda Brasileira, através do seu certificado digital, no qual constavam os rendimentos obtidos e imposto suportado no Brasil no ano de 2015.

 

11-         O Requerente requereu a prorrogação do prazo para a entrega dos documentos, tendo sido a mesma deferida por um período adicional de 30 dias.

12-         Em 10-08-2018, o Requerente remeteu à AT cópia apostilada dos seguintes documentos, emitidos pelo Ministério da Fazenda – Secretaria da Receita Federal do Brasil:

a)            Comprovativo de rendimento pago e imposto sobre a renda retido na fonte relativamente à entidade B...;

b)           Comprovativo de rendimento pago e imposto sobre a renda retido na fonte relativamente à entidade C... LTDA.;

c)            Comprovativo de rendimento pago e imposto sobre a renda retido na fonte relativamente à entidade D... LTDA.;

d)           Comprovativo de rendimento pago e imposto sobre a renda retido na fonte relativamente à entidade E...;

e)           Comprovativo de rendimento pago e imposto sobre a renda retido na fonte relativamente à entidade F... LTDA.

13-         O Requerente não obteve junto das Autoridades Brasileiras os “Atestados de Rendimentos Auferidos no Brasil por Não Residentes”.

14-         O Requerente foi notificado do Ofício n.º..., de 08-11-2018 da Direcção de Finanças de Lisboa 18-11-08 para, querendo, exercer direito de audição prévia.

15-         Da referida notificação, constava o seguinte:

 

16-         Em 28-11-2018, o Requerente apresentou direito de audição prévia.

17-         Por despacho de 30-05-2019 do Director de Serviços das Relações Internacionais, foi informada a Direcção de Finanças de Lisboa para manter a proposta de correcção, uma vez que a Administração Fiscal Brasileira emite um documento denominado “Atestado de rendimentos auferidos no Brasil por não residentes”.

18-         O Requerente foi notificado da decisão da AT proceder à elaboração de declaração de correcção oficiosa de IRS/2015.

19-         Da referida notificação constava o seguinte:

 

20-         Em 06-07-2019, a AT emitiu a liquidação adicional de IRS n.º 2019..., a demonstração de acerto de contas n.º 2019... e a demonstração de liquidação de juros n.º 2019..., das quais resultou imposto a pagar no montante de €96.663,78.

21-         A liquidação oficiosa desconsiderou o crédito de imposto pago no Brasil e na Suíça.

22-         Em 06-08-2019, o Requerente procedeu ao pagamento da referida liquidação.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

a. Questão prévia: da incompetência material

Começa a Requerida por arguir a excepção de incompetência material do presente tribunal arbitral, alegando que “atento o pedido formulado a final no sentido de ser reconhecido o direito ao reembolso, sempre se dirá que não só o processo arbitral não é o meio próprio para que um direito em matéria tributária seja reconhecido, como a quantia exata a reembolsar, decorrente de uma eventual procedência do pedido, não pode ser determinada neste momento” .

Sustenta, ainda, a Requerida que “Estando as suas competências [do Tribunal Arbitral] circunscritas às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT e da vinculação operada nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ex vi artigo 4.º do RJAT, é evidente que não se insere no âmbito destas competências a apreciação do pedido de reconhecimento de direitos nos termos formulado pelo Requerente, inexistindo qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT” .

Por sua vez, em sede de resposta à excepção invocada pela AT, refere o Requerente que “apesar de a competência dos tribunais arbitrais estar limitada aos pedidos de declaração de ilegalidade de atos tributários – contrariamente ao invocado pela AT – tal não significa que este Douto Tribunal ou qualquer outro Tribunal Arbitral não tenha competência para apreciar os pedidos formulados pelos contribuintes na sequência do pedido principal decorrente da declaração de ilegalidade de um ato tributário, como é o caso do pedido de reembolso e do pedido de pagamento de juros indemnizatórios formulados pelo Requerente. ” Cita o Requerente, em abono da sua tese, a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 21/2013-T e o Acórdão do TCA-Sul de 22-05-2019, proferido no processo n.º 7/18.1BCLSB.

 Face às posições assumidas pelas partes, importará, portanto, indagar se o pedido de “condenação da AT ao reembolso da totalidade do imposto pago em excesso” se compreende no âmbito das competências do Tribunal Arbitral. Para tal, cumpre, antes de mais, atentar na competência e nos poderes dos tribunais arbitrais tributários.

O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, autorizou o Governo a legislar “no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária”, de modo a que o processo arbitral tributário constituísse um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.

O Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), concretizou a mencionada autorização legislativa com um âmbito mais restrito do que o inicialmente previsto, não contemplando designadamente uma competência alternativa à da acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, e “instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no seu art.º 2.º” fazendo depender a vinculação da administração tributária de “portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.

A este propósito, determina o artigo 2.º do RJAT:

“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

Não tendo o legislador feito uso da parte da autorização legislativa em que se previa a extensão das competências dos tribunais arbitrais a questões que são apreciadas nos tribunais tributários através da acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, sempre será de concluir que, o âmbito da competência dos tribunais arbitrais tributários se restringe às questões da legalidade dos actos dos tipos referidos no artigo 2.º, que são abrangidos pela vinculação que foi feita na Portaria n.º 112-A/2011, não podendo, designadamente, definir os termos em que devem ser executados os julgados anulatórios que vierem a ser proferidos.

Face ao exposto, dúvidas não subsistem de que os poderes dos tribunais arbitrais se circunscrevem a poderes de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto impugnado. 

Porém, não obstante este contencioso ser essencialmente de mera anulação, à semelhança do que sucede com o contencioso tributário impugnatório no âmbito dos tribunais tributários estaduais, existem alguns poderes condenatórios, estritamente ligados ao poder anulatório, relacionados com o direito a juros indemnizatórios, com o direito a indemnização por prestação indevida de garantia ou com o direito à restituição do imposto indevidamente pago.

Ressalvadas estas excepções, estaremos sempre perante um contencioso de mera anulação, o que significa que perante a impugnação de um acto tributário junto de um tribunal arbitral, a este tribunal caberá apenas considerar o acto legal ou ilegal e, em consequência, mantê-lo ou anulá-lo, cabendo à AT retirar as consequências da eventual decisão anulatória, no respeito pelo disposto no art.º 24.º do RJAT.

No sentido de tudo quanto se vem expondo, decidiu-se no Acórdão do TCA-Norte, de 09-07-2020, proferido no processo n.º 9655/16.3BCLSB , nos termos do qual “Ao contrário do que sucede no domínio das ações administrativas, quando está em causa a legalidade de atuação da administração, no âmbito das quais o julgador pode emitir injunções e pronúncias condenatórias relativamente à Administração, condenando-a à prática de ato com um conteúdo determinado, tal não sucede no âmbito do contencioso tributário de impugnação de ato de liquidação (quer arbitral quer estadual) com esse alcance, não estando legalmente prevista a possibilidade de condenação à prática de ato devido.”

Tal significa, portanto, que os tribunais arbitrais tributários não podem emitir injunções condenatórias para além dos poderes estritamente ligados ao poder anulatório, que acima se referiram. 

No caso, interpreta-se o peticionado na alínea ii) da conclusão do Requerimento Inicial, como um pedido de restituição do imposto indevidamente pago por força do acto tributário impugnado, no sentido atrás descrito, que se contém nos poderes reconhecidos aos tribunais arbitrais em matéria tributária.

Face ao exposto, deverá improceder a arguida excepção de incompetência material deste Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de condenação da AT ao reembolso do imposto pago em excesso por força do acto de liquidação objecto da presente acção arbitral.

 

b. Da questão de fundo

Em causa nos presentes autos está em causa, exclusivamente, dar resposta à questão de saber se a liquidação adicional de IRS do ano de 2015, que desconsiderou o crédito de imposto por dupla tributação internacional, previsto no artigo 81.º do CIRS vigente à data, é, ou não, legal.

O litígio objecto dos presentes autos circunscreve-se ao crédito de imposto por dupla tributação internacional, relativo aos rendimentos obtidos e imposto pago no Brasil, uma vez que, embora o Requerente tenha declarado no anexo J, no ano de 2015, rendimentos obtidos e imposto pago na Suíça, em sede de pedido arbitral, nenhuma consideração tece quanto a estes, motivo pelo qual se conclui que se conformou com aquela correcção, o que é reforçado pelo valor da causa indicado, correspondente ao crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, suportada no Brasil. 

Vejamos então.

 

*

Dispõe o artigo 81.º/1 referido:

“1 - Os titulares de rendimentos das diferentes categorias obtidos no estrangeiro têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação internacional, dedutível até à concorrência da parte da coleta proporcional a esses rendimentos líquidos, considerados nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 22º, que corresponderá à menor das seguintes importâncias:

a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;

b) Fração da coleta do IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos das deduções específicas previstas neste Código.

2 - Quando existir convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efetuar nos termos do número anterior não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção.”

Nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), o ónus da prova no caso sub judice recai sobre o Requerente, ou seja, é o Requerente que tem o ónus de demonstrar o direito a deduzir à colecta o montante do imposto pago no estrangeiro.

A prova a realizar pelo Requerente, inexistindo – e nem sendo, sequer, invocada – qualquer norma que imponha uma prova legal, poderá ser feita por qualquer meio de prova admitido em direito, conforme, para além do mais, resulta dos art.ºs 50.º e 115.º/1 do CPPT, e 72 da LGT.

Ora, e desde logo, entre tais meios, como se escrevia já no Ac. do STJ de 31-03-1987, proferido no processo 0744623, “figura a prova por presunção”.

Nos termos do artigo 75.º/1 da LGT:

“Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.”.

Resulta dos factos dados como provados que na sua declaração para efeitos de IRS, oportunamente apresentada, o Requerente fez constar, devidamente e no local próprio, o crédito de imposto ora em litígio.

Assim, devendo presumir-se verdadeira tal declaração, da mesma (facto conhecido), por presunção, em obediência ao referido artigo 75.º/1 da LGT, dever-se-á ter como provado o facto (desconhecido) relativo pagamento de imposto no estrangeiro.

Efectivamente, não tendo sido demonstrado – ou, sequer, alegado – qualquer das circunstâncias descritas nas diversas alíneas do n.º 2 daquele artigo 75.º, a presunção em questão terá plena aplicação, sendo certo, de resto, que quanto ao montante de rendimentos auferidos, a AT não duvida da veracidade da declaração em questão .

Efectivamente, a AT não duvida, por qualquer forma, que os rendimentos auferidos e declarados pelo Requerente foram sujeitos a imposto no estrangeiro, concedendo, inclusive, que os documentos apresentados pelo Requerente “consistem em documentos que se podem equiparar no nosso ordenamento jurídico a guias de retenção na fonte ou pagamentos por conta.” .

Ora, no processo n.º 91-2012-T do CAAD , escreveu-se:

“No caso em apreço, tendo a administração tributária concluído que não se podia apurar que serviços foram efectuados e sua quantificação, adoptou um entendimento que se reconduz a que nenhum dos serviços prestados, que desconhecia, era necessário para realização dos rendimentos ou manutenção da fonte produtora.

Este entendimento não tem correspondência com a realidade, pois foram prestados alguns serviços, como resulta da matéria de facto fixada, pelo que os actos de liquidação relativos aos anos de 2007 e 2008, na parte em que assentaram nas correcções relativas aos «Management fees», enfermam de erro nos pressupostos de facto.”

Não sendo as situações em questão nos presentes autos, e naquele processo, directamente transponíveis, entende-se que o critério normativo subjacente àquela decisão é, esse sim, ora aplicável, considerando-se que nos casos em que a AT não tenha dúvidas, fundadas, da ocorrência de uma componente negativa (entendida amplamente) do rendimento tributável, mas, unicamente, da sua quantificação, não poderá, por força de princípios como o da capacidade contributiva, a nível substantivo, e do inquisitório, a nível procedimental, simplesmente desconsiderar na totalidade aquela mesma componente negativa, devendo, se necessário, proceder à sua determinação por métodos indirectos.

Mas mesmo que assim não se entendesse, e que se considerasse que a veracidade presumida da declaração não abrange o crédito de imposto declarado, julga-se que sempre se deverá considerar ilegítima a rejeição pela AT da documentação apresentada pelo Requerente.

Com efeito, este, no cumprimento do seu dever de colaboração (cujo incumprimento, de resto, poderia legitimar o afastamento da presunção acima referida, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 75.º da LGT), apresentou cinco comprovativos de rendimentos pagos e de imposto sobre a renda retido na fonte, emitidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda, nas quais se identificam a entidade pagadora dos rendimentos, o beneficiário dos rendimentos, a natureza e o valor total dos rendimentos e o montante do imposto retido na fonte ao Requerente.

Note-se, que a AT não coloca em causa nem a autenticidade nem a veracidade daqueles documentos, aceitando-os como bons no que concerne ao montante de rendimentos pagos ao Requerente, e não duvidando, fundadamente, de que a retenção declarada haja sido, efectivamente, feita.

Essencialmente, o que a AT questiona, e aí radica o fundamento do acto tributário impugnado, é se as retenções em questão operaram a título definitivo, ou, antes, se as mesmas foram meras retenções por conta, sujeitas a um qualquer acerto, com reembolso a favor dos contribuintes, exigindo, para seu esclarecimento, que seja apresentado um “Atestado de Rendimentos Auferidos no Brasil por não Residentes”, para, no fundo, para fiscalizar a quantificação do imposto pago no estrangeiro declarado pelo Requerente, e não para comprovar a existência de imposto pago por aquele.

Em todo o caso, e mesmo que assim não fosse, verifica-se que as dúvidas em que a AT laborou, assentam, conforme resulta quer do processo administrativo, quer das respectivas peças processuais destes autos, nos seguintes entendimentos:

- O comprovativo do imposto pago, a atender em sede do crédito fiscal que se discute, teria de ser necessariamente um Atestado de Rendimentos Auferidos no Brasil por não Residentes; e

- Deveria ter sido apresentada prova de que o imposto pago é o imposto total e final para o ano.

Ora, ressalvado o respeito devido, julga-se que nenhum daqueles entendimentos tem cabimento legal.

Nos termos do artigo 128.º, n.º 1, do CIRS:

“As pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo de 15 dias, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os exija”.

O preceito legal em apreço não impõe o recurso a meios probatórios específicos, designadamente, a apresentação de declarações emitidas pelas autoridades fiscais dos Estados da fonte dos rendimentos.

Sustenta a Requerida, a exigência de documentos originais (ou fotocópias autenticadas) emitidos pela autoridade fiscal do país de origem desses rendimentos que comprovem o imposto pago no estrangeiro, no disposto no n.º 2 do Ofício Circulado 20124 de 09-05-2007.

Os Ofícios Circulados integram as chamadas orientações administrativas que constituem “regulamentos internos que, por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois, obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos” . Por isso, não são vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais. É certo que eles densificam, explicitam ou desenvolvem os preceitos legais, definindo previamente o conteúdo dos actos a praticar pela AT aquando da sua aplicação, mas isso não os converte em padrão de validade dos actos que suportam. Na verdade, a aferição da legalidade dos actos da AT deve ser efectuada através do confronto directo com a correspondente norma legal e não com o regulamento interno, que se interpôs entre a norma e o acto.

Conclui-se, portanto, que o Ofício-Circulado invocado pela Requerida, com vista a fundamentar o acto tributário ora contestado, não é apto a criar quaisquer obrigações acessórias que condicionem a aplicação do artigo 81.º do CIRS.

Assim, não sendo o Ofício-Circulado vinculativo para os particulares e, inexistindo qualquer norma que legitime aquilo que a AT sustenta, relativamente à limitação dos meios de prova do imposto pago no estrangeiro, como, de resto, se reconheceu no Acórdão do TCA-Norte de 14-04-2005, proferido no processo n.º 00107/03 , não poderá proceder a tese da AT.

Note-se, a este propósito, que mesmo o art.º 51.º-B do CIRC, que impõe no seu n.º 1 que “A prova do cumprimento dos requisitos previstos no artigo 51.º deve ser efetuada através de declarações ou documentos confirmados e autenticados pelas autoridades públicas competentes do Estado, país ou território onde a entidade que distribui os lucros ou reservas tenha a sua sede ou direção efetiva.”, admite, no seu n.º 4 que “Na ausência das declarações e documentos mencionados no n.o 1, o cumprimento dos requisitos previstos no artigo 51.o pode ser demonstrado através de quaisquer outros meios de prova.”.

Tendo a propósito desta norma, a própria AT emitido o Ofício Circulado n.º 20225, 2020-07-02 , no qual, com toda a propriedade, e para além do mais, esclarece qual o procedimento adequado neste tipo de situações, em termos perfeitamente transponíveis para a situação sub iudice, a saber:

“5. A enumeração efetuada no ponto anterior não tem caráter exaustivo, pelo que podem ser apresentados pelo sujeito passivo ou, quando necessário, exigidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira outros elementos para além dos aí indicados.

6. O referido nos pontos anteriores não prejudica a apreciação pela Autoridade Tributária e Aduaneira de quaisquer elementos de prova apresentados nos termos dos números 3 e 4 do artigo 51.º-B do Código do IRC, designadamente quanto à respetiva suficiência, pertinência e garantias de fidedignidade, bem como a utilização dos mecanismos de cooperação administrativa ao abrigo dos instrumentos jurídicos de direito europeu e internacional em vigor para verificar o cumprimento dos requisitos previstos no artigo 51.º do Código do IRC.”

Aquele entendimento da AT, aliás, tem subjacente uma mundividência que pressupõe que todos os estados estrangeiros são organizados em quadros burocráticos e legais análogos ao nacional/europeu ocidental, o que, notoriamente, e sobretudo, mas não só, em países menos desenvolvidos não é o caso.

Por outro lado, assume também que as administrações tributárias estrangeiras, a nível

global, estão ao dispor de todos quantos aí auferem rendimentos, para emitir as declarações

e certidões que a AT portuguesa entenda necessárias.

Acresce ainda, e já no que diz respeito à possibilidade de uma eventual liquidação final, também esta assume um quadro legal – não demonstrado, todavia – análogo ao nacional, onde existem retenções na fonte liberatórias e por conta. Assim, e para que, no mínimo, se pudesse conceder algum fundamento à dúvida em causa suscitada pela AT, sempre seria necessário que a mesma demonstrasse que nos países-fonte do rendimento, o quadro legal previa a possibilidade de retenções por conta/liberatórios, e quais os concretos circunstancialismos que condicionassem a qualificação das retenções como de um ou outro tipo.

Com efeito, e nos termos do art.º 348.º/1 do Código Civil:

“Àquele que invocar direito consuetudinário, local, ou estrangeiro compete fazer a prova da sua existência e conteúdo”.

Por fim, e sem prejuízo de tudo quanto até aqui se referiu, sempre se entende que, face aos elementos documentais apresentado pelo Requerente, também por via de uma presunção natural sempre se chegaria ao resultado da demonstração do imposto suportado pelos Requerentes no estrangeiro, em conformidade com o declarado.

Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-04-2009, proferido no processo 259/07.2PBSCR.L1 3ª Secção

“I.A presunção permite que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros. No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção.

II. Na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.”

Com efeito, o Requerente, contribuinte residente em território português, no ano de 2015, declarou oportunamente os valores constantes das declarações emitidas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda, quer no que diz respeito ao rendimento bruto, quer ao imposto retido e entregue aos estados brasileiro.

Não há qualquer indício de fraude ou de fuga.

A AT aceita os valores declarados como rendimento bruto e não questiona a veracidade das retenções. A única dúvida que a AT levanta relaciona-se com a possibilidade de o Requerente ter obtido algum reembolso e, consequentemente estarem a ocultar rendimentos (na parte correspondente a esse suposto reembolso).

Ora, se assim fosse, ou seja, se o propósito do Requerente fosse subtrair/ocultar, parte dos rendimentos efectivamente auferidos à AT portuguesa, o natural seria ocultar a totalidade dos rendimentos auferidos no estrangeiro, e não declarar a maior parte, e ocultar uma pequena porção, já que a AT teria, precisamente, a mesma facilidade ou dificuldade em detectar uma ou outra das situações.

Assim, apreciada globalmente a situação e tendo em conta as regras da experiência, não restarão dúvidas razoáveis que o imposto suportado pelo Requerente no Brasil, relativo aos rendimentos ali auferidos e por si declarados, foram, efectivamente, os constantes da sua declaração de rendimentos, oportunamente apresentada.

De resto, o art.º 25.º/1 da Convenção entre Portugal e a República Federativa do Brasil para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, dispõe que:

“1. As autoridades competentes dos Estados Contratantes trocarão entre si as informações necessárias para aplicar a presente Convenção e as leis internas dos Estados Contratantes relativas aos impostos abrangidos pela presente Convenção, na medida em que a tributação nelas prevista for conforme com a presente Convenção. Todas as informações deste modo trocadas serão consideradas secretas e só poderão ser comunicadas às pessoas ou autoridades encarregadas do lançamento, fiscalização ou cobrança dos impostos abrangidos pela presente Convenção ou do julgamento das questões a eles relativas.”.

                Ora, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 03-05-2018, proferido no processo n.º 344/10.3BELRS, convocando artigo análogo da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital:

“No caso em exame, a pretensão impugnatória da liquidação em apreço assenta na existência na esfera jurídica dos impugnantes de crédito de imposto liquidado na Alemanha, por existência de dupla tributação, dado que sobre o mesmo exercício e sobre o mesmo rendimento, os sujeitos passivos em causa liquidam imposto de rendimento na Alemanha e imposto sobre o mesmo rendimento em Portugal. (8)

Factualidade que se mostra devidamente comprovada nos autos, mas que em caso de dúvida, cabia à AT apurar (artigo 27.º/1, da CDT). Tal circunstância origina a constituição de crédito de imposto a deduzir em face da AT portuguesa.

A desconsideração do crédito de imposto e do regime de evitação da dupla tributação que o sustenta, acima mencionado - independentemente dos valores concretos que lhe são de imputar, os quais, de resto, cabe à AT, apurar -, torna a liquidação impugnada inválida por vício de violação de lei, por ofensa ao crédito de imposto dos impugnantes em virtude da dupla tributação ocorrida.”.

Deste modo, e face a todo exposto, incorreu a liquidação a que se refere o presente processo em erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo, como tal, ser anulada.

 

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Quanto ao pedido acessório de restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios formulado pelo Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afecta a liquidação adicional parcialmente anulada é de considerar imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que a praticou sem o necessário suporte factual e legal.

Tem, pois, direito o Requerente a ser reembolsado da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força do acto parcialmente anulado e, ainda, a ser indemnizado do pagamento indevido através de juros indemnizatórios, desde a data do correspondente pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Julgar improcedente a excepção arguida pela Requerida;

b)           Anular o acto de liquidação de IRS do Requerente com o n.º 2019..., na parte relativa ao crédito de imposto por dupla tributação internacional, no montante de € 63.375,43, relativo aos rendimentos obtidos e imposto pago no Brasil, e respectivos juros compensatórios;

c)            Condenar a AT no reembolso do imposto indevidamente pago pelo imposto ora anulado, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados;

d)           Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 63.375,43, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 9 de Novembro de 2020

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(A. Sérgio de Matos)

 

O Árbitro Vogal

(Catarina Gonçalves)