Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 145/2020-T
Data da decisão: 2020-10-30  IRC  
Valor do pedido: € 319.414,03
Tema: IRC - Mais-valias. Activo fixo tangível; Propriedade de investimento; Ónus da prova. Princípio do inquisitório.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor António Martins e Dra. Mariana Vargas (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 05-08-2020, acordam no seguinte:

           

                1. Relatório

 

A..., S.A., NIF..., com sede na Rua ..., nº. ... ...-... Lisboa (doravante apenas “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da liquidação de IRC relativa ao período de 2015, n.º 2019..., e respetivas demonstrações de liquidação de juros nº. 2019 ... e de acerto de contas nº. 2019... .

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 09-03-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 16-07-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 05-08-2020 (considerando a suspensão de prazos determinada pelo artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março).

A AT apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 16-10-2020, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A)           A Requerente tem como objecto social «realização de investimentos imobiliários, compra, venda e administração de bens imóveis, e compra para revenda de imóveis, bem como representações e consultoria sobre investimentos mobiliários e imobiliários, prestação de serviços conexos» Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral e do processo administrativo (RIT);

B)           Foi realizada uma inspecção à Requerente relativa ao exercício de 2015, em que foi elaborado um projecto de RIT, sobre o qual a Requerente se pronunciou, no exercício do direito de audição, nos termos que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido;

C)           No RIT elaborado a final, refere-se, além do mais, o seguinte:

II- 3.5. Certificação Legal de Contas

A certificação legal de contas no ano em apreciação foi da responsabilidade da sociedade de revisores B..., Lda, a qual foi emitida sem reservas.

 

(...)

 

II- 4.2. Análise das demonstrações financeiras do exercício de 2015

Das IES/Declarações Anuais entregues pela A..., SA, extrai-se o balance do exercício em análise e de 2014, que expressam os seguintes montantes:

 

De acordo com o balancete contabilístico de 31/12/2015 - ANEXO l de 2 páginas, foram registadas na rubrica de Ativos Fixos Tangíveis, verbas respeitantes a imóveis, matéria desenvolvida nos pontos seguintes e capítulo III.

Quanto à demonstração dos resultados por natureza, comparando o ano em análise com o exercício anterior, temos:

 

Na demonstração de resultados, evidencia para os rendimentos obtidos no exercício de 2015, registados na rubrica de "Outros Rendimentos e ganhos" que respeitam a rendimentos obtidos de rendas e alienação de imóveis, matéria que será objeto de análise nos pontos seguintes e capítulo III.

De acordo com a Declaração de Rendimentos Mod. 22 relativa ao exercício de 2015, o resultado tributável foi apurado da seguinte forma:

 

Os valores inscritos nos Campo 740 (a acrescer) e no Campo 767 (a deduzir) referem-se, respetivamente à Mais-valia Fiscal e à Mais-valia Contabilística apuradas pelo sujeito passivo no âmbito da operação de alienação de imóveis, objeto de análise no capítulo III deste relatório.

Na base de dados da AT- Aplicação Património, em 31 de dezembro de 2014, o património da sociedade era constituído pelos seguintes imóveis:

 

De acordo com a mesma aplicação informática, em 31/12/2015 o património da sociedade inclui unicamente o artigo urbano ... e o artigo rústico ..., justificado pelo facto de terem sido alienados os artigos matriciais ..., ... e ... (identificados no quadro supra), através da mencionada escritura celebrada em 2015/09/25, cuja sociedade compradora foi a G..., SA contribuinte... .

 

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

 III.1. EM SEDE DE IRC

III.1.1. MAIS-VALIAS FISCAIS (REINVESTIMENTO)

Da análise à Mod. 22 de IRC de 2015 verifica-se que relativamente às Mais-valias realizadas em imóveis foram inscritos nos respetivos campos do Quadro 07 (Apuramento do Lucro Tributável):

 

Estes montantes foram apurados em conformidade com o Mapa de Mais-valias e Menos-Valias de Ativos Fixos Tangíveis (Modelo 31), conforme se reproduz no quadro seguinte:

 

De acordo com a contabilidade, os valores de aquisição dos imóveis incluídos na coluna (5) do mapa, encontram-se registados na conta SNC 43- "Activos Fixos Tangíveis".

As depreciações contabilísticas da coluna (6) estão de acordo com os registos contabilísticos da conta SNC 48-"Depreciações" e os valores de realização inscritos na coluna (3) estão em conformidade com a escritura de venda celebrada em 2015/09/25, cuja cópia se anexa ao presente relatório - ANEXO II de 7 páginas.

Ora, os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa respeitantes a propriedades de investimento/ativos fixos tangíveis consideraram-se mais-valias ou menos-valias realizadas nos termos do art.º 46º do Código do IRC.

Saliente-se que, no exercício em apreciação, foram registadas na conta SNC "78 - Outros Rendimentos e Ganhos", verbas provenientes de rendas dos imóveis, conforme consta do balancete a 31/12/2015 do mencionado Anexo l do presente relatório.

Considerando o Sistema de Normalização Contabilística (SNC) que corresponde a um modelo baseado nas normas do Internacional Accounting Standards Board(IAS), temos, no normativo nacional, as Normas Contabilísticas de Relato Financeiro (NCRF), que estabelecem o tratamento contabilístico dos imóveis: a NCRF 7 para "Ativos fixos tangíveis", a NCRF 11 para "Propriedades de investimento" e a NCRF18 para "Inventários".

Os imóveis adquiridos ou construídos, que sejam destinados a serem vendidos no decurso da atividade normal da empresa, ou seja, durante o ciclo operacional, sendo essa atividade a aquisição e/ou construção de imóveis para venda, devem ser classificados como inventários nos termos da NCRF 18 - "Inventários".

Por sua vez, a NCRF 7 define ativos fixos tangíveis como sendo itens que sejam detidos para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento a outros ou para fins administrativos e se esperam que sejam usados durante mais que um período.

Já a NCRF 11, apresenta no parágrafo 5 a definição de propriedade de investimento:

"Propriedades de Investimento: é a propriedade (terreno ou um edifício - ou parte de um edifício - ou ambos) detida (pelo dono ou pelo locatário numa locação financeira) para obter rendas ou para valorização do capital ou para ambas as finalidades, e não para:

a) Uso na produção ou fornecimento de bens e serviços ou para finalidades administrativas; ou b) Venda no decurso ordinário do negócio".

Deste modo, os imóveis detidos pelas entidades devem ser classificados como itens do ativo fixo tangível quando estejam ocupados pela própria entidade, e essa ocupação se destine ao seu uso no processo de produção, fornecimento bens /ou serviços ou para fins administrativos, de acordo com o parágrafo 6 da NCRF 7. Situação diferente é, no caso dos imóveis serem adquiridos com o objetivo de se verificar uma valorização do capital investido e cujo destino seja a sua venda, sendo esta uma mera atividade de investimento da empresa, acessória à sua atividade corrente (que não é a compra e venda de imóveis), onde os imóveis devem ser classificados como propriedades de investimento, nos termos da NCRF 11.

Ora no caso em apreciação, apura-se que os imóveis alienados não reuniam condições para serem classificados como Ativo fixo tangível, mas sim como propriedades de investimento, porquanto, os mesmos não estiveram, no momento anterior ao da sua alienação, a ser utilizados no fornecimento bens/ou serviços ou para fins administrativos, não se encontrando ocupados pelo sujeito passivo, mas sim para a obtenção de rendimentos.

Veja-se a este propósito, a FAQ 16 A emitida pela Comissão de Normalização Contabilística, (entidade competente para emissão de pareceres em matéria contabilística em Portugal): "uma entidade que detenha imóveis para rendimento, seja ou não essa a sua principal atividade, deve, no correspondente tratamento contabilístico, observar o disposto na NCRF 11- Propriedades de Investimento.

Retira-se assim, que os normativos contabilísticos, entre os quais o SNC, quiseram distinguir certos ativos (imóveis) que não se relacionam com a atividade operacional das entidades - antes configurando bens que se podem alienar sem afetar a exploração das empresas detentoras - daqueles ativos do mesmo tipo que, estando reconhecidos no acervo patrimonial, têm um objetivo ligado à exploração e se integram na atividade operacional.

Nos termos do n.º 1 do artigo 48.º do CIRC, a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias, calculadas nos termos dos artigos 46º e 47 º do mesmo diploma legal, realizadas mediante a transmissão onerosa de ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis e ativos biológicos não consumíveis, detidos por um período não inferior a um ano, ainda que os ativos tenham sido reclassificados como ativos não correntes detidos para venda, para efeitos da determinação do lucro tributável em IRC, é considerada em metade do seu valor, quando:

a) O valor de realização correspondente à totalidade dos referidos ativos seja reinvestido na aquisição, produção ou construção de ativos fixos tangíveis, de ativos intangíveis ou, de ativos biológicos não consumíveis, no período de tributação anterior ao da realização, no próprio período de tributação ou até ao fim do 2.º período de tributação seguinte;

b) Os bens em que seja reinvestido o valor de realização:

1) Não sejam bens adquiridos em estado de uso a sujeito passivo de IRS ou IRC como qual existam relações especiais nos termos definidos no n.º 4 do artigo 63.º;

2) Sejam detidos por um período não inferior a um ano contado do final do período de tributação em que ocorra o reinvestimento ou, se posterior, a realização.

 

No enquadramento do facto em apreciação, veja-se o entendimento da AT constante na Informação Vinculativa do Processo n.º 2016 002009, sancionado por Despacho, de 05/04/2017, da Subdiretora-Geral do IR, que relativamente a este tema estabelece:

 

"De acordo com o artigo 48.º do Código do IRC, apenas concorre em metade do valor, para a determinação do lucro tributável, a diferença entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis e ativos biológicos não consumíveis, desde que o valor de realização seja reinvestido na aquisição de outros ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis e ativos biológicos não consumíveis.

Assim, os ganhos provenientes da alienação de inventários não são considerados mais-valias, pelo que não estão abrangidos pelo regime do reinvestimento.

Por sua vez, aos ganhos resultantes da venda de propriedades de investimento também não poderá ser aplicado o regime do reinvestimento, uma vez que, embora tenham a natureza de mais-valias, não resultam da transmissão de ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis ou ativos biológicos não consumíveis."

 

Também a Lei do Orçamento de Estado para 2017, ao aditar o n.º 10 ao art.º 48º do CIRC, veio esclarecer esta situação ao consagrar que "Não são suscetíveis de beneficiar deste regime as propriedades de investimento, ainda (que reconhecidas na contabilidade como ativo fixo tangível" ("coincidindo com a contabilização do sujeito passivo).

Concluindo, o sujeito passivo quando acresceu no campo 740 da Declaração Mod. 22 do exercício de 2015, o montante de €1.277.250,00, correspondente a 50% da diferença positiva entre a mais-valia e a menos-valia fiscal com intenção de reinvestimento, deveria ter acrescido no campo 739 o montante de €2.554.500,00, atendendo ao facto dos imóveis que deveriam ter sido classificados como propriedades de investimento, não estarem abrangidos pelo regime do reinvestimento.

(...)

VII - INFRAÇÕES VERIFICADAS

Face ao exposto no capítulo III, verifica-se que o sujeito Passivo infringiu o artigo 46.º do Código do IRC. pelo acréscimo de apenas 50% da mais-valia apurada na transmissão onerosa de propriedades de investimento situação punível nos termos dos artigos 119.°, n.º 1 e 26.°, n.°4, ambos do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 5 de junho.

(...)

 

IX - DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO

O sujeito passivo foi notificado pelo ofício nº ...  de 09/10/2019, para exercer, querendo, o direito de audição sobre o projeto de relatório de inspeção tributária. O direito de audição foi exercido pelo advogado C..., nomeado por procuração datada de 27/11/2018 que junta, tendo dado entrada nos Serviços de inspeção tributária com o n.º 2019... em 25/10/2019 (ANEXO III). Veio alegar as situações que a seguir se resumem:

– que os fundamentos invocados na correção vertida no projeto de relatório, correspondem a interpretações da AT sem sustentação de prova (pontos 6, 11 e 13).

– relativamente à qualificação contabilística dos imóveis alienados, que a razão pela qual se encontravam registados como ativos Fixos Tangíveis, resulta do facto de estarem a ser reconstruídos e desenvolvidos para futuro uso e exploração pelo próprio, com vista a desenvolver e explorar uma unidade hoteleira (ponto 41), tendo junto um Pedido de informação prévia apresentado na Câmara Municipal de Lisboa, como sustento daquela "intenção"(ponto 42). Recalca, com a não inclusão no conceito de propriedades de investimento (definição na NCRF11), porque só "uma vez que esteja concluída a construção ou o desenvolvimento, a propriedade torna-se propriedade de investimento" (ponto 37 e 39).

– conclui que a sociedade tinha intenção de afetar os imóveis a uma atividade tipo hoteleira onde desenvolveria a sua atividade e que assim, os ativos estiveram corretamente classificados em Ativos Fixos Tangíveis (pontos 45 e 46).

 

Atentando a argumentação do sujeito passivo, reitera-se que a correção técnica à matéria coletável de IRC proposta no presente procedimento inspetivo, decorre do facto dos imóveis em causa reunirem as características das Propriedades de Investimento face à NCRF11, muito embora, tenham sido registados contabilisticamente como Activos Fixos tangíveis.

A luz dos critérios previstos no SNC, a qualificação de um imóvel como uma propriedade de investimento ou Activo Fixo tangível exige, que se identifiquem os seus traços distintos tendo em conta dois factores: a finalidade a que se destina e a geração (por si só) de fluxos de caixa. No caso do imóvel ser detido para obter rendas ou para valorização ou, para ambas as finalidades, considera-se que o bem é capaz de gerar fluxos de caixa altamente independentes dos outros activos detidos pela entidade. Isto distingue as propriedades de investimento de propriedades que sejam ocupadas pelos donos. Neste último caso, a produção ou fornecimento de bens ou serviços (ou o uso de propriedades para finalidades administrativas) gera fluxos de caixa que são atribuíveis não apenas às propriedades, mas a outros ativos, devendo assim ser classificados como Activos fixos tangíveis.

Repetindo-se, no âmbito da citada norma NCRF nº 11, uma propriedade de investimento é uma propriedade (prédio e/ou parte de um prédio) detida pelo dono ou por um locatário, para obter rendas ou para valorização do capital ou ambas as finalidades, considerando-se então que o bem não é ocupado pelo seu dono. Ora no caso em apreciação, não restam dúvidas que os imóveis não só geraram rendimentos como não estavam ocupados pelo sujeito passivo, conforme corroborado pelas demonstrações financeiras, estando-se assim, quer conceptualmente quer em substância, perante uma propriedade de investimento.

Por outro lado, a simples intenção (sublinhado nosso) ou pretensa em afetar futuramente (esses imóveis) a uma atividade operacional, tal como o ora argumentado, não é determinante para alterar a sua classificação. A este propósito veja-se o acórdão proferido no processo n.º 748/2016-T de 19/02/2015: Na interpretação de normas contabilísticas com relevância jurídico fiscal não pode o intérprete "deixar de atender à substância económica dos factos tributários, isto porque, como frequentemente se acentua, o que efectivamente importa ao direito fiscal são as realidades económicas, as situações reais que expressam a percepção de rendimento ou a capacidade contributiva e não as meras roupagens com que, por vezes, se apresentam exteriormente" (cfr. o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo n.º 07918/14, de 19.02.2015).

Considerando o disposto no n.º 1 do art.º 48º, a mais-valia no caso da transmissão de propriedades de investimento não está abrangida pelo regime de reinvestimento, uma vez que, embora tenham a natureza de mais-valias, não resultam da transmissão de ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis ou ativos biológicos não consumíveis.

Analisadas as alegações da ora requerente, e conforme resulta das mesmas, verifica-se que não foram juntos ao presente processo quaisquer elementos adicionais de prova que possam alterar as correções apuradas pelo que, se converte em definitivo, o projeto de relatório.

Foi lavrado Auto de Notícia para punição das infrações descritas no ponto VII deste relatório, bem como elaborado o respetivo documento de correção de forma a promover as liquidações subsequentes.

 

D)           No balancete geral relativo a 31-12-2105, que consta do anexo I ao RIT, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais, o seguinte:

 

E)            Na sequência da inspecção, a Administração Tributária emitiu a liquidação adicional de IRC n.º 2019..., datada de 21-11-2019, relativa ao exercício de 2015, no valor de € 432.936,64, a liquidação de juros compensatórios por retardamento da liquidação n.º 2019..., no valor de € 38.564,82 (documento n.º 2019...) e a demonstração de acerto de contas n.º 2019... (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

F)            A Requerente, em data anterior a 19-05-2015, contratou com um gabinete de arquitectura a realização de um estudo, preparação e apresentação na Câmara Municipal de Lisboa um Pedido de Informação Prévia (PIP) relativo aos imóveis referidos com os n.ºs 1, 1-A e 2, tendo em vista a sua alteração para unidade hoteleira (documentos juntos como documento n.º 3, cujos teores se dão como reproduzidos, em que se refere essa data nas páginas 4, 5, 6 e 7);

G)           Pela elaboração do estudo referido, a Requerente pagou à empresa D... Unipessoal, Lda a quantia de € 13.000,00 (documento n.º 3)

H)           A 21-05-2013, por escritura de “dação em pagamento”, para cumprimento de uma dívida dos accionistas E... e F... à sociedade Requerente, no montante de € 350.000,00, aqueles deram em pagamento da parte restante da metade indivisa dos imóveis sitos no ..., nº..., ..., ..., ... e ... em Lisboa (escritura que consta da parte 3 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

I)             Na escritura referida na alínea anterior, refere-se, além do mais, que foi arquivada «Declaração para liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, obtido via internet no dia de hoje, com o DUC..., a zero euros – prédios para revenda – artigo 7.º do CIMT»;

J)            Em 25-09-2015, a Requerente vendeu os imóveis indicados no RIT sitos no ..., n.ºs ... e ..., ..., ... e ..., à sociedade G..., S.A. pelo preço global de € 3.230.000,00, sendo declarado que a adquirente os destinava a revenda (escritura na parte 3 do processo administrativo, que se dá como reproduzida);

K)           As contas da Requerente foram objecto de certificação legal pela sociedade de revisores B..., Lda, sem reservas (RIT);

L)            A Requerente obteve rendimentos de rendas de imóveis no ano de 2015;

M)          Além dos imóveis vendidos, a Requerente tinha no seu património durante o ano de 2015 ainda um prédio urbano com o artigo matricial n.º ... e um prédio rústico com o artigo matricial ... (ponto II.4 do RIT);

N)           Em 05-03-2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

2.2.1. A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos indicados em cada um dos pontos da matéria de facto e no processo administrativo.

 

2.2.2. Considerou-se provado que, no exercício de 2015, foram registados na conta SNC "78 - Outros Rendimentos e Ganhos'' e suas subcontas verbas provenientes de rendas de imóveis, mas não que sejam provenientes de arrendamentos dos imóveis vendidos pela Requerente.

A Administração Tributária invoca como único suporte desta afirmação o que consta da página 12 do RIT, o «balancete a 31/12/2015 do mencionado Anexo I do presente relatório».

A subconta da conta 78 é a adequada aos rendimentos de rendas é a 78.73 (   ), que não consta do balancete referido, pelo que dele não se conclui, directamente, pela existência de rendimentos de rendas.

Para além disso, a existência de rendimentos provenientes de rendas é compatível com as referências que se fazem no balancete na conta 78.1 e suas subcontas 78.16 – Outros rendimentos suplementares, 78.1.6.2 e 78.1.6.2.2 e a rendimentos isentos sem direito à dedução, o que é o caso dos rendimentos provenientes da locação de imóveis, [n.º 29) do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado].

Não tendo a Requerente outra fonte conhecida de rendimentos que não sejam os de imóveis, afigura-se plausível que os rendimentos referidos naquela conta 78.1 e suas subcontas 78.16 – Outros rendimentos suplementares, 78.1.6.2 e 78.1.6.2.2. sejam provenientes de rendas de imóveis, não identificados, incorrectamente registados nessa conta, em vez da conta correcta, que seria a 78.73.

Revelando que, numa primeira análise, a Administração Tributária percebeu que não podia conexionar as rendas que entendeu estarem registadas na conta 78.1, refere-se no ponto II - 4.2 do RIT, a administração tributária refere expressamente que «na demonstração de resultados, evidencia para os rendimentos obtidos no exercício de 2015, registados na rubrica de "Outros Rendimentos e ganhos" que respeitam a rendimentos obtidos de rendas e alienação de imóveis» (negrito nosso) o que indicia que não tinha concluído que as rendas que entendeu estarem referidas no balancete fossem provenientes dos imóveis vendidos, o que se compreende, inclusivamente, porque além dos imóveis vendidos, com os artigos matriciais ..., ... e..., a Requerente dispunha de outro imóvel urbano, com o artigo matricial ... e um prédio rústico que poderiam ser fonte de rendimentos de rendas.

Neste contexto, afigura-se a referência que se faz no ponto III.1.1. a «verbas provenientes de rendas dos imóveis», não se referirá especificamente aos imóveis vendidos, pois a Administração Tributária não refere qualquer outro facto que permita concluir que as rendas não seriam provenientes dos outros imóveis, mas sim à globalidade dos imóveis integrados no seu património, que se arrolam no RIT. De qualquer forma, a interpretar-se esta referência a «rendas dos imóveis» como reportando-se aos que foram vendidos, estar-se-á perante uma conclusão sobre a matéria de facto sem suporte probatório, pois não há qualquer elemento que permita concluir que as rendas não sejam provenientes dos outros imóveis.

Por isso, em conclusão, com os elementos que constam do RIT e seus anexos, não se pode concluir que as rendas auferidas pela Requerente em 2015 sejam provenientes de arrendamento de algum dos imóveis vendidos.

Para além disso, mesmo que se pudesse concluir que os imóveis referidos estivessem arrendados durante o ano de 2015, não se poderia concluir, sem mais prova, que ainda estivessem arrendados no momento da alienação.

Aliás, sendo de presumir que seja fácil, para a Administração Tributária, que tem acesso aos registos dos contratos de arrendamento e recibos emitidos, apresentar prova da existência de rendas recebidas de arrendamentos dos imóveis vendidos o facto de não apresentar qualquer prova corrobora indirectamente as dúvidas sobre a existência destas rendas.

Assim, não se considera provada, assim, a afirmação da Administração Tributária de que os imóveis não estavam «no momento anterior ao da sua alienação, a ser utilizados no fornecimento bens/ou serviços ou para fins administrativos, não se encontrando ocupados pelo sujeito passivo, mas sim para a obtenção de rendimentos», como afirma a Administração Tributária na página 13 do RIT.

Na verdade, para além de não se ter provado que a Requerente tivesse recebido rendimentos provenientes de rendas dos imóveis, a Requerente contesta esta afirmação, defendendo que, já antes da alienação, detinha os imóveis para desenvolver e explorar uma unidade hoteleira.

A única prova apresentada sobre o fim a que se destinava a detenção dos imóveis é o Pedido de Informação Prévia que, tendo documentos emitidos por um gabinete de arquitectura datados de 19-05-2015, permite concluir que, já antes desta data, a Requerente destinava os imóveis n.ºs 1, 1-A e 2 a alteração para unidade hoteleira, tendo contratado para esse efeito um estudo que veio a ser apresentado com essa data.

Nenhuma outra prova foi apresentada por qualquer das Partes que permita concluir a qual o fim a que se destinava a detenção dos outros imóveis vendidos, como os n.ºs ... e ..., apenas se podendo considerar provado que houve utilização de imóveis da Requerente para arrendamento, mas não se apurou se entre os arrendados se incluíam todos ou algum ou alguns dos imóveis vendidos, nem se provou que os arrendamentos tivessem subsistido até ao momento da alienação.

 

2.2.4. Não se provou que, quando foi efectuada a venda pela Requerente dos imóveis referidos nos autos, estes estivessem a «ser reconstruídos e desenvolvidos para futuro uso e exploração pela Requerente, com vista a desenvolver e explorar uma unidade hoteleira», como defende a Requerente.

O pedido de informação prévia apresentado na Câmara Municipal de Lisboa não contém qualquer referência explícita que permita concluir que os imóveis se destinavam a desenvolvimento e exploração de uma unidade hoteleira, mas a manifestamente grande quantidade de divisões que evidencia a planta que consta da página 2 do documento n.º 3 aponta nesse sentido. Aliás, a Requerente afirmou no exercício do direito de audição que era esse o destino dos imóveis para que apresentou Pedido de Informação Prévia e a Administração Tributária, ao apreciar o que a Requerente referiu, não esboça dúvida sobre o afirmado pela Requerente, quanto ao destino dos imóveis, mantendo a correcção por entender que «não estram dúvidas que os imóveis não só geraram rendimentos como não estavam ocupados pelo sujeito passivo, conforme corroborado pelas demonstrações financeiras».

Porém, não foi produzida qualquer prova de que a projectada unidade hoteleira se destinasse a ser explorada pela Requerente.

O parecer foi emitido em Dezembro de 2015, pelo que, tratando-se de um pedido de informação prévia, anterior ao licenciamento das obras (artigos 14.º a 17.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de Setembro), é de concluir que os imóveis ainda não estavam a ser reconstruídos e desenvolvidos à data em que a Requerente os vendeu, em Setembro de 2015.

O facto de ter sido apresentado o pedido de informação prévia contraria uma conclusão no sentido de a detenção se destinar a obter rendas ou a mera valorização do capital, pois indicia intenção de alteração de pelo menos parte dos imóveis para hotel, não se tendo apurado se se tratava ou não de um hotel para utilização própria, como afirma a Requerente.

 

2.2.5. Não se provou que «desde o início de actividade os rendimentos obtidos pela Requerente resumem-se a verbas provenientes de rendas dos imóveis consideradas em “Outros Rendimentos e ganhos», como afirma Administração Tributária no artigo 22.º da Resposta, sem apresentar qualquer prova. O objecto social da Requerente abrangia «realização de investimentos imobiliários, compra, venda e administração de bens imóveis, e compra para revenda de imóveis, bem como representações e consultoria sobre investimentos mobiliários e imobiliários, prestação de serviços conexos», pelo que, sem qualquer prova, não se pode concluir que os rendimentos que auferiu sejam todos provenientes de rendas.

 

2.2.6. Não se provou que o Pedido de Informação Prévia tenha servido «essencialmente para efeitos de habilitação, avaliação e negociação dos imóveis em causa, procedimento comum na actividade imobiliária, actividade principal desenvolvida por ambos os intervenientes», como alega a Administração Tributária no presente processo.

 

3. Matéria de direito

 

De harmonia com o preceituado no artigo 46.º, n.º 1, do CIRC, no que aqui interessa, consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, respeitantes a activos fixos tangíveis e propriedades de investimento.

Nos termos do n.º 1 do artigo 48.º do CIRC, no que aqui interessa, a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis e ativos biológicos não consumíveis, desde que o valor de realização seja reinvestido na aquisição de outros ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis e ativos biológicos não consumíveis, apenas concorre em metade do valor, para a determinação do lucro tributável.

Este regime não é aplicável às propriedades de investimento.

No ano de 2014 a Requerente tinha reconhecido contabilisticamente os imóveis com os n.ºs..., ..., ..., ... e ... do ...  em Lisboa como “Propriedade de Investimento” e vendeu-os em Setembro de 2015.

Como resulta da matéria de facto, no ano de 2015, aqueles imóveis foram reconhecidos contabilisticamente como «activo fixo tangível» e a Requerente declarou na declaração modelo 22 as mais-valias realizadas com a venda dos imóveis por metade os seu valor. Concretamente, na declaração de rendimentos modelo 22 relativa ao exercício de 2015, a Requerente declarou no campo 740 o valor de € 1.277.250,00 (correspondente a «50% da diferença positiva entre as mais-valias e menos-valias fiscais com intenção expressa de reinvestimento (art.º 48.º, n.º 1») e no campo 767 o valor de € 2.554.500,00 de mais-valias contabilísticas referentes às vendas dos imóveis com os n.ºs..., ..., ... ... e ... .

A Administração Tributária entendeu, em suma, que os imóveis vendidos deveriam estar reconhecidos contabilisticamente como «propriedade de investimento» e não como «activo fixo tangível» pelo que a Requerente «deveria ter acrescido no campo 739 o montante de €2.554.500,00».

Resulta da prova produzida que, antes de 19-05-2015, a Requerente decidiu alterar os imóveis com os n.ºs ..., ... e ..., para neles construir uma unidade hoteleira, como se infere de ter contratado com um gabinete de arquitectura a realização de um estudo, preparação e apresentação na Câmara Municipal de Lisboa um Pedido de Informação Prévia (PIP), pelo qual pagou a quantia de € 13.000,00.

Além do mais, a Requerente afirmou, no exercício do direito de audição em relação ao projecto de RIT, que os imóveis vendidos estavam a ser reconstruídos e desenvolvidos para futuro uso e exploração pelo próprio, com vista a desenvolver e explorar uma unidade hoteleira.

No entanto, em Setembro de 2015 a Requerente alienou os imóveis referidos e só em Dezembro desse ano foi emitido parecer favorável em relação ao Pedido de Informação Prévia.

 

3.1. Posições das Partes

 

A Requerente imputa à liquidação impugnada vários vícios, nomeadamente de violação de princípios processuais, mas essencialmente atinentes ao juízo de facto formulado pela Administração Tributária sobre a utilização dos imóveis vendido e à omissão de diligências tendentes a aprofundar prova da materialidade relevante.

Designadamente, a Requerente imputa à liquidação de IRC impugnada, em suma, os seguintes:

– ofensa dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da imparcialidade, da igualdade, da proporcionalidade, da proibição do arbítrio e da boa administração (invocando os artigos 13.º e 266º da CRP, 3º, 5.º 6º a 9º do CPA e artigo 55º da LGT);

– não cumprimento do dever de investigação com vista à descoberta da verdade material, imposto pelo artigo 58.º da LGT;

– princípio da dependência parcial da contabilidade (artigo 17.º do CIRC);

– violação das regras do ónus da prova (artigos 74.º e 75.º da LGT e 100.º, n.º1, do CPPT), por se basear «em impressões, palpites ou entendimentos» e não «na lei e na prova dos factos constitutivos do direitos»;

– erro na qualificação dos imóveis vendidos como «propriedade de investimento»

 

 A Administração Tributária no presente processo defende a posição assumida no RIT, dizendo ainda o seguinte, em suma:

– a intenção da Requerente, tal como foi expressamente declarada na escritura da dação em pagamento era a revenda, i.e., valorização do capital e a obtenção de rendimentos pela venda, implicando, deste modo, o seu reconhecimento como “Propriedades de Investimento”;

– as características dos imóveis e a sua utilização não sofreram alterações durante a sua permanência na esfera patrimonial da Requerente;

– não se vislumbra detectar qualquer utilidade prática e/ou idoneidade probatória – para aquilo que aqui nos ocupa –, a submissão à Câmara Municipal de Lisboa do PIP e a obtenção de parecer favorável três meses após a venda;

– o PIP serviu essencialmente para efeitos de habilitação, avaliação e negociação dos imóveis em causa, procedimento comum na actividade imobiliária, actividade principal desenvolvida por ambos os intervenientes;

– é a IES para todos os efeitos legais é a informação que faz fé junto dos seus utilizadores (investidores, financiadores, trabalhadores, fornecedores e outros credores, Administração Pública, público em geral, …);

– deve ser facto assente que a Requerente, depois de ter ponderado a substância económica dos imóveis, a sua finalidade e a forma como estes iriam gerar rendimentos, reconheceu contabilisticamente estes imóveis como “Propriedade de Investimento” nas suas contas auditadas e certificadas por Revisor Oficial de Contas;

– contrariamente ao alegado pela Requerente, à luz da normalização contabilística, os mesmos imóveis, em substância, não eram um “activo fixo tangível”, pois a sua intenção foi desde a “aquisição”, a valorização do capital, a obtenção de rendimentos pela venda/utilização passiva, implicando sempre o seu reconhecimento como “Propriedades de Investimento”, tal como fez a Requerente;

– é que imóveis em apreço foram desde logo reconhecidos nas contas da sociedade e nas respectivas Demonstrações Financeiras (Balanço) como “Propriedades de Investimento” tendo as respectivas contas sido auditadas e certificadas por Revisor Oficial de Contas;

– a principal finalidade dos imóveis era a sua revenda tal como foi declarado para efeitos de IMT na data da sua entrada no património da Requerente (aquisição) em 2013, como veio efectivamente a ocorrer em 2015;

– em 2015, a Requerente tinha registado aqueles imóveis na conta SNC 43 – “Activos Fixos Tangíveis” e, na sequência da escritura de compra e venda celebrada em 25.09.2015, foi calculada a mais-valia fiscal de € 2.554.500,00 que foi dada à tributação em 50% (€ 1.277.250,00) com fundamento na aplicação do regime do reinvestimento previsto no n.º 1 do art.º 48.º do CIRC;

– não se encontrando preenchidos todos os requisitos de que depende a aplicação do benefício do reinvestimento, foi promovida, e bem, uma correcção positiva ao lucro tributável de €1.277.250,00;

– a concessão do benefício fiscal do reinvestimento não fica dependente da classificação contabilística atribuída pelo sujeito passivo aos activos fixos relevantes (imóveis), como “activos fixos tangíveis”, tornando-se necessário averiguar se, em substância, assumem as características de “Propriedades de Investimento”;

– o n.º 1 do art.º 48.º do CIRC, não faz referência a activos que estejam classificados contabilisticamente como “activos fixos tangíveis”, mas sim que sejam “activos fixos tangíveis”;

– estamos na presença de “Propriedades de Investimento” desde que o terreno ou edifício por si só geram fluxos de caixa de forma independente, não necessitando de qualquer outro elemento para gerar rendimento para a entidade;

– estes imóveis – “Propriedades de Investimento” – geram rendimentos através do arrendamento ou venda a terceiros, desde que a venda de terrenos e edifícios não seja a actividade corrente da empresa;

– em 2015, a Requerente procedeu à transferência da conta 42 – “Propriedades de Investimento” para a conta 43 – “Activos Fixos Tangíveis”, o que veio a permitir-lhe um enquadramento diferente e mais favorável da mais-valia realizada na transmissão onerosa daqueles bens;

– a inexistência de uma intenção firme de concretização do projecto de restauração e conversão dos imóveis por parte da Requerente, pelo que a reclassificação contabilística que se operou de “Propriedades de investimento” para “Activos fixos tangíveis” indica que foi, sobretudo, ditada pela expectativa de alienação e consequências tributárias sobre as mais-valias daí resultantes, tanto mais que nenhuma alteração de uso se verificou em 2015, nomeadamente a utilização pelo próprio dono tendo em vista a exploração de uma actividade operativa;

– nenhum facto ocorreu em 2015 para justificar a alteração da classificação contabilística;

–se a pretensão da Requerente era a realização de obras de construção de um hotel destinada a se reexplorado pela própria, não teria aplicação a regra do §5 da IAS16 (Activos fixos tangíveis);

– e contrariamente ao alegado pela Requerente, à luz da normalização contabilística, os imóveis, em substância, não cabiam no conceito de “activo fixo tangível”, pois, a sua intenção, tal como foi expressamente declarada na escritura da dação em pagamento era a revenda, i.e., valorização do capital e a obtenção de rendimentos pela venda;

– no caso das “Propriedade de Investimento”, a sua finalidade é a obtenção de rendas ou a valorização do capital ou ambas as finalidades, sendo os rendimentos gerados pela “Propriedade de Investimento” sobremaneira dependentes daquele imóvel específico, rendimentos facilmente imputáveis ao imóvel.

 

3.2. Apreciação

 

O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. (   )

A esta luz, a questão essencial que se coloca, à face dos fundamentos de impugnação da liquidação invocados pela Requerente, não é propriamente a de saber se os imóveis, no momento em que foram vendidos, deviam ser contabilisticamente reconhecidos como activos fixos tangíveis ou propriedades de investimento, mas sim a questão, anterior àquela, de saber se se provam os fundamentos de facto em que a Administração Tributária baseou a sua conclusão de que os imóveis deviam ser considerados propriedades de investimento.

Na verdade, se se concluir que os fundamentos em que a Administração Tributária assentou o seu entendimento sobre a classificação contabilística são errados, a correcção efectuada enfermará de vício de erro sobre os pressupostos de facto, que constitui vício de violação de lei justifica a anulação da liquidação (nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT), independentemente da eventual existência ou não de outros fundamentos, não invocados no RIT, que poderiam servir de suporte àquela conclusão, pois, como se disse, o Tribunal Arbitral não pode substituir a fundamentação do acto de liquidação utilizada pela Administração Tributária.

No caso em apreço, a Requerente defende que se presumem verdadeiras as suas declarações e que, em face dessa presunção, cabe à Autoridade Tributária a prova dos factos constitutivos do direito que invoca, pelo que entende que foram violadas as regras do ónus da prova pela Administração Tributária (artigos 74.º e 75.º, n.º 1, da LGT) por não se ter baseado em factos provados, mas, antes, em «impressões, palpites ou entendimentos» (artigos 60.º e seguintes do pedido de pronúncia arbitral).

Para além disso, a requerimento censura à Administração Tributária não ter cumprido o dever de investigar tendo em vista a descoberta da verdade material (artigo 58.º da LGT).

 

3.2.1. Erro sobre os pressupostos de facto

 

No que concerne aos factos considerados provados pela Administração Tributária que a Requerente censura encontra-se o referido no artigo 80.º do pedido de pronúncia arbitral de a administração tributária ter entendido que os imóveis vendidos «não estiveram, no momento anterior ao da sua alienação, a ser utilizados no fornecimento bens/ou serviços ou para fins administrativos, não se encontrando ocupados pelo sujeito passivo, mas sim para a obtenção de rendimentos».

Pelo que se disse na fundamentação da decisão da matéria de facto, não se provou qual a utilização que Requerente dava aos imóveis, designadamente que, quando foram vendidos, estivessem a ser detidos pela Requerente para obter rendimentos de rendas, como pressupôs a Administração Tributária. Sendo a Administração Tributária quem invoca como fundamento da correcção que efectuou que era essa a finalidade da detenção dos imóveis, é sobre ela que recai o ónus da prova da utilização que invoca (artigo 74.º, n.º 1, da LGT), pelo que a dúvida sobre essa utilização tem de ser valorada processualmente contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, o que se reconduz a considerar que é errado esse pressuposto de facto da liquidação.

Por isso, não havendo prova de qual era a utilização dos imóveis pela Requerente no momento da venda, a liquidação impugnada enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto, por a Administração Tributária ter considerado essa alegada utilização não provada como pressuposto do seu entendimento sobre a classificação dos imóveis como propriedades de investimento e também de erro sobre os pressupostos de direito, por o referido artigo 74.º, n.º 1, da LGT impor que a falta de prova seja valorada procedimentalmente contra a Administração Tributária, por ser sobre ela que recai o ónus da prova desse pressuposto que invocou.

 

3.2.2. Violação do princípio do inquisitório (artigo 58.º da LGT)

 

A Requerente também tem razão ao defender que a Administração Tributária não cumpriu adequadamente o dever que lhe impõe artigo 58.º da LGT, que estabelece o princípio do inquisitório no procedimento tributário, que lhe impõe o dever de «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido».

Na verdade, no caso em apreço, não se podia, por um lado, considerar esclarecido a que fim destinava a Requerente os imóveis, designadamente que tivesse em vista a obtenção de rendas, pois o balancete que a Administração Tributária indicou no RIT como único elemento de prova de que estariam a ser utilizados para esse fim, não permitia, sem mais, concluir que haviam sido recebidas rendas relativas a arrendamentos dos imóveis vendidos, nem que, a existirem rendas, a situação se mantivesse no momento da venda dos imóveis. No mínimo, era exigível que, para apurar a verdade quanto à existência de rendas de arrendamentos daqueles imóveis, a Administração Tributária juntasse ao processo administrativo qualquer prova de registo nos seus serviços de contratos de arrendamento ou de recibos de renda referentes ao ano de 2015, que são de registo obrigatório. Mas, o processo administrativo não mostra que tenham sido realizada qualquer diligência para esclarecer se os imóveis vendidos estiveram arrendados no ano de 2015.

Por outro lado, de harmonia com os n.ºs 5 e 7 da NCRF 11, propriedade de investimento é a propriedade (terreno ou um edifício, ou parte de um edifício, ou ambos) detida (pelo proprietário ou pelo locatário numa locação financeira) para obter rendas ou para valorização do capital ou para ambas as finalidades, e, como esclarece a alínea c) do seu n.º 9, não é propriedade de investimento a «propriedade ocupada pelo titular (ver NCRF 7), incluindo (entre outras coisas) propriedade detida para futuro uso como propriedade, ocupada pelo titular, propriedade detida para futuro desenvolvimento e uso subsequente como propriedade ocupada pelo titular».

Tendo a Requerente invocado, no ponto 41 do exercício do direito de audição, que os imóveis se encontravam «a ser reconstruídos e desenvolvidos para futuro uso e exploração gela Requerente, que neles tinha precisamente em vista desenvolver e explorar nos mesmos imóveis uma unidade hoteleira com vista ao prosseguimento da atividade correspondente», estava-se perante uma situação potencialmente enquadrável na referida alínea c) do n.º 9 da NCRF 11, pelo que era manifestamente necessário apurar se o alegado pela Requerente correspondia ou não à realidade, realizando as diligências necessárias para esse efeito, se a Administração Tributária não considerava prova suficiente do alegado pela Requerente os documentos que apresentou, relativos ao PIP.

Na verdade, mesmo que os imóveis estivessem a ser utilizados até aos primeiros meses de 2015 para receber rendas (o que não se demonstrou), não havia obstáculo a que a Requerente alterasse a classificação contabilística, como efeito de alteração da finalidade a que destinava os imóveis, designadamente de passar a pretender alterá-los para instalação uma unidade hoteleira, como indiciam os documentos que juntou no exercício do direito de audição relativos ao PIPI. Por isso, mesmo que os imóveis estivessem adequadamente reconhecidos contabilisticamente como propriedade de investimento nos anos anteriores a 2015, por serem detidos para arrendamento (o que não se demonstrou), uma eventual alteração do seu destino, designadamente a invocada passagem a detenção pela Requerente para futuro desenvolvimento de uma unidade hoteleira para explorar directamente, justificaria a alteração do reconhecimento contabilístico como activo fixo tangível, em conformidade com a referida NCRF 11 e a alínea a) do n.º 6 da NCRF 7, que atribui a esta classificação aos itens que sejam detidos para uso na produção de bens.

Neste contexto, há notar que, ao contrário do que a Administração Tributária diz na página 16 do RIT, a Requerente não afirmou apenas uma «simples intenção (...) ou pretensa em afetar futuramente (esses imóveis) a uma atividade operacional», tendo, antes, afirmado que os imóveis estavam a ser reconstruídos e desenvolvidos para afectação a essa actividade operacional e a detenção dos imóveis para este fim viabilizava a classificação como activo fixo tangível, à face da alínea a) do n.º 6 da NCRF 7.

Por isso, não tendo a Administração Tributária realizado qualquer diligência para averiguar se o invocado pela Requerente correspondia à realidade, está-se perante uma violação do princípio do inquisitório, enunciado no artigo 58.º da LGT, que justifica a anulação da liquidação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

 

3.3. Questões de conhecimento prejudicado

 

Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações que são objecto do presente processo, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente, designadamente a violação dos princípios que são invocados pela Requerente.

 

3.4. Juros compensatórios e demonstrações de acerto de contas

 

A liquidação de juros compensatórios tem como pressuposto a respectiva liquidação de IRC (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), bem como a demonstração de acerto de contas, pelo que enfermam dos mesmos vícios que afectam estas, justificando-se também a sua anulação.

 

 4. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

A)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

B)           Anular a liquidação adicional de IRC n.º 2019..., datada de 21-11-2019, relativa ao exercício de 2015, no valor de € 432.936,64, a liquidação de juros compensatórios por retardamento da liquidação n.º 2019..., no valor de € 38.564,82 (documento n.º 2019...) e a demonstração de acerto de contas n.º 2019... .

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € 319.414,03.

 

6. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.508,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

               

Lisboa, 23-10-2020

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(António Martins)

(Mariana Vargas)