DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
a) Em 15 de Abril de 2020, a Requerente A..., NF..., em nome próprio e na qualidade de representante fiscal de B..., NF..., residente na Rua ..., nº..., ...-... Vila Nova de Gaia, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral (PPA), ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), tendo por objecto a legalidade
i. “do acto tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2019..., ... referente ao ano de 2018, o qual apurou imposto a pagar no valor de € 5.506,27, por aplicação da taxa autónoma de 28% à totalidade das mais-valias auferidas pela primeira Requerente com a alienação de um imóvel inscrito na matriz predial urbana n.º U-..., da freguesia da ...”;
ii. “do acto tributário de liquidação de IRS n.º 2019..., referente ao ano de 2018, o qual apurou imposto a pagar no valor de € 5.506,27, por aplicação da taxa autónoma de 28% à totalidade das mais-valias auferidas pelo segundo Requerente, com a alienação de um imóvel inscrito na matriz predial urbana n.º U-..., da freguesia da ...”;
iii. “do acto de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2020..., proferido em 19.02.2020, por despacho do Sr. Chefe de Finanças e notificado através do Ofício n.º ... relativo à reclamação apresentada pela Primeira Requerente” e
iv. “do acto de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2020..., proferido em 19.02.2020 por despacho do Sr. Chefe de Finanças e notificado através do Ofício n.º ... relativo à reclamação apresentada pelo Segundo Requerente”.
b) Concluem pedindo que o Tribunal Arbitral Singular (TAS) julgue procedente o pedido de pronúncia arbitral (PPA) e consequentemente determine: (1) “a anulação parcial dos actos de liquidação de IRS n.ºs 2019... e 2019..., no excesso de 50%, por aplicação do disposto no n.º 2, do artigo 43.º do Código do IRS, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 8º da CRP e do artigo 63.º do TFUE, com todas as demais consequências legais”; (2) “a anulação dos atos de indeferimento das reclamações graciosas n.ºs ...2020... e ...2020...”; e (3) “a condenação da AT no pagamento do montante de imposto indevidamente pago, bem como, no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, da LGT”.
c) É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por AT ou Requerida;
d) O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 16-04-2020.
e) Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 07.07.2020, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
f) O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 06 de agosto de 2020, regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).
g) A fundamentar o pedido, os Requerentes alegam a seguinte factualidade:
i Em 2018 tinham residência fiscal na Suíça.
ii Na declaração de rendimentos do período de 2018, que apresentaram em separado, indicaram mais-valias resultantes da alienação onerosa de imóvel sito em território português, não tendo sido possível declarar que pretendiam que a tributação fosse realizada com base no regime de tributação aplicável aos rendimentos obtidos em Portugal por cidadãos não-residentes, porquanto tal opção apenas é reservada aos cidadãos residentes na União Europeia.
iii Sucede que as liquidações de IRS de que foram notificados, em ambos os casos, desconsideraram o disposto no n.º 2, do artigo 43.º do Código do IRS, que determina a consideração, para efeitos de tributação, de apenas 50% da mais-valia apurada.
iv Pagaram os valores liquidados, mas apresentaram reclamações graciosas invocando a violação do princípio da não-discriminação de tratamento entre cidadãos residentes e não-residentes – nomeadamente contemplado, desde logo, pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), as quais foram indeferidas.
v Uma vez que decorre do disposto no artigo 63.º do TFUE, que “são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”.
vi Consideram que o indeferimento das reclamações graciosas padecem de falta de fundamentação, “... uma vez que, de acordo com o entendimento dos Requerentes claramente expresso nas reclamações graciosas apresentadas e, bem assim, nas audições prévias apresentadas, a matéria coletável apenas deveria ser considerada em 50%, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS – disposição que, reitere-se, a AT não analisou em sede dos dois projetos de indeferimento ou das decisões de indeferimento das reclamações apresentadas”.
vii Não obstante o artigo 43º - 2 do CIRS se “... referir, expressamente, ao saldo das mais e menos valias imobiliárias auferidas por residentes em território português, os Requerentes consideram que, uma interpretação conforme ao direito comunitário, impõe a aplicação do n.º 2, do artigo 43.º do Código do IRS também aos casos em que tais mais-valias sejam auferidas por residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou em Países Terceiros”;
viii “Neste sentido, os Requerentes entendem que um regime diferenciado de tributação aplicável a cidadãos residentes e a não residentes, quando residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou em Países Terceiros, em particular, quanto à limitação da base de incidência de IRS, configura uma (inaceitável) situação de discriminação no domínio da liberdade de circulação de capitais, inadmissível à luz do artigo 63.º do TFUE”.
ix Questão que foi já apreciada pelo:
(1) Tribunal de Justiça da União Europeia, em Acórdão proferido em 11.10.2007, no âmbito do Processo n.º 5 C-443/06;
(2) Supremo Tribunal Administrativo em acórdão datado de 16.01.2008, proferido no âmbito do Processo n.º 0439/06 e pelo acórdão de 03.02.2016, no âmbito do Processo n.º 01172/14;
(3) CAAD em 04.05.2013, no âmbito do Processo n.º 127/2012-T e em 22.06.2018, no âmbito do Processo n.º 617/2017-T.
x Concluem que : “... devem os atos de liquidação ora contestados ser considerados parcialmente ilegais, por desaplicação, in casu , do n.º 2, do artigo 43.º, do Código do IRS, justificando-se, por isso, a sua anulação parcial, na parte em que desaplica a norma legal e, bem assim, devem as decisões definitivas das reclamações graciosas apresentadas pelos Requerentes ser declaradas ilegais, pois, estando os actos de liquidação feridos de ilegalidade, todos os actos subsequentes se encontram inquinados de ilegalidade”.
h) Notificada a Requerida, respondeu em 09 de Setembro de 2020. Juntou o PA composto por um ficheiro.
i) Defende uma leitura da lei diferente da que é feita pelos Requerentes, uma vez que a posição defendida no PPA “está inquinada de erro sobre os pressupostos de facto e de direito” a saber:
i. Estando em discussão a exclusão da incidência de imposto de mais-valias a 50% (tal como acontece com os residentes), obtidas por um não residente em Portugal, mas residente num País Terceiro, o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS não se lhes aplica.
ii. Considera que não ocorre a invocada falta de fundamentação, uma vez que (1) ”os Requerentes bem compreenderam, ..., as razões subjacentes às decisões das reclamações, contra as mesmas reagindo através do P.P.A apresentado junto do CAAD e no qual, ao longo de mais de uma centena de artigos, explanam e fundamentam as suas razões” e quanto ao prejuízo do controlo da legalidade (2) “os Requerentes demonstram que conheceram os “porquês” da prática dos atos de indeferimento das reclamações” só assim sendo “possível apresentar um Requerimento em que solicitam a constituição de Tribunal Arbitral com 116 artigos”
iii. Quanto à não aplicação do regime do artigo 43º-2 do CIRS às liquidações impugnadas, refere que “a Suíça é um Estado não pertencente à União Europeia ou, sequer, ao designado como “espaço económico europeu”, razão pela qual não é aplicável aos residentes naquele Estado que hajam obtido rendimentos em Portugal o regime opcional previsto nos números 9 e 10 do artigo 72.º do CIRS”.
iv. Quanto às decisões jurisdicionais do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), invocadas pelos Requerentes, refere que não está em causa nenhuma disposição constante dos Tratados que regem a União, cujos preceitos constituem – eles sim – fonte de Direito Comunitário que a doutrina comummente designa como “originário”, acrescendo, até, que num dos arestos mencionados (C-222/97) se visava uma decisão sobre norma distinta (o artigo 73.º do Tratado CE) da que os Requerentes ora invocam e também questão material substancialmente diversa da que está em causa no presente processo.
v. Concluindo que “não estarmos, também, perante uma norma (regra de conteúdo geral e abstrato) emanada por uma instituição da mesma União, mas sim perante uma decisão individual e concreta unicamente aplicável nos estritos limites do caso subjacente à respetiva prolação”.
vi. Pelo que “os Acórdãos indicados não constituem, destarte, fonte de direito comunitário, nem sequer daquele que os autores costumam designar como “derivado”, uma vez que carecem, outrossim, das características de generalidade e abstração, ínsitas às normas jurídicas, sendo, portanto, insuscetíveis de fundar a pretensão dos Requerentes”.
vii. Quanto aos acórdãos do STA citados pelos Requerentes no PPA, considera que em tais “peças jurisprudenciais do STA estão em causa cidadãos residentes, respetivamente no Acórdão n.º 439/06, na Alemanha, no Acórdão n.º 1374/12 na França, e no Acórdão n.º 1172/14 na Grã-Bretanha, logo, no chamado “espaço económico europeu, motivo pelo qual não é possível aplicar, de modo direto e imediato, o entendimento daquelas constante a contribuintes residentes fora desse mesmo espaço, como é o caso dos Requerentes”.
viii. E termina referindo que “ainda que assim não fosse, como é, a norma estabelecida no n.º 2 do artigo 43.º, e cuja aplicação os Requerentes defendem, encontra-se no capítulo II do CIRS que tem como epígrafe "Determinação do rendimento coletável", ou seja, “estamos perante a determinação do rendimento. Sendo que para efeitos de incidência, e no que respeita à matéria das mais-valias que nos ocupa, relevantes são os artigos 9.º e 10.º do CIRS, resultando que o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS não é aplicável ao caso aqui em análise”
ix. Finaliza: “soçobram ... todos os fundamentos aduzidos pelos Requerentes e, consequentemente, a alegada ilegalidade assacada às liquidações objeto do P.P.A, bem como o pedido de condenação em juros indemnizatórios”.
j) Por despacho de 10.09.2020 foi dispensada a reunião de partes do artigo 18º do RJAT e foi considerado desnecessária a produção de alegações pelas partes.
II – SANEAMENTO
a) As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
b) Tempestividade - o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD em 15 de Abril de 2020. Os Requerentes impugnam as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) e as decisões de indeferimento de reclamações graciosas apresentadas contra as liquidações, que tomaram os nºs 2019... e ...2020..., cujas notificações lhes foram feitas por ofícios de 19.02.2020 (documentos nºs 3 e 4 juntos com o PPA)
c) A AT não colocou em causa a tempestividade da apresentação do PPA. A notificação dos actos imediatamente impugnados de indeferimento das reclamações graciosas, ocorreu necessariamente em data posterior à data que consta do ofício de notificação. Assim, nos termos conjugados dos artigos 102º, nº 1, alínea b), do CPPT e 10º, nº 1, alínea a), do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral configura-se como sendo tempestivo.
d) O processo arbitral não padece de nulidades.
Cumpre apreciar
III – MÉRITO
III-1- MATÉRIA DE FACTO
Factos considerados provados
Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:
a) Os Requerentes, em 2018, tinham residência fiscal na Suíça – conforme artigo 15º do PPA e artigo 8º da Resposta da AT;
Quanto ao IRS de 2018 de A...
b) Em 30-11-2018 a Requerente A... entregou uma declaração modelo 3 de IRS de substituição, relativa ao ano de 2018, em cujo Anexo G fez constar, no campo 4001 do quadro 4, que alienou em Agosto de 2018, pelo montante de € 35.000,00, uma quota parte correspondente a 50% do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia da ..., concelho de Vila Nova de Gaia sob o artigo ..., a qual declarou haver adquirido em Dezembro de 1993 pelo valor de € 7.482,00, mais declarando haver suportado despesas e encargos com a valorização daquele bem, ou inerentes à sua aquisição e/ou alienação, na importância de € 2.540,50 – conforme artigos 14º a 16º da Resposta da AT e artigo 17º do PPA;
c) Com base na entrega desta declaração foi efetuada, em 04-12-2019, em nome da Requerente, a liquidação de IRS n.º 2019..., no âmbito da qual foi apurado o montante de imposto a pagar de € 5.506,27 (imposto relativo a tributações autónomas) à qual acrescem juros compensatórios no montante de € 85,58, o que perfaz o total de imposto a pagar de € 5.591,85 – conforme documento nº 1 em anexo ao PPA; artigos 17º e 18º da resposta ao PPA e artigo 20º do PPA;
d) Em 28.12.2019 a Requerente procedeu ao pagamento da importância liquidada – conforme artigo 25º do PPA e Documento nº 6 em anexo ao PPA;
e) Em 17.01.2020 apresentou, contra a liquidação acima referida, a reclamação graciosa que tomou o nº ...2020..., tendo a AT, por ofício de 19.02.2020, notificado a reclamante do seu indeferimento, com o seguinte fundamento:
“3.2 - De acordo com o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 43º do CIRS, o salo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizados no ano, respeitantes às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do nº 1 do artigo 10º, é apenas considerado em 50% do seu valor.
3.3 – São tributadas à taxa autónoma de 28% as mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do nº 1 do artigo 10º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado.
3.4 – Nesta conformidade, em termos de legalidade, nada se poderá apontar à liquidação agora em crise”.
- conforme documento nº 3 em anexo ao PPA, artigos 26º e 31º do PPA e artigo 19º da Resposta da AT;
Quanto ao IRS de 2018 de B...
f) Em 30-11-2018 o Requerente B... entregou uma declaração modelo 3 de IRS de substituição, relativa ao ano de 2018, em cujo Anexo G fez constar, no campo 4001 do quadro 4, que alienou em Agosto de 2018, pelo montante de € 35.000,00, uma quota parte correspondente a 50% do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia da ..., concelho de Vila Nova de Gaia sob o artigo ...º, a qual declarou haver adquirido em Dezembro de 1993 pelo valor de € 7.482,00, mais declarando haver suportado despesas e encargos com a valorização daquele bem, ou inerentes à sua aquisição e/ou alienação, na importância de € 2.540,50 – conforme artigos 25º a 29º da Resposta da AT, artigo 17º do PPA;
g) Com base na entrega desta declaração foi efetuada, em 04-12-2019, em nome do Requerente a liquidação de IRS n.º 2019..., no âmbito da qual foi apurado o montante de imposto a pagar de € 5.506,27 (imposto relativo a tributações autónomas) à qual acrescem juros compensatórios no montante de € 90,57, o que perfaz o total de imposto a pagar de € 5.596,84 – conforme documento nº 2 em anexo ao PPA; artigos 28º e 29º da Resposta e artigo 21º do PPA;
h) Em 30.12.2019 o Requerente procedeu ao pagamento da importância liquidada – conforme artigo 25º do PPA e Documento nº 6 em anexo ao PPA;
i) Em 17.01.2020 apresentou, contra a liquidação acima referida, a reclamação graciosa que tomou o nº ...2020..., tendo a AT, por ofício de 19.02.2020, notificado a reclamante do seu indeferimento, com o seguinte fundamento:
“3.2 - De acordo com o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 43º do CIRS, o salo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizados no ano, respeitantes às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do nº 1 do artigo 10º, é apenas considerado em 50% do seu valor.
3.3 – São tributadas à taxa autónoma de 28% as mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do nº 1 do artigo 10º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado.
3.4 – Nesta conformidade, em termos de legalidade, nada se poderá apontar à liquidação agora em crise”. – conforme documento nº 4 em anexo ao PPA, artigos 26º e 31º do PPA e artigo 30º da Resposta da AT;
j) Em 15 de Abril de 2020 os Requerentes entregaram no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral.
Factos considerados não provados
Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.
Fundamentação da fixação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.
III-2- DO DIREITO
III-2-1 - Quanto ao mérito
A) Apreciação da questão de fundo.
Artigo 43º-2 do CIRS vs. artigo 63º do TFUE
Como se retira da posições dos Requerentes e da Requerida, expressas no Relatório desta decisão e ainda dos factos provados resultantes da posição unânime das duas partes, não se pretende discutir nada mais que não seja a não aplicação ao caso, do disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, de cujo normativo resulta que o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é apenas considerado em 50%, entendendo os Requerentes que o acto de liquidação, ao considerar a totalidade da mais-valia realizada, constitui uma discriminação negativa dos não residentes restritiva da liberdade de circulação de capitais, desiderato que foi aduzido em sede de reclamações graciosas.
Como aliás se retira desde logo do artigo 28º do PPA que refere: “...em jeito de acompanhamento dos argumentos aduzidos pelos dois Requerentes em sede de reclamação graciosa, sempre se diga, que decorre do disposto no artigo 63.º do TFUE que “são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”.
A Autoridade Tributária defende, em contraposição, v.g. no artigo 40º da Resposta que “os Requerentes se declararam como não residentes em território português; que o disposto nos números 1 e 2 do artigo 43º do CIRS se aplica a residentes nesse mesmo território; que aos não residentes se aplica a taxa autónoma de 28% (prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do CIRS), norma não referida no texto da informação, mas expressamente mencionada nos Pareceres elaborados pela Chefe de Finanças Adjunta sobre essas mesmas informações, e que, consequentemente, as liquidações contestadas não padeciam de ilegalidade”.
É, pois, esta a única questão que está em debate.
Esta questão foi já analisada, em situações similares, nas decisões colegiais proferidas nos Processos CAAD n.º 846/2019 e 208/2019-T, na linha do também já decidido em diversas outras decisões arbitrais, e, não havendo motivo para alterar esse entendimento, passa aqui reproduzir-se a parte mais relevante da sua fundamentação (com as alterações relativas à especificidade do caso concreto).
“30. Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do artigo 10.º, do Código do IRS, “constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis...”.
31. Esses rendimentos, desde que resultantes da transmissão de direitos reais relativos a imóveis situados em território português consideram-se aqui obtidos (CIRS, art. 18.º, n.º1, al. h), ficando, assim, abrangidos pela incidência deste tributo quando auferidos por titulares não residentes (CIRS, arts. 13.º, n.º 1 e 15.º, n.º 2).
32. Conforme resulta do artigo 10.º, n.º 4, do Código do IRS, o ganho sujeito a tributação é constituído pela diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição, sendo este valor atualizado pelo coeficiente de correção monetária e acrescido de encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos e bem assim das despesas necessárias e efetivamente praticadas inerentes à aquisição e alienação, nos termos dos artigos 50.º e 51.º do mesmo Código.
33. O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias, integrando a Categoria G do IRS, é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, conforme prevê o artigo 43.º, n. º1, do citado Código.
34. No entanto, segundo o n.º 2 do mesmo artigo, na redação em vigor à data da ocorrência do facto tributário a que se reporta o presente pedido de pronúncia arbitral, o referido saldo, positivo ou negativo, quando respeitante a mais-valias imobiliárias, é apenas considerado em 50% do seu valor, quando “respeitante às transmissões efetuadas por residentes”
35. Quando auferidos por sujeitos passivos residentes esses rendimentos são sujeitos a englobamento e, em conjunto com outros rendimentos auferidos no mesmo ano pelos respetivos titulares, sobre eles incidem as taxas gerais previstas no artigo 68.º do Código do IRS.
36. Diversamente, se esses rendimentos forem auferidos por titulares não residentes em território português, são sujeitos a tributação autónoma, incidente à taxa especial de 28% sobre a totalidade das mais-valias, nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código.
37. A assinalada desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias entre os sujeitos passivos residentes e não residentes foi submetida à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, por via de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo (Ac. de 28-09-2006, Proc.439/06).
38. Respondendo à questão colocada, o Tribunal de Justiça, em acórdão de 11-10-2007, proferido no Proc. C-443/06 (Hollmann), declarou que “O artigo 56º CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.”
39. Na sequência da referida decisão, o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 16-01-2008, proferido naquele Processo 439/06, veio igualmente a decidir que “ O n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal, viola o disposto no art. 56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia.”
40. A orientação referida tem vindo a ser invariavelmente seguida pelo Supremo Tribunal Administrativo conforme se pode verificar dos acórdãos de 22-03-2011- Proc. 01031/10, de 10-10-2012, Proc. 0533/12, de 30 -04-2013, Proc. 01374/12, de 18-11-2015, Proc. 0699/15, de 03-02-2016, Proc. 01172/14 e, mais recentemente, de 20-02-2019, Proc. 0901/11.
41. Porém, o legislador nacional, por via da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, procurou obviar o tratamento discriminatório dos residentes comunitários e do Espaço Económico Europeu, facultando-lhes, em termos opcionais, a possibilidade de tributação das mais-valias imobiliárias em condições similares às aplicáveis aos residentes em território português, aditando ao artigo 72.º do Código do IRS os números 7 e 8 (n.ºs 9 e 10 à data dos factos, na renumeração operada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, a que correspondem os atuais n.ºs 13 e 14), com a seguinte redação:
“9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.
10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”
42. O regime opcional acima referido não veio sanar o regime discriminatório que se mantém em vigor e foi aplicado às liquidações de IRS ora questionadas.
43. Após a alteração legislativa acima referida ficaram a vigorar, na área da tributação dos rendimentos qualificados como mais-valias originadas pela transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes: um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento e um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes.
44. Este regime específico de equiparação aos residentes é opcional, não afastando, contudo, o carácter discriminatório da norma do artigo 43.º, n. º2, conforme, aliás, em vindo a ser decidido em diversas decisões arbitrais.
45. Com efeito, esta matéria, já na decorrência de situações posteriores à alteração legislativa acima referida, tem vindo a ser objeto de diversas decisões arbitrais tendo-se firmado jurisprudência, largamente maioritária, no sentido de que a opção em causa, constitui um ónus suplementar comparativamente aos residentes insuscetível de excluir a discriminação em causa.
46. Nesse sentido, pode ler-se na decisão arbitral de 22-05-2019, Proc.74/2019-T, “ “Sucede que a existência deste regime não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda em vigor e que foi aplicado à liquidação de IRS em causa.
De facto, atualmente, em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não residentes neste território, mas residentes noutro Estado membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu, resulta do disposto nos n.ºs 1 e 8 do artigo 72.º do Código do IRS que, coexistem dois regimes fiscais:
i. O regime que sujeita os rendimentos a uma taxa especial de 28% e
ii. O regime equiparado ao que vigora para os sujeitos passivos residentes em território português, segundo o qual, os mesmos rendimentos são sujeitos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do nº 2 do citado artigo 43.º do Código do IRS.
Porém, a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não sendo a opção de equiparação suscetível de excluir a discriminação em causa.
Na realidade, o regime de equiparação atualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o caráter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal.
Neste sentido, o TJUE considerou, no Acórdão Gielen, de 18/03/2010 (Processo C-440/08), num caso de evidente paralelismo (ainda que naquele acórdão estivesse em causa a violação do artigo 49.º), o seguinte:
a. «a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (...) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório», frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.».
b. «o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (...) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49º TFUE em razão do seu carácter discriminatório».
c. O Tratado «se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (...) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes”.
47. No mesmo sentido, considerou-se, em decisão arbitral de 14-05-2013, Proc. 127/2012-T que “(...) a opção que é dada a um sujeito passivo residente na União Europeia ou espaço económico europeu entre um regime que continua a ser discriminatório, por violação do disposto art. 63.º da TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes no território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes. Concluindo aquele aresto que «ao se reconhecer que os referidos efeitos não são eliminados, estar-se-á a admitir que a referida opção valida um regime fiscal que continua em si mesmo a violar o artigo 63.º do TFUE, pelos motivos acima enunciados, o que não se coaduna com o direito comunitário”
48. É, pois, esta a orientação que tem vindo a ser acolhida na jurisprudência arbitral do CAAD, não só nas decisões acima citadas, como em muitas outras, designadamente as proferidas nos processos 748/2015-T, 89/2017-T, 520/2017-T, 617/2017-T, 644/2017-T, 370/2018-T,583/2018-T, 596/2018-T 600/2018-T e 613/2018-T, não se suscitando quaisquer dúvidas sobre a incompatibilidade do atual quadro normativo em causa com o direito comunitário, em especial com o artigo 63.º do TFUE.
49. Também dúvidas se não suscitaram ao Supremo Tribunal Administrativo que, em acórdão de 20-02-2019, proferido no Proc. 0901/11.0BEALM.0692/17 – reportando-se a mais-valias realizadas em 2010, portanto já na vigência das alterações introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007 - se pronunciou sobre a matéria em causa nos seguintes termos:
“12. O Estado Português, através da Lei 3-B/2010 de 28-04, instituiu um regime opcional, ex vi nºs 7 e 8 do artigo 72.º do CIRE, com vista à equiparação dos não residentes aos residentes, permitindo àqueles a opção de englobamento dos rendimentos obtidos por mais-valias imobiliárias e, assim, serem tributados em condições similares às dos residentes.
13. Tratando-se de um regime opcional e mantendo-se o regime geral discriminatório, a sua apreciação foi objecto do Acórdão Gielan de 18-03-2010 do TJUE, que veio a manter as anteriores conclusões referidas no Acórdão Hollmann.
14. E no caso sub judice foi a Autoridade Tributária que determinou a forma de tributação, através da correcção da liquidação, não validando os elementos declarados pelos Impugnantes na sua declaração anual de IRS, não dando hipótese do exercício desta opção aos Impugnantes.
15. Mesmo assim, tal regime opcional não vem sanar a discriminação entre as normas do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS e o artigo 56.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, já que a norma anterior se manteve como geral, apenas sendo criada uma outra opcional.
16. Na verdade, já este STA se pronunciou em situação similar à presente - acórdão de 03-02-2016, Proc. 01172/14 – negando provimento a um recurso e decidindo no sentido de que tributação em sede de mais valias imobiliárias apuradas por um não residente, devem ser consideradas apenas em 50%, evitando assim a situação discriminatória que a Fazenda Pública pretende ver aqui reconhecida.
17. Concluindo que a aplicação do nº 2 do artigo 43 do CIRS, que discrimina negativamente a tributação dos não residentes face aos residentes, é incompatível com o direito comunitário, porque limita os movimentos de capitais que o artigo 56 do Tratado CE consagra”
Acompanhando, sem reservas, a jurisprudência do STA e do CAAD acima referidas, e as decisões arbitrais colegiais proferidas nos Processos CAAD n.º 208/2019-T e 846/2019-T que aqui se transcreveram, considera o Tribunal que se não suscitam dúvidas quanto à incompatibilidade com o direito europeu das normas aplicadas às liquidações impugnadas.”
O que aliás a própria AT admite na Resposta ao PPA.
Resta acrescentar que não altera dos dados do problema a circunstância de, no caso, estar em causa um residente em país terceiro.
“Nesse sentido, é elucidativo o acórdão do TJUE de 18 de Janeiro de 2018, no Processo n.º C-45/17 (acórdão Jahin). Aí se refere que o artigo 63º do TFUE estabelece a livre circulação de capitais entre Estados Membros, por um lado, e entre Estados Membros e países terceiros, por outro, de onde decorre que o âmbito de aplicação territorial da livre circulação de capitais prevista no artigo 63º TFUE não se limita aos movimentos de capitais entre Estados Membros, mas estende se igualmente aos movimentos de capitais entre Estados Membros e Estados terceiros (parágrafos 19 e 21). No que se refere ao âmbito de aplicação material do artigo 63º TFUE, embora o Tratado não defina o conceito de «movimentos de capitais», resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que esses movimentos, na aceção desse artigo, compreendem, nomeadamente, as operações mediante as quais os não residentes efectuam investimentos imobiliários no território de um Estado Membro. Pelo que as imposições efectuadas nos termos de uma legislação nacional que incidem sobre os rendimentos prediais e sobre uma mais valia obtida na sequência da alienação de um imóvel, adquirido num Estado Membro por uma pessoa singular que reside num Estado terceiro, estão abrangidas pelo conceito de «movimentos de capitais», na acepção do artigo 63º TFUE.
Não há motivo, por conseguinte, para deixar de aplicar o entendimento anteriormente expresso quando a discriminação operada pelo artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS incide sobre um residente em país terceiro.
Nestes termos, julga-se incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE. Consequentemente, os actos de liquidação em causa, desconsiderando aquela limitação, encontram-se feridos de ilegalidade, tal como as decisões de indeferimento das reclamações graciosas. Restringindo-se a ilegalidade apenas àquele excesso de tributação, e nela se centrando em exclusivo o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, devem esses actos ser parcialmente anulados.
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Fica prejudicado o conhecimento dos outros dois fundamentos que suportam o PPA e que foram invocados pelos Requerentes, uma vez que a decisão adoptada preenche cabalmente o fim pretendido com a procedência do pedido de pronúncia arbitral.
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B) Direito ao reembolso de IRS
Provou-se em d) e h) dos factos assentes, que em 28.12.2019 e em 30.12.2019, os Requerentes procederam ao pagamento do imposto que lhes foi liquidado, em desconsideração do regime do artigo 43º-2º do CIRS.
Na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação controvertidos, na parte de IRS pago indevidamente, há lugar ao seu reembolso, por força do disposto nos artigos 24º nº 1, alínea b), do RJAT e 100º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se os atos tributários objeto da decisão arbitral não tivessem sido praticados.
Destarte, procede o pedido de reembolso da quantia de € 5 506,27.
C) Pedidos de juros indemnizatórios
O Requerente pede a condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da LGT.
Provou-se em d) e h) dos factos assentes, que em 28.12.2019 e em 30.12.2019, os Requerentes procederam ao pagamento do imposto que lhes foi liquidado.
No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que refere «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
(...)
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
São três os requisitos do direito aos referidos juros: i) a existência de um erro em acto de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) a determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e iii) o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Deste modo, é logo possível formular uma questão: é admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios em processo arbitral tributário? A resposta à questão é afirmativa. Com efeito, o artigo 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
A ilegalidade das liquidações é imputável à Administração Tributária, que as emitiu com base em pressupostos de direito que não se verificavam.
No presente caso é de aplicar o regime do nº1 do artigo 43º da LGT.
Consequentemente, os Requerentes têm direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, contados desde a data em que pagaram os valores acima referidos (na parte da liquidação anulada).
Os juros indemnizatórios são devidos sobre a referida quantia de 5 506,27 €, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde as datas em que ocorreu o pagamento e até à emissão da respectiva nota de crédito.
IV. DECISÃO
Termos em que, com os fundamentos expostos, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, pelo que, consequentemente:
• Anulam-se parcialmente (1) o acto tributário de liquidação de IRS n.º 2019..., referente ao ano de 2018, de que resultou imposto a pagar no valor de € 5.506,27; (2) o acto tributário de liquidação de IRS n.º 2019..., referente ao ano de 2018, de que resultou imposto a pagar no valor de € 5.506,27 (3) o acto de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2020..., proferido em 19.02.2020, e (4) o acto de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2020..., proferido em 19.02.2020; por desconformidade com o nº 2 do artigo 43º do CIS e com o artigo 63º do TFUE;
• Julga-se procedente o pedido de reembolso da quantia de € 5 506,27 e de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima expostos.
V - VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 5 506,27, nos termos do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VI – CUSTAS
Custas de € 612,00, a suportar pela Requerida, conforme o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 02 de Outubro de 2020
Tribunal Arbitral Singular,
Augusto Vieira