Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 369/2014-T
Data da decisão: 2014-10-17  Selo  
Valor do pedido: € 27.456,50
Tema: IS – Verba 28.1 TGIS – Terrenos para construção
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Decisão Arbitral

 

AS PARTES

 

Requerente: A..., LDA., NIPC PT ..., com sede na Rua …, ….

 

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

DECISÃO

 

  1. RELATÓRIO

 

a)      Em 06.05.2014, a sociedade por quotas A..., LDA., NIPC PT ..., (a seguir designada por Requerente) entregou no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de Tribunal Arbitral Singular (TAS).

b)      O pedido foi apresentado por advogado cuja procuração foi junta.

 

O PEDIDO

 

c)      A Requerente peticiona a anulação da liquidação de Imposto de Selo (IS) da verba 28.1 da TGIS, do ano de 2013, com a identificação de documento 2014 ..., com data de 17.03.2014, geradora de uma colecta no valor de 27 456,50 €, relativa ao prédio urbano de que é proprietária, da espécie "terreno para construção", inscrito na matriz predial urbana do Distrito de …, Concelho e Freguesia de …, sob o artigo U ….

d)     Expressa que o acto tributário sob escrutínio padece de ilegalidade corporizada em errónea leitura da verba 28.1 da TGIS, referindo que, em 2013, “apenas estão sujeitos a esse imposto de selo os proprietários de prédios com afectação habitacional”.

e)      E pela razão de que no prédio urbano da espécie “terreno para construção” “não tem implantada qualquer construção, seja ela destinada a habitação, comércio e/ou serviços”, pelo que “não tem qualquer afectação habitacional que determine a aplicação do imposto em causa”.

f)       Termina pedindo a anulação da liquidação acima indicada, no valor de 27 456,50 euros e a condenação da AT a devolver-lhe as prestações já pagas, sendo a primeira de 9 152,18 euros, acrescendo os juros respectivos contados desde as datas dos pagamentos até efectivo reembolso.

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL

 

g)      O pedido de pronúncia arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e logo notificado à AT no dia 09.05.2014.

h)      Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 16.07.2014.

i)        Pelo que o Tribunal Arbitral Singular (TAS) se encontra, desde 31.07.2014, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio.

j)        Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do TAS com data de 31.07.2014 que aqui se dá por reproduzida.

k)      Uma vez que se levantam neste processo questões em tudo idênticas às já levantadas em muitos outros processos já decididos no CAAD, o TAS por despacho de 02.10.2014 decidiu dispensar-se da reunião de partes a que alude o artigo 18º do RJAT, na sequência de proposta apresentada pela AT no requerimento de 30.09.2014, se a Requerente a isso não viesse a obstar.

l)        No despacho referido no inciso anterior foi ainda decidido pela não realização de alegações, se a Requerente a isso não viesses a obstar.

m)    A Requerente e a AT deram o seu assentimento expresso ou tácito à não realização da reunião de partes a que alude o artigo 18º do RJAT e bem assim, quanto à desnecessidade de produção de alegações.

n)      Pelo que não se realizou a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, nem se produziram alegações de partes.

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

o)      Capacidade, legitimidade e representação - as partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão devidamente representadas.

p)      Contraditório - a AT juntou ao processo, em 30.09.2014, a resposta ao pedido de pronúncia apresentado pela Requerente. Todos os despachos do TAS e todos os requerimentos e documentos juntos pelas partes foram regularmente notificados à respectiva contraparte.

q)      Excepções dilatórias - o processo não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, tendo em conta o termo do prazo para o pagamento da nota de liquidação.

 

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

Quanto à ilegalidade corporizada em eventual errónea leitura da verba 28.1 da TGIS

 

r)       Entende a Requerente que a verba 28.1 é inaplicável ao imóvel acima indicado, aduzindo que “apenas estão sujeitos a esse imposto de selo os proprietários de prédios com afectação habitacional”.

s)       Pela razão de que o seu prédio urbano da espécie “terreno para construção” “não tem implantada qualquer construção, seja ela destinada a habitação, comércio e ou serviços”, pelo que “não tem qualquer afectação habitacional que determine a aplicação do imposto em causa”.

t)       Essa sujeição apenas poderá ocorrer no ano de 2014 dada a alteração de redacção que foi introduzida na verba 28.1 da TGIS pelo artigo 194º da Lei 83-C/2013 de 31.12 (Lei OE para 2014)

u)      Invoca em defesa do seu ponto de vista uma comunicação subordinada ao tema em causa, enviada pelo Senhor Provedor de Justiça ao Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, disponível no site da Provedoria de Justiça e ainda as orientações adoptadas em 4 processos decididos no CAAD em 2013.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA

 

Quanto à ilegalidade corporizada em eventual errónea leitura da verba 28.1 da TGIS

 

v)      A AT propugna, em primeiro lugar, que o pedido de pronúncia versa apenas sobre a primeira prestação do IS em pagamento à data da entrega do pedido de pronúncia, no valor de 9 152,18 euros, e não sobre o produto da aplicação da taxa ad valorem de 1% sobre o valor patrimonial do prédio, de 2 745 650,00 euros, de onde resultou uma colecta de 27 456,50 euros, invocando o que terá sido decidido num processo que correu no CAAD.

w)     AT propugna que o bem imobiliário de que é proprietária a Requerente “tem natureza jurídica de prédio com afectação habitacional” no sentido de que a “noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade), incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação”.

x)      “Conforme resulta da expressão "valor das edificações autorizadas", constante do artigo 45º-2, do CIMI, o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes, por conseguinte, aplicável o coeficiente de afectação previsto no artigo 41º do CIMI”.

y)      E alega que “para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28-1 da TGIS não pode ser ignorada”.

z)       Esclarece que “a afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção”.

aa)   Resumindo o seu raciocínio acaba por expressar que “A própria verba 28 da TGIS remete para a expressão "prédios com afectação habitacional", apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no nº 1 do artigo 6.° do CIMI.”

bb)  Entende a AT “que o conceito de "prédios com afectação habitacional", para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados, quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma”, uma vez que “o legislador não refere "prédios destinados a habitação", tendo optado pela noção de "afectação habitacional", expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de dever integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6.°- 1, alínea a), do CIMI”.

cc)               Conclui pela legalidade do acto de liquidação face ao CIS e à CRP, pelo que se deve manter na ordem jurídica a liquidação impugnada, por configurar uma correcta aplicação da lei aos factos.

 

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

As questões que se colocam ao Tribunal são apenas atinentes à interpretação e aplicação de regras de direito.

 

Sobre esta matéria, em concreto, já se pronunciou o CAAD em diversas decisões em que a questão de fundo é a mesma e bem assim o próprio STA, ou seja, discute-se a amplitude da previsão da norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS.

 

O limite da interpretação é a letra, o texto da norma. Falta depois a “tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal”.

 

Partindo do princípio que toda a norma tem uma previsão e uma estatuição, a questão que aqui se coloca é a de apurar, delimitando, se a norma de incidência, tal como se encontra redigida – na sua previsão - (prédios urbanos … com afectação habitacional), comporta ou não a realidade jurídico-fiscal definida na lei como “terrenos para construção”.

 

Nesta conformidade, afigura-se ao TAS que a questão que deve solucionar é a seguinte:

 

  • O acto tributário de liquidação de IS ora impugnado padece de qualquer desconformidade com a lei, nomeadamente “erro na qualificação do facto tributário” que afecte a sua manutenção na ordem jurídica tributária?

 

A AT não juntou o PA, no fundo aceitando que os documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia, integram o que seria o seu conteúdo.

 

III.      MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA. FUNDAMENTAÇÃO

 

Com relevância para a decisão que se vai adoptar são estes os factos que se consideram provados, indicando-se os documentos respectivos e/ou os artigos do pedido da Requerente e da resposta da AT quanto aos factos admitidos por acordo, como fundamentação:

 

Factos provados

 

1)      A Requerente consta como titular da propriedade plena do prédio urbano da espécie "terreno para construção", inscrito na matriz predial urbana do Distrito de …, Concelho e Freguesia de ..., sob o artigo U ...º - Conforme caderneta predial urbana junta com o pedido de pronúncia.

2)      A descrição do prédio urbano é feita da seguinte forma: “Tipo de prédio: terreno para construção”; Descrição: “Lote de terreno para construção urbana” – Conforme caderneta predial urbana junta com o pedido de pronúncia.

3)      Na caderneta predial urbana junta com o pedido de pronúncia, em “dados de avaliação” refere-se: “tipo de coeficiente de localização: habitação" e contém uma quadrícula indicando: “Ca – 1,00”.

4)      O prédio urbano em causa tem um valor patrimonial (CIMI) de 2 745 650,00 euros determinado em 2012 - Conforme caderneta predial urbana junta com o pedido de pronúncia.

5)      E tal valor patrimonial resultou do “Modelo 1 do IMI nº ... entregue em 2013.01.28, ficha de avaliação ..., avaliada em 2013.03.11” – Conforme caderneta predial urbana junta com o pedido de pronúncia.

6)      A Requerente foi notificada por notificação recebida em 26.03.2014 da liquidação de Imposto do Selo (IS) da verba 28.1 da TGIS, do ano de 2013, com a identificação de documento 2014 ..., com data de 17.03.2014, geradora de uma colecta no valor de 27 456,50 € - Artigo 2º do pedido de pronúncia e Documento nº 1 junto com o pedido de pronúncia.

7)      Imposto este liquidado apenas com fundamento na verba 28.1 da TGIS, com a redacção que lhe foi introduzida pela Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro - artigo 1º do pedido de pronúncia, Documento nº 1 junto com o pedido de pronúncia e posição global da AT na resposta.

8)      Em 30.04.2013 a Requerente pagou a primeira prestação do imposto liquidado, com data limite “Abril/2014” de pagamento, no valor de 9 152,18 euros, conforme vinheta … aposta no documento nº 1 junto com o pedido de pronúncia – Artigo 25º do pedido de pronúncia, Documento nº 1 junto com o pedido de pronúncia e ausência de contestação da AT quanto ao valor probatório do documento.

9)      Em 30.09.2014 e 30.11.2014, venceu-se ou vencer-se-à, respectivamente, as restantes prestações para pagamento da colecta de IS – Artigo 26º do pedido de pronúncia.

 

 

 

Factos não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que seja relevante para a correcta composição da lide processual. Não se colocou em causa a valoração probatória dos documentos juntos ao processo pela Requerente.

 

IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

Cumpre dirimir a primeira questão colocada pela AT, expressa no inciso v) do Relatório, de que o pedido de pronúncia versaria apenas sobre a primeira prestação do IS em pagamento à data da entrega do pedido no CAAD, no valor de 9 152,18 euros e não sobre o produto da aplicação da taxa ad valorem de 1% sobre o valor patrimonial do prédio, de 2 745 650,00 euros, de onde resultou uma colecta de 27 456,50 euros, invocando o que terá sido decidido num outro processo que correu no CAAD.

 

Não é possível perfilhar essa tese. O que aqui está em causa não é a impugnação da primeira prestação em pagamento do valor da colecta liquidada.

 

O que aqui está em causa é a anulação da liquidação levada a efeito pela AT (operação de aplicação de uma taxa a uma determinada matéria colectável, geradora de uma colecta). Ou seja, tal como resulta da nota de liquidação, o que está em causa é a anulação da liquidação que deu origem à colecta de IS de 27 456,50 euros.

 

***

 

Afigura-se-nos que com a criação de uma nova verba na TGIS, a verba 28, (pelo artigo 4º da Lei 55-A/2012, de 29.10), no fundo criando-se um novo “facto ou situação jurídica” sujeito a tributação fiscal, apenas se pretendeu ampliar a incidência do imposto do selo a uma nova realidade jurídico-factual, mas não se alterando a divisão das diversas espécies de prédios urbanos existentes.

 

Não se pretendeu, segundo nos afigura, criar uma nova classificação de prédios urbanos em sobreposição das espécies que estão previstas no nº 1 do artigo 6º do Código do IMI.

 

O acto tributário em causa ocorreu na vigência da redacção anterior da verba 28.1 da TGIS pelo que a actual redacção que lhe foi dada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014) não é aqui aplicável, uma vez que só vigora a partir de 01 de Janeiro de 2014.

 

Estamos assim, como acima referimos, apenas e só, no âmbito da actividade de interpretação e aplicação das normas, ou seja, na tarefa de delimitar as situações jurídico-factuais que devem haver-se por comportadas na norma de incidência deste novo tributo e que resulta da conjugação das verbas 28 e 28-1 da TGIS.

 

No entanto, a lei, no seu elemento literal que é sempre o limite de qualquer interpretação, na verba 28-1 TGIS, vem acrescentar “… por prédio com afectação habitacional”.

 

Ou seja, esta concreta norma de incidência do imposto, não deve depois ser interpretada, delimitada, como se tivesse a literalidade de “prédios urbanos habitacionais”, isto porque o intérprete, em respeito pelo comando do nº 3 do artigo 9º do Código Civil, não poderá partir do pressuposto que o legislador não conhecia os exactos termos do nº 1 do artigo 6º do CIMI que faz a divisão das diversas espécies de prédios urbanos.

 

Mas também não parece que possa entender-se que na norma de incidência caiba automaticamente para além da espécie de prédios urbanos “habitacionais”, a espécie “terrenos para construção”.

 

Parece-nos, pois, que face ao elemento literal da norma de incidência (revelador da voluntas legis) escolhido pelo legislador: “prédios urbanos … com afectação habitacional” se pretendeu atingir outras espécies de prédios urbanos, para além dos “prédios urbanos …habitacionais” segundo a divisão do nº 1 do artigo 6º do Código do IMI.

 

Não queremos, no entanto, com isto significar que a espécie de prédios urbanos “terrenos para construção” (ou outra espécie de prédios urbanos) esteja claramente e sem mais (ou seja, “ope legis”), comportada na norma de incidência da verba 28-1 da TGIS.

 

A este propósito transcrevemos, visando a simplificação e uniformização, o que é referido na decisão arbitral CAAD Processo 48/2013-T (a título exemplificativo), na parte a que aderimos:

 

***

 

A sujeição a imposto do selo dos prédios com afectação habitacional resultou do aditamento da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, efectuada pelo artigo 4º da Lei 55-A/2012, de 29/10, que tipificou os seguintes factos tributários:

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28-1 – Por prédio com afectação habitacional- 1%;

28-2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.

Relativamente às situações tipificadas na verba 28.1 só estão sujeitos os prédios com afectação habitacional.

A Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, em nenhum lugar clarifica o que são prédios com afectação habitacional. No entanto, no nº 2 do artigo 67º do Código do Imposto do Selo, aditado pelo referido diploma legal, foi estipulado que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o CIMI”.

 

O CIMI também não clarifica o que são prédios com afectação habitacional, mas apenas o que são os diversos tipos de prédios, qualificando o nº 2 do artigo 6º como “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços os edifícios como tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

 

Ou seja, para o CIMI, tanto são habitacionais os imóveis licenciados para habitação, mesmo que não estejam a ter essa utilização, como, no caso de falta de licença, que tenham como destino normal esse fim.

 

Já quanto aos terrenos para construção, que interessam no presente caso, face à liquidação efectuada e impugnada sobre terreno para construção, o CIMI, no nº 3 do artigo 6º, diz-nos que “são os situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou a equipamentos públicos”.

 

Das duas normas atrás transcritas não é possível extrair o que o legislador pretendeu dizer quando fala em prédios com afectação habitacional.

 

A Lei nº 55-A/2012, de 29/10, não tem qualquer preâmbulo, daí que da mesma não é possível retirar a intenção do legislador.

 

Tal lei da Assembleia da República teve origem na proposta de lei nº 96/XII (2ª), a qual, na exposição de motivos fala na introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.

 

Na exposição de motivos da referida proposta de lei, é dito que, “estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”.

 

Nessa exposição de motivos é ainda dito que, além do agravamento da tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, é criada uma taxa em sede de imposto do selo incidente sobre os prédios urbanos de afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.

 

Ou seja, em tal exposição de motivos, também não é clarificado o que se entende por prédios urbanos com afectação habitacional.

 

Na sua intervenção na Assembleia da República, na apresentação e discussão da referida proposta de lei, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais afirmou o seguinte:

“O Governo elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social. Esta é ainda mais importante em tempos de rigor como forma de garantir a justa repartição do esforço fiscal.

 

No período exigente que o país atravessa, durante o qual se encontra obrigado a cumprir o programa de assistência económica e financeira, torna-se ainda mais premente afirmar o princípio da equidade. Não podem ser sempre os mesmos - os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas, a suportar os encargos fiscais.

 

Para que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o alargamento da base tributável exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos.

 

Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os tipos de rendimentos abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria, recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional.

 

Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e evasões fiscais.

 

Neste sentido o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efectivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de setores da sociedade portuguesa.

 

Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre as mais-valias mobiliárias e o reforço das regras de combate à fraude e evasão fiscais.

 

Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013”.

 

Nas suas intervenções, na discussão de tal proposta de lei, os deputados Pedro Filipe Soares, do BE, e Paulo Sá, do PCP, falam na tributação do património imobiliário de luxo, chegando a ser feitas alusões a anteriores propostas de lei sobre o mesmo assunto que não vieram a ser aprovadas.”

 

***

 

Em primeiro lugar, há que constatar que não há dúvidas de que a espécie de prédios urbanos considerados “habitacionais” (alínea a) do nº 1 do artigo 6º do CIMI) que são “… os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal esse fim”, cabem automaticamente na previsão da norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS.

 

Mas da simples consideração do elemento literal da lei resultará que se pretendeu abranger mais do que esta realidade jurídico-fiscal abrange.

 

Posto que, como já se referiu, por força do comando do nº 3 do artigo 9º do Código Civil, não parece possível ao intérprete entender que a expressão “prédios urbanos … com afectação habitacional” tenha o mesmo alcance prático (âmbito de aplicação) como se dissesse “prédios urbanos habitacionais”, partindo do princípio que se pretendeu abranger mais do que se abrangeria através do uso do primeiro elemento literal.

 

No caso dos autos a AT defende que “a noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação” e por isso deve recorrer-se ao artigo 41º (coeficiente de afectação) do Código do IMI.

 

E expressa ainda: “a lei fiscal considera como elemento integrante para efeitos de avaliação dos terrenos para construção o valor da área de implantação, a qual varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas com base no projecto de urbanização e construção.”

 

Mas então a expressão “prédios urbanos … com afectação habitacional”, abrange ou pode abranger os “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação?

 

Ora, apenas com os elementos constantes da matriz predial, como é o caso, em que se demonstra uma mera potencialidade construtiva ou edificativa, afigura-se-nos que sem uma fundamentação adicional do acto tributário, sem a demonstração de que a espécie de prédio urbano “terreno para construção” tem desde já uma qualquer utilidade económica ao nível da afectação habitacional, não será possível considerá-lo abrangido na norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS.

 

Quer isto significar que a expressão “prédios urbanos … com afectação habitacional”, não pode abranger os “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação?

 

Afigura-se-nos que podem ocorrer na imensa complexidade da economia, da utilidade económica, até informal, situações de sujeição, face aos comandos que se colocam ao intérprete constantes do nº 3 do artigo 9º do Código Civil e do nº 3 do artigo 11º da LGT.

 

Só que quanto aos “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação, afigura-se-nos que não é suficiente para demonstrar a “afectação habitacional” os elementos que constam da matriz. Será necessária uma outra fundamentação, outra matéria factual, para além do que consta da matriz, que evidencie a utilidade económica com essa finalidade em concreto.

 

Não nos parece possível através de interpretação extensiva, utilizando o raciocínio por paridade de razão com as edificações consideradas prédios urbanos habitacionais, concluir, sem mais, que a espécie de prédios urbanos considerados “terrenos para construção” cabem “ope legis” na norma de incidência fiscal, bastando alegar-se a qualificação jurídico-formal e os elementos da matriz, posto que, percute-se, haverá que demonstrar a sua “afectação habitacional” em concreto.

 

A Requerente aduz a desconformidade do acto tributário face à lei de errónea qualificação do facto tributário, além da falta de fundamentação.

 

Na verdade, mesmo que se entenda, como nos parece ser de entender, em termos gerais e abstractos, que um “terreno para construção” como aliás qualquer outro prédio urbano para além da espécie de prédios urbanos “habitacionais” (porque estes têm sempre afectação habitacional por definição) pode ter, em termos de utilidade prática, económica e funcional uma “afectação habitacional” em concreto (até na economia informal), a verdade é que a sua consideração “ope legis” como tendo “afectação habitacional” partindo apenas dos elementos da matriz e do facto da sua avaliação ser feita com referência aos coeficientes aplicáveis aos prédios urbanos habitacionais, constitui desconformidade com a norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS, ocorrendo, desta feita, a ilegalidade prevista na alínea a) do artigo 99º do CPPT e verifica-se ainda a prevista na alínea c) do artigo 99º do CPPT por ocorrer uma ausência de fundamentação que a lei, na leitura que acima se expressou, exige.

 

O acto impugnado não contém qualquer fundamentação no sentido que acima se referiu, para além da consideração que se trata de um prédio urbano da espécie “terreno para construção” “com capacidade construtiva de imóveis para habitação” em termos hipotéticos, o que se configura ser insuficiente.

 

***

 

Como consequência do acima exposto haverá que julgar-se procedente o pedido formulado pela Requerente perante o TAS, uma vez que a liquidação de IS levada a efeito pela AT não está em conformidade com a lei.

 

  • Pedido de juros

 

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124º da Lei nº 3-B/2010, refere-se que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

Embora as alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 2º do RJAT utilizem a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não façam referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

 

Pelo que pode ser aqui proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios.

 

O artigo 43º da LGT “não faz senão estabelecer um meio expedito e, por assim dizer, automático, de indemnizar o lesado. Independentemente de qualquer alegação e prova dos danos sofridos, ele tem direito à indemnização ali estabelecida, traduzida em juros indemnizatórios nos casos incluídos na previsão (…)”Acórdão do STA de 2-11-2006, processo 604/06, disponível in www.dgsi.pt”

 

No caso em apreço, a Requerente provou que pagou em 30.04.2014, a primeira prestação da liquidação impugnada no valor de 9 152,18 euros (inciso 8 da matéria factual assente) e alegou que ia pagar as demais prestações vincendas em 30.09.2014 e 30.11.2014, à data da entrega do pedido de pronúncia no CAAD, pelo que tem direito a juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento, total ou parcial, da liquidação do imposto ora anulada até à data da emissão da respectiva nota de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento do início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (artigo 61º, nºs 2 a 5, do CPPT), à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 43º da LGT.

 

V.               DECISÃO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos julga-se procedente o pedido da Requerente visando a anulação da liquidação de Imposto de Selo (IS) da verba 28.1 da TGIS, do ano de 2013, com a identificação de documento 2014 ..., com data de 17.03.2014, geradora de uma colecta no valor de 27 456,50 €, relativa ao prédio urbano de que é proprietária, da espécie "terreno para construção", inscrito na matriz predial urbana do Distrito de …, Concelho e Freguesia de ..., sob o artigo ...º, anulando-se o acto tribuário expresso neste documento, por estar em desconformidade com norma de incidência de IS constante das verbas 28 e 28-1 da TGIS;

Condena-se ainda a AT a proceder à devolução do que tenha sido total ou parcialmente pago.

Julga-se ainda procedente o pedido de condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios à Requerente, contados desde a data do pagamento das prestações tributárias de IS, no todo ou em parte, até à data da emissão da respectiva nota de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento do início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (artigo 61º, nºs 2 a 5, do CPPT), à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 43º da LGT.

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 27 456,50 €.

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1 530,00 €, segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 17 de Outubro de 2014

O Tribunal Arbitral Singular,

 

Augusto Vieira

 

Texto elaborado em computador nos termos do disposto

no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.