Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 805/2019-T
Data da decisão: 2020-09-22  IRS  
Valor do pedido: € 14.771,59
Tema: IRS – Mais-Valias Imóveis Não Residentes – Não discriminação.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1. A... e B..., casados sob o regime da comunhão de adquiridos, com os NIF ... e ..., respectivamente, residentes em Itália, na ..., apresentaram, em 29-11-2019, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida, ou ATA).

 

2. Os Requerentes pretendem, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade e subsequente anulação das liquidações de IRS n.º 2019-... e 2019-..., relativas ao período de tributação de 2017.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 02-12-2019.

 

3.1. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.

 

3.2. Em 22-01-2020 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

 

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 01-02-2020.

 

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

4. Com o pedido de pronúncia arbitral defendem os Requerentes que as liquidações de IRS impugnadas, na parte em que consideram como base de tributação da mais-valia realizada pelos Requerentes mais de 50% do seu valor, carecem de fundamento legal, o que determina a sua ilegalidade, em virtude da violação dos artigos 18.º e 63.º do TFUE.

Sustentam, em suma, que o artigo 43º, nº 2 do CIRS, ao estabelecer um regime diferenciado para tributação das mais-valias realizadas por residentes e não residentes em território nacional, estabelece uma discriminação inaceitável à luz do disposto no artigo 56º do Tratado da União Europeia, quando não aplicado a não residentes que realizem mais-valias decorrentes da alienação de imóveis situados em Portugal.

Concluem pela ilegalidade das liquidações impugnadas, porquanto das mesmas resultou, no caso concreto, a aplicação da taxa de IRS sobre a totalidade das mais-valias e não apenas sobre 50% do seu valor.

Invocam, em favor do seu entendimento, jurisprudência diversa, quer arbitral, quer dos nossos Tribunais superiores, bem assim como do TJUE.

Concluem requerendo a anulação das liquidações com a consequente restituição do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, invocando em síntese, não terem razão os Requerentes face à alteração do artigo 72º do CIRS, efectuada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, nomeadamente o aditamento do n.º 8 (actual n.º 10) que, à data dos factos, prescrevia:

                - “Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes”.

                Acresce que, onsultada a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS entregue em nome da Requerente B..., relativa ao ano fiscal de 2017, verifica-se que no quadro 8B da declaração de IRS foi assinalado o campo 4 (não residente) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime aplicável aos não residentes). Para efeitos de tributação pela taxa do artigo 68°, ou seja, como residente, era necessário ter preenchido  os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68° do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro), o que não fez.

                No que respeita ao Requerente A... este reside nos Estados Unidos da América desde 2015 e, como tal, é tributado em território português relativamente ao facto tributário ocorrido em 2017 enquanto “Não Residente”, porquanto não reúne os pressupostos da residência  fiscal elencados nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS.

                Invoca, em abono da sua tese, o n.º 1 do art. 64.º do TFUE que dispõe que: “ O disposto no artigo 63.º nºao prejudica a aplicação a paises terceiros de quaisquer restrições em vigor em 31 de dezembro de 1993 ao abrigo da legislação nacional ou da União adotada em relação à circulação de capitais provenientes ou com destino a paises terceiros que envolva investimento direto, incluindo o investimento imobiliário, estabelecimento , prestação de serviços financeiros ou admissão de valores mobiliários em mercados de capitais.”

                Daí que, no caso concreto, o apuramento do imposto a pagar segue as regras do direito interno português aplicadas aos contribuintes não residentes em território português, ou seja as mais-valias (alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS) auferidas em território português por não residentes que não sejam imputáveis a um estabelecimento estável nele situado, são tributadoas à taxa autónoma de 28%, em conformidade com o plasmado na alínea a) do n.º 1 do art. 72.º do CIRS.

                A jurisprudência invocada pelos Requerentes é relativa a não residentes em Portugal mas residentes na União Europeia, o que não é o caso do Requerente A... .

Conclui a Requerida pela legalidade dos actos de liquidação contestados pelos Requerentes que deverão, assim, ser mantidos.

 

Defende a Requerida de modo expresso – e os Requerentes tacitamente - que, caso subsistam dúvidas ao tribunal arbitral sobre a conformidade dos art. 72º, n.º 2 e 43º, n.º 2 do CIRS ao direito comunitário se procedesse ao reenvio prejudicial ao TJUE.

 

6. Por despacho de 30-06-2020, foi dispensada a reunião do artigo 18º do RJAT, bem como, com a anuência das partes, a apresentação de alegações.

 

II – SANEAMENTO

 

7.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

7.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

7.3. A coligação de Autores e de pedidos é legítima (artigo 3º, n.º 1 do RJAT).

7.4. O processo não enferma de nulidades.

7.5. Não foram suscitadas excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO

 

III.1. Matéria de facto

 

Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos, consideram-se, com relevo para apreciação e decisão da causa, como provados os seguintes factos:

a)            À data da ocorrência dos factos, de acordo com os respectivos cadastros, a Requerente tinha residência em Itália e o Requerente nos Estados Unidos da América;

b)           Em 02 de Agosto de 2018, os Requerentes procederam à venda, pelo valor de 295.000,00 €, da fração autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao 1.º andar esquerdo, destinado a habitação, do prédio urbano sito em ...–..., Rua ..., freguesia de..., concelho de Oeiras, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º ... que haviam adquirido pelo valor de 142.331,97 €;

c)            Consequentemente, os Requerentes apresentaram, em 2018, a Declaração de IRS Modelo 3, acompanhada do Anexo G, para declaração daquela alienação onerosa;

d)           Na referida declaração, a Requerente declarou a sua condição de não residente, enquadrando-se como “Não Residente” em Portugal e assinalando no respectivo quadro a sua “Residência em país da UE ou EEE”, mais tendo assinalado “Pretende a tributação pelo regime geral”;

e)           Por sua vez, o Requerente declarou na respectiva declaração de IRS, apenas a sua condição de não residente;

f)            Os Requerentes, foram notificados das demonstrações das liquidações de IRS com os n.º 2019-... e 2019-..., relativas ao ano de 2017, nos valores, respectivamente, de 15.063,56 € e de 14.479,62;

g)            A AT determinou como rendimento colectável dos Requerentes o valor correspondente à totalidade da mais-valia realizada com a venda do identificado imóvel;

h)           Os Requerentes pagaram o imposto liquidado.

 

Fundamentação da matéria de facto:

 

A matéria de facto dada como provada assentou no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida, bem como do processo administrativo junto aos autos.

 

Não foram dados como não provados factos com relevo para a decisão da causa.

 

III.2. Matéria de Direito

 

Conforme resulta do pedido arbitral, os Requerentes manifestam a sua inconformidade com os actos de liquidação impugnados por entenderem que a interpretação e aplicação do artigo 43º, n.º 2 do CIRS, no sentido de as mais valias obtidas com a venda de imóveis por parte de não residentes serem tributadas pela totalidade, ser ilegal, na medida em que isso contraria o disposto no artigo 56.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia (o qual corresponde ao artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia). Com efeito, sustenta que o mesmo traduz um regime fiscal menos favorável para os não residentes relativamente aos residentes.

 

Tal questão foi já objecto de múltiplas decisões quer dos tribunais arbitrais, quer dos tribunais estaduais, designadamente do STA, todas na mesma linha, não havendo motivo para alterar esse entendimento.

 

A propósito da tributação das mais-valias, o n.º 1 do artigo 43.º do Código do IRS determina que “o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes”.

 

Estabelecendo-se no n.º 2 do mesmo artigo que o saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor.

 

Por sua vez, previa-se no artigo 72º do mesmo código, na redacção à data dos factos vigente:

- “N.º 1: São tributados à taxa autónoma de 28%:

(…)

a) As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado.

N.º 13 – Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 e no n.º 6, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

N.º 14: Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes”.

 

Significa isso que tais rendimentos de mais-valias, quando auferidos por sujeitos passivos residentes, são sujeitos a englobamento com outros rendimentos auferidos no mesmo ano e sobre a totalidade dos mesmos incidem as taxas gerais previstas no artigo 68.º do Código do IRS.

 

Diversamente, se esses rendimentos forem auferidos por titulares não residentes em território português, são sujeitos a tributação autónoma, incidente à taxa especial de 28% sobre a totalidade das mais-valias, nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código, salvo opção expressa pelo englobamento de todos os seus rendimentos.

 

Como se diz no acórdão arbitral de 16-10-2019, no processo n.º 208/2019-T (replicado no acórdão de 06-06-2020, no processo 846/2019-T)

:

- “A assinalada desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias entre os sujeitos passivos residentes e não residentes foi submetida à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, por via de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo (Ac. de 28-09-2006, Proc.439/06).

- Respondendo à questão colocada, o Tribunal de Justiça, em acórdão de 11-10-2007, proferido no Proc. C-443/06 (Hollmann), declarou que «O artigo 56º CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.»

- Na sequência da referida decisão, o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 16-01-2008, proferido naquele Processo 439/06, veio igualmente a decidir que " O n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal, viola o disposto no art. 56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia.".

 

E, diga-se, essa tem sido a orientação que tem sido invariavelmente seguida pelo STA (designadamente nos acórdãos de 22-03-2011- Proc. 01031/10, de 10-10-2012, Proc. 0533/12, de 30 -04-2013, Proc. 01374/12, de 18-11-2015, Proc. 0699/15, de 03-02-2016, Proc. 01172/14 e, mais recentemente, de 20-02-2019 - Proc. 0901/11, onde se diz:

 

- “Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

- Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU.

- O acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo”.

 

Não pode, contudo, deixar de ter-se presente que tais decisões têm subjacente a legislação anterior à alteração promovida Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro.

 

Todavia, tal alteração legislativa não teve a virtualidade de afastar o tratamento discriminatório nesta matéria relativamente a não residentes por comparação ao regime estabelecido para os residentes.

 

Seguindo o que se diz na Decisão Arbitral de 22-5-2019 no Proc 74/2019-T:

“ -Porém, o legislador nacional, por via da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, procurou obviar o tratamento discriminatório dos residentes comunitários e do Espaço Económico Europeu, facultando-lhes, em termos opcionais, a possibilidade de tributação das mais-valias imobiliárias em condições similares às aplicáveis aos residentes em território português.

(…)

- Contrariamente ao entendimento da Requerida, o regime opcional acima referido não veio sanar o regime discriminatório que se mantém em vigor e foi aplicado às liquidações de IRS ora questionadas.

- Após a alteração legislativa acima referida ficaram a vigorar, na área da tributação dos rendimentos qualificados como mais-valias originadas pela transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes: um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento e um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes.

- Este regime específico de equiparação aos residentes é opcional, não afastando, contudo, o carácter discriminatório da norma do artigo 43.º, n.º 2, conforme, aliás, tem vindo a ser decidido em diversas decisões arbitrais.

- Com efeito, esta matéria, já na decorrência de situações posteriores à alteração legislativa acima referida, tem vindo a ser objeto de diversas decisões arbitrais tendo-se firmado jurisprudência, largamente maioritária, no sentido de que a opção em causa, constitui um ónus suplementar comparativamente aos residentes insusceptível de excluir a discriminação em causa”.

É nessa linha que se concluiu na decisão arbitral de 22-05-2019, no Proc.74/2019-T:

- "Sucede que a existência deste regime não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda em vigor e que foi aplicado à liquidação de IRS em causa. De facto, atualmente, em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não residentes neste território, mas residentes noutro Estado membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu, resulta do disposto nos n.ºs 1 e 8 do artigo 72.º do Código do IRS que, coexistem dois regimes fiscais:

i. O regime que sujeita os rendimentos a uma taxa especial de 28% e

O regime equiparado ao que vigora para os sujeitos passivos residentes em território português, segundo o qual, os mesmos rendimentos são sujeitos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do nº 2 do citado artigo 43.º do Código do IRS.

Porém, a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não sendo a opção de equiparação suscetível de excluir a discriminação em causa.

Na realidade, o regime de equiparação atualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o caráter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal. Neste sentido, o TJUE considerou, no Acórdão Gielen, de 18/03/2010 (Processo C-440/08), num caso de evidente paralelismo (ainda que naquele acórdão estivesse em causa a violação do artigo 49.º), o seguinte:

a. "a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (...) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório", frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.".

b. "o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (...) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49° TFUE em razão do seu carácter discriminatório".

c) O Tratado "se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (...) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes".

 

Sufragando tal posição, entendemos ser irrelevante, para o caso, a opção de tributação feita pela Requerente na declaração de rendimentos que apresentou, face ao vício de base na exigência por parte da AT de opção por diferente regime de tributação.

 

Tal jurisprudência foi recentemente reafirmada no Despacho do TJUE, de 6-09-2018, proferido no âmbito do processo n.º C- 184/18, no qual o Tribunal entendeu que «uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais‑valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado‑Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais‑valias realizadas por um residente naquele Estado‑Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia».

 

Sucede que a Requerida invoca que, em qualquer circunstância, nunca seria de aplicar o mesmo regime ao Requerente marido, face ao n.º 1 do artigo 64º do TFUE, que dispõe que “o disposto no artigo 63.º não prejudica a aplicação a países terceiros de quaisquer restrições em vigor em 31 de dezembro de 1993 ao abrigo da legislação nacional ou da União adotada em relação à circulação de capitais provenientes ou com destino a paises terceiros que envolva investimento direto, incluindo o investimento imobiliário, estabelecimento, prestação de serviços financeiros ou admissão de valores mobiliários em mercados de capitais”.

 

Sustenta que o n.º 2 do art. 43.º do CIRS não se aplica aos residentes em paises terceiros como é o caso do Requerente A... .

 

No que não tem razão.

 

Com efeito, em resposta a pedido de decisão prejudicial apresentado pelo TCA Sul, relativamente a cidadão residente em Angola, o Tribunal de Justiça da União Europeia veio a, por decisão de 12-03-2018, no Proc. C-184/18, considerar que não resulta do artigo 64, n.º 1 do TFUE qualquer execepção que justifique restrição à livre circulação de capitais, em que se traduz a aplicaçaõ do n.º 2 do artigo 43º do CIRS.

 

Conclui aquele Tribunal que “as disposições conjugadas dos artigos 12º, 56º, 57º e 58º do Tratado da Comunidade Europeia [atuais 18º , 63º , 64º e 65º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia] devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal (no n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei no 442-A/88, de 30 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei no 109-B/2001, de 27 de dezembro), que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um imóvel situado num Estado-Membro (Portugal), quando essa alienação é efetuada por um nacional desse Estado-Membro, residente em país terceiro (Angola), a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel”.

 

Daí que em nada altera o que atrás se expôs, a circunstância de o Requerente marido ser residente em país terceiro, no caso os Estados Unidos da América.

 

Em conclusão, não havendo motivo para alterar o entendimento jurisprudencial invocado, no sentido de que ocorre violação da liberdade fundamental de circulação de capitais do Direito da União Europeia, incompatível com o artigo 56º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, pelo regime resultante da conjugação do artigo 43.º, n.º 2 e do artigo 72.º do CIRS, quer na sua versão anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, quer na versão posterior, de que resulta o tratamento diferenciado entre residentes e não residentes, temos de concluir que as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei que se consubstancia na sua ilegalidade.

 

Não subsistindo quaisquer dúvidas quanto à aplicação das normas em causa, conclui-se pela desnecessidade de reenvio prejudicial.

 

JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Além da restituição do imposto indevidamente pago, pretende o Requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

Tal direito vem consagrado no art. 43º da LGT o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial - ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.

 

É verdade que, sem culpa sua, foi praticado acto que agora se decide ser ilegal. Mas, para que a AT possa ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios, necessário é que, como se referiu, o mesmo resulte de erro imputável aos serviços.

 

In casu, a AT não fez mais do que actuar segundo a determinação legal do artigo 43º, n.º 2 e 72º do CIRS. E não podia agir de outro modo, considerando a sua vinculação à lei e a impossibilidade de a desaplicar com base num juízo de inconformidade com a lei comunitária que lhe não cabe fazer.

 

Em suma, não incorreu em erro de que tenha resultado o pagamento de imposto indevido, e não pode, na falta desse erro, ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Pelo que não assiste aos Requerentes o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios relativamente ao imposto pago.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a)            Julgar totalmente procedentes os pedidos arbitrais formulados, determinando-se a anulação das liquidações de IRS n.º 2019-... e 2019-..., com a consequente restituição aos Requerentes da quantia global de 14.771,59 €.

b)           Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 14.771,59 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 918,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Lisboa, 22 de Setembro de 2020

 

O Árbitro

(António Alberto Franco)